Cláudio de Oliveira

Cláudio de Oliveira: Política de alto nível na Alemanha. E no Brasil?

Na foto estampada nos jornais de hoje, Angela Merkel, atual primeira-ministra da Alemanha, recebe flores de Olof Scholz, que possivelmente a sucederá no cargo. Detalhe: Scholz é do partido adversário ao de Merkel.

Ela é da União Democrata-Cristã, a CDU, um partido liberal-democrático, de centro-direita, que desde o pós-guerra rivaliza com o SPD, o Partido Social-democrata Alemão, partido de Scholz, de centro-esquerda, agremiação que Karl Marx ajudou a fundar ainda no século XIX.

O SPD nunca abraçou totalmente as ideias revolucionárias de Marx. A maioria dos seus dirigentes sempre preferiu o reformismo de seus fundadores, como Ferdinand Lassale. Mas essa é outra história.

O importante a destacar é que apesar de rivais, CDU e SPD governaram juntos a Alemanha em diversas ocasiões na chamada “Grosse Koalition” (Grande Coalizão), quando os dois maiores partidos do país se juntam por não conseguirem separadamente a maioria. Caso dos dois últimos governos de Merkel, nos quais Scholz foi escolhido ministro da economia.

Mesmo quando a CDU estava no governo e o SPD na oposição, ou vice-versa, ambos os partidos foram capazes de dialogar para chegar a acordos que beneficiaram a Alemanha.

Esse diálogo certamente foi favorecido pela maturidade dos partidos democráticos da Alemanha, que aprenderam com seus erros das décadas de 1920 e 1930, quando não foram capazes de se unir para impedir a ascensão do Partido Nazista de Adolf Hitler.

Diálogo também propiciado pelo sistema político-partidário e eleitoral alemão, baseado no parlamentarismo, que obriga ao entendimento entre os partidos para obtenção da maioria necessária à formação de um governo.

O social-democrata Scholz venceu a eleição parlamentar, pois o seu SPD obteve o maior número de deputados. E vai liderar um governo com os Verdes e o Partido dos Democratas Livres, de centro. Assim, o partido de Scholz desalojará do governo o partido de Merkel.

Mas, esse fato não impede a convivência civilizada desses dois grandes partidos democráticos da Alemanha. As flores de Scholz para Merkel é um gesto de quem valoriza a democracia e o pluripartidarismo.

No Brasil, tivemos uma rara transmissão civilizada de governo em 2002, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso organizou legalmente um gabinete de transição com membros de sua equipe e de assessores do então presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva.

Infelizmente, essa oportunidade de diálogo foi desperdiçada. O PSDB foi para a oposição e o PT preferiu formar seu governo com o PMDB de José Sarney e partidos do Centrão.

A visão curta dos grandes partidos brasileiros e o personalismo, fortalecido no regime presidencialista, levaram a disputa entre os dois dos principais partidos responsáveis pela democratização do Brasil, processo que culminou com a Constituição de 1988. Na disputa, PSDB e PT aliaram-se a forças políticas conservadores e do atraso.

O que estamos vivendo no Brasil de hoje é o resultado amargo dessa disputa. Que o bom exemplo dos partidos democráticos da Alemanha ilumine o caminho do Brasil.

*jornalista e cartunista e autor dos livros Era uma vez em Praga – Um brasileiro na Revolução de Veludo e Lênin, Martov. A Revolução Russa e o Brasil, entre outros.

Fonte: Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/11/claudio-de-oliveira-politica-de-alto.html


Hitler não teve apoio da maioria dos alemães para chegar ao poder

Eleições de novembro de 1932 foram as últimas realmente livres e democráticas antes da ascensão do Partido Nazista ao poder

Cláudio Oliveira / Blog Horizontes Democráticos

Nas eleições de novembro de 1932, o Partido Nazista, de direita radical, obteve 33,09% dos votos. Ou seja, 66,9% dos alemães não votaram no partido de Adolf Hitler. Naquela eleição, quem obteve o maior número de votos foi a centro-esquerda, a esquerda e a centro-direita. Veja: Partido Social Democrata: 20,43%; Partido Comunista: 16,86%; Partido do Centro: 11,93%; Somados eles obtiveram 49,22% dos votos, mais votados, portanto, que o Partido Nazista. E o que aconteceu?

Resultados eleitorais de 1932 na Alemanha

O Partido Comunista, de esquerda radical, negou-se a formar um governo com o Partido Social Democrata, de centro-esquerda, e o Partido de Centro, de centro-direita e tendência liberal-democrática, que já governavam a Alemanha.

Se o PC tivesse se somado ao PSD e ao Centro, esses três partidos teriam a maioria dos deputados do Parlamento e assim formado um gabinete para governar o país. Sem apoio do PC e sem conseguir a maioria, PSD e o Centro não conseguiram formar um governo e estabeleceu-se um impasse. Como a questão foi resolvida?

Um partido de direita chamado Partido Popular Nacional Alemão ficou em quinto lugar com 8,34% dos votos. Os líderes desse partido se aliaram ao Partido Nazista e convenceram o presidente da República, o marechal Paul von Hindenburg, a nomear Hitler como primeiro-ministro da Alemanha.

As eleições de novembro de 1932 foram as últimas eleições realmente livres e democráticas antes da ascensão do Partido Nazista ao poder.

Em fevereiro de 1933, a sede do Parlamento alemão, o Reichtag, sofreu um incêndio e os nazistas culparam os comunistas. Líderes do PC foram presos. Agitando a ameaça do “perigo vermelho” e defendendo a necessidade de ter uma maioria sólida e um governo forte, Hitler convenceu o presidente Hindenburg a convocar novas eleições para março de 1933.

Essas eleições já não foram consideradas democráticas, pois foram manipuladas pelos nazistas, agora no governo, e com forte repressão contra o PC, o PSD e o Partido do Centro. Mesmo assim, o Partido Nazista não conseguiu obter maioria. Teve 43,9% dos votos e precisou mais uma vez do apoio de outro partido de direita, o Partido Popular Nacional Alemão.

Em 21 de março de 1933, Hitler apresentou uma lei que lhe dava plenos poderes. Conseguiu o apoio do Partido Popular Nacional e do Partido de Centro, com o qual estabeleceu compromissos que nunca cumpriu.

