capital político

Raul Jungmann: 5G - Politização e interesse nacional

Esta semana, mais uma vez, tivemos um conflito diplomático entre o Brasil e China, motivado por um tuite desrespeitoso e irresponsável do Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara seguida de resposta do embaixador da China.

Os países mais avançados na introdução de tecnologia 5G são a Alemanha, China, Coreia do Sul, EUA e Japão. Existem atualmente 40 operações comerciais de 5G em 16 países, conduzidas por duas dezenas de operadoras.

O Brasil é um player de peso no comércio global das tecnologias de informação e comunicações e nas principais instâncias da governança cibernética. Somos, depois da China, Índia e EUA, o quarto maior usuário global da Internet. Entre 2000 e 2017, o percentual da população brasileira com acesso à Internet evoluiu de 3% para 67,5%.

A companhia chinesa Huawei é hoje a principal ofertante de serviços 5G, com preços de mercado mais vantajosos do que as outras duas concorrentes, Nokia e Ericsson. O governo dos EUA pressiona seus parceiros econômicos a não adquirir os produtos e serviços de 5G da Huawei, sob a argumentação de que eles trariam graves riscos securitários.

Países influentes nas agendas econômica e securitária globais, como Alemanha, Coreia do Sul, França, Índia e Reino Unido têm indicado, entretanto, intenção de não desconsiderar a priori quaisquer das ofertas de 5G, inclusive da Huawei, desde que atendidos os objetivos nacionais de desenvolvimento tecnológico e critérios de segurança.

Contrariando essa tendência, o Reino Unido e a Suécia reviram sua decisão recentemente e colocaram impedimentos para a participação da Huawei em projetos de 5G.

Em junho de 2019 o Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações divulgou a Estratégia Brasileira de Redes de Quinta Geração. Em 31/10/2019, foi instaurado Grupo de Estudo sobre a tecnologia 5G.

O principal objetivo do grupo é subsidiar o Governo federal para a adoção de um ecossistema 5G que atenda aos requisitos de maior cobertura nacional possível, prestação eficiente de serviços, fomento à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico e segurança das infraestruturas críticas e cadeias de produção.

A Anatel e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) têm defendido o princípio de neutralidade tecnológica. Em fevereiro de 2020, a Anatel aprovou proposta de edital de leilão 5G.

O leilão deverá movimentar R$ 20 bilhões em arrecadação e investimentos. Após sucessivos adiamentos, a estimativa do Presidente da Anatel é a de que o leilão ocorra no primeiro semestre de 2021.

Ideologizar e/ou politizar essa decisão estratégica e seguir um dos lados em disputa, EUA ou China, e não o interesse nacional é desservir ao Brasil.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


Raul Jungmann: O inferno da (in) segurança

A morte volta a triunfar sobre a vida e o seu sucesso se mede pelo número de óbitos, segundo o Anuário da Segurança Pública de 2020. Isto é, as mortes violentas, que vinham caindo desde 2018, voltaram a crescer no primeiro semestre do ano, 7.1%.

No mesmo dia em que o anuário registrava a estatística mórbida, a pesquisa “Mapa dos Grupos Armados do Rio” constatava que 57% do território da cidade do Rio de Janeiro e quase um terço da sua população (dois milhões de habitantes), vive sob o domínio da milícia. Ainda nesse dia aziago, a Polícia Federal informava que os registros de armas cresceram 120% em 2020.

Das trevas do nosso sistema prisional emergia a informação de que 75% dos 862 mil apenados, dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) são negros e pobres. Eis, num único dia, a síntese do inferno da (in)segurança no Brasil e da ausência de uma política nacional pública de segurança sob o atual governo.

A pandemia veio agravar o desemprego crescente, na casa dos 14%, sem contar outros 10 milhões que deixaram de procurar trabalho – talvez pendurados no auxílio emergencial de difícil continuidade, elevando as tensões sociais.

Diante disso, o que faz o governo? Afrouxa os controles sobre a venda de armas, já responsáveis por 77% das mortes violentas. O Susp – Sistema Único de Segurança Pública – e a Política Nacional de Segurança, heranças do extinto Ministério da Segurança, foi enterrado sem cerimônia; a letalidade policial aumentou 6% e a morte de policiais 16.6% no semestre. Enquanto o feminicídio subiu 7.1%, no mesmo período.

