Câmara

Ricardo Noblat: O congestionamento de candidatos do centro poderá marcar a eleição

A esquerda agradece. Bolsonaro se preocupa

No primeiro momento, a saída do DEM e do MDB do conglomerado de partidos conhecido pela alcunha de Centrão tem a ver com a eleição do próximo presidente da Câmara dos Deputados, em fevereiro do próximo ano.

Indica que DEM e MDB pretendem formar um bloco junto com o PSDB e partidos de oposição ao governo para eleger o sucessor de Rodrigo Maia. Ou reeleger Maia, caso se aprove uma emenda à Constituição para tornar possível o que hoje não é.

O Centrão aliou-se ao governo atraído pela oferta de cargos, liberação de dinheiros e outras sinecuras que o presidente Jair Bolsonaro dizia antes abominar. Conversa para enganar eleitor. Bolsonaro já foi filiado a quase todos os partidos do Centrão.

Está interessado, agora, em valer-se dos votos do Centrão para barrar a abertura de um processo de impeachment contra ele, aprovar projetos do governo e pôr no lugar de Maia um presidente da Câmara mais confiável. Foi aí que o bicho pegou.

Num segundo momento, o racha do Centrão tem a ver com a sucessão do próprio Bolsonaro. É remota a possibilidade do DEM e do MDB apoiarem a reeleição do presidente. É mais do que provável que se unam ao PSDB para bancar outro nome.

O governador João Doria (PSDB), de São Paulo, quer ser esse nome. O combate à pandemia do coronavírus ofereceu-lhe a oportunidade de se apresentar como um candidato de centro-direita capaz de enfrentar Bolsonaro daqui a dois anos.

A eleição presidencial de 2022 poderá assistir a um congestionamento de candidatos do centro – Doria, Sergio Moro, Ciro Gomes que parece caminhar nessa direção, e quem mais aparecer. O PT agradece desde já. Bolsonaro se preocupa.

Quanto aos partidos do Centrão de raiz, para esses tanto faz como tanto fez. O imediato é o que importa. De resto, são sensíveis à direção dos ventos. Sabem tirar vantagem de tudo. E, ao fim e ao cabo, sempre estarão com o governo, qualquer um.

A boiada de Ricardo Salles passou sobre a política ambiental

Bolsonaro deu ouvidos ao ministro
Resta comprovado que o presidente Jair Bolsonaro seguiu o conselho de Ricardo Salles, seu ministro do Meio Ambiente, e aproveitou os meses iniciais da pandemia do coronavírus para reforçar os maus tratos à natureza, marca do seu governo até aqui.

Um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo em parceria com o Instituto Talanoa mostra que, entre março e maio deste ano, o governo publicou 195 atos no Diário Oficial, todos ligados ao tema ambiental. Nos mesmos meses de 2019, foram apenas 16.

Na reunião ministerial de 22 de abril último, Salles sugeriu a Bolsonaro que aproveitasse o momento em que a imprensa estava ocupada com a pandemia para “passar a boiada”, mudando “todo o regramento e simplificando normas” na área do meio ambiente.

E foi isso o que Bolsonaro autorizou que se fizesse como aponta a análise inicial das principais portarias, instruções normativas, decretos e outras normas baixadas ou alteradas. O processo de desmonte das políticas ambientais ganhou celeridade.

A instrução normativa 4/2020 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), por exemplo, que trata da priorização de indenização para populações tradicionais em reservas ambientais, criou uma brecha para facilitar a expulsão de índios e quilombolas dessas áreas.

A portaria 432/2020 permitiu ao ICMBio centralizar a gestão de duas unidades de conservação em Roraima, cancelando a criação de mais duas bases avançadas. Ali, há registros recentes de invasão de garimpeiros e de aumento da derrubada de árvores.

Os defensores do meio ambiente estão furiosos com o que aconteceu. E com razão.


Vinicius Torres Freire: Começa a eleição da governança do país

Disputa pelo comando da Câmara move partidos e deve redefinir 'parlamentarismo branco'

O que existe de governança do Brasil é uma resultante do desgoverno de Jair Bolsonaro, de um anteparo na Câmara e de surtidas do Supremo contra desbordamentos do bolsonarismo. Diga-se “governança” por conveniência e brevidade, para dar um nome ao que resulta do salseiro. Não é governo, que inexiste, nem equilíbrio de Poderes. É uma bruxa inacreditável, mas que existe.

