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Janio de Freitas: Habituados às delações traidoras, integrantes da Lava Jato se delataram em gravações

Próprios integrantes da Lava Jato se delataram em gravações

 “Presente da CIA.”

A frase começa por suscitar curiosidade com seu sentido dúbio e logo ascende, vertiginosa, à mais elevada das questões nacionais —a soberania. As três palavras vêm, e passaram quase despercebidas, entre as novas revelações das tramas ilícitas de Sergio Moro e Deltan Dallagnol, envoltas em abusos de poder e de antiética no grupo de procuradores.

Seca, emitida como um repente fugidio de saberes velados, a frase de Dallagnol celebrava a informação mais desejada: Sergio Moro determinara, no começo da noite daquele 5 de abril de 2018, primórdio da campanha para a Presidência, a prisão do candidato favorito Lula da Silva. Na véspera, o Supremo Tribunal Federal acovardou-se ante a ameaça golpista do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Por um voto de diferença, entregou a candidatura e, para não haver dúvida, o próprio Lula à milícia judicial de Curitiba.

A frase pode dizer presente “da CIA” porque destinado à agência do golpismo externo dos Estados Unidos. Ou “da CIA” porque vindo da articuladora do presente. Não importa o que agora Dallagnol diga. Não será crível. O mesmo sobre quem embalou e entregou o presente, Sergio Moro.

A dubiedade cede à certeza quando se trata do pré-requisito para que Dallagnol compusesse a frase. Em qualquer dos dois sentidos, a preliminar é a mesma: o coordenador da Lava Jato tinha conhecimento da relação entre pretensões da CIA na eleição brasileira e a exclusão da candidatura de Lula. Nem lhe ocorreu falar de candidatos favorecidos, nem sequer do êxito da ideia fixa que dividia com Moro e disseminara nos companheiros. Era a CIA na sua cabeça.

Não faz muito, foi noticiado o envolvimento de agentes do FBI com a Lava Jato de Curitiba. FBI como cobertura, mas, por certo, também outras agências (NSA, Tesouro, CIA, por exemplo). Um grupo de 17 desses agentes chegou à Lava Jato em outubro de 2015, acobertado por uma providência muito suspeita: Dallagnol escondeu sua presença, descumprindo a exigência legal de consultar a respeito, com antecedência, o Ministério da Justiça. Eram policiais e agentes estrangeiros agindo com a Lava Jato, não só sem autorização, mas sem conhecimento oficial. Violação da soberania, proporcionada por procuradores da República, servidores públicos. Caso de exoneração e processo criminal.

O sigilo é tão mais suspeito quanto era certo que o governo nada oporia, como não veio a opor. Há até uma delegação permanente do FBI no Brasil, trabalhando inclusive em assuntos internos como as investigações de rotas do tráfico. O motivo real do sigilo é desconhecido, e só pode ser comprometedor.

Também interessante é outra providência do coordenador. Logo depois da prisão de Lula, o obcecado Dallagnol viajou. Para os Estados Unidos. “Foi à Disney.” Logo naqueles dias tumultuosos, que lhe pareceram até exigir, como recomendou, medidas especiais de segurança dos integrantes da Lava Jato.

Talvez se tenha que esperar por livros estrangeiros para saber o que foi e como foi, de fato, a Lava Jato conduzida por Deltan Dallagnol e Sergio Moro, este, hoje, integrado a uma empresa americana que lida com procedimentos do submundo empresarial. Mas nem tudo continua sob sombra ou como dúvida.

Habituados às delações traidoras, os próprios integrantes da Lava Jato delataram-se em gravações. A procuradora Carolina Resende, por exemplo, não disfarçou o objetivo do grupo: “Precisamos atingir Lula na cabeça (prioridade número 1) pra nós da PGR”. Falou no melhor vernáculo miliciano.