O único partido que votou contra a concessão de plenos poderes a Hitler foi o Partido Social Democrata, uma vez que os deputados do Partido Comunista foram impedidos de votar. Também vários sociais-democratas foram impedidos de participar da votação

Hitler tornou-se ditador da Alemanha sem que o seu partido tivesse obtido a maioria dos votos dos eleitores alemães. Foto: Reprodução

Assim, Hitler tornou-se ditador da Alemanha sem que o seu partido tivesse obtido a maioria dos votos dos eleitores alemães, apesar da poderosa máquina de propaganda nazista ter tentado impor a mentira de que ele representava a maioria do povo alemão.

A grande responsabilidade política pela vitória do Partido Nazista deve-se à elite empresarial e econômica da Alemanha que financiou as campanhas nazistas, bem como a setores da direita, inclusive da centro-direita, que emprestaram seu apoio para que Hitler fosse nomeado primeiro-ministro e posteriormente tivesse plenos poderes.

Parcela de responsabilidade cabe também aos partidos antinazistas que não foram capazes de construir alianças amplas, em especial ao Partido Comunista por seu sectarismo político ao não aceitar compor um governo com partidos democráticos como o PSD e o Centro, de católicos democratas-cristãos.

Conhecer a história é fundamental para evitar erros trágicos como foi a nomeação de Hitler como primeiro-ministro da Alemanha, o responsável pela Segunda Guerra Mundial, com milhões de mortos, dos quais cerca de 27 milhões foram cidadãos da antiga União Soviética e 6 milhões de judeus assassinados em campos de extermínio.

Fonte: Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/hitler-nao-teve-apoio-da-maioria-dos-alemaes-para-chegar-ao-poder/


Cláudio de Oliveira: Unidos, democratas prevalecerão sobre o golpismo

Propostas para uma terceira via devem ser colocadas em espaços próprios, evitando a instrumentalização das manifestações

Cláudio de Oliveira / Democracia e Novo Reformismo

Um dos possíveis motivos pelos quais as manifestações convocadas pelo MBL e o VPR não tenham sido massivas talvez seja o fato de que elas não foram efetivamente unitárias. Em muitos desses atos pelo Brasil havia cartazes e bandeiras contra Lula e o PT e houve registros de incidentes com partidários do candidato do PDT, Ciro Gomes. 

Para que os protestos contra Bolsonaro sejam unitários é necessário que os atos contem com o consenso de todas as forças políticas democráticas. Candidaturas ou propostas de terceira via devem ser colocadas em espaços próprios, evitando a instrumentalização das manifestações.

A primeira tarefa dos democratas seria que movimentos sociais e partidos políticos democráticos se sentassem à mesa para eleger uma coordenação conjunta que estabelecesse algumas questões.

Antes de tudo, um comando político para definir a orientação geral, bem como definir propostas, bandeiras e palavras de ordem consensuais a serem divulgadas oficialmente por essa coordenação. Bandeiras e palavras de ordem unitárias que devam ser levadas às redes sociais e às ruas em todo Brasil. Também caberia a essa coordenação estabelecer formas de luta conjunta calendário de atos e manifestações.

É possível juntar e estabelecer consensos entre forças políticas tão díspares? Sim. A CPI da COVID instalada no Senado é uma mostra de que ação de forças políticas democráticas distintas pode ter pontos comuns, como a defesa da saúde pública, da moralidade administrativa, do apoio social as vítimas econômicas da pandemia, bem como a defesa das instituições democráticas.

Como a história do Brasil recente demonstra desde a frente ampla com partidários de Juscelino Kubitschek, João Goulart, Carlos Lacerda e PCB, passando pela luta pela anistia e pelas diretas já e em torno da candidatura de Tancredo Neves, com a unidade dos setores democráticos foi vencer o regime ditatorial de 1964.

Que esse espírito prevaleça nos próximos atos dos dias 3/10 e 15/11 que estão a ser organizados consensualmente entre movimentos sociais e partidos políticos democráticos.

Jornalista e cartunista do jornal Agora São Paulo e autor dos livros Era uma vez em Praga – Um brasileiro na Revolução de Veludo e Lênin, Martov a Revolução Russa e o Brasil, entre outros.

Fonte: Democracia e Novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/09/claudio-de-oliveira-so-com-unidade-os.html


Cláudio de Oliveira: Três erros a evitar nos atos de 12/9

MBL, Vem pra Rua e partidos de direita convocaram ato contra o presidente Bolsonaro para o próximo dia 12 de setembro

Para o próximo dia 12/9 estão convocados atos em todo país em defesa do Estado de Direito e contra as tentativas golpistas do presidente Jair Bolsonaro. Tais manifestações são organizadas e convocadas pelo Vem Pra Rua e pelo Movimento Brasil Livre, dois dos diversos movimentos cívicos surgidos especialmente a partir das manifestações de junho de 2013.

Ao meu ver, três equívocos deveriam ser evitados:

1 - Exclusivismo

O Vem Pra Rua e o Movimento Brasil Livre não devem ser exclusivistas, isto é, não deveriam pretender organizar sozinhos as manifestações e excluir um amplo leque de potenciais aliados na defesa da democracia. Outros importantes movimentos cívicos já deviam ter sido convidados para a coordenação dos atos e para a definição de bandeiras comuns. É o caso, por exemplo, de movimentos como Acredito, Livres, Agora, entre outros.

2 - Partidarização e instrumentalização eleitoral

Os protestos do dia 12/9 têm também o apoio do Novo, o partido que lançou João Amoêdo, candidato à presidência da República em 2018, e o PSL, partido que hoje majoritariamente está na oposição, apesar de ter sido a legenda pelo qual Bolsonaro se elegeu.

A participação dos partidos é positiva e necessária. Deveria ser ampliada por todos aqueles que defendem as instituições democráticas, independente do lugar que ocupam no espectro político.

O espírito dos protestos deveria ser o mesmo da frente ampla de 1965 que reuniu os partidários dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart e representantes do PSB de João Mangabeira e do PCB de Luís Carlos Prestes.

Os atos deveriam ser, portanto, suprapartidários como foram os comícios das diretas já, em 1984. Neles não deveriam ser colocadas candidaturas de postulantes à presidência da República. Alguns desses movimentos defendem a candidatura dos juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. É legítimo que apoiem, mas não deveriam usar as manifestações para fins eleitorais.