Em paralelo, o orçamento do governo federal para a segurança, equivalente a 11% % do gasto total, caiu 3.8%%! A política de combate às drogas, reconhecidamente falida, segue levando milhares de jovens negros, pobres, de baixa renda e precária educação, para as garras das 70 facções de base e origem prisional. Estas, dominam quase 80% das 1.500 unidades prisionais do país e de lá de dentro controlam o tráfico e a violência nas ruas.

Esses jovens, os 11 milhões de “sem-sem” – sem escola e sem trabalho -, não são alcançados por nenhum programa nacional que reduza as suas vulnerabilidades ao chamado do crime, o que os faz 55% da terceira maior população prisional do mundo. Pior: cresce 8% ao ano, num sistema prisional superlotado, com o dobro de presos para as vagas disponíveis.

Conclusão: sem uma política nacional de segurança, que contemple a reforma do sistema prisional, um programa nacional para a juventude vulnerável, nova política de drogas e a reforma das nossas polícias, dias piores virão.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


Raul Jungmann: O segundo governo Bolsonaro

O primeiro governo Bolsonaro tinha alguns traços marcantes, relacionados a sua trajetória e a sua campanha rumo à Presidência. Na economia, um estilo inicial agressivamente liberal que foi progressivamente estancado, via impasses nas reformas e lenta privatização de ativos. No social, uma pauta centrada nos costumes, de corte conservador, e pouco investimento em programas sociais.

Na política a chamada “antipolítica” e o combate à corrupção, cujo núcleo era a renúncia ao “presidencialismo de coalizão”. Nesse último caso, a solução aventada para o dilema de como levar o Congresso a aprovar o programa do governo, sem o usual recurso à troca de apoios partidários por cargos no Executivo, foi o “presidencialismo de colisão”. Neste, buscava-se o confronto e a pressão sobre o parlamento, mas também sobre o Judiciário, mediante o recurso à espada, isto é, às Forças Armadas, que teoricamente estariam ao seu lado, como atestavam as falas dos militares em cargos ministeriais.

De forma complementar, a pressão das “massas” – estas entendidas como seguidores organizados do Presidente. Essa estratégia foi sendo seguidamente derrotada até chegar à exaustão. No que respeita ao Parlamento, pela liderança inconteste na reforma da previdência e sucessivas derrotas do governo, como na suspensão de decretos (caso das armas), derrubada de vetos e medidas provisórias.

Porém, a chegada da pandemia, os episódios das fake news e da “rachadinha” verdadeiramente acenderam a luz vermelha para a possibilidade de um processo de impeachment, ainda que prematuro. Quanto ao Supremo, sua unidade em defesa de temas democráticos, e o inquérito do “fim do mundo” batendo às portas do bolsonarismo de raiz, do gabinete do ódio e, por fim, de atores próximos ao presidente, era mais um sinal de game over.

Já as Forças Armadas, como dissemos inúmeras vezes, estavam firmemente plantadas no terreno da obediência à Constituição e blindadas para aventuras. Hoje, os sinais marcantes da virada para o segundo governo estão à vista.

O Presidente tornou-se adepto do clássico presidencialismo de coalizão, entregando ao centrão o comando político no parlamento e cargos no Executivo. A pax com o Judiciário foi simbolicamente selada no “nihil obstat” ao novo ministro do STF dado pelos ministros Toffoli e Gilmar, na casa do segundo, tendo como testemunha o presidente do Senado, seguida de almoço na casa do primeiro.

O incentivo final para a consolidação do segundo governo veio pelo auxílio emergencial e crescimento da popularidade do presidente nas pesquisas de opinião. Um governo “normal”? A conferir. Porém com graves problemas à frente: como conciliar o político e o fiscal e dar continuidade ao auxílio emergencial que turbinou a popularidade presidencial e o desemprego alto, em 14%, e crescente?

Além do desalento que leva 10 milhões de brasileiros a não procurar emprego, segundo o IBGE. De quebra, a provável vitória do candidato democrata Joe Biden à presidência dos Estados Unidos e a Amazônia em chamas.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


Raul Jungmann: A armadilha de Tucídides

“O medo de ser superada por Atenas, levou Esparta à guerra”, afirmou o general e historiador ateniense Tucídides, que viveu entre os anos 460 e 400 a.c. Sua principal obra, “História da Guerra do Peloponeso”, tornou-se um clássico por sua preocupação com o exame cuidadoso dos fatos, o que não era costume à época.

