clâ bolsonaro

Ascânio Seleme: Bolsonaro e filhos pensam e agem como um bloco

As posições deles são resultado de um pensamento único, elaborado ao longo de anos

A queles que ainda pensam ser possível separar o presidente Jair Bolsonaro de seus filhos, mesmo que apenas na gestão do país, é melhor ir logo tirando o cavalinho da chuva. Os Bolsonaro são um bloco único, monolítico, inseparável e inquebrantável. Suas posições são resultado de um pensamento único, elaborado ao longo de anos, e nenhum dos seus membros sobrevive sem os demais, explica Dado Salem, economista, mestre em Psicologia do Desenvolvimento e sócio da Psiconomia, empresa especializada em gerir questões complexas e sensíveis envolvendo famílias e negócios.

Salem fez um estudo sobre a família do presidente tomando por base entrevistas que cada um deu ao longo dos anos e suas manifestações nas redes sociais. Com esses elementos e com o apoio de um relatório contendo as nuvens de palavras mais repetidas por cada Bolsonaro no Twitter, elaborado em 2016 pela cientista política Mariana Cartaxo, foi possível escrutinar a raiz comum do raciocínio de Jair, Flávio, Carlos e Eduardo.

Os Bolsonaro são o que Salem chama de “família simbiótica indiferenciada”. Eles pensam, sentem e agem como um bloco. São vulneráveis quando separados e se sentem ameaçados pelo mundo externo, o que os torna ainda mais fechados. Têm tendência ao isolamento e possuem uma enorme capacidade de deteriorar relações muito rapidamente. São governados por suas reações emocionais ao ambiente e acabam gerando neles próprios uma previsível ansiedade crônica.

Em famílias assim, o pai não toma qualquer decisão sem ouvir os filhos. O que parece ser o caso de Bolsonaro. Seus filhos, por sua vez, detestam os que se aproximam demais do pai, sobretudo se enxergam nessa aproximação uma tentativa de manipular o patriarca. No caso da família em questão, os filhos têm ciúmes dos que se aproximam para ganhar luz e aparecer aos olhos do público. E torpedeiam sistematicamente o intruso.

Cada um dos filhos cumpre um papel no bloco. O Zero Um, Flávio, o mais velho, é o conciliador e o diplomata, que busca interlocutores para o grupo. “Normalmente é assim que funciona em famílias simbióticas, ao primogênito é dada essa função”, diz Dado Salem. O problema na família Bolsonaro é que Flávio acabou queimado logo na largada. O Zero Dois, Carlos, é o queridinho, o mais ligado ao pai. Tão ligado que acaba confundindo seu próprio papel, queria ser ele próprio o pai da família, o presidente da República. O Zero Três é o “intelectual”, o formulador do bloco, e como tal é respeitado pelos demais.

Nas famílias simbióticas indiferenciadas não existe separação emocional entre seus membros. Eles não são bem desenvolvidos como indivíduos. Sua reatividade emocional é intensa e pode ser disparada por qualquer faísca. Essa característica explica a demissão do ministro Bebianno e o mal-estar criado com o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia. Um elo sustenta o outro, sempre. As relações externas normalmente geram angústia e ansiedade em seus elementos. Para aliviar a tensão, essas famílias geralmente tendem a ser ainda mais unidas e indissolúveis.

A leitura das nuvens de palavras produzidas a partir das suas manifestações nas redes comprova a tese do ideário único. Mariana Cartaxo apurou que as palavras que mais aparecem nos discursos de cada um dos membros do clã são muito parecidas, e três são repetidas por todos os membros da família: “Brasil”, “Contra” e “PSOL”. No caso de Flávio, que até o ano passado era deputado estadual no Rio, a palavra “Polícia” também tem destaque. Desnecessária qualquer explicação.

O resultado dessa simbiose, segundo Dado Salem, é o que todo o Brasil já viu, as decisões de Jair Bolsonaro atendem prioritariamente ao arranjo do grupo familiar. O presidente não governa sozinho, governa com seus filhos. Os ministros e demais assessores compõem o ambiente, mas quem manda são pai e filhos.

Um alerta: o Zero Quatro vem aí. Pesquisa de seu perfil nas redes revela que Renan, 21 anos, estudante de Direito, está crescendo com a mesma retórica, os mesmos slogans e os mesmos ranços dos irmãos e do pai. A única coisa que os separa dos irmãos são as mães diferentes. Mas esse é um detalhe que não significa muita coisa no universo absolutamente masculino dos Bolsonaro. Por isso também a Zero Cinco, Laura, de 8 anos, jamais emergirá.


Luiz Carlos Azedo: Os fantasmas de Marielle e Anderson

“O presidente Bolsonaro vive aquela situação do devoto que quanto mais reza, mais assombração aparece”

Os fantasmas da vereadora Marielle Franco (PSL) e do motorista Anderson Gomes atormentam o clã Bolsonaro, por causa do envolvimento político e eleitoral com as milícias fluminenses. Por isso mesmo, não deixa de ser muito relevante a afirmação de Jair Bolsonaro no sentido de que as investigações cheguem aos mandantes do crime. Para a Divisão de Homicídios da Capital, porém, o caso é um crime de ódio, ou seja, estará resolvido com a punição dos dois acusados: o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz.