3 - Estreiteza

As manifestações não deveriam se estreitas, mas, ao contrário, as mais amplas possíveis. Assim, bandeiras que dividam as forças democráticas deveriam ser evitadas. Palavras de ordens como Fora Lula e Fora PT não deveriam ser utilizadas nos atos. Seria louvável atrair lideranças petistas e sobretudo os eleitores do PT que queiram protestar contra o governo Bolsonaro.

Não deveriam repetir o erro sectário de grupos de extrema-esquerda que hostilizaram militantes do PSDB e do PDT de Ciro Gomes em manifestações contra o bolsonarismo.

Os protestos precisam ser fortes. Os democratas devem dar uma vigorosa demonstração de força política e de apoio social. Se estreitarem, os atos do dia 12/9 podem falhar nesse objetivo. Pelo contrário, se os organizadores ampliarem o movimento sem preconceitos políticos e ideológicos, têm tudo para alcançar grande repercussão política.

Os projetos partidários e eleitorais devem ser colocados num outro momento, subordinados à urgente tarefa de preservar a democracia no Brasil. Não podemos correr o risco, ainda que baixo, de não realização de eleições em 2022.­­­

* Jornalista e cartunista e autor dos livros Era uma vez em Praga – Um brasileiro na Revolução de Veludo e Lênin, Martov a Revolução Russa e o Brasil, entre outros.

Fonte: Democracia Política e novo Reformismo
https://gilvanmelo.blogspot.com/2021/08/claudio-de-oliveira-tres-erros-evitar.html


Os democratas devem pautar o debate público

Dedicado à memória do jornalista Marco Antônio Tavares Coelho.

Cláudio de Oliveira

As forças democráticas precisam pautar o debate público do país. Esse debate não pode girar em torno da agenda de Jair Bolsonaro, pois ela não representa, em grande parte, os interesses e as necessidades da maioria da sociedade brasileira.

Naturalmente, quem está na chefia do Executivo tem grande força política para definir os termos do debate. O presidencialismo brasileiro concentra grande poder na mão do presidente, que detém a iniciativa política.

Também contribuem para tal fato, a fragmentação partidária e a fraqueza dos partidos políticos no Brasil. As oposições estão divididas e algumas delas voltadas para os seus problemas.

Mas, recentemente, no início da pandemia do coronavírus, a Câmara dos Deputados, então presidida pelo deputado Rodrigo Maia, mostrou capacidade política de propor os termos do debate e liderar, de algum modo, o enfrentamento da pandemia. Foram muitas as iniciativas dos deputados para a condução da crise sanitária, em contraste com o negacionismo, o boicote e a inação do governo federal.

Depois de esperar por duas semanas por uma proposta oficial de auxílio-emergencial, anunciada verbalmente pelo ministro Paulo Guedes no valor de R$ 200, Rodrigo Maia colocou em votação a proposta de auxílio da própria Câmara, inicialmente no valor de R$ 500 e aprovada depois para R$ 600. Como sabemos, o auxílio foi fundamental para socorrer parcela expressiva da população que se viu sem fonte de renda por conta da pandemia.

Também partiram da Câmara dos Deputados diversas iniciativas necessárias ao enfrentamento da Covid-19, como a aprovação de um orçamento extraordinário da pandemia, que autorizava o chefe do Executivo a desconsiderar o teto de gastos.

Mesmo a reforma da Previdência de 2019 deveu-se sobretudo à ação parlamentar, da aprovação de um tema que estava na pauta do país desde pelos menos 1998, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso apresentou sua proposta visando garantir a higidez da Previdência pública, derrotada por um voto.

Como analisou a economista Laura Carvalho, assessora econômica do candidato a presidente pelo PSOL, Guilherme Boulos, o texto da reforma da Previdência aprovado “ficou a anos-luz do original no que tange ao impacto sobre os mais pobres”(1). Uma diferença fundamental: foi mantido o atual sistema previdenciário de repartição, como propuseram os constituintes de 1987/1988, diferentemente do modelo de capitalização do Chile, desejado pelo ministro Paulo Guedes.

A decisão do Senado de instalar a CPI da Pandemia deu às forças democráticas a iniciativa de pautar os termos do debate em torno da crise sanitária, deixando o governo Jair Bolsonaro na defensiva e provocando alterações significativas no executivo federal.

As forças democráticas devem agora tentar pautar o debate de forma positiva, apresentando suas propostas para o Brasil pós-pandemia. Como já ficou demonstrado desde 2019, o governo Bolsonaro não tem um projeto de desenvolvimento para o país.

Ajustar as contas públicas e fazer reformas do Estado são medidas necessárias porém insuficientes para relançar o Brasil em um novo ciclo de desenvolvimento que o qualifique para a grande competição global. Lembrando ainda que os ajustes realizados e as reformas propostas pela atual equipe econômica, com poucas exceções, foram de qualidade e efeitos duvidosos.

Some-se à falta de projeto do governo, o isolamento internacional que o Brasil foi jogado por Jair Bolsonaro, por sua política externa ideológica de extrema-direita, a ação em prol do “lupem-empresariado” como madeireiros, garimpeiros e grileiros, e o desmonte de importantes instituições do país, inclusive em setores estratégicos como ciência, pesquisa, tecnologia, educação e cultura.

O afastamento do presidente Jair Bolsonaro é um imperativo que se impõe, não só por essas questões como principalmente pela tentativa de erosão das instituições democráticas e do Estado de Direito. As forças democráticas devem, portanto, pautar o impedimento do presidente da República como primeiro item do debate público.

Além disso, devem apresentar a agenda que realmente interessa ao país: como aperfeiçoar as instituições e os órgãos de controle da corrupção no país, como democratizar e melhorar a representação político-partidária, como retomar o crescimento econômico, como retomar e ampliar a inclusão social, como acelerar a transição para uma economia verde de carbono zero, como melhorar os programas de proteção social, como avançar na questão crucial da educação, como aperfeiçoar o SUS – que deu provas de vitalidade no enfrentamento da pandemia, apesar da pouca coordenação em nível federal.

É em torno de uma pauta progressista que as forças democráticas devem fazer com que o debate público gire, apresentando à sociedade brasileira propostas concretas para os grandes desafios nacionais e as soluções positivas para os problemas que afligem a nossa gente.