Ele ainda foi precursor da imunização ao notar que os atenienses que caiam doentes numa pandemia, numa segunda rodada ficavam imunes. A armadilha de Tucídides pode ser usada na interpretação das causas das guerras, a exemplo da I Guerra Mundial, que opôs Inglaterra e França à ascensão vertiginosa da Alemanha, a Guerra do Paraguai ou, ainda, ao longo conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética, que só não desandou numa guerra, devido ao risco de destruição mútua, via confronto nuclear.

No presente, estamos assistindo a algo similar no confronto entre a China e os Estados Unidos, líder global crescentemente desafiado pelos chineses, nos campos bélico, econômico e tecnológico. Em “Destinados à Guerra”, Graham Wilson afirma que o que definirá a ordem mundial futura é se os EUA e China conseguirão evitar cair na armadilha de Tucídides.

Já Henry Kissinger, no último capítulo do seu livro “Ordem Global”, espera que as duas nações ainda possam cooperar entre si. No passado, nações conseguiram escapar de serem tragadas pelo confronto em situação semelhante, ao custo de ajustes compulsórios que exigiram extraordinária energia e liderança política, internamente e entre o desafiante e o desafiado.

Foi o caso de Portugal e Espanha no século XV. À época, o Império Espanhol ampliava seu poder e influência nas rotas de comércio do mundo, ameaçando a liderança portuguesa. A saída foi alcançada com a mediação papal e os líderes das duas nações cumprindo limites negociados, a exemplo da Bula Inter Coetera e o Tratado de Tordesilhas.

No quadro atual, a diplomacia brasileira deveria manter-se equidistante, buscando cooperar para evitar o choque que se prenuncia, maximizando ganhos para nossas posições e obtendo vantagens nas mesas de negociação.

Mas não. Aferra-se a uma dependência submissa à política externa dos EUA, causando prejuízos ao interesse nacional, obtendo quase nada em termos bilaterais e de comércio, em detrimento do nosso principal parceiro comercial, a China.

Nós nos tornamos reféns da armadilha de Tucídides deles.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


Raul Jungmann: Internet: regulação ou democracia ameaçada

Ou regulamos a Internet ou a democracia será destruída. Não há meio termo. Do total de 7,6 bilhões de seres humanos que habitam o planeta, 59%, ou 4,5 bilhões, estão nas redes todos os dias. No Brasil, para uma população de 210 milhões, são 231 milhões de celulares, o quarto lugar no mundo.

Enquanto a nossa vida real obedece a normas, sobretudo na esfera pública, a Internet permanece com baixíssimo grau de regulação e é dominada por plataformas gigantes, verdadeiros monopólios em seus nichos de mercado.

Mais que ouro ou petróleo, a posse de dados é o maior ativo da nossa época. E é isso que faz dessas plataformas as companhias mais valiosas do planeta.

Para manterem suas posições de líderes e ampliarem continuamente seus lucros, elas possuem uma ferramenta poderosa, a inteligência artificial, que identifica, reconhece, seleciona e conecta usuários das redes às mensagens dos seus anunciantes – independentemente do conteúdo -, sejam falsas, verdadeiras, racistas, de ódio, fascistas ou manipuladoras.

A verdade, como regra consensual para se conviver em sociedade, é a primeira vítima. Ela não mais existe, mas se multiplicam em versões que viram várias verdades em choque. Em seguida, temos o assassinato da esfera pública, pelo seu contínuo estilhaçamento, além da perda progressiva da vida privada e, por fim, da própria democracia.

Soa, portanto, como escárnio as palavras do Facebook, Google e Twitter sobre a Lei Brasileira de Responsabilidade e Transparência na Internet, conhecida como a lei das fake news, ora em tramitação no Congresso: “o projeto promove a coleta massiva e dados das pessoas (…), pondo em risco a privacidade e segurança de milhões “. Acusam os legisladores justo do delito que cometem!

A principal trincheira na defesa de seus interesses é o direito à liberdade de expressão, como algo absoluto, intocável. De pronto, é preciso lembrar que inexistem direitos absolutos, sem restrições, pois todos as têm. Em segundo lugar, é possível deslocar o debate do direito de expressão para o “alcance do direito à expressão”, o que as companhias também não aceitam, porque afeta negativamente os seus lucros.