UM SHOW

No mesmo dia em que era noticiado o próximo fim do estoque de vacinas, o general do Ministério militar da Saúde dizia no Senado que “a Pfizer oferece 2 milhões de vacinas ao Brasil, mas não vamos comprar. É muito pouco”.

O general Pazuello mostrou, o tempo todo, desfaçatez admirável. Um exemplo, dos mais inofensivos: “Vamos vacinar 50% da população vacinável no primeiro semestre e 100% até dezembro”. O Brasil vacinou apenas 1,3% da população e já está parando, não se sabe até quando.

Sabe-se, isto sim, que, se a variante do vírus, chamada no exterior de Brasil ou Amazonas, se espalhar aqui, ocorrerá uma calamidade. Americanos e europeus estão assustados com essa variante, mas aqui o governo e seus 26 militares do Ministério militar da Saúde nem sabem dessa nova criação da sua incúria.


El País: Documento da CIA sobre execuções “implode” versão oficial da ditadura

Gerente-executiva do relatório da Comissão da Verdade diz que ainda há arquivos a serem analisados. Bolsonaro questiona documento, que "não vale um tostão" na avaliação de presidente do Clube Militar

Por Rodolfo Borges, do El País

As feridas abertas durante a ditadura militar brasileira (1964-1985) insistem em não cicatrizar. Revelado na quinta-feira, o documento da CIA que expõe a cúpula do Governo militar discutindo execuções em 1974 "implode o núcleo da versão oficial", segundo Vivien Ishaq, gerente-executiva do relatório da Comissão da Verdade. Responsável por coordenar os esforços das mais de 300 pessoas que participaram ao longo de 30 meses da pesquisa que revirou o passado recente do país, a historiadora chama atenção para o nível em que a mensagem da CIA foi trocada. "Do ponto de vista do poder dos personagens, é top secret. De diretor da CIA para primeiríssimo escalão. É extremamente importante", diz Ishaq. O conteúdo da mensagem é posto em dúvida pelos militares, contudo.

De acordo com a pesquisadora, que também coordenou o recolhimento dos arquivos da ditadura no Arquivo Nacional em Brasília, a maior parte do material dessa época disponível no Brasil diz respeito a pessoas investigadas pelo serviço secreto. "Aqui [no memorando da CIA] se vê de outro ponto. De primeiro escalão para primeiro escalão. É documento de Governo, não de serviço secreto", analisa Ishaq, para quem mensagem da agência norte-americana reforça as conclusões da Comissão da Verdade. O relatório final, apresentado em dezembro de 2014, demonstrava a existência de uma política de repressão. "Ao implodir esse núcleo central, também se joga por terra teses muito caras para as Forças Armadas e para os defensores da ditadura", diz a pesquisadora, que cita duas delas: "De que a maioria das mortes teria ocorrido em confronto ou de que seriam resultado de excessos de determinados agentes do Estado", o que eximiria de responsabilidade o comando hierárquico.

Como esse documento estava à disposição para consulta desde 2015, é de se imaginar que ainda há mais para ser descoberto sobre o período. Pelo menos a partir dos arquivos norte-americanos, porque o Exército divulgou uma nota desencorajadora na quinta-feira. Reproduzida pela Agência Brasil, a mensagem do Centro de Comunicação Social do Exército "informa que os documentos sigilosos, relativos ao período em questão e que eventualmente pudessem comprovar a veracidade dos fatos narrados foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época – Regulamento da Salvaguarda de Assuntos Sigilosos (RSAS) – em suas diferentes edições”.

O Ministério da Defesa reforçou a mensagem do Exército em nota praticamente idêntica. Mais tarde, questionado por jornalistas sobre o assunto, o ministro Raul Jungmann, da Segurança Pública, disse que o valor das Forças Armadas "permanece nos mesmos níveis [em] que se encontra até aqui". "São documentos da CIA, e o Governo brasileiro não tem conhecimento oficial de nada do que diz respeito a isso. Para se ter um pronunciamento oficial a respeito desse assunto, nós não podemos ficar apenas [nisso]", comentou.

