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Carlos Melo: O olhar para o futuro e o futuro do centro

Não tardará a ser esmagado pela ansiedade do país

O desenvolvimento tecnológico atropelou tudo a que a humanidade estava acostumada; o conhecimento multiplica-se e rompe paradigmas na economia, na sociedade. Desta vez, não se trata de realocar mão de obra; também comércio e serviços se reinventam numa alucinante sequência de cliques transmitidos do sofá da sala. A obsolescência está posta, e mesmo o Uber —último refúgio de desesperados— será substituído pelo carro autônomo. A precarização retira renda e orgulho. Não sem motivos, medo e ressentimento transbordam para a política.

Em 2019, foi necessário decantar a última eleição, recuperar-se do baque da vitória de Jair Bolsonaro. Mas o leão do tempo ruge e a demora para a apresentação de respostas e alternativa ao que está acima tem colaborado para o aguçamento da polarização. De naturezas opostas, Bolsonaro e Lula estão plenos no palco; no cenário, nada de novo ou diferente. O fato é que o declamado centro não se colocou. Faltam-lhe ainda o sentido, o discurso e o rosto. Incapaz de responder a questões vitais, não tardará a ser esmagado pela ansiedade do país.

Como se apresenta hoje, o centro é um campo que sofre por indefinição; que, antes, se define pelo que não é, incapaz de expressar o que, afinal, pretende ser. É linha borrada, situada em lugar impreciso entre o bolsonarismo e o petismo. Tem fixação por refutar as teses do PT, enfatizar erros —reais, no entanto, mais que conhecidos. Omite-se, porém, quanto ao atraso bolsonarista, atado que parece estar à armadilha da adesão mecânica à agenda fiscal. Sem resvalar em questões mais substantivas, outra vez, não chegará longe.

Não porque o equilíbrio fiscal seja irrelevante. Ele não é. Mas é impossível apresentar-se como alternativa apenas com a bandeira do sacrifício, sem revelar os desafios colocados pela história e propor como superá-los. Se a situação do país, de estados e municípios é dramática e o remédio amargo, qual prognóstico para o doente? Mais que a prescrição de terapia, como será a sobrevida? Sem demagogia ou irresponsabilidade, é necessário, sim, expressar alguma esperança.

As pessoas compreendem o país na encruzilhada. A reforma da Previdência pouco foi combatida nas ruas porque as corporações foram poupadas, mas também porque, mais sábio que quem o quer governar, pragmaticamente, o povo absorveu a inevitabilidade do ajuste; se a saída será trabalhar mais, bola para frente. O centro, no entanto, permanece estacionado no governo de Michel Temer (MDB), no óbvio já ululante da mesmice do ajuste, repetida desde 2014.

É necessário avançar, voltar-se à questão fundamental: ainda que o presente exija ajustes, política se faz com o futuro, não pelo passado. Olhar para o amanhã, demonstrar que a saída do labirinto não é retroceder à Idade Média ou reinaugurar a Guerra Fria; que a desesperança é pernicioso terreno para o populismo e o autoritarismo.

Os efeitos da transformação exigem preparar o futuro dos jovens, a educação do amanhã. Combater o crime que se organiza, se espalha e ameaça instituições; despolitizar a Justiça, que perde o indispensável papel de árbitro dos conflitos; salvar o meio ambiente, que é questão para ontem; e, sem perder o sentido geral da política, assimilar novos perfis identitários que se colocam com força inédita. Que fazer?

Evidente que os recursos não brotam do chão e nem se trata de mera “vontade política”, mas a retórica exclusiva do ajuste espanta o desejo e a esperança. Cortar não é difícil. Difícil é a unir a sociedade —não dividi-la— em torno da utopia de um mundo melhor, juntar vontades.

Respostas demandam esforços para os quais os principais atores têm se mostrado incapazes. Desnecessário repetir que nada se fará sem ajustes, mas esse deixou de ser o núcleo do discurso. É preciso sinalizar o porquê e para quê fazê-lo, o que esperar do futuro. Premido por grandes blocos que emulam emoção, limitar-se à tecnocracia será a perdição, a doença infantil desse centro sem coordenadas. Ajustes são inevitáveis, desde Aristóteles, mas a busca da felicidade é a prova dos nove.

*Carlos Melo, cientista político e professor do Insper


Carlos Melo: Mesmo thriller, segunda temporada

Ao longo do ano, o mercado cantou “só quero saber do que pode dar certo”. Mas há de admitir que muito tempo se perdeu

O otimista rejubila-se com a reforma da Previdência enfim aprovada pelo Congresso Nacional. Também aponta a inflação sob controle, os mais baixos juros e a retomada econômica que, tímida, dá o ar da graça. É melhor ser alegre que ser triste. E é necessário justificar apostas (frustradas), feitas após a eleição. Ao longo do ano, o mercado cantou “só quero saber do que pode dar certo”. Mas há de admitir que muito tempo se perdeu.