Por emponderar os indivíduos, aumentar a produtividade e permitir acesso amplo ao conhecimento, a Internet veio para ficar. Mas, ou ela é regulamentada, e não há como esperar uma solução global, ou o ódio massificado, o extremismo político, a negação da ciência e da cultura via redes (in) sociáveis triunfará.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


Raul Jungmann: O Congresso e a Defesa Nacional

A Presidência da República enviou ao Congresso Nacional a terceira revisão da Política Nacional de Defesa (PND), a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco da Defesa Nacional. Revisados a cada quatro anos, os textos em questão, contêm as mais importantes decisões sobre a defesa do país e o papel das Forças Armadas na manutenção da soberania, interesses nacionais, território, recursos, povo e identidade.

O primeiro dos textos estabelece os objetivos da defesa nacional, o segundo, os meios, e ações, e o terceiro é um grande inventário – efetivos, equipamento, disposição e recursos – das nossas Forças Armadas.

Tornados efetivos pela lei complementar 136 /2010, da qual fui relator na Câmara, as três peças visam a submeter ao poder Político da Nação os objetivos e meios necessários para a dissuasão de ameaças externas, de sustentação ao nosso desenvolvimento e projetar o poder nacional onde necessário em apoio à política externa e à capacidade de dizer não em nome da nação, quando necessário.

Até aqui, o Congresso tem se alienado de assumir suas responsabilidades em dialogar com as Forças Armadas para a definição de seu papel nesse abrangente contexto. Exemplo disso, a política e a estratégia anteriores, de 2016 a 2020, foram “aprovadas” pelo Senado e Câmara em votação simbólica, sem a realização de uma audiência pública sequer, sem debates e sem participação da sociedade.

Aliás, a política de defesa e a estratégia de defesa de 2016, que tiveram minha coordenação, enviadas em 18 de novembro daquele ano, só lograram aprovação em 17 de dezembro de 2018. Não sancionadas pelo presidente Temer, de saída, também não o foram pelo presidente atual, ficando o Brasil com oito anos de defasagem nessa área, pois baseado nos textos de 2012.

Os textos de 2020 são políticas de Estado e têm um alto fator de continuidade com os anteriores, com algumas mudanças. Já contemplam possíveis conflitos armados na América do Sul, a situação do Atlântico Sul, por onde passam 97% de nossas exportações, atrai interesses de nações ao norte pela descoberta de petróleo no Golfo da Guiné. A Amazônia segue sob pressão e o Ministério da Defesa reivindica que seu orçamento passe dos atuais 1.3% do PIB para 2.0.

Num momento em que os militares estão no centro do debate, é hora de o poder político assumir as suas responsabilidades e definir os rumos da defesa nacional e das nossas Forças Armadas, sob pena de amanhã ser qualificado como agente omisso do nosso destino, defesa e democracia.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


Capital Político: Jungmann fala sobre militares, controle da PF e defende semiparlamentarismo

Em entrevista ao Capital Político, o ex-ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, defendeu a autonomia da Polícia Federal, mas com uma reforma no sistema de controles interno e externo da instituição. Ele defende a indicação de um diretor-geral pelo presidente da República, sabatinado pelo Congresso Nacional e com mandato fixo, entre outras mudanças.

Também ex-ministro da Defesa, ele considera que a numerosa presença militar no atual governo tem duas faces. A positiva é o preparo consistente dos quadros profissionais das Forças Armadas, que empresta qualidade à gestão. A negativa é o risco de contaminação política com as presenças de quadros ainda na ativa.

Jungmann acha que o sistema presidencialista brasileiro, conhecido como de coalizão, esgotou-se, tornou-se de colisão, e é preciso começar o debate de alternativas, como o parlamentarismo ou um semipresidencialismo. A sucessão de 2022 estará condicionada à conta dos efeitos da pandemia: “Vamos ver no colo de quem cai essa conta”, disse, depois de considerar que é forte a chance de ser cobrada ao presidente da República.

O ex-ministro acha que o ressurgimento de uma força política mais ao centro pode demorar ainda, pois sofreu mais os efeitos do desgaste político trazido pelo advento das redes sociais e do questionamento da representatividade tradicional.