O Arquivo Nacional guarda pelo menos dois lotes de documentos enviados pelos Estados Unidos após a conclusão do relatório da Comissão da Verdade. São 651 os documentos disponíveis para os pesquisadores brasileiros. "A produção documental sobre o assunto é gigantesca. Há 20 milhões de páginas no Arquivo Nacional", diz Vivien Ishaq. Segundo ela, o relatório da Comissão da Verdade produziu apenas uma "fotografia do período em que funcionou" e ainda "tem muita investigação a ser feita e muito documento a ser analisado". E é possível até que existam documentos brasileiros, porque o termo de destruição dos registros também foi destruído. Ou seja, não existe prova de que os documentos foram de fato destruídos.

Militares
Além do Exército, do Ministério da Defesa e do ministro da Segurança Pública, também falou pelos militares o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Em entrevista à rádio mineira Rádio Super, o pré-candidato à presidência questionou onde estão os 104 mortos que teriam sido executados pelo regime em 1973, de acordo com o documento da agência de inteligência norte-americana. "Quantas vezes você falou ali num canto que tem que matar mesmo, tem que bater, tem que dar canelada...Talvez esse cara tenha ouvido uma conversa como essa e fez o relatório e mandou", questionou o deputado, referindo-se ao então diretor da CIA, William Egan Colby.

Único dos pré-candidatos à presidência a defender o regime militar, Bolsonaro interpretou a comoção em torno da questão como uma reação a seu prestígio eleitoral. "Voltaram à carga, né? Um capitão está para chegar lá, é o momento. Olha, foi um memorando de um agente, que a imprensa não divulgou. É um historiador que diz que viu, mas não mostrou. Tem que matar a cobra e mostrar o pau. Eu respondo de forma simples: quem nunca deu um tapa no bumbum de um filho e depois se arrependeu?", disse o deputado durante a entrevista.

O presidente do Clube Militar, Gilberto Pimentel, engrossou o coro. Em entrevista ao Estado de S.Paulo, ele classificou a comunicação norte-americana de "inteiramente fantasiosa" e disse que o documento "não vale um tostão furado". Na entrevista, Pimentel destaca o momento em que a mensagem surgiu. "Temos agora na liderança das pesquisas para as eleições presidenciais um candidato que surgiu do nosso meio e um grupo expressivo de militares que, democraticamente, nesses dias consolidou a intenção de candidatar-se aos mais variados cargos de governo, desde os municipais, passando pelos estaduais até os federais”. Levantamento do Estado de S.Paulo aponta a que pelo menos 71 militares pretendem se candidatar na eleição deste ano.

O presidente eleito do Clube Militar, Antonio Hamilton Mourão, que assume o posto em junho, também comentou o assunto em entrevista. Ao jornal gaúcho Zero Hora: “A quem interessa manchar a reputação das Forças Armadas, que segundo pesquisas são as instituições em que a população mais confia, hoje, no Brasil? Gostaria de saber por que esse documento surgiu justo agora, num momento turbulento da nação.”

Anistia
Órgãos do Ministério Público Federal divulgaram nota nesta sexta-feira para questionar a Lei de Anistia. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a Câmara Criminal do MPF dizem que o "Brasil é o único país do continente que, após ditadura ou conflito interno, protege os autores de graves violações aos direitos humanos com uma Lei de Anistia". "O documento do governo americano, ao revelar nova evidência de que a repressão política pela ditadura militar incluiu uma política de extermínio de opositores do regime, convida para uma resposta breve do Estado brasileiro em favor da promoção da justiça", defendem os órgãos, que dirigem sua pressão diretamente ao Supremo Tribunal Federal. "A Suprema Corte brasileira, ao conformar a aplicação da Lei de Anistia e da prescrição penal às normas vinculantes do direito internacional e às decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ajustará o Brasil ao parâmetro adotado por todos os Estados da América Latina que passaram por ditaduras ou conflitos internos durante os anos setenta e oitenta".