Os mais rigorosos sabem que o ano poderia ter sido melhor. Rejubila-se o otimista porque o ano foi bom somente por não ter sido pior. Para um primeiro ano de governo, o presidente Jair Bolsonaro desperdiçou a lua de mel já na noite de núpcias: nos discursos de posse, amarrou-se ao mastro do sectarismo e ao gueto eleitoral. Não atinou para a obrigação de ser “presidente de todos”, foi estreito. Abusou do personalismo, desprezou a impessoalidade republicana; transformou a família no centro do governo. Não percebeu que deixara de ser deputado do baixo clero, da pauta de costumes, da crítica kitsch ao socialismo; da política externa incapaz de diferenciar interesses de ideologias.

De fato, Bolsonaro prometeu – e tem entregue – uma nova forma de fazer política: a não política, que troca o diálogo pela truculência. Quase nada construiu. Ganhou fama no planeta soando arrogante; isolou o País do continente; colocou em risco relações com a China, os árabes, a maioria da Europa. Agarrou-se a Donald Trump com paixão e indisfarçada submissão – política e estética. Na ciência, basicamente, retrocedeu ao terraplanismo; no meio ambiente, o descaso e o estímulo às piores práticas bateram recordes diários de constrangimento.

Se é verdade que rompeu com os vícios do presidencialismo de coalizão, é notório que restou sem coalizão alguma no Congresso Nacional, sequer com partido político. Inaugurou o “presidencialismo em transe”, que ao mesmo tempo implica em vertigem e alteração de consciência, como também parece ser um caminho sinuoso para algures.

Sorte sua ter podido contar com Rodrigo Maia na presidência da Câmara e na persistência de uma pauta positiva; não um tipo Eduardo Cunha. Pura sorte. É possível que o presidente eleito acredite que os 57 milhões de votos que recebeu no segundo turno da eleição o tornam mais legítimo que deputados e senadores. Negou-se a articular; blefou com a relação direta com o povo, que diz representar – e que não saiu às ruas.

O Congresso não piscou: ignorando os acessos dos bonapartistas do bolsonarismo, vem consolidando o sistema de freios e contrapesos possível. É inaudito e estruturalmente positivo, embora não vá aí qualquer sentido estratégico: o fortalecimento do Parlamento corresponde mais à fragilidade da liderança do Executivo do que retrata aprimoramento institucional.

De volta à economia: o presidente enfatiza nada compreender a respeito, o que é fato. “É ‘qüestão’ do Paulo Guedes”, como diz. Seria um sinal de liberdade e autonomia de seu ministro, livre para tocar a agenda reformista, de ajustes das finanças públicas. Mas a “carta branca” é, porém, mais complexa: trata-se de um lavar de mãos do presidente; o desresponsabilizar-se de ônus e insucessos. De fato, a economia não está no foco de Jair Bolsonaro.

Mas tampouco Guedes parece preparado a conduzi-la com a habilidade política necessária. Foram inúmeros os atropelos, sinais contraditórios, declarações infelizes; os desencontros com a democracia e com o Congresso. Também aí há sorte enorme em contar com Rodrigo Maia. E com as imposições próprias das circunstâncias: os imperativos que fizeram a reforma da Previdência, o corte dos juros; a baixa inflação, resultante de uma economia anêmica. Em 2019, o Congresso salvou o governo de si próprio.

Difícil dizer o que esperar de 2020: nos últimos dias, o noticiário tornou a ferver. O presidente e sua família estão acuados; o bolsonarismo movimenta-se desordenado, entre o embaraçoso e o patético das plateias nas portas dos palácios. A emoção estará ainda mais presente, sobretudo em ano eleitoral, como será o caso. O ambiente volátil, disputas nas bases municipais; a luta pelo território e pelas máquinas que pode reforçar conflitos.

Choques no seio da direita e no interior da esquerda serão comuns, assim como o embate entre estas. À falta de um centro, a polarização é inevitável.

Com o calendário apertado, deve-se esperar menos produtividade do Congresso. O fortalecimento da liderança do presidente da República tampouco pode ser projetado. E há também no horizonte a delicada sucessão das presidências da Câmara e do Senado, o que já é sussurrado nos corredores. Equação complexa, dada a importância que as disposições pessoais de Maia e Alcolumbre adquiriram. Sucedê-los será um risco, mantê-los ao arrepio da Constituição tampouco é solução. Além da insegurança jurídica, há fila no Centrão. A impressão mais forte é que 2020 será 2019, segunda temporada; a sequência do mesmo thriller alucinante. Sem virtù, o País depende da fortuna.

* Carlos Melo é cientista político e professor do Insper


'Não vejo o governo Bolsonaro capaz de se impor’, avalia Carlos Melo à Política Democrática online

Professor do Insper analisa política nacional e defende reforma da previdência justa, em entrevista da edição de dezembro da revista produzida pela FAP

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O cientista político Carlos Melo, mestre e doutor pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), afirma que a deficiência do Executivo provocou uma transferência de poder para o Legislativo. “Não vejo o governo Bolsonaro capaz de se impor, de tomar a contento e moderadamente as rédeas do processo político”, destaca ele, em entrevista exclusiva concedida à revista Política Democrática online de dezembro. É gratuito o acesso a todos os conteúdos da publicação, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que produz e edita a revista. “A grande incógnita é se o Congresso terá o tipo de liderança necessária, após a presidência de Rodrigo Maia”, acrescenta.