Considera que a política externa é o grande déficit do atual governo e que o caso Queiroz e os inquéritos sobre as Fake News podem trazer desgaste ainda maior ao presidente Bolsonaro. O ex-ministro disse que o gabinete do ódio, enfim, restou comprovado.

Vê com preocupação a ruptura da União com os Estados no plano da segurança pública, agravada pela extinção do ministério que comandou no governo Temer, e a consequente descontinuidade dos pilares de uma política de integração que deixou concluída e patrocinada para seu sucessor.

Veja no vídeo abaixo a íntegra da entrevista:


Raul Jungmann: O colapso do presidencialismo de coalizão e de colisão

Desde a retomada das eleições diretas pelo poder civil em 1985 que todos os presidentes eleitos optaram por construir uma ampla coalisão multipartidária no Congresso Nacional para governar. Os motivos eram, e continuam sendo, a fragmentação partidária, a necessidade de reformas constitucionais exigirem quorum qualificado de três quintos e o fato de o partido do Presidente jamais exceder a 20% dos deputados.

A esse método ou sistemática de governar deu-se o nome de “presidencialismo de coalizão”. Isto porque, sinteticamente, em troca dos votos necessários para fazer passar seu programa de governo, o chefe do Executivo deve abrir espaços na administração pública não só para representantes dos partidos que compõem a sua base, mas também ampliar apoios.

Esse modo de governar foi duramente atingido por uma série de escândalos, cujo ápice se deu na operação Lava Jato. Porém, dada a estrutura e dinâmica da política brasileira, permanece impossível governar sem lançar mão dele, à falta de uma ampla reforma política.

O Presidente Jair Bolsonaro decidiu abrir mão do sistema, dispensando a alternativa habitual de uma ampla coalisão multipartidária para governar. Eleito num momento de ampla rejeição da política, dos políticos e dos partidos, entendeu que não deveria alinhar-se com a “velha política” e seus métodos, incluído o “presidencialismo de coalizão”.

Ainda assim, há que governar e entregar o que prometeu, o seu programa de governo, o que só é possível com votos suficientes no parlamento. Como fazê-lo? Emerge então o “presidencialismo de colisão”, cujos alicerces básicos são os seguintes:

(I) proclamar ter o apoio da espada (militares) e do povo (seus seguidores) para constranger o Congresso e o Judiciário;

(II) manter em constante stress os adversários, reais ou imaginários, considerados “inimigos”;

(III) mobilizar continuamente os seus seguidores/apoiadores para pressionar as instituições e adversários;

(IV) e organizar e empregar uma estrutura digital, via redes sociais, para fins de mobilização e ataque a oposição, instituições, mídia e adversários, inclusive com ameaças, como alternativa ao apoio do Congresso, em uma espécie de democracia direta

Esse “presidencialismo de colisão” dá sinais que entrou em colapso, e estão à vista os determinantes do seu esgotamento em tempo mais curto do aquele que o precedeu.

As Forças Armadas se mantêm refratárias a qualquer uso político que se queira fazer delas, sendo impossível acreditar que apoiariam o Presidente em uma aventura autoritária, pois seu compromisso democrático tem se mantido impecável. O emprego das mídias digitais para manter mobilizados seus seguidores, ameaçar adversários, Congresso e Supremo Tribunal Federal foi desarticulado pelos inquéritos em curso na Corte e no Parlamento sobre as chamadas fake-news, e que alcançaram toda a estrutura de financiadores, propagadores e seus robôs, e o “gabinete do ódio”.

Mais além, o “presidencialismo de colisão” teve sua exaustão acelerada pela eclosão da pandemia, dado que os seguidos ataques aos governadores, prefeitos e academia geraram conflitos em série e quase nenhuma coordenação, com as consequências que aí estão em termos de mortes, carências de pessoal e equipamentos.

A exaustão também se verificou na economia, onde o projeto liberal do ministro Paulo Guedes foi paralisado pela crise do coronavírus, com o consequente adiamento da agenda das reformas e a reversão, ainda que provisória, da política de redução do Estado.

Por fim, os inquéritos e investigações em curso que alcançam o Presidente da República e família, tiveram o condão de enfraquecer seu apoio na sociedade, levando a necessidade irônica de organizar uma base parlamentar nos moldes do “presidencialismo de coalizão” – justo ele que o negara – para fins preventivos e defensivos, no caso de um processo de impeachment.