* Cláudio de Oliveira é jornalista e cartunista e autor dos livros ERA UMA VEZ EM PRAGA – Um brasileiro na Revolução de Veludo e LÊNIN, MARTOV A REVOLUÇÃO RUSSA E O BRASIL, entre outros.

PS: Para ilustrar este artigo usei imagem que recebi pelas redes sociais de um chamado Bloco Democrático, do qual, defendo, nenhum partido ou movimento do campo democrático deve ser excluído.

NOTA
(1) Laura Carvalho - A previdência pública sobrevive
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/laura-carvalho/2019/07/a-previdencia-publica-sobrevive.shtml?origin=folha


Cláudio de Oliveira: A situação financeira da prefeitura de São Paulo

Diga-se com todas as letras: quem quebrou a Prefeitura de São Paulo foi a direita. Eleito em 1992, Paulo Maluf e o seu secretário de finanças, Celso Pitta, aumentaram significativamente a dívida do município com uma gestão perdulária, populista e irresponsável. Maluf investiu pesadamente em obras viárias, várias delas de prioridade duvidosa e com denúncias de superfaturamento, incentivando o transporte individual.

Para desviar a atenção da falta de investimento em transporte coletivo, a propaganda eleitoral de Pitta, em 1996, apresentou uma animação gráfica de um VLT apelidado de Fura-Fila. O projeto contrariava os argumentos técnicos, uma vez que no trajeto do Fura-Fila havia planejamento para uma linha do metrô. O Fura-Fila causou pesado ônus aos cofres do município.

Maluf não implantou o SUS, determinado pela Constituição de 1988. Transformou a saúde pública no desastroso PAS, o Plano de Assistência à Saúde, gerido por cooperativas médicas, assoladas por toda sorte de denúncias de irregularidades. Podemos debater se houve programas positivos como o Singapura, de verticalização de favelas, e o Leve-Leite. Mas, ao mesmo tempo em que o Leve-Leite foi lançado, foi descuidada a merenda escolar. No final da gestão Pitta, chegou a ser servida nas escolas municipais uma merenda composta apenas de suco e bolacha.

O legado do malufismo foi desastroso: um enorme rombo nas contas da prefeitura, um grande déficit de vagas nas creches municipais, um número enorme das famigeradas escolas de latas, as salas de aulas em containers espalhados pela cidade na administração Pitta. Maluf e Pitta deixaram um sistema de transportes caótico, com explosão do número de vans clandestinas, formado especialmente por veículos importados da China à época do início do Plano Real, quando nossa moeda era equiparada ao dólar.

A situação financeira da cidade só não estava pior porque o governo federal, sob o comando de Fernando Henrique Cardoso, havia federalizado as dívidas de estados e municípios, num acordo em que as prefeituras e governos dos estados se comprometiam em pagá-las em parcelas durante 30 anos.

Coube a Marta Suplicy, eleita em 2000, e ao seu secretário João Sayad, o ônus de sanear o descalabro financeiro deixado por Maluf e Pitta, numa conjuntura econômica extremamente difícil. Como sabemos, o segundo mandato do governo FHC foi marcado pelas crises das moedas dos países emergentes, com consequente baixo crescimento, e pelo apagão em 2001. Marta organizou o sistema de transportes públicos e implantou o bilhete único, ainda que tenha aumentado a tarifa de ônibus acima da inflação e a prefeitura não tenha ampliado subsídios, uma vez que a sua situação fiscal não permitia. Ela aumentou o IPTU e implantou sua progressividade, criou as taxas do lixo e da luz, trazendo-lhe grande desgaste político. Ela deu o início à construção dos CEUS, mas não conseguiu zerar o déficit das creches nem eliminar as escolas de lata.

Com a eleição de Lula, em 2002, Marta tentou renegociar os índices de juros da dívida do município com a União, sem êxito. Prefeitos e governadores pretendiam trocar o Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), da Fundação Getúlio Vargas, então vigente no acordo com a União, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Devido aos juros elevados para segurar o recrudescimento da inflação e a fuga de dólares, a dívida federal havia aumentado consideravelmente. No final do governo de FHC, o Brasil teve de assinar um acordo para ajuda do FMI, além de conseguir empréstimo com o governo de Bill Clinton, com o objetivo de fechar as contas no azul.

Lula assumiu a presidência da República prometendo honrar o acordo com o FMI, no qual previa um superávit de 4% do PIB, para estabilizar a dívida pública e o compromisso de realizar reformas com o objetivo de fazer um ajuste estrutural das contas públicas. O seu ministro da Fazenda, Antônio Palocci, promoveu o maior corte de gastos públicos desde a redemocratização do país, entregando um superávit primário de 4,25% do PIB, ao mesmo tempo em que fez aprovar a reforma da Previdência do setor público.

Com a administração austera em seu primeiro mandato, Lula conseguiu evitar o que aconteceu com a vizinha Argentina, quando o descontrole da inflação levou o presidente Fernando de La Rua a renunciar ante os gigantescos panelaços. Foram essas medidas de austeridade de Palocci que causaram a oposição da ala radical do PT e o surgimento do PSOL, em 2004, ainda antes do escândalo do mensalão. Evitando uma aguda crise econômica e financeira do país, Lula pôde retomar o crescimento econômico no segundo mandato, com uma média de 4% do PIB nos seus dois governos, favorecido pelos bons ventos internacionais, em especial pelo crescimento da China.

Foi nesse contexto mais favorável das economias nacional e internacional que José Serra, eleito em 2004, e Gilberto Kassab, a parir de 2006 e reeleito em 2008, puderam retomar obras paralisadas, retomar a construção dos CEUs iniciados na gestão de Marta, construir escolas de alvenaria em substituição às escolas de lata, por fim ao terceiro turno nas escolas municipais, retomar a construção dos corredores de ônibus e implantar a integração do bilhete único com o metrô e os trens da CPTM.

Ressalte-se que Kassab foi o único prefeito que contribuiu com o governo do estado para as obras do metrô, apontado pelos especialistas como a solução ótima para o transporte público em São Paulo. Porém, Kassab não conseguiu zerar o déficit crônico de vagas nas creches municipais. Serra e Kassab também tentaram em vão renegociar o índice dos juros da dívida do município.