» Acesse aqui a 14ª edição da revista Política Democrática online

A FAP é vinculada ao Cidadania. Professor em tempo integral do Insper desde 1999, Carlos Melo é analista político com participação ativa em vários veículos de comunicação, palestrante e consultor de empresas nacionais e estrangeiras. Ele tem buscado contribuir com o debate político, econômico e social do Brasil por meio de uma análise conjuntural isenta e reflexão desapaixonada, conforme apresentado na revista Política Democrática online.

Na entrevista concedida ao consultor político e diretor da FAP Caetano Araújo, algumas reformas devem ser entendidas como clássicas e inevitáveis. “A reforma da previdência, uma reforma tributária, a questão do federalismo. Isso não tem a ver com direita ou esquerda, e o necessário ajuste deveria ser um ponto pacífico. Um imperativo”, afirma, para acrescentar: “Ninguém governa com desajustes fiscais. É necessária uma estrutura tributária que incentive a atividade econômica, senão não haverá emprego”, acentua.

Na avaliação do professor do Insper, a falta de líderes reflete na oposição ao governo Bolsonaro. “É preciso definir o que unifica a oposição. Qual é a pauta mínima para as oposições, no plural?”, questiona. “Eu diria que é a questão da democracia. Poderia haver também algum acordo em relação as reformas como a da Previdência”, avalia.

Colaborador de vários veículos de comunicação, é também colunista do UOL onde alimenta um Blog com análises a respeito da política brasileira (carlosmelo.blogosfera.uol. com.br), Melo é pesquisador de temas como eleições, partidos, conflito político e liderança política. “É imperativo uma reforma da previdência que seja justa e que envolva todos os setores da sociedade, que não proteja corporações; que não se volte apenas para o regime geral da previdência”, afirma.

 

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Revista Política Democrática || Entrevista Especial - A democracia no Brasil está sob risco, avalia Carlos Melo

Cientista político e professor do Insper, Carlos Melo avalia que o Brasil vive uma democracia porque tem eleições, mas não é liberal porque não aceita as instituições e os valores do liberalismo político, como os direitos essenciais - liberdade de expressão e de manifestação. De acordo com ele, os próprios direitos humanos são questionados dentro dessa visão 

Por Caetano Araújo

O cientista Político, mestre e doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Carlos Melo, professor tempo integral do Insper desde 1999, é o entrevistado especial desta 13 edição da Revista Política Democrática Online. Analista político, com participação ativa em vários veículos de comunicação, palestrante e consultor de empresas nacionais e estrangeiras, Carlos Melo tem buscado contribuir com o debate político, econômico e social do Brasil por meio de uma análise conjuntural isenta e reflexão desapaixonada.

Mundo hoje, para Melo, vive uma crise de liderança, inclusive no Brasil. "Em minhas palestras, tenho chamado atenção para o fato de que, há 30, 40 anos, gostasse ou não das lideranças, se via Ronald Reagan; hoje, é o Donald Trump. Onde se via Margaret Thatcher, vê-se Boris Johnson. Onde se via Mikhail Gorbatchov, vê-se Vladimir Putin. E no caso do Brasil, sabemos a situação em que estamos", critica.

A falta de líderes reflete, ainda, na oposição ao governo Bolsonaro, avalia Melo. "É preciso definir o que unifica a oposição. Qual é a pauta mínima para as oposições, no plural? Eu diria que é a questão da democracia. Poderia haver também algum acordo em relação as reformas como a da Previdência", avalia.

Colaborador de vários veículos de comunicação, é também colunista do UOL onde alimenta um Blog com análises a respeito da política brasileira (carlosmelo.blogosfera.uol.com.br), Melo é pesquisador de temas como eleições, partidos, conflito político e liderança política. Na entrevista especial que concedeu ä Revista Política Democrática Online, ele também trata de temas como o governo Bolsonaro e o Legislativo brasileiro, que tem assumido um protagonismo inédito na política do país, entre outros temas. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista de Carlos Melo à Revista Política Democrática Online.

Revista Política Democrática Online (RPD) – A democracia corre risco no Brasil de hoje?
Carlos Melo (CM) - Corre sim. Existe um espírito antidemocrático, que tenta de alguma forma desqualificar as instituições da democracia; um espírito que não aceita um princípio básico da democracia que é um sistema de freios e contrapesos. Esse espírito acha normal o aparelhamento de instituições importantes como a diplomacia, a Polícia Federal, o Ministério Público, a Justiça. Isso tudo, evidentemente, coloca em risco a democracia. Não há como negar. Há, pelo menos, uma parcela significativa da população – não diria uma maioria – que é relativamente mobilizada que, se pudesse, liquidaria todas as instituições da democracia. É o que o cientista político alemão Yascha Mounk chamou “O Povo Contra a Democracia”; uma democracia iliberal. Ela é democracia porque há eleições, mas não é liberal porque não aceita as instituições e os valores do liberalismo político, como direitos essenciais, com liberdade de expressão, liberdade de manifestação; mesmo os direitos humanos são também questionados, nessa visão. Amplamente falando, penso que há risco sim.

