Raul Jungmann: A morte da política

O surgimento dos neopopulismos nos anos 2000 levou a emergência de uma linha editorial focada nos riscos e enfraquecimento da democracia. Em linhas gerais, todos os autores destacam, dentre as razões do sucesso dos regimes iliberais, o papel das redes sociais e da internet.
Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil

O surgimento dos neopopulismos nos anos 2000 levou a emergência de uma linha editorial focada nos riscos e enfraquecimento da democracia. Em linhas gerais, todos os autores destacam, dentre as razões do sucesso dos regimes iliberais, o papel das redes sociais e da internet.

Estas, utilizadas para manipular eleitorados com base na utilização dos dados das grandes plataformas da internet – Facebook, Twitter, Google, Instagram -, tendo por ferramentas a Inteligência Artificial e o Big Data, colocam em risco a expressão da vontade popular em pleitos democráticos, a formação da vontade das maiorias e a própria verdade, isto é, os conceitos, valores e princípios partilhados por uma dada sociedade.

Da Empoli, no seu livro “Os Engenheiros do Caos”, radicaliza os riscos, ao concluir que a política mesma, tal qual a conhecemos, está com os dias contados. Segundo ele, não mais os políticos usam as ferramentas da tecnologia e os algoritmos para alcançar suas vitórias. São os algoritmos que, tendo por base a poderosa máquina das redes sociais, escolhem os políticos que melhor se adequam às possibilidades de obtenção de likes e engajamento – o fim último das plataformas da internet.

A exemplo do movimento Cinco Estrelas, hoje o maior da Itália, que escolheu o comediante Beppe Grillo para ser a face humana a popularizar o partido-algoritmo e vociferar contra o parlamento e as instituições democráticas. O conteúdo, a ideologia, o programa, ser de direita ou de esquerda, libertário ou fascista, racista ou antissemita, verdade ou fake news, nada importa.

E, como o ódio, a denúncia, o escândalo e o absurdo geram muito mais likes e engajamentos que a verdade, são eles que os algoritmos irão promover, destruindo todo e qualquer propósito ou razão política à sua frente. Isso leva Dominic Cummings, estrategista-chefe do Brexit, a afirmar que “quem quiser ter sucesso na política deve procurar físicos (de dados) e não marqueteiros”.

Certamente, essa “pós-política” ainda não tomou o lugar da política tradicional, mas é uma questão de tempo para que isso ocorra, pois os algoritmos podem chegar a cada um, através de mensagens via redes sociais, baseadas em dados sobre nossas personalidades, escolhas e gostos, de modo invisível ao público e com uma verdade, fake ou não, que alimente a raiva, rancor e ódio da política e dos políticos.

*Raul Jungmann – ex-deputado federal, foi Ministro do Desenvolvimento Agrário e Ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC, Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.

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