Fernando Haddad foi eleito em outubro de 2012 com apoio da presidente Dilma Rousseff, que prometera na campanha do petista uma ajuda de R$ 8 bilhões para viabilizar o Arco do Futuro, um ambicioso plano de urbanização e obras viárias do centro de São Paulo, apresentado no horário eleitoral.

Porém, com a crise das hipotecas em 2007/2008 nos Estados Unidos, os ventos viraram. Em 2009, o Brasil só não fechou no vermelho graças à compra antecipada por parte da Petrobras de barris de petróleo da União. A partir de 2011, o Brasil terá declínio do crescimento do PIB.

Em 2012, ano da eleição de Haddad, o governo de Dilma só fechou no azul graças à antecipação dos dividendos das estatais e dos bancos públicos. Os anos seguintes serão de manobras fiscais, apelidadas de "contabilidade criativa" e "pedaladas fiscais", que ensejaram a oposição a fazer o pedido de impeachment da presidente Dilma, em 2016.

Já em 2013 era sentido o baque na economia com a indústria paulista dando férias coletivas ou recorrendo ao Lay Off. Segundo a FGV, a recessão começou no terceiro trimestre de 2014 e levou a uma queda do PIB de 8,2%, só inferior à recessão de 1981-1983, de recuo de 8,4% do PIB e que jogou o Brasil na década perdida de 1980.

A ajuda federal de R$ 8 bilhões não veio e, com a queda na arrecadação, o prefeito Fernando Haddad anunciou, em agosto de 2013, a desistência de realizar as obras do Arco do Futuro. Ele tentou renegociar os juros da dívida da prefeitura com o governo federal sob o comando de Dilma, mas também não conseguiu.

Esses índices foram finalmente alterados quando o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, pôs em votação a "pauta-bomba" no segundo mandato de Dilma. Porém, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, sentou em cima da lei e foi preciso que Fernando Haddad fosse à Justiça para que o governo federal trocasse os índices, o que só aconteceria no ano seguinte, em 2016, ano final de sua gestão.

Depois de desistir do Arco do Futuro e em meio à queda na arrecadação, Haddad tocou a máquina da prefeitura, garantindo os serviços públicos, o que, em se tratando de São Paulo, não é pouca coisa. Ele só conseguiu construir um CEU e não venceu o déficit de vagas nas creches, mas ampliou o número de corredores de ônibus.

À falta de obras viárias vistosas, Haddad ampliou faixas de ônibus e construiu ciclovias e especialmente ciclofaixas. Promoveu corte de gastos em diversos programas, inclusive no Leve-Leite. Para colocar os gastos nos níveis exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade, a prefeitura, entre outras medidas, suspendeu contratos com empresas de segurança nos últimos seis meses da administração, ficando alguns parques municipais sem segurança no período.

Como parte do esforço fiscal de ajustar as contas do município à difícil realidade econômica, Haddad apresentou uma proposta de reforma da deficitária Previdência dos servidores municipais. Diante da reação dos sindicatos dos funcionários públicos e de partidos de esquerda, entre eles o PSOL, a reforma foi suspensa, e seria retomada com mudanças na gestão do seus sucessor João Doria e aprovada na gestão Bruno Covas.

Porém, diante das resistências, a reforma da Previdência municipal foi desidratada: aumentou o desconto de 11% a 14%, criou um fundo complementar para aposentadorias acima do teto do INSS, mas não estabeleceu idade mínima, ficando, segundo muitos economistas, aquém das reformas previdenciárias em vários estados da federação, inclusive dos estados governados pelo PSB, como Pernambuco, e PT, como Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte.

Haddad agiu com responsabilidade fiscal, teve capacidade política, manteve um bom diálogo com o governo do estado sob o comando de Geraldo Alckmin. Contra sua gestão não há casos comprovados de corrupção sob sua responsabilidade pessoal direta. Porém, Haddad foi derrotado em todas as 58 zonas eleitorais de São Paulo em sua tentativa de reeleição em 2016, prejudicado por uma conjuntura econômica adversa, somada ao desgaste do seu partido decorrente dos escândalos revelados pela Lava Jato.

As gestões de Doria e Covas promoveram novos ajustes, uma vez que não houve uma recuperação econômica significativa e constante do país, frustradas tanto no final do governo do presidente Michel Temer quanto no primeiro ano de Jair Bolsonaro. Mesmo assim, obras como de CEUs, corredores de ônibus, unidades de saúde e hospitais foram retomadas e continuadas.

Mas, com a pandemia do coronavírus, o município teve de enfrentar uma nova realidade, com gastos com o fortalecimento do SUS e a construção de diversos hospitais de campanha. A situação para estados e municípios só não ficou dramática graças aos programas de auxílio-emergencial e de ajuda econômica do governo federal, inclusive a prefeituras e governos dos estados, aprovados principalmente por iniciativa e pressão do Congresso.

A futura gestão da cidade dependerá de uma equação cujo um dos elementos é a capacidade do governo federal em resolver a crise econômica do país. Com um déficit primário de cerca de R$ 660 bilhões e a incapacidade política do presidente Bolsonaro em liderar o Brasil – ele mais atrapalha do que ajuda –, talvez seja prudente não alimentar grandes expectativas qualquer que seja o eleito no próximo dia 29 de novembro.

*Cláudio de Oliveira, jornalista e cartunista, autor do livro Pittadas de Maluf, ganhador do troféu do melhor livro de charges de 1998


Claudio de Oliveira: 30 anos da Revolução de Veludo

O debacle da experiência de socialismo autoritária que predominou na Europa Oriental ainda está a merecer reflexões. Resolvi colocar no papel o que testemunhei de 1989 a 1992, quando era estudante em Praga, com o livro “Era uma vez em Praga - Um brasileiro na Revolução de Veludo*. Compartilho a sua apresentação.

1 - Apresentação

Em março de 2016, minha filha Laura Willms de Oliveira, então com 15 anos, pediu-me para ver as manifestações na avenida Paulista pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Concordei, mas com uma condição. Iríamos não como manifestantes, mas como observadores, sem portar cores, símbolos, cartazes, nem reproduzir slogans. Expliquei-lhe que, como jornalista, não seria bom ter engajamentos. Preferia guardar certa distância de determinados movimentos e me sentir psicologicamente livre para fazer a crítica tanto ao governo quanto às oposições. Deixaria para expressar minha opinião nas charges no jornal Agora São Paulo e nos textos que escrevo nas redes sociais.