RPD – Como se deveria comportar a oposição no tocante às reformas em discussão? Pensando em ser governo nas próximas eleições, deve apoiar as iniciativas reformistas, ou, ao contrário, é melhor combatê-las para pavimentar seu caminho ao poder?
CM – Vamos por partes. Algumas reformas devem ser entendidas como clássicas e inevitáveis: a reforma da previdência, uma reforma tributária, a questão do federalismo. Isso não tem a ver com direita ou esquerda, e o necessário ajuste deveria ser um ponto pacífico. Um imperativo. Ninguém governa com desajustes fiscais. É necessária uma estrutura tributária que incentive a atividade econômica, senão não haverá emprego. Simples assim. É imperativo uma reforma da previdência que seja justa e que envolva todos os setores da sociedade, que não proteja corporações; que não se volte apenas para o regime geral da previdência. As mudanças demográficas e no mundo do trabalho foram extraordinárias na maior parte do planeta, e em especial, no Brasil; o sistema que tínhamos – e cumpriu um importante papel – se esgotou, é hoje inviável. Reitero, pois: as reformas dessa natureza deveriam ser enfrentadas com muito pragmatismo, por imperativas. Assim deveria enxergar a oposição.

Mas há alguns desafios. Primeiro: definir o que unifica a oposição. Afinal de contas, qual é a pauta mínima capaz de aglutinar as oposições (no plural)? À parte do pragmatismo, diria que é a questão da democracia. Poderia haver acordos quanto a abrangência das reformas, pelo menos em relação a aspectos de algumas delas. Mas, então, superada essa fase, o desafio seria a formação do que tem sido chamado de uma frente ampla em nome da democracia e de uma pauta possível, de resgate da economia e das funções básicas e inescapáveis do Estado, como Educação, Saúde, Segurança e Política Externa. Assim, seria possível olhar para a política de uma forma mais propositiva e construtiva.

Estamos passando por um problema que é uma grande transformação do mundo do trabalho, e não estou falando do capitalismo, estou falando do mundo do trabalho, seja em qualquer regime, por conta da revolução tecnológica que vivemos. O termo uberização já é hoje um termo vulgar, bem conhecido. Uberização significa uma precarização das relações de trabalho, isto é, muita gente já está fora do mercado de trabalho e não mais dele fará parte, do modo como nos acostumamos, pelo menos. É diferente do que tivemos no passado, quando a tecnologia se impunha, acabava com alguns empregos, mas novos postos se abriam em outras áreas, nos serviços ou no comércio, por exemplo. Isso não mais ocorrerá.

Terá, assim, uma parte considerável da população que carecerá de políticas públicas para mitigar essa situação. Vivemos um momento de transição para alguma coisa que não sabemos exatamente o que será. Serão necessárias políticas públicas para mitigar todos os problemas dessa revolução tecnológica, econômica e social. Além de apenas reduzir danos, será importante também agir com sentido de antecipação. Qual é a Educação para esse novo mundo, para nossos filhos, para nossos netos? O tempo dos nossos pais e dos nossos avós já se foi. Nosso tempo é de transição. O mundo dos nossos filhos e dos nossos netos é um novo mundo, para o qual temos de nos preparar. Esse desafio da Educação implica a capacidade de aprender a aprender, educação em termos de valores humanos, democráticos, que tampouco podem ser perdidos. E claro, também a questão da Segurança, do combate ao crime organizado que hoje já atua na lógica de cartéis.

A oposição, que vai do centro liberal até a esquerda, deveria se unir em torno desta pauta mínima. Fazer oposição olhando para trás, falando dos velhos e bons tempos que o país viveu e que não retornarão, não nos levará a lugar algum. Aceita-se um conjunto de reformas como imperativo, é inevitável. Ponto. Sem transformar isto no pomo da discórdia. Unifica-se a oposição numa frente bastante ampla e democrática com uma pauta voltada ao futuro, capaz de responder à indagação e ao medo das pessoas, hoje atormentadas pelas incertezas do futuro. Política se faz olhando para frente, não para trás. O desafio não está à direita ou à esquerda, mas em avançar ou retroagir à idade das trevas. Naturalmente, não é simples. Qualquer resposta simples provavelmente estará errada; será preciso construir na complexidade.

RPD – Há hoje uma crise de lideranças?
CM – Sem dúvida, há uma crise de liderança mundial. Em minhas palestras, tenho chamado atenção para o fato de que, há 30, 40 anos, gostássemos ou não desta ou daquela liderança, o espaço era ocupado por gente como Ronald Reagan, onde hoje está Donald Trump. Onde se via Margaret Thatcher, vê-se Boris Johnson; Mikhail Gorbatchov, Vladimir Putin... E assim vai. No caso do Brasil, sabemos a situação em que vivemos.