Viu-se assim o presidente da República virar o promotor da volta triunfal da “velha política”, num retorno pela porta dos fundos do loteamento em larga escala, sem seletividade curricular, de cargos na administração para parlamentares visando formar justamente uma ampla coalizão multi-partidária.

Essa guinada apresenta riscos, dentre os quais a perda de parte dos seus fies seguidores de raiz, e a sua nova e improvisada base, alicerçada no Centrão, pouco resistente às pressões decorrentes de uma queda de popularidade.

O colapso do “presidencialismo de colisão”, aponta para o resgate de uma política cujo contorno é menos conflitivo e mais negocial. Mas inexistem evidências de que veio para ficar ou mesmo que mantenha alguma consistência. Até porque, parte dos conflitos provocados pelo Presidente e os processos em curso que o ameaçam estão longe de um desfecho e, pelo potencial corrosivo que detêm, provocarão novas e sucessivas crises.

Estamos, portanto, no fim de um ciclo político caracterizado por um sistema presidencialista que nas suas diversas faces, esgotou-se. Em retrospecto, olhando para os últimos 30 anos, dois impeachments e crises recorrentes, talvez seja o caso de iniciar a discussão e o amadurecimento de uma alternativa real ao que aí está, como o parlamentarismo ou, mais adequado à nossa história e geografia política, o semipresidencialismo.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


Raul Jungmann: Agonia e morte do Sistema Nacional de Segurança Pública

Em algum arquivo do Palácio da Justiça em Brasília jazem o Sistema Nacional e a Política Nacional de Segurança Pública/Susp, ambos tornados lei por decisão soberana do Congresso Nacional, e que esta semana completariam dois anos de vida.

Aprovado em junho de 2018, o Susp tem uma longa história que se inicia, como proposta, no primeiro governo Lula, e torna-se lei no governo Temer.

Saudado como um histórico avanço no combate à violência e à insegurança, o Susp veio corrigir uma falha que nos acompanhava desde nossa independência enquanto nação. Afinal, da primeira das nossas sete constituições – de 1824, até a última, de 1988 -, jamais o poder central, no Império ou na República, teve atribuições constitucionais na área da segurança pública.

O que significa dizer que jamais tivemos um sistema ou uma política nacional de segurança pública. Em contrapartida, o crime organizado de há muito se nacionalizou e transnacionalizou, enquanto a segurança pública permaneceu uma atribuição dos estados, segundo a Carta de 1988, artigo 144.

Promulgada a Lei do Susp em outubro de 2018, reunimos, em sessão inaugural, o Conselho Nacional de Segurança Pública que discutiu e formalizou a primeira Política Nacional de Segurança Pública (PNSP) – ambos, Conselho e Política, exigências da lei que criou o Sistema Único.

Iniciado o atual governo, em janeiro do corrente ano e extinto o Ministério da Segurança, refundido ao Ministério da Justiça, este então envia, cinco meses após, em maio de 2019, a PNSP para análise da Controladoria Geral da União (CGU). Esta sentencia, em agosto, que em linhas gerais, a PNSP padeceria das mesmas fragilidades dos planos anteriores: genérico; em desalinho com os objetivos da Política; com uma carteira numerosa de projetos (não necessariamente articulados entre si), com ações pontuais e fragmentadas; planos de difícil replicação pelos entes federados; sem elementos gerenciais mínimos (estratégias, responsáveis, prazos, indicadores e metas); e governança de complexa coordenação.

A impressão que fica é que a CGU não entendeu a PNSP, ao lhe cobrar respostas ex-ante para questões que ela se propõe a responder após implantada.

Ora, a prioridade número um da PNSP é justamente o programa de superação do déficit de dados e indicadores e de padronização do registro de ações e projetos, que deveria ter sido realizado com o auxílio do Banco Mundial, o que foi suspenso pela atual administração. Ela enfatizava a necessidade de ações voltadas à realização de diagnóstico dos recursos existentes e das necessidades decorrentes para o pleno atendimento do Susp.

O que se traduz em ações voltadas à identificação de metas interinstitucionais e à criação de grupos de trabalho operacionais, envolvendo áreas técnicas de diferentes órgãos, para garantir os resultados que envolvem múltiplas instituições e poderes.