Quando chegamos à Paulista, ficamos impressionados com o gigantismo do protesto. Descemos do metrô lotado de jovens manifestantes. A avenida estava tomada e não conseguimos atravessar a multidão compacta em frente ao MASP. Resolvemos pegar a rua paralela, a alameda Santos, para alcançar a Paulista quarteirões adiante, na direção da rua da Consolação. Nova surpresa. A alameda estava tomada por pessoas em trânsito para os diferentes pontos de concentração na Paulista.

De imediato, a multidão me trouxe à memória outras grandes manifestações de que participei: a campanha das Diretas Já e a do candidato das oposições Tancredo Neves, entre 1983 e 1985, ambas pelo fim do regime ditatorial de 1964. Como também o movimento pelo impeachment do presidente Fernando Collor, em 1992. Mas, pelo caráter dos protestos, as manifestações na Paulista me recordaram especialmente a Revolução de Veludo, o movimento que derrubou o regime comunista na então Tchecoslováquia e que presenciei quando lá estudava, entre 1989 e 1992.

Havia algumas diferenças entre os atos da Paulista e os da Praça de São Venceslau, no centro de Praga. Enquanto os primeiros eram difusos, sem uma liderança bem definida e convocados pelos chamados movimentos cívicos nas redes sociais, as manifestações na Tchecoslováquia eram dirigidas pelo Fórum Cívico, de dissidentes do regime, com a liderança do mais famoso deles, o dramaturgo Václav Havel (pronuncia-se vatslav ravel).

Porém havia semelhanças perturbadoras. Em ambos os protestos, formou-se uma frente ampla de diferentes setores políticos e sociais contra um governo que dizia representar os interesses dos trabalhadores. Nos dois casos, as reivindicações eram menos de caráter econômico e social, apesar da insatisfação com o declínio da economia do país. Tanto aqui como na Tchecoslováquia, a principal demanda dos manifestantes estava no campo da democracia política.

Em 1989, tchecos e eslovacos estavam dispostos a superar um asfixiante regime autoritário e ingressar no padrão democrático da Europa Ocidental. Já os brasileiros, desde as manifestações de junho de 2013, protestavam contra a baixa qualidade da nossa democracia, cujo sistema político era acusado de não mais representar os cidadãos, em meio a graves denúncias de corrupção que atingiram todos os grandes partidos.

Ainda em 2012, a população havia acompanhado ao vivo pela TV Justiça o julgamento da Ação Penal 470, a do chamado Mensalão, no qual o ministro do STF, Joaquim Barbosa, relator do processo, expunha o esquema de propina para parlamentares em troca de apoio ao governo. O processo resultou na condenação de vários réus e levou à prisão a cúpula do PT e de outros partidos governistas, como PTB e PR. As revelações posteriores da Operação Lava Jato, a partir de 2014, mostraram um grande esquema de corrupção em empresas públicas para o financiamento partidário e eleitoral e, em vários casos, de enriquecimento pessoal.

Outra coincidência perturbadora entre as manifestações tchecas e brasileiras estava nos argumentos das autoridades. Tanto lá como aqui, as cúpulas governistas acusavam as manifestações de representarem os setores políticos e sociais mais retrógrados, contrários aos interesses da maioria da sociedade, em especial do mundo do trabalho. Partidários do governo acusavam ainda a agência de espionagem norte-americana, a CIA, de estar por trás dos movimentos.

Esse debate para mim não era novo. Lembrei-me de quando entrei no antigo e ainda ilegal PCB, em junho de 1982, da repercussão, entre os militantes, de um editorial do jornal Voz da Unidade, órgão oficioso do partido, em que o PCB se somava à maioria dos PCs do mundo em apoio à Lei Marcial na Polônia, de dezembro de 1981, imposta pelo general Wojciech Jaruzelski, quando então o sindicato independente Solidariedade foi posto na ilegalidade.

Segundo os comunistas ortodoxos, o Solidariedade era supostamente uma articulação da CIA, da administração do presidente norte-americano Ronald Reagan, em conluio com o cardeal polonês Karol Wojtila, escolhido papa João Paulo II, em 1978. Nem a um militante neófito, como era então este autor, essa explicação era suficiente e convencia. Os operários do estaleiro de Gdansk não se mobilizariam aos milhares se não existissem de fato problemas que lhes afetassem. A Polônia passava por uma grave crise econômica e havia uma estagnação generalizada no Leste, desde fins década de 1960, rebaixando o padrão de vida dos trabalhadores da Europa Oriental.

Mas, indo além da análise economicista, tão comum em determinados setores da esquerda, o mais importante era que os operários liderados por Lech Wałęsa reivindicavam direitos democráticos básicos, entre eles o de greve, direito já incorporado à maioria dos países da Europa Ocidental na primeira metade do século XX.

Vários intelectuais do PCB, a maioria deles ligados à vertente eurocomunista, criticaram publicamente o apoio do partido à repressão ao Solidariedade e defenderam uma discussão crítica do modelo soviético. Esses intelectuais foram expulsos no início de 1983, e alguns deles foram reintegrados depois da autocrítica do Comitê Central, em 1987, quando os comunistas brasileiros passaram majoritariamente a apoiar as reformas democratizantes do último líder soviético, Mikhail Gorbatchev.

As semelhanças de situação entre a queda do regime comunista na Tchecoslováquia e a queda do governo petista no Brasil me levaram a escrever este livro. Editei textos que escrevi originalmente em meu blog em 2009, a propósito dos vinte anos da Revolução de Veludo. Utilizei trechos de alguns outros artigos, como o que publiquei na Folha de São Paulo sobre o jornalista Osvaldo Peralva, correspondente do jornal em Praga, entre 1991 e 1992. Anotei outras impressões que havia deixado de fora. Pesquisei e acrescentei informações históricas no intuito de oferecer uma visão panorâmica do processo político que desembocou na também chamada Revolução Carinhosa de 17 de novembro de 1989.