De onde surgiu essa crise de liderança política mundial? Essa é a pergunta, que me tenho feito nos últimos anos. Decerto, haverá uma série de fatores que poderão ajudar a “cercar” o fenômeno, mas destaco uma frase emblemática de Thatcher, nos inícios dos anos 1980: “Esse negócio de sociedade não existe, o que existe são os indivíduos e suas famílias”. Esse pensamento fez um estrondoso sucesso e deu impulso ao liberalismo. A riqueza das empresas disparou e também se estabeleceu um individualismo hedonista, vinculado ao narcisismo e ao consumo extremo. Ora, se “sociedade não existe”, se o que existe são apenas indivíduos e suas famílias, a política é desnecessária. E, mais do que desnecessária, é um estorvo; as pessoas vão cuidar de suas próprias vidas, no mercado. Perde-se o elo comunitário forjado pela Política.

Essa lógica não é nova, pelo menos desde Weber, na "Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", no começo do século XX, sabe-se disto. Mas, nas últimas décadas, a sociedade de consumo disparou e fez com que a política implodisse. A partir daí, as lideranças começaram a escassear.

Não é verdade que no Brasil não tenha havido grandes lideranças políticas. Houve, sim, desde a época do Império. Na República, também, tanto quanto no período do Getulismo, à direita e à esquerda. Tivemos lideranças políticas importantes durante o regime militar. Na transição para a democracia, tivemos lideranças importantíssimas, mas, depois – coincidente com essa transformação mundial –, elas começaram a rarear. Se olharmos, por exemplo, para o campo da esquerda – que entendo seja de esquerda – encontraremos Lula e Fernando Henrique Cardoso. Fernando Henrique Cardoso é um cidadão com cerca de 85 anos, e o Lula, 73 anos. Ambos chegaram à presidência da República, governaram por dois mandatos, e o tempo passou; não fizeram sucessores à altura. Não como “filhos” de uma sociedade patriarcal, mas como um processo natural de renovação política. Também a história foi madrasta com o Brasil: uma parte da possível renovação ficou comprometida pelo mensalão; outra, simplesmente morreu: Luiz Eduardo Magalhães, Eduardo Campos, Marcelo Deda, Luís Gushiken... E alguns morreram politicamente: Antônio Palocci, José Dirceu, Aécio Neves e, até, Eduardo Cunha, que chegou a despontar no cenário nacional como uma liderança conservadora, hábil e sagaz. E o que sobrou foi isso aí, que não é liderança. Na verdade, é uma coisa mítica. É mítica no sentido quase religioso mesmo, messiânico, que é a figura do Jair Bolsonaro, ou mesmo a beatificação que se chega a fazer de Lula. É uma crise muito grande de liderança política, no mundo e no Brasil. O novo, simplesmente, ainda não nasceu ou está apenas sendo gerado.

A indagação é: como, sem lideranças dispostas e capazes, construir essa pauta mínima? É uma excelente pergunta, para a qual evidentemente não tenho respostas. Mas posso lembrar que, até meados de 1941, Winston Churchill era considerado um derrotado, fracassado em Galípoli na primeira guerra mundial, quando era o primeiro lorde do almirantado. Era tido como excêntrico beberrão, mas se transformou pela própria crise, pela necessidade, pelas circunstâncias, no maior estadista do século XX. Acredito que as circunstâncias sejam capazes de produzir também suas lideranças. A liderança é sempre um fenômeno em contexto. Às vezes, é necessária uma bela crise para que apareçam. Penso que as condições objetivas estão dadas para que voltem a surgir, passem a propor projetos e tentem conversar; é questão de tempo. Embora, ao contrário dos chineses – capazes de esperar por séculos que as crises decantem –, somos bem mais ansiosos.


RPD –
 Como sabemos, não existe vácuo de poder em política. Quem, a seu ver, estaria tirando proveito dessa falta de liderança no governo?
CM – Muita gente, como se sabe, está-se reunindo, fazendo encontros por aí, tentando encontrar uma saída. Estamos no meio desse processo. Concordo que não exista vácuo de poder. Por exemplo, há dois anos Rodrigo Maia não era o que vemos hoje; ele cresceu, deu um salto enorme. Provavelmente, porque foi jogado ao mar e teve que aprender a nadar. Viveu ocasiões em que seria fácil se amesquinhar pelo poder, preferiu a prudência; como por exemplo não investir no impeachment do presidente Temer e assumir a presidência da República. Teve a clareza – a meu ver, até mesmo a grandeza – de não de deixar morder pela mosca azul. E mesmo agora tem tido postura interessante, sendo um importante freio às loucuras do Executivo. Em torno dele, Maia, vem-se formando um grupo eclético, política e ideologicamente; talvez, uma nova elite parlamentar. Fico preocupado, como analista, quanto à sucessão do Rodrigo Maia, lembrando que o próximo ano será complicadíssimo: carnaval no final de fevereiro, depois, março, abril, maio, junho, festa junina, eleição, votamos em novembro. E, logo depois, a pauta da sucessão do Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Rodrigo Maia terá um sucessor à altura? Será uma figura tipo Rodrigo ou estará mais para o estilo Eduardo Cunha? É preocupante. Mas, enfim, vejo que o Rodrigo Maia já é um dos exemplos de liderança que surgem justamente da crise.