Esse esquema de governança improvisada, por informe, gelatinoso e variável que seja, deve mudar a partir do começo do ano que vem com a eleição dos novos (ou não) presidentes da Câmara, em especial, e do Senado. Vai definir se a Câmara continua como um anteparo das exorbitâncias do governo e dar uma medida mais precisa do apoio que Bolsonaro tem no Congresso (se é que quer mesmo algo assim, tão normal).

Essa eleição começou. Ou, melhor, começa o rearranjo de blocos partidários que vão apoiar este ou aquele candidato. O DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o MDB fizeram questão de se separar do bloco formal de partidos que incluía a geleia do centrão. Com eles, o PSDB deve compor uma troica, embora outras adesões sejam possíveis. Os três partidos juntam 74 dos 513 deputados.

Parece pouco, mas não é lá bem assim. O grupo de parlamentares tidos como mais à esquerda não tem o que fazer a não ser aderir a quem não seja bolsonarista ou ficar fora do jogo (uma estupidez sem sentido prático, político ou interesseiro, pois teriam ainda menos poder de ocupar qualquer posição de relevância na Câmara). Juntam uns 140 deputados, por aí. A troica e a “esquerda” somam, pois, mais de 210 parlamentares.

É o grupo que poderia levar adiante uma versão do “parlamentarismo branco” que colocou alguma ordem na política politiqueira de Brasília, negociou, relatou e aprovou projetos relevantes e rejeitou desmandos piores do Planalto. Foi o que restou de governança sensata do país, goste-se ou não de seus projetos e programas.

O que sobrou do blocão antes integrado por DEM e MDB é mais ou menos o que se chama de centrão, 158 parlamentares. Esse bloco ainda pode rachar, tendo em vista a eleição da Câmara (fevereiro de 2021), e deve contar com agregados do PSL (parte bolsonarista, parte não, parte talvez) e seus 41 deputados, e do Republicanos, 33 deputados, que vem a ser o partido da Igreja Universal. Esses partidos têm uns três candidatos a princípio viáveis.

Decerto essas continhas são demasiadamente certinhas no mundo ainda mais gelatinoso de uma Câmara em que inexiste uma coalizão de governo e no qual mais de 70% dos deputados se dividem ideologicamente entre conservadorismo, extremo conservadorismo e extrema direita. São continhas ainda mais precárias em um Congresso de fragmentação partidária recorde e de legendas que começam a pensar em fusões e aquisições tendo em vista a ameaça da cláusula de barreira, em 2022.

Mas é dessas danças do acasalamento infiel é que deve sair a cara do comando improvisado do país. Na disputa da Câmara vai ficar mais claro o tamanho do bloco da boquinha bolsonarista, instável, mas relevante para saber das possibilidades ora remotas de impeachment e dos riscos de serem aprovados projetos “passa a boiada” pelo país. A disputa está muito no começo. O governo mal passou a jogar o jogo da coalizão, do qual tenta participar desde abril. Na verdade, nem se sabe se vai ser esse o jogo, o de uma normalização política, business as usual. Mas as cartas estão indo para a mesa.


Afonso Benites: Congresso antecipa debate por sucessão de Maia e Alcolumbre

Articulação pelas eleições das Casas, que só acontecem em fevereiro de 2021, está a todo vapor, sob desafio de manter independência do Governo. Apesar do apoio, deputados centristas estão divididos, à espera dos efeitos da pandemia sobre a popularidade do presidente no próximo ano

Mesmo com sessões à distância por causa da pandemia do novo coronavírus, congressistas brasileiros têm intensificado a discussão para a sucessão dos comandos da Câmara e do Senado Federal. A votação ocorrerá na primeira semana de fevereiro de 2021. A escolha dos presidentes das duas Casas legislativas marcará a segunda metade do Governo Jair Bolsonaro (sem partido), quando se saberá exatamente qual o impacto humano, social e econômico da pandemia do coronavírus que, até lá, terá ultrapassado a marca dos 100.000 óbitos. São as mesas diretoras de Câmara e Senado que definem a pauta de votação dos projetos de lei, das medidas provisórias e das propostas de emendas constitucionais. E é o representante dos deputados quem tem, inclusive, o poder de dar o pontapé inicial em processos de impeachment contra o chefe do Executivo.