Em resumo: o que era um trabalho em construção foi interrompido, a título de não estar consolidado; o que demandava adoção de medidas imediatas para a superação de dados inconfiáveis e elaboração de modelos de definição de prioridades, acompanhamento de execução e avaliação de metas foi ignorado; o que se revelava urgente, foi tornado desimportante: instalar o Sistema Nacional de Acompanhamento e Avaliação das Políticas de Segurança Pública e Defesa Social, o Sinaped, a efetividade do Conselho Nacional, promover a aproximação com estados e municípios e critérios claros e bem executados de aprovação de projetos, acompanhamento de execução e avaliação de resultados de programas e projetos.

Ou seja, tudo ficou como estava, com enorme prejuízo para a efetividade, a eficiência e a economicidade e, o que é mais grave, para a transparência.

Supondo que essa consulta à CGU fosse de fato necessária, ela ficou disponível desde agosto de 2019, portanto há oito meses e, segundo o cronograma, o “Novo Susp”, deveria ter entrado em operação em fevereiro de 2020, após audiência pública. Desde então, passados quatro meses, isso não aconteceu. Nesse período, o Conselho Nacional de Segurança Pública reuniu-se apenas uma vez, em lugar das seis previstas.

Integrado pelo Ministério Público, Judiciário, Forças Armadas, polícias civil e militar, Polícia Federal, universidades, entidades civis, guardas municipais, ONGs, representantes das categorias profissionais afins e bombeiros, o Conselho é a maior e mais ampla força-tarefa jamais formada para reunir esforços de todos os poderes, da União, estados e municípios e da sociedade para combaterem homicídios, violência e insegurança.

O Sinaped, auditoria interna e independente do Susp, jamais se reuniu para enfrentar a obscuridade e o apagão de dados vigentes na área da segurança, avaliar programas, resultados, dados e informações e dar ao país uma radiografia do setor. A Ouvidoria Nacional, assim como a Corregedoria Nacional das Polícias, com poder de supervisionar todas as corregedorias estaduais das polícias, jamais foram implantadas.

E os conselhos estaduais e de segurança, que deveriam ser instalados em todos os estados e municípios, verdadeira espinha dorsal de uma rede nacional de coletivos envolvendo toda a sociedade e o poder público numa ampla coalisão pela vida e contra a violência, seguem inexistindo, afora inciativas de alguns estados.

Desenvolvida com a participação da sociedade civil, objeto de amplas discussões na Câmara e no Senado da República, na academia e órgãos públicos de todos os níveis, a PNSP tinha por foco, dentre outros, os homicídios, a juventude vulnerável, a reforma e aprimoramento das nossas polícias, o enfrentamento da tragédia do nosso sistema prisional, uma nova política de combate a drogas e a produção de dados e estatísticas sobre nossa segurança como jamais tivemos, além de metas para cada uma dessas ações que pudessem ser por todos avaliadas.

Noutro nível e em articulação com o programa Pro-Segurança do BNDES, com dotação de R$ 40 bilhões em cinco anos (encerrado), e os recursos das loterias esportivas da CEF para o Fundo Nacional de Segurança Pública (contingenciados), era grande a expectativa de enfim iniciarmos um novo tempo de crescente segurança para todos os brasileiros. Infelizmente, não foi assim.

Hoje, é com imensa tristeza que vemos os homicídios, que vinham despencando desde 2017, voltarem a crescer 11% em 2020, ceifando vidas e levando sofrimento e dor as suas famílias, enquanto toda uma política democrática de controle de armas e munições vai sendo destruída.

Dois anos são passados desde a criação pelo Congresso Nacional do Sistema Único de Segurança Pública. Dois anos perdidos, nada foi implantado. Triste réquiem para a mais ambiciosa e abrangente Política em defesa da vida e contra a violência já gestado em nosso país.

*Raul Jungmann, ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


Raul Jungmann: Presidencialismo de colisão

Com a fragmentação partidária atual, mais de 25 legendas com assento no parlamento, nenhum Presidente da República pode governar sem lançar mão do chamado presidencialismo de coalizão. O atual presidente decidiu não governar com ele. Resultado, vivemos um presidencialismo de colisão.