O presidente Bolsonaro vive aquela situação do devoto que quanto mais reza, mais assombração aparece. Ronnie foi preso em casa, no condomínio na Avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, onde o presidente também tem residência. Pra complicar, a filha de um dos assassinos namorou um dos seus filhos. Mera coincidência, disse a promotora que investiga o caso, Simone Sibílio, também coordenadora do Gaeco. Afinal, é muito comum o filho namorar a filha do vizinho.

“É possível que tenha um mandante. Eu conheci a Marielle depois que ela foi assassinada. Não a conhecia, apesar de ela ser vereadora lá com meu filho no Rio de Janeiro. E também estou interessado em saber quem mandou me matar”, disse Bolsonaro. Chegar aos mandantes do crime não é uma tarefa fácil, mas é uma necessidade para separar o joio do trigo e desfazer mal-entendidos. O presidente da República precisa exorcizar esses fantasmas, até porque o caso Marielle Franco pautou os debates na Câmara, ontem, com a oposição na ofensiva; e a base governista, baratinada.

A Operação Lume, que investiga o caso, tem possibilidades de puxar o fio da meada. Realizou 32 mandados de busca e apreensão contra os denunciados para apreender documentos, telefones celulares, notebooks, computadores, armas, acessórios, munição e outros objetos. Houve buscas em dezenas de endereços de outros suspeitos.

Pacto macabro
Havia um pacto corrupto na política fluminense, cuja relação com as milícias passava pelos chefões do jogo do bicho. O chamado “escritório do crime” era uma espécie de estado-maior das milícias encarregado das execuções e cobranças no submundo do crime organizado. Os principais atores desse esquema são conhecidos, bem como suas conexões com a banda podre das polícias Civil e Militar. Com a prisão do ex-presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani (MDB), a mediação política com os chefões do bicho e os líderes das milícias deixou de existir. O assassinato de Marielle foi o recado de que as milícias assumiram a hegemonia desse pacto macabro.

Não foi à toa que o interventor federal no Rio de Janeiro, general Braga Neto, e o então secretário de Segurança, general Richard Nunes, quando no comando das investigações do caso, ou seja, até dezembro de 2018, não chegaram aos criminosos. Havia uma barreira de proteção aos envolvidos, que só foi desnudada pela força-tarefa da Polícia Federal ao desmontar a tese de que o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, e o vereador Marcello Siciliano (PHS) eram autor e mandante do crime, respectivamente. No esquema clássico dos crimes de mando, porém, eram os “bodes”.

A força-tarefa entrou no caso em outubro do ano passado, depois que Curicica denunciou à Procuradora-Geral da República, Rachel Dodge, que estaria sendo coagido pela Delegacia de Homicídios da Capital (DH) a assumir o crime. À época, Curicica acusou a DH de receber R$ 200 mil por mês de propina. Segundo o miliciano, esse “fixo” sofria acréscimos quando os investigadores negociavam imagens de câmeras de segurança que poderiam identificar os assassinos e servir de prova nos inquéritos. O ex-PM está preso no presídio de segurança máxima de Mossoró (RN), para evitar uma “queima de arquivo”.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-os-fantasmas-de-marielle-e-anderson/

 


Ricardo Noblat: Clã Bolsonaro brinca com fogo

Enquanto isso, Queiroz dança e rola

Quanto mais tempo for gasto para que se esclareça a encrenca em que se meteu Fabrício Queiroz, ex-funcionário do gabinete do deputado Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, pior para a reputação do clã do presidente da República empossado há 13 dias.

Queiroz é suspeito de ter embolsado ou repassado a terceiros parte dos salários dos seus colegas de gabinete. Um cheque dele no valor de R$ 24 mil foi passar na conta da primeira dama Michelle Bolsonaro. A crer-se no que disse o presidente, era parte de uma grana que Queiroz lhe devia.

Sim, porque Queiroz e Jair eram amigos há 40 anos. A mulher e duas filhas de Queiroz trabalharam com Flávio no gabinete. Uma das filhas, depois, foi trabalhar no gabinete de deputado federal de Jair. O Ministério Público quer interrogar Queiroz, e já o intimou quatro vezes pelo menos.

Por problemas de saúde, Queiroz faltou aos depoimentos, internou-se em um hospital de São Paulo, um dos mais caros do país, e ali foi operado de um câncer, segundo ele mesmo informou. Intimadas, a mulher e as duas filhas invocaram o estado de saúde de Queiroz para não serem ouvidas.

Dois vídeos protagonizados por Queiroz foram a sensação do último fim de semana nas redes sociais. No primeiro, ele celebra a chegada do Ano Novo em seu quarto de hospital dançando na companhia de familiares. No outro, manifesta sua revolta com a divulgação do vídeo da dança.

Os Bolsonaros dizem que não devem explicações para o que Queiroz fez ou deixou de fazer com o dinheiro movimentado em sua conta sem que ele aparentemente tivesse renda suficiente para isso. Queiroz afirma que em breve dará as explicações pedidas e que elas serão satisfatórias.

E se não forem? Pior para ele, mas também para os Bolsonaros