Entre os opositores, há quem aposte que uma espécie de “bola de neve” deve ser formada e que acabará pressionando o Governo. Os argumentos dessa corrente é que a economia deve degringolar com uma queda acentuada do Produto Interno Bruto (PIB) de até 9%, e um aumento exponencial do desemprego o que, consequentemente, deve desgatar a popularidade do presidente – hoje oscila entre 25% e 33%, de acordo com o instituto de pesquisa. Com menor apoio popular, o que deve segurar um mandatário no poder deve ser o Legislativo, onde tramitam mais de 40 pedidos de destituição presidencial. Aqui consta apenas o cálculo político, não o jurídico-criminal, onde, no Tribunal Superior Eleitoral, Bolsonaro enfrenta ao menos mais seis processos que pedem a cassação da chapa que ele compôs com o general Hamilton Mourão (PRTB) na eleição de 2018.PUBLICIDADE

Ciente do risco que corre principalmente na Câmara, Bolsonaro já cedeu espaço em seu Governo ao Centrão, grupo fisiológico de cerca de 200 deputados de centro direita. Além disso, deu mais poder a esse grupo ao destituir sua fiel aliada Bia Kicis (PSL-DF) da vice-liderança do Governo na Câmara após ela votar contra o novo Fundeb e deixar a vaga reservada para um membro do Centrão. Mas o apoio desses parlamentares não é a garantia de terá uma viagem em céu de brigadeiro. A razão: o Centrão está dividido. Uma parte considerável ainda apoia Rodrigo Maia (DEM-RJ) e defende uma maior independência com relação ao Executivo. Maia é o mais longevo presidente da Câmara, tem três mandatos seguidos, sendo um tampão. Ele não pode mais disputar a reeleição, mas a sua bênção a um nome tem certo peso na Casa.

Entre os possíveis nomes na disputa pela Câmara estão ao menos cinco do Centrão, o que reforça essa divisão. Estão no páreo Arthur Lira (Progressistas-AL), Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Marcelo Ramos (PL-AM) e Capitão Augusto (PL-SP). Os três primeiros estariam entre os favoritos do Centrão para a disputa. Os dois últimos buscam deixar seus nomes em evidência para possivelmente concorrerem a outras funções dentro da Mesa Diretora ou para presidente de comissões permanentes, por onde tramitam os projetos de lei antes de chegarem ao plenário. Algo que Ramos refuta. “Não é hora de antecipar a eleição porque a superação dos efeitos sanitários, econômicos e sociais depende de união da Câmara. Antecipar o processo gerará uma divisão que prejudicará o país”.

Um outro possível candidato é da oposição ao Governo Bolsonaro, Alessandro Molon (PSB-RJ). Outro nome cogitado é o de Fábio Ramalho (MDB-MG), que ora circula entre os independentes, ora entre os governistas. Por fora ainda aparece o nome de Baleia Rossi (MDB-SP). O que pesa com relação ao nome de Rossi é o fato de ele ser o presidente do partido e líder da legenda na Câmara, além de uma tentativa dos emedebistas de focar no comando de apenas uma das Casas do Legislativo, o Senado. “Quem muito quer, nada tem. O acordo é costuramos entendimentos com deputados e senadores para conseguirmos retomar o comando do Senado, não o da Câmara”, disse um parlamentar do MDB que participa das negociações.

Rodrigo Maia tem bom relacionamento com todos os concorrentes, mas ainda não deu sua palavra a nenhum porque ainda aguarda os movimentos do bolsonarismo. Uma coisa é certa. Ele não quer Lira por entender que o parlamentar é muito próximo a Bolsonaro – as indicações para cargos no Governo tiveram o seu aval – e porque seria uma versão 2.0 de Eduardo Cunha (MDB-RJ), o ex-presidente da Câmara que recriou o Centrão e acabou preso condenado por corrupção. “Lira é herdeiro do Cunha. É o político do baixo clero que faz de tudo para chegar ao poder”, afirmou um deputado governista. O que pesa a favor dele é que, atualmente, lidera um grupo de nove legendas que, juntas, somam 221 dos 513 parlamentares.

Interlocutores de Maia afirmaram que ele estaria propenso a apoiar Marcos Pereira, um membro da Igreja Universal e representante da bancada evangélica, ou Aguinaldo Ribeiro. A opção Pereira, que é vice-presidente da Câmara, só seria conveniente caso ele demonstrasse independência com relação a Bolsonaro e um descolamento de Lira. Já Ribeiro seria uma espécie de estepe, caso seja possível rachar o Centrão ao meio. Para onde Maia apontar deverá haver um apoio quase automático de um grupo de 106 parlamentares do MDB, DEM, PSDB, Cidadania e PV. As lideranças dessas siglas comprometeram-se a caminhar juntas na disputa pela Câmara.