El País: Documento da CIA relata que cúpula do Governo militar brasileiro autorizou execuções

Memorando de 1974 descreve "decisão de Geisel de continuar com execuções sumárias". General relata que cerca de 104 pessoas foram "executadas sumariamente" em um ano

Por Rodolfo Borges, do El País

"Assunto: 'Decisão do presidente brasileiro, Ernesto Geisel, de continuar com as execuções sumárias de subversivos perigosos, sob certas condições", diz um memorando de 11 de abril de 1974 enviado pelo diretor da CIA, a agência de inteligência norte-americana, para o então secretário de Estado Henry Kissinger. O documento, revelado pelo Bureau of Public Affairs do Departamento de Estado dos Estados Unidos, expõe que a cúpula do Governo militar brasileiro (1964-1985) sabia sobre as ações de exceção tomadas contra adversários do regime.

"Este é o documento secreto mais perturbador que já li em vinte anos de pesquisa", descreveu o pesquisador Matias Spektor, coordenador do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas. Spektor chamou atenção nesta quinta-feira para relatos disponibilizados pelo Governo norte-americano. O relatório começa descrevendo encontro de 30 de março de 1974 entre o então presidente Ernesto Geisel, o general Milton Tavares de Souza e o general Confúcio Danton de Paula Avelino, "respectivamente o ex-chefe e o novo chefe do Centro de Inteligência do Exército (CIE)", na descrição do próprio relatório. "Também estava presente o general João Baptista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI)" e futuro presidente do país.

Segundo Spektor, o relato foi tornado público em 2015 e faz parte da política regular de abertura de fonte primária do Departamento de Estado. O relatório registra que o general Milton foi quem mais falou na mencionada reunião. "Descreveu o trabalho do CIE contra a subversão interna durante a administração do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici. Ele enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista, e afirmou que métodos extralegais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos", diz o documento antes de chegar em seu trecho mais dramático: "Nesse sentido, o general Milton relatou que cerca de 104 pessoas, nessa categoria, haviam sido executadas sumariamente pelo CIE durante o último ano, ou pouco mais de um ano. Figueiredo apoiou essa política e defendeu sua continuidade".

Ainda segundo o relatório, que pode ser acessado pelo site do Departamento de Estado, "o presidente [Geisel], que comentou a seriedade e aspectos potencialmente prejudiciais dessa política, disse que queria refletir sobre o assunto durante o fim de semana, antes de tomar qualquer decisão sobre a sua continuidade". No dia 1º de abril, Geisel "informou ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que extremo cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados".

"O presidente e o general Figueiredo concordaram que, quando o CIE detivesse uma pessoa que poderia ser enquadrado nessa categoria, o chefe do CIE deveria consultar o general Figueiredo, cuja aprovação deveria ser dada antes que a pessoa fosse executada", segue o relatório, cuja última mensagem disponível diz que "o presidente e o general Figueiredo também concordaram que o CIE deve dedicar-se quase exclusivamente a combater a subversão interna, e que a atuação do CIE, em geral, deve ser coordenada pela general Figueiredo". Apesar de o sigilo do documento ter caído, dois parágrafos que somam no total 19 linhas foram mantidos em segredo.

Para Spektor, que topou com o registro enquanto pesquisava outros assuntos, o memorando é "prova do envolvimento do regime militar na política de execuções sumárias de inimigos do regime". Ela se soma a evidências já existentes, como a gravação revelada pelo jornalista Elio Gaspari em que Geisel dá luz verde para a repressão à guerrilha no Araguaia e o depoimento em que um general francês descreveu a uma historiadora a ocasião em que Figueiredo o levou para acompanhar uma sessão de tortura. Segundo o pesquisador, "o relato mostra a importância de as autoridades brasileiras também abrirem os seus arquivos".