RPD – O Legislativo tem assumido um protagonismo inédito na política brasileira. É de se prever a continuidade desse processo até o fim do governo Bolsonaro?
CM – Houve, pela deficiência do Executivo, uma transferência de poder para o Legislativo. Tenho dito que estamos vivendo um presidencialismo em transe. Certamente não é parlamentarismo, o sistema é presidencialista, mas é um presidencialismo em transe. Transe pode ser entendido como “em transição” ou como “em vertigem”; veremos. Depende do modo como a própria política queira traduzir o termo: se o sucessor de Rodrigo Maia, na presidência dos trabalhos, for alguém afinado com sua atuação ou a negação disto – que tanto pode ser a oposição desmedida ao Executivo, como, por outro lado, a total submissão a ele.  Ou ainda se, mesmo no chão do Plenário, Maia atuará como um centro agregador no Congresso Nacional, o que daria continuidade a esse processo de imposição do Poder Legislativo. De toda sorte, não vejo o governo Bolsonaro capaz de se impor, de tomar a contento e moderadamente as rédeas do processo político. A grande incógnita é se o Congresso terá o tipo de liderança necessária, após a presidência de Rodrigo Maia.

RPD – O Supremo Tribunal Federal está perdendo sua função histórica de poder moderador?
CM – Um elemento grave da crise é a politização da Justiça. Não só do Supremo, mas do Supremo inclusivo. As raízes desse processo talvez estejam na omissão do poder Legislativo no passado: a indecisão de votar questões como a união homoafetiva, o aborto anencéfalo, a fidelidade partidária ou se impor em relação à intervenção do STF quanto à cláusula de barreira. Sabemos, não há vácuo; o poder é como gás, ele tem a forma do que o contém. Se nada o contém, ele se expande, e eu acho que o Judiciário se expandiu politicamente, a meu ver, de modo perigoso. Por vários motivos: primeiro, porque não é seu papel, e, segundo, porque isso aconteceu de uma forma fragmentada, como a inegável divisão e politização entre os próprios ministros da Corte.

Digo desde 2014, pelo menos, que me surpreendo ao ver pessoas comuns capazes de declinar o nome dos onze ministros do STF, sem a mesma capacidade para escalar a seleção brasileira de futebol. A crise é séria; no futebol, na política, e na Justiça. Costumo provocar minha audiência com a pergunta: por qual turma que você torce? A primeira turma ou a segunda turma? Os garantistas ou os tais consequencialistas?

Isso é ruim, porque, num sistema democrático, o Supremo tem a “última palavra”, no limite dos conflitos políticos. Além de um papel contramajoritário. O Supremo não tem de agradar a maioria da população; tem de arbitrar de acordo com a lei. Claro que há um certo nível de hermenêutica na interpretação da lei, mas ele tem de arbitrar de acordo com leitura razoável e coerente, no tempo, a respeito da lei. E não está acontecendo exatamente isso, porque as interpretações têm variado substantivamente ao longo do tempo, talvez ao sabor das conveniências políticas de cada grupo ou indivíduo ali estabelecido. Quando a política não consegue o consenso, quando a política não consegue o pacto, quem vai arbitrar antes de um conflito de verdade, maior, com consequências indesejáveis, é a Justiça, o Supremo no limite. Quando o Supremo se politiza, ele perde esse papel importante de ser um árbitro respeitado e inconteste. E o que acontece hoje? Dependendo da decisão do Supremo, à direita ou à esquerda, setores da sociedade simplesmente desqualificam sua decisão. A desconfiança de influências políticas no processo decisório - ora para um lado, ora para o outro – faz com que se perca a importante característica salomônica (sábio e criterioso) que deveria possuir. Para contar com a confiança de seus súditos, o Rei Salomão precisa ser percebido como justo.

RPD – Como resumiria as opções para a saída dos problemas políticos da atualidade?
CM – O Brasil precisa de um processo de conciliação, e não é um processo de conciliação com todo mundo. Há uma parcela hoje que não aceita a conciliação, porque não é democrática. Os setores democráticos precisam de um processo de conciliação. Quando a gente pensa em liderança, pensa-se em um sujeito como o Mandela ou como o José Mojica no Uruguai, que saíram da cadeia para articular uma grande conciliação nacional. Quando saem da cadeia, transformam-se em grandes líderes, não porque conciliam com aqueles que os prenderam, mas porque articulam um campo bastante amplo para se opor e vencer o outro lado, com o qual é impossível conciliar. Acho que o Brasil precisa de lideranças com essa disposição, tipo Nelson Mandela ou José Mojica, capazes de abrir mão do poder individual; generosos ao abrir espaços para o surgimento de novas lideranças; novas opções.