Ainda que de forma modesta, pretendo com este relato contribuir para o debate público do aperfeiçoamento da democracia no Brasil. Cito de memória muitos dos fatos que testemunhei, alguns anotados em agenda, outros guardados nas recordações das discussões com colegas estudantes em Praga. Verifiquei dados e fatos disponíveis na tentativa de oferecer informações precisas. De todo modo, é possível haver no texto erros ou imprecisões, a que me disponho prontamente corrigir. Espero que, no conjunto geral, as reflexões sobre o processo que levou à derrocada do chamado socialismo real contribuam para um bom debate.

*Cláudio de Oliveira, jornalista e cartunista


Cláudio de Oliveira: Sem reformar o sistema político-partidário, a Lava Jato continuará a enxugar gelo

O caso de uso de laranjas pelo PSL estourou não só em Minas Gerais, onde o partido é presidido pelo atual ministro do Turismo, Álvaro Antônio. Pelo que se sabe, houve também esquema semelhante em Pernambuco, terra do presidente nacional do partido, Luciano Bivar.

Os desvios do fundo eleitoral aconteceu na eleição de 2018, em pleno auge das investigações da Operação Lava Jato, depois da prisão de vários políticos e do repúdio da sociedade brasileira contra a corrupção.

Indignação que vem desde o julgamento do Mensalão em 2012, quando o ministro do STF Joaquim Barbosa condenou a cúpula de vários partidos à prisão.

Nas manifestações de junho de 2013, a frase mais ouvida era o “eles não nos representam”.

Entre o julgamento do Mensalão e o escândalo do Petrolão, em pleno período das manifestações que levaram ao impeachment de Dilma Rousseff, enquanto se desenrolava o processo do Tríplex que levou Lula à prisão e da entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa para a eleição de 2016, eis que mais um esquema se realizava.

De janeiro de 2016 a janeiro de 2017, Fabrício José Carlos Queiroz, policial militar e então assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro, filho do Presidente Jair Bolsonaro, realizava movimentações suspeitas no valor de R$1.236.838,00, conforme revelou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). (1)

E agora o presidente e seus filhos pretendem criar um novo partido, depois da disputa do grupo pelo controle dos fundos partidário e eleitoral do PSL, como muito bem lembrou o cientista político Marco Aurélio Nogueira. (2) É mais um partido para aumentar a fragmentação partidária e a desmoralização do sistema político-partidário.

Aumentar a cláusula de barreira e adotar o voto distrital misto
Seria bom que se aumentasse a cláusula de barreira dos atuais 1,5% neste eleição e de 2% a partir de 2022 para 5%, como na Alemanha. Somente partidos que atingirem 5% dos votos, ou seja, que elegerem 25 deputados no mínimo, terão direito a ser representados no Congresso e a acessar os fundos públicos.

Como também fosse adotado o voto distrital misto com o objetivo de baratear os custos das campanha e aumentar o controle dos eleitores sobre seus representantes, conforme a proposta enviada à Câmara pelo ministro do STF e do TSE Luis Roberto Barroso, em julho de 2019. (3)

Há políticos que se elegeram como paladinos do combate à corrupção. É preciso sair da retórica e do discurso eleitoral para medidas concretas. Os cidadãos devem se mobilizar e pressionar, como ocorreu com a aprovação da Lei da Ficha Limpa, um projeto de lei de iniciativa popular apresentado por entidades da sociedade civil, capitaneadas pela CNBB, e que recolheu milhões de assinaturas. (4)

* Cláudio de Oliveira é jornalista e chargista

Notas
(1) Caso Queiroz
https://pt.wikipedia.org/wiki/Caso_Queiroz

(2) Um partido para chamar de seu
https://tinyurl.com/y4uo6al6

(3) TSE envia documento ao Congresso propondo voto distrital misto já em 2020
https://tinyurl.com/yyou7d4m

(4) Lei da Ficha Limpa
https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_da_Ficha_Limpa


Cartunista lança livro sobre a queda do Muro de Berlim e o fim do comunismo na Tchecoslováquia

Após acompanhar na avenida Paulista os protestos que levaram ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, o jornalista e cartunista Cláudio de Oliveira nos transporta às manifestações que derrubaram o regime comunista na então Tchecoslováquia.

Estudante da Escola Superior de Artes Industriais de Praga entre 1989 e 1992, ele testemunhou a Revolução de Veludo, bem como a transição do país de uma economia estatal para uma economia de mercado.

Atento aos acontecimentos, o jornalista relata a vitória eleitoral do sindicato Solidariedade e a eleição de Lech Walesa na vizinha Polônia, a queda do Muro de Berlim, a unificação da Alemanha, a tentativa de golpe de Estado contra o líder soviético Mikhail Gorbatchev e a dissolução da União Soviética.

Suas reflexões não se resumem aos acontecimentos de então. O livro faz um panorama histórico da Tchecoslováquia desde sua fundação, em 1918, quando a partir de então o país foi governado por um coligação penta-partidária encabeçada pelo Partido Social Democrata.

Relata a imposição por Josef Stálin do modelo autoritário do socialismo soviético nos países da Europa Oriental após a II Guerra Mundial.

Sem pretender fazer uma profunda análise histórica, econômica e sociológica, suas reflexões são apontamentos importantes para o debate de duas experiências históricas no campo da esquerda: o movimento comunista e a socialdemocracia.

Apesar de passados 30 anos da queda do Muro de Berlim e do colapso do socialismo real, o livro traz reflexões de grande atualidade, especialmente para os leitores que se identificam com um projeto democrático de reforma social para o Brasil.

ERA UMA VEZ EM PRAGA
Um brasileiro na Revolução de Veludo
https://www.amazon.com.br/dp/B07YLXY4QQ

Também do autor:
LENIN, MARTOV, A REVOLUÇÃO RUSSA E O BRASIL
https://www.amazon.com.br/dp/B07B8WCBKT

 

 


Claudio de Oliveira: Crise econômica e guerra ideológica

Nos cem dias de governo, Bolsonaro deveria ter se concentrado em tirar o país da crise econômica, adotar medidas de retomada do crescimento e criar postos de trabalho para 13, 1 milhões de desempregados, 27,9 milhões de subocupados e 4,9 milhões de desalentados.

Para tanto, deveria ter se empenhado em buscar um grande entendimento com os partidos no Congresso com vistas a aprovar reformas estruturantes, necessárias a um desenvolvimento em bases sustentáveis.

