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Raul Jungmann: Qual o projeto nacional para a Amazônia?

No primeiro debate nacional com o Presidente Trump, o candidato democrata Joe Biden disse que amealharia 20 bilhões de dólares para em conjunto com outros países “resolver” (sic) o problema do desmatamento da Amazônia. Falou bobagem, naquele que foi um dos piores debates televisivos já vistos.

A soberania do Brasil sobre o seu território é intocável, inegociável e não está em discussão ou aberta a quaisquer negociações. Desde o início do fim do neo-colonialismo, após a 1ª guerra mundial, o direito internacional não admite o mandato de outros países sobre nações e territórios soberanos – caso do Brasil.

Já após a II Grande Guerra, alguns temas e questões ganharam status de direito internacional positivo, como é o caso do fundo dos oceanos, espaço, o Ártico e Antártida, refugiados e direitos humanos, em graus variados de extensão e adimplência.

Mesmo o direito internacional que sustenta a imposição da paz e/ou a estabilidade das nações pela ONU, não incide sobre a tutela do território das nações em conflito ou em guerra civil. Entretanto, é inequívoco, o direito internacional tem evoluído, sobretudo numa era de globalização acelerada, para a mitigação, compartilhamento e/ou responsabilização da soberania das nações, em temas como, por exemplo, o direito das gentes e o meio ambiente.

Em especial nesse último caso, e no que toca as mudanças climáticas, a internacionalização do direito e as responsabilidades comuns, ainda que assimétricas, têm sido progressivas e inexoráveis.

A forma que temos de harmonizar essa tendência global com a nossa soberania é assumirmos, integralmente, nossa responsabilidade pela preservação da Amazônia, que é impossível de ser assegurada sem um projeto de desenvolvimento sustentável integral. O que é o mesmo que dizer, sem desenvolvimento sustentável não há como preservar a Amazônia.

A questão de fundo é que, entre nós, não há consenso sobre que projeto, que desenvolvimento sustentável será esse. O que existe são projetos em disputa, sem que haja uma estratégia nacional, um rumo definido para a região. Enquanto não definirmos o que queremos para a Amazônia, é preciso e urgente conter e reprimir a sua devastação.

Toda ajuda e apoio externos, desde que por nós definidos em razão dos nossos interesses e soberania, devem ser bem-vindos. Igualmente, é inequívoco que a exploração desenfreada de reservas indígenas e/ou ambientais e o desmatamento em curso desservem à nossa soberania e aos interesses do Brasil.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.


Raul Jungmann: A morte da política

O surgimento dos neopopulismos nos anos 2000 levou a emergência de uma linha editorial focada nos riscos e enfraquecimento da democracia. Em linhas gerais, todos os autores destacam, dentre as razões do sucesso dos regimes iliberais, o papel das redes sociais e da internet.

Estas, utilizadas para manipular eleitorados com base na utilização dos dados das grandes plataformas da internet – Facebook, Twitter, Google, Instagram -, tendo por ferramentas a Inteligência Artificial e o Big Data, colocam em risco a expressão da vontade popular em pleitos democráticos, a formação da vontade das maiorias e a própria verdade, isto é, os conceitos, valores e princípios partilhados por uma dada sociedade.

Da Empoli, no seu livro “Os Engenheiros do Caos”, radicaliza os riscos, ao concluir que a política mesma, tal qual a conhecemos, está com os dias contados. Segundo ele, não mais os políticos usam as ferramentas da tecnologia e os algoritmos para alcançar suas vitórias. São os algoritmos que, tendo por base a poderosa máquina das redes sociais, escolhem os políticos que melhor se adequam às possibilidades de obtenção de likes e engajamento – o fim último das plataformas da internet.

A exemplo do movimento Cinco Estrelas, hoje o maior da Itália, que escolheu o comediante Beppe Grillo para ser a face humana a popularizar o partido-algoritmo e vociferar contra o parlamento e as instituições democráticas. O conteúdo, a ideologia, o programa, ser de direita ou de esquerda, libertário ou fascista, racista ou antissemita, verdade ou fake news, nada importa.

E, como o ódio, a denúncia, o escândalo e o absurdo geram muito mais likes e engajamentos que a verdade, são eles que os algoritmos irão promover, destruindo todo e qualquer propósito ou razão política à sua frente. Isso leva Dominic Cummings, estrategista-chefe do Brexit, a afirmar que “quem quiser ter sucesso na política deve procurar físicos (de dados) e não marqueteiros”.

Certamente, essa “pós-política” ainda não tomou o lugar da política tradicional, mas é uma questão de tempo para que isso ocorra, pois os algoritmos podem chegar a cada um, através de mensagens via redes sociais, baseadas em dados sobre nossas personalidades, escolhas e gostos, de modo invisível ao público e com uma verdade, fake ou não, que alimente a raiva, rancor e ódio da política e dos políticos.

*Raul Jungmann - ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.