Contas Abertas

Gil Castello Branco critica esvaziamento da Lava Jato no combate à corrupção

Em entrevista exclusiva à Política Democrática Online de outubro, diretor da Contas Aberta compara caso brasileiro ao desmonte de operação italiana

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Com mais de 150 mil brasileiros mortos na pandemia do coronavírus, o Brasil está menos transparente no combate à corrupção, diz o economista Gil Castello Branco, fundador e atual diretor executivo da Associação Contas Abertas, entidade que fomenta a transparência, o acesso à informação e o controle social no país. Em entrevista exclusiva à revista Política Democrática Online de outubro, ele também afirma que o desmonte da Lava Jato no país não é muito diferente do que ocorreu com a Operação Mãos Limpas na Itália.

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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos, gratuitamente, em seu site. Entrevistado especial desta 24ª edição da Revista Política Democrática Online, Castello Branco acredita que, em meio à pandemia, a redução da transparência é ainda mais preocupante. "Já foram autorizados para o enfrentamento ao Covid-19, só na área federal, cerca de R$ 600 bilhões; na hipótese [otimista] de que 3% desses recursos venham a ser desviados, R$ 18 bilhões serão abocanhados por criminosos", avalia.

Na avaliação de Castello Branco, "é preocupante constatar que, desta vez, as acusações [de desvios] não pairam sobre um, dois, ou três partidos políticos. Não dizem respeito a um governador ou a um secretário". “A corrupção está acontecendo de uma forma horizontal, e merece ampla reflexão. A única arma de que dispomos é a transparência", completa.

Em relação ao possível esvaziamento da Lava Jato, ele a compara com a operação italiana, que, ao atingir poderosos, inclusive políticos, começou a ser fragilizada por diversos meios. “E, hoje, dizem, na Itália, que combater a corrupção depois da Mãos Limpas é mais difícil do que era anteriormente. Por quê? Porque justamente a Legislação foi sendo afrouxada de tal maneira que inviabilizou o combate mais acirrado à corrupção. E receio que isso possa acontecer aqui no Brasil, ou, pior, que já esteja acontecendo”, lamenta.

Segundo o entrevistado especial da revista Política Democrática Online de outubro, o trabalho da força tarefa foi extremamente importante para que a sociedade brasileira tivesse a impressão de que a corrupção iria diminuir no país. Pouco depois, surgiram as “10 Medidas Contra a Corrupção”, ampliadas, posteriormente, para as “70 Medidas Contra a Corrupção”, um trabalho coordenado pela Fundação Getúlio Vargas e a Transparência Internacional, que contou com a participação de quase 300 entidades, inclusive a Contas Abertas. 

Gil Castello Branco realiza, frequentemente, palestras em workshops para empresários e cursos em instituições acadêmicas e nos principais veículos brasileiros de comunicação (O Estado de S. Paulo, TV Globo, Folha de S. Paulo, Fundação Getúlio Vargas, USP, UnB, O Globo, entre outros). Foi professor visitante da Unicamp (Universidade de Campinas) e colunista mensal dos jornais O Globo, Correio Braziliense e O Estado de S. Paulo.

Atualmente Castello Branco é o professor de curso EaD "No rastro digital do dinheiro público: como fiscalizar os gastos da União, Estados e Municípios", organizado pela Knight Center for Journalism in the Americas, da Universidade do Texas, em parceria com a Contas Abertas.

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O Estado de S. Paulo: Decreto sobre sigilo contradiz discurso de campanha, diz secretário-geral da Contas Abertas

Para o economista Gil Castello Branco, determinação do governo Jair Bolsonaro que alterou regras da Lei de Acesso à Informação (LAI), publicada nesta quinta-feira, 24, deveria ser revogada

Por Matheus Lara, de O Estado de S.Paulo

O decreto que alterou regras da Lei de Acesso à Informação (LAI)publicado nessa quinta-feira, 24, contradiz o discurso eleitoral de Jair Bolsonaro sobre transparência e deveria ser revogado, na avaliação do secretário-geral da Associação Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco. Alegando desburocratização, o governo decidiu ampliar o número de comissionados com permissão para atribuir o grau de sigilo "ultrassecreto" a informações que antes poderiam ser obtidas via LAI por qualquer pessoa. Antes, esta era uma atribuição apenas da alta administração federal.

Ao Estado, Castello Branco lembra que a Lei de Acesso à Informação, em vigor desde 2012, foi amplamente discutida com a sociedade civil e entidades para sua criação e amadurecimento. Ele participou do processo e diz que não houve esta discussão para a alteração definida nesta quinta-feira. Veja os principais trechos da entrevista:

O aumento do número de pessoas autorizadas a tornar um documento ultrassecreto pode fazer com que esses documentos sejam mais numerosos?
Quando o governo amplia a quantidade de pessoas que poderão decidir sobre os graus de restrições, ele muito provavelmente amplia o número de documentos que vão estar com essas restrições. As dificuldades para colocar um documento como ultrassecreto passam a ser menores.