 


Carlos Melo: Aliança pelo Brasil nasce como expressão do personalismo

Partido do presidente Jair Bolsonaro não busca o governo das leis, mas de um homem em especial e de seu clã

A revolução tecnológica das últimas décadas desestruturou o mundo do trabalho e aumentou o desconforto econômico e social de enormes parcelas da população. Novas formas de comunicação e expressão surgiram e desorganizaram sistemas políticos, que, perplexos com tal vertigem, foram apanhados por escândalos de corrupção. Logo, não é disparate que Estados estejam em crise e, por decorrência, partidos políticos também.

A necessidade deveria obrigar a olhar para frente: fazer um bom e correto diagnóstico do que se passa, buscar alternativas e soluções; mitigar os custos de uma inevitável transição; reestruturar e aperfeiçoar as instituições. Como se diz, para sair do buraco é preciso parar de cavar; no mais, fazer do medo uma escada.

Não é o que tem ocorrido. Até que tudo volte a melhorar é possível que piore. O mal-estar questiona quase tudo o que se pôs em pé:
o iluminismo, a democracia, a ideia de que, acima dos indivíduos, a sociedade deve ser governada por instituições. Ao contrário, cresce o apelo às religiões e, paradoxalmente, o ímpeto de recorrer à força.
Barricadas são reerguidas: forja-se a polaridade esquerda-direita quando avançar ou retroceder é de fato a questão.

A Aliança pelo Brasil, do presidente Jair Bolsonaro e de seus próximos, não foge ao figurino: falta-lhe diagnóstico correto e seu propósito é regressivo. Recorre à infalibilidade do mito e à sua disposição guerreira. Nasce como expressão do personalismo, do patriarcalismo e do messianismo ancestrais. Não busca o governo das leis, mas de um homem em especial e de seu clã. Apela a Deus e esquece a civilização.

* Cientista político e professor do Insper


Carlos Melo: Janelas para o futuro estão fechadas

O 'novo' na política patina em antigos problemas

A política brasileira quase nunca surpreende, e qualquer absurdo tem precedente. Ainda assim, mesmo quem acompanha sua dinâmica há tempos ficou perdido com os episódios do Senado, logo na abertura da atual legislatura. É dispensável repetir o que se passou e talvez impossível explicar o que ocorreu; no Brasil, a realidade bate, de longe, a ficção. Mas curiosas são as semelhanças entre aquela eleição e a da Presidência da República, ano passado --além das coincidências com o que ocorre pelo mundo.

Como o eleitor comum, os senadores votaram "contra", não "a favor"; o gesto foi, antes, de desamor. Quando é assim, perdem-se rigor e critérios; faz-se opção emocional, pressionada por sentimentos e circunstâncias, sem pesar consequências.

As qualidades do escolhido deixam de ser importantes, desde que seja capaz de derrotar o mal maior -- seja ele o PT ou Renan Calheiros. Os símbolos da tragédia passada precisam ser removidos e não há possibilidade de diálogo, menos ainda de conciliação.

Claro que erros do passado precisam ser cobrados. Mas há exageros, perdendo-se o sentido de complexidade sistêmica que envolve a crise. Culpa-se o status quo pelos males do mundo moderno, sem perceber o status perdido diante de ondas de comunicação e novos processos políticos derivados da transformação tecnológica. Como se fosse possível negar a realidade e a modernidade incômodas, demoniza-se o adversário e substituem-se "ideologias" --o termo voltou à moda-- por outras ainda mais ultrapassadas.

São utopias regressivas, sobretudo, nos costumes; uma fuga para a nostalgia de um passado que retornará apenas como farsa. Um novo tipo de bonapartismo tende a piorar o que já era péssimo. Um otimismo forçado precisa ser sustentado, mas no íntimo suspeita-se que foi um tiro no pé.

Enfim, a despeito de qualquer alerta, a derrota do inimigo é mais comemorada que a vitória de quem ficará responsável pelo Executivo ou Legislativo --o Judiciário parece mais protegido, pelo menos por quanto tempo.

Do novo dirigente não importam o estofo cultural, o entendimento que tenha do mundo, sua biografia e conexões, nem a qualificação para o cargo; suas habilidades políticas mais amplas são ignoradas; não interessam.

Sem liderança, coordenação e condução políticas adequadas, a passagem para o que se imagina ser o futuro eleva muito mais os custos do que processos moderados de transição gradual e negociada -- peremptoriamente descartada.

São períodos que geram impasses, o que ocorre agora em vários quadrantes do planeta, como atestam os resultados da Primavera Árabes, do brexit, no Reino Unido, ou da eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos. Não é um muro que se ergue, mas um beco que se forma. Lá estão tanto semelhanças quanto os fantasmas de consequências que parecem não tardar a surgir por aqui.