Em vez disso, gastou energia em uma guerra ideológica de temas absolutamente secundários e alheio aos interesses da maioria dos brasileiros.

As reformas do Estado já estavam fortemente colocadas nas eleições de 2010, diante da aceleração do gasto público, muito superior ao crescimento do PIB e da arrecadação, antevendo-se, assim, uma crise fiscal.

Nesse cenário, observou-se uma forte queda do investimento privado, crucial para o desenvolvimento econômico dentro de nossa realidade de economia de mercado.

Desde 2012, as contas públicas somente ficaram no azul graças à contabilidade criativa e às pedaladas fiscais, fechando no vermelho a partir de 2014.

Para grande parte dos analistas do mundo, inclusive de instituições internacionais respeitáveis, há nuvens carregadas no horizonte da economia global. O Brasil deveria ajeitar a casa desde já e não deixar para trocar o telhado durante a tempestade.


Cláudio de Oliveira: Esquerda democrática italiana contra Cesare Battisti

Como se sabe, Cesare Battisti foi membro do Proletários Armados pelo Comunismo, um grupo de extrema esquerda que praticou terrorismo na Itália na década de 1970.

Nessa época, o país sofreu com o terrorismo de extrema esquerda, sendo o caso mais famoso o sequestro e assassinato do primeiro-ministro Aldo Moro, do Partido Democrata Cristão, pelas Brigadas Vermelhas, em 1978.

Tais grupos atentavam contra a Constituição antifascista da Itália, duramente conquistada pelos partidos da resistência à ditadura de Benito Mussolini. Promulgada em 1948, a Constituição democrática da Itália foi obra do PDC, de Alcide De Gasperi; do Partido Comunista, de Palmiro Togliatti; e do Partido Socialista, de Pietro Nenni.

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PDC, PCI e PSI se separaram com a guerra fria, mas se juntaram em uníssono para defender a Constituição antifascista e combater o terrorismo de extrema esquerda nos anos 1970.

O primeiro-ministro Aldo Moro havia respondido positivamente à proposta do líder comunista Enrico Berlinguer de um governo conjunto do PDC, PCI e PSI para modernizar a Itália. A proposta tinha a oposição dos setores mais conservadores dos democratas-cristãos.

Uma comissão do parlamento chegou à hipótese de que os grupos de extrema esquerda estivessem infiltrados por militantes de extrema direita com o propósito de tumultuar o ambiente político e evitar um governo com a participação do PCI, o segundo maior partido da Itália.

Com a morte de Moro, assumiu a liderança do PDC e o cargo de primeiro-ministro Giulio Andreotti, da ala contrária ao diálogo com o PCI. Em 1993, Andreotti foi acusado de ligação com a Máfia e de receber propina pela Operação Mãos Limpas. O eleitorado puniu severamente o PDC, que desapareceu da cena política.

Os setores progressistas do PDC, liderado por Romano Prodi, mais remanescentes do PSI se juntaram ao PCI para formar o atual Partido Democrático da Itália, situado na centro-esquerda e cujos líderes cobraram de Lula, em 2009, a extradição do terrorista Cesare Battisti.

Segundo Massimo D'Alema, ex-membro do PCI, então deputado pelo PD e ex-primeiro-ministro, Cesare Battisti ''é uma pessoa condenada em nosso país e é justo que cumpra a pena em nosso país. É normal. Ele está condenado por graves crimes, não por razões políticas'' [1].

A esquerda italiana, de longa tradição democrática, nunca tergiversou quando o Estado de Direito democrático estava em jogo. Battisti deve ser extraditado e cumprir pena na Itália, conforme a Constituição antifascista italiana.

Nota

[1] Lula diz que acatará decisão sobre Battisti

https://www.folhadelondrina.com.br/politica/lula-diz-que-acatara-decisao-sobre-battisti-699937.html


Cláudio de Oliveira: Que fim levou o maoísmo?

Estudantes da classe media francesa, filhos do baby boom e dos anos dourados do pós-Guerra, ocuparam a Sorbonne sob influência das ideias do líder comunista chinês Mao Tse Tung, muito em voga nas manifestações estudantis de 1968, em Paris.

As ideias de Mao, de extrema-esquerda, estão resumidas na Wikipedia:

“Uma das características do maoísmo que o distancia do leninismo é o voluntarismo, segundo o qual as condições objetivas da sociedade não são muito importantes para a revolução se as condições subjetivas, isto é, a vontade revolucionária do povo, estão presentes. Isso leva os maoístas a defender a insurreição armada como método de tomar o poder em todas as sociedades, e não só nas agrárias.”

No Brasil, o maoísmo foi seguido pelo PCdoB, que, baseado na teoria maoísta do papel do campesinato na “guerra do campo para a cidade”, organizou a Guerrilha do Araguaia em fins dos anos 1960 e início dos anos 1970.

Enquanto o PCB, muito longe do revolucionarismo maoísta, ao analisar o grau elevado de desenvolvimento industrial do Brasil e o papel central dos trabalhadores urbanos, defendia desde 1958 uma ação democrática e social-reformista dentro da democracia representativa.

Com o golpe de 1964, o PCB foi uma das correntes que fundaram e organizaram o MDB para a resistência democrática, vitoriosa com a eleição de Tancredo Neves e com a instalação da Constituinte de 1987/1988, liderada por Ulysses Guimarães.

Com a derrota da Guerrilha do Araguaia em 1972, o PCdoB deixou o maoísmo em 1976 e se integrou ao MDB. Alguns dos antigos maoístas fundaram o PCR e depois participaram como corrente fundadora do PT, cujo líder mais expressivo foi José Genoino Neto. Não por acaso, a estrela vermelha do boné de Mao Tse Tung e da boina de Che Guevara virou o símbolo do partido.

Após a morte de Mao e “através das reformas iniciadas por Deng Xiaoping em 1978, a definição e o papel da ideologia de Mao Tse Tung na China mudou de modo radical e tem hoje um papel meramente decorativo.”

O maoísmo animou vários grupos de extrema-esquerda no mundo, mas depois saiu de moda, com pouquíssimo adeptos, alguns deles localizados especialmente no chamado terceiro mundo. No Brasil de hoje, não há nenhum grupo expressivo que o reivindique.

Cláudio de Oliveira, jornalista e cartunista


Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Maoismo