O que significa, na prática, o maior número de pessoas com esta permissão?
Esse tema sempre nos preocupou (quando da discussão e construção do projeto de lei). Naquele momento, já tínhamos a convicção de quanto menos pessoas tivessem a possibilidade de decidir sobre essas restrições - ou seja, quanto maiores fossem as dificuldades para que as pesosas conseguissem colocar um documento como ultrassecreto, melhor seria para a sociedade. A tendência é de que houvesse uma menor quantidade de documentos indisponíveis.

O governo justifica o decreto sob a ótica da desburocratização.
Se a intenção do governo foi desburocratizar o processo, essa desburocratização vai completamente de encontro ao que a sociedade deseja, que é a maior quantidade de documentos possível disponibilizados. Esse decreto deve ser simplesmente revogado.

A sociedade civil foi convidada a debater essas mudanças?
Não tive nenhum conhecimento dessas propostas. A Contas Abertas sempre esteve à frente dessas discussões e não fomos ouvidos. Se fôssemos, teríamos sido contrários. É inapropriada, descabida. A tendência é de que o número de documentos indisponíveis aumente. O direito de aceso à informação é um direito tão importante quanto a liberdade de expressão. Esse é o entendimento do mundo todo. A lei é de maio de 2012 e ela não está ainda amadurecida. Então é um retrocesso.

Como candidato, Bolsonaro tratou a transparência como uma “meta inegociável” em seu plano de governo. O senhor vê esse decreto como uma contradição daquilo que foi dito durante a campanha?
Eu acho que realmente ela fere a Lei de Acesso à Informação e fere o discurso do então candidato. Parece incoerente que na mesma ocasião em que se discute a maior abertura dos dados do BNDES o governo solta uma medida que tem uma grande chance de estar ampliando a relação de documentos indisponíveis. Não é o caminho que o mundo está seguindo.


O Globo: A inadequada liberação de gastos por Temer

Apesar de o momento aconselhar prudência, dada a dificuldade de ser atingida a meta fiscal, Palácio permite despesas para garantir votos a favor do presidente

Corria o ano de 2013 quando a presidente Dilma Rousseff admitiu que, em eleição, se faz “o diabo” para vencer. No ano seguinte, ela praticaria o que disse, e terminaria impedida de continuar no Planalto, por crime de responsabilidade no campo fiscal.

Essa mesma ausência de limites no jogo da política tem sido vista em ações do governo Michel Temer, a fim de evitar que a Câmara conceda licença para o presidente ser processado no Supremo, conforme denúncia da Procuradoria-Geral da República, por corrupção passiva.

Se Dilma e equipe fizeram “o diabo” nas contas públicas, com artifícios nunca vistos, Temer e equipe usam velhos instrumentos de cooptação, usados, reconheça-se, também por petistas e tucanos, os polos opostos da política de hoje em dia. Nem por isso deixa de ser um recurso deplorável.

Reportagem do GLOBO, no domingo, revelou que, nas duas semanas anteriores à votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o Planalto liberou R$ 15,3 bilhões, entre programas e emendas parlamentares. No próprio domingo, o governo rebateu, alegando, em síntese, que são gastos legais, anteriormente previstos.

Pode ser, mas o dolo está na oportunidade da liberação. É cristalina a intenção do Planalto de conseguir, em troca, apoio de deputados. Na CCJ, deu certo. Agora, haverá o enfrentamento decisivo — nesta denúncia —, no plenário, dia 2 de agosto, uma quarta. Quanto custará?

O fluxo de dinheiro para atender a emendas de deputados foi de grande generosidade: nessas duas semanas anteriores à vitória de Temer na CCJ, liberou-se R$ 1,9 bilhão, praticamente o mesmo que tudo que se destinou a elas de janeiro ao início de junho, conforme levantamento feito pelo deputado Alessandro Molon (Rede-RJ). Meio ano em duas semanas.

Um aspecto diabólico dessa gastança, no sentido dado por Dilma, é que ela acontece enquanto a equipe econômica tenta encontrar formas de ser atingida a meta fiscal do ano, um déficit de R$ 139 bilhões. Como o ritmo de recuperação da economia é baixo, aquém do estimado, as receitas não aumentam. E as despesas continuam a subir, puxadas pela Previdência, cuja reforma espera a evolução da crise política.

Mesmo com todas essas dificuldades fiscais, o governo faz “o diabo” por meio de gastos fora de hora. E ainda analisa a possibilidade de aumentar impostos — um sacrilégio, neste momento de reação ainda tímida do setor produtivo.

E não se diga que não há margem para cortes em despesas de custeio. Como registra o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, em artigo no GLOBO, persiste um número excessivo de ministérios, com quase 20 mil cargos especiais (DAS). Ao todo, há 99 mil servidores com essas gratificações.

Como costuma acontecer, a tendência é repassar-se o problema para o contribuinte, ainda obrigado a pagar a conta criada pelo fisiologismo do Planalto, em defesa de Temer.

Editorial O Globo