Vitorioso em uma eleição crítica, em que os parâmetros das anteriores foram superados ou mitigados e cavalgando a onda da anti-política, o Presidente julgou poder governar com as redes sociais e para os segmentos que o apoiam. Ocorre que, se a sua eleição foi fruto de uma ruptura, a política e o sistema de governo diferentemente não o são, mas de continuidade.

As redes sociais são eficazes para chegar ao poder ou até para derrubá-lo, porém são imprestáveis para governar. Ou seja, não há como projetar a lógica das eleições sobre o modo de governar. Sem a ferramenta do presidencialismo de coalizão, restou-lhe a política plebiscitária de apelar às massas ou à espada, multiplicando conflitos que se espraiam pelos demais poderes e órgãos de controle.

Essa prática deteriora o clima institucional e paralisa seu governo. O que tem levado a sucessivas rodadas de choques e conflitos, numa espiral ascendente. Surgem então as narrativas conspiratórias e auto-justificantes. A última, atribui ao Presidente da Câmara a articulação de um complô, juntamente com governadores e integrantes do STF, para adotar medidas que sangrem o Tesouro Federal e transfiram recursos para os Estados, visando o pleito de 2022.

Nesse quadro, um fator complicador é o vírus privado e familiar no coração da presidência, a influir em decisões de interesse da Nação sob a ótica doméstica, o que tende a promover ondas de desordem, conflitos e uma instabilidade permanente.

No plano simbólico, a saída do ministro Sérgio Moro, vestal do combate à corrupção, e a aproximação com o Centrão, deve levar ao divórcio dos lava-jatistas de sua base de apoio, em nome de uma coalizão parlamentar para enfrentar a hora crítica que se aproxima: a quem caberá o espólio do Covid-19 e da inédita recessão.

É bom lembrar, nessa hora, que crises entre o Parlamento e o Executivo em nossa história, de Deodoro da Fonseca a Dilma Rousseff, levaram à queda do presidente ou ao fechamento do Congresso. Ambos fora do radar e, assim espero, permanecerão.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


Raul Jungmann: Um esboço de cenário pós-crise

Ao que tudo indica, em 2020 teremos uma contração do PIB da ordem de 4%. Já o mercado do trabalho deve chegar aos 14 ou 15 milhões de desempregados. Como se prevê que a economia irá se comportar em forma de “V”, em 2021 e 2022 estima-se um crescimento de 4%, o que, na média do triênio 2020/2022, dará um crescimento acumulado próximo a 6%.

Logo, é previsível que a renda a renda real medida pela Pnad contínua decresça, em 5% este ano. No conjunto, o cenário aponta para um quadriênio de relativa estagnação nos âmbitos econômico e social.

Na política, tendo o Presidente da República aberto mão do presidencialismo de coalizão e da coordenação e/ou alinhamento entre o Executivo e o Legislativo, o Congresso tende a distanciar-se da agenda governamental, intensificar seu movimento rumo a uma menor dependência do Planalto e a redução do apoio às reformas.

Isso, sobretudo após a condução da crise do coronavírus, mas também pela mudança do comando da Câmara e do Senado, cujos futuros presidentes dificilmente terão a sintonia e liderança dos atuais incumbentes em relação às reformas, em especial na Câmara.

Além das mudanças na Câmara e no Senado, igualmente no Judiciário haverá troca de guarda, com o fim do mandato do atual presidente do STF, Antônio Dias Toffoli que, juntamente com os atuais presidentes do Legislativo, compõe uma tríade afinada nas questões democráticas e de contenção aos excessos do Executivo. Quanto a este, seus movimentos têm conduzido ao distanciamento da Câmara e Senado, idem cúpula do Judiciário, academia, cultura, imprensa e, ainda que de modo lento, porém contínuo, apoio popular.

Já os militares, motivo de indagação ou apreensão de alguns, mantêm-se dentro dos limites institucionais e aí permanecerão. Porém, mais à frente, diante de uma vitória das oposições, ainda que hoje remota, terão que lidar com a sua substantiva presença e possível desengajamento das funções de mando, em especial as palacianas.

Se os próximos meses e anos não apontam para uma redução expressiva da presente instabilidade e tampouco para o resgate da capacidade plena de coordenação e governança do Executivo, pode-se prever a conclusão do mandato presidencial dentro do prazo constitucional, idem uma crescente dificuldade para sua reeleição.

*Raul Jungmann é ex-ministro da Reforma Agrária, Defesa e Segurança Pública