O fato é que uma massa disforme que representa a parte mais mobilizada e furiosa da opinião pública --sem representar toda a opinião pública-- se arroga como "o povo", num jacobinismo pueril que toma a frente do processo, sem assumir qualquer coordenação da ação coletiva. As lideranças não apenas são atropeladas, como se apequenam e desaparecem. Há pavor em se contrapor ao radicalismo confortável das redes sociais.

O resultado até aqui parece ser a destruição do passado e de seus personagens, como também da política. Não se abrem janelas para o futuro. E, depois de tudo, elas ainda estarão fechadas.

Com pretensos ares de renovação, o "novo" patina em antigos problemas, seja porque a suposta ruptura não traz novidade ou porque sobram inexperiência e inaptidão aos novos agentes.

E quase nunca há saída fácil para esses impasses a não ser purgar erros ao longo dos mandatos, torcendo para que instituições e o tecido social não se esgarcem completamente. Fica-se à espera de que no longo prazo essa destruição possa produzir algo de realmente criativo, antes que estejamos todos mortos de verdade.

*Carlos Melo, cientista político e professor do Insper


Carlos Melo: ‘Os economistas viraram as costas para a política’

Cientista político do Insper afirma que o cenário já estava deteriorado, mas as expectativas econômicas não refletiam a falta de governabilidade

Por Cássia Almeida, de O Globo

A instabilidade política tem afetado a economia?
Os economistas demoraram muito a perceber como a situação política estava se deteriorando e os efeitos disso na economia. Os economistas viraram as costas para a política. Com Dilma (Rousseff ), achavam que o (ex-ministro da Fazenda Joaquim) Levy ia fazer o ajuste fiscal. Depois, que o impeachment resolveria a situação, que o (ex-ministro da Fazenda Henrique) Meirelles resolveria a crise a ponto de deixar (Michel) Temer numa condição de candidato este ano. Depois começaram a dizer que o (ex-prefeito de São Paulo João) Dória ia bem nas pesquisas e que o (ex-governador de São Paulo Geraldo) Alckmin vai fazer as reformas. Chegam a dizer que o (deputado Jair) Bolsonaro, com o economista liberal Paulo Guedes, vai fazer as reformas. Percebe a loucura disso? O mercado quer sempre encontrar um lado positivo, sempre obscurece a situação crítica que estamos vivendo.

A política tem ditado o comportamento da economia?
Não só agora, mas sempre. A economia não tem autonomia. Funcionam juntas. Essa história de que a economia tem autonomia e não depende da política, como se dizia no começo deste ano, não existe. Em poucos momentos, a economia conseguiu influenciar a política: no milagre econômico nos anos 1970, no Plano Cruzado (1986), no Plano Real (1994) e no choque de crédito do governo Lula.

Quais são as incertezas da política?
A primeira incógnita é se quem vai ganhar a eleição vai conseguir governar, aprovar reformas, vai ter maioria ou vai sofrer um impeachment.

Mas o presidente Michel Temer conseguiu algum apoio do Congresso.
Houve uma renovação, com cerca de 15 mil cargos do PT que foram redistribuídos. Serviu para aprovar o teto de gastos, mas não serviu no segundo ano. E ainda teve o caso Joesley. A credibilidade foi se desgastando, foi perdendo o controle do processo. Não tinha autoridade política para apelar para a sociedade e controlar a voracidade do monstro. Parece que, enfim, acabou a ilusão em relação ao Temer ser um exímio articulador, que iria aprovar o que quisesse. Isso era cascata, balela. É um sistema baseado na fisiologia, mas os recursos fiscais acabaram e não permitem mais esse fisiologismo. Ele nunca passou perto de ser um estadista que tenha conseguido romper a lógica fisiológica e estabelecer a lógica de reformas.

O próximo presidente pode esperar algum apoio no Congresso?
Há ciclos no presidencialismo de coalização. O primeiro governo é uma maravilha, há todos os cargos à disposição. Faz a redistribuição, e o presidente consegue maioria fácil. O fisiologismo é voraz. Negocia no começo do governo, três meses depois, quer mais. Vem a reeleição, você dá mais. Deu cargos, emendas, diretoria de estatal. O problema é que houve um ciclo de quatro mandatos, não houve renovação. No primeiro ano do segundo mandato de Dilma, houve o colapso do sistema, e ela não conseguiu aprovar nada. Faltaram habilidade e recursos. O centrão virou o dono da Câmara, baseado no fisiologismo, com crise fiscal terrível, o governo não teve o que dar e o resultado foi impeachment.

Qual o perfil do candidato para esse momento do país?
A alternância de poder ajuda, mas o ideal é um candidato que tenha liderança política pessoal, que compreenda a importância de se comunicar. Não dá para ser um burocrata, tem que ser crível, persuasivo, carismático, para fazer a sociedade entender a necessidade das reformas. Um candidato que saiba construir as bases da governabilidade em outros termos. Uma base que se fixe na ideia da reconstrução do Brasil.

Vê alguém com esse perfil entre as opções atuais?
Infelizmente, não.