Senado e o feudo do MDB

No Senado, o cenário deve ter menor influência do Governo, onde ele não tem base e o Centrão tem pouca interferência no plenário. Bolsonaro tenta costurar apoio ao seu atual líder no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO). Ele, no entanto, enfrentará resistências dentro do próprio MDB, que está empenhado em retomar o comando, mas minimamente descolado do Governo. Desde o fim da ditadura militar, há 35 anos, o Senado só não foi comandado por emedebistas em sete anos, durante duas gestões de Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), um mandato tampão de Tião Viana (PT-AC) e a atual, de Davi Alcolumbre (DEM-AP). Era quase um feudo do MDB.

Desde 2019, o Senado está sob a batuta de Alcolumbre, que travará uma batalha judicial para disputar a reeleição. A Constituição impede que um presidente de uma das casas do Legislativo dispute a reeleição dentro de uma mesma legislatura. O entendimento até aqui era de que a legislatura se encerrava a cada quatro anos e o mandato de presidentes da Casa é de dois anos. Mas Alcolumbre tentará que o Supremo Tribunal Federal declare que a metade de um mandato de um senador é aos quatro anos, já que o mandato de senadores é de oito anos. E, portanto, poderia disputar a reeleição. A tese encontra resistência dentro do próprio Senado, entre quem o ajudou a acabar com a hegemonia emedebista e derrotar Renan Calheiros (MDB-AL) em 2019.

Internamente, no MDB, a bancada se decidirá por Eduardo Braga (MDB-AM) ou Simone Tebet (MDB-MS). Ela tem maior simpatia do grupo independente Muda Senado, formado por 21 dos 81 parlamentares, que estuda também a viabilidade de lançar Álvaro Dias (Podemos-PR). O sentimento entre de três dos 13 senadores emedebistas é que Simone une, enquanto qualquer um dos Eduardos, divide.

Por fora, também circula o nome de Antonio Anastasia (PSD-MG), que deixou o PSDB para ter mais apoio no Legislativo. Vice-presidente do Senado e visto como um técnico, Anastasia ainda estuda o terreno para lançar seu nome. Não gostaria, por exemplo, de disputar com Simone, de quem é amigo, ou de não ter o apoio do grupo Muda Senado. Limitada a cerca de 15 senadores, a oposição ao Governo pode lançar um nome apenas para marcar presença na disputa. Em caso de segundo turno, deve apoiar quem menos se identificar com Bolsonaro.


Ribamar Oliveira: Senado condiciona benefício a emprego

Se aprovada pela Câmara, “PEC da guerra” criará insegurança jurídica

O texto da Proposta de Emenda Constitucional 10/2020, mais conhecida como “PEC do Orçamento de Guerra”, recentemente aprovado pelo Senado, introduziu um novo complicador para as empresas que, se aprovado pela Câmara dos Deputados, trará uma grande insegurança jurídica, de acordo com consultores ouvidos pelo Valor.

O recebimento de benefícios creditícios, financeiros e tributários, direta ou indiretamente, concedidos no âmbito dos programas oficiais de combate aos efeitos da pandemia, estará condicionado ao compromisso das empresas de manutenção de empregos, “na forma dos respectivos regulamentos”, de acordo com o artigo 4º do texto do Senado.

Uma das medidas adotadas pelo governo para redução dos efeitos do novo coronavírus na economia, logo no início da pandemia, foi adiar o pagamento de PIS, Pasep e da Cofins, bem como da contribuição previdenciária patronal. Os empresários pagarão as quatro contribuições devidas em abril e em maio apenas em agosto e em outubro.

Esta foi uma forma de dar mais fôlego de caixa às empresas, que tiveram suas vendas drasticamente reduzidas do dia para a noite. Tecnicamente, o procedimento é conhecido como diferimento. A questão é que todas as empresas, mesmo aquelas que estão demitindo trabalhadores, terão direito de adiar o pagamento das quatro contribuições. Quando o diferimento foi autorizado, ainda em março, a instrução normativa da Receita Federal não condicionou o benefício à manutenção do emprego.

Pode-se alegar, portanto, que o artigo da PEC, caso aprovado pela Câmara, terá vigência posterior ao início do diferimento das quatro contribuições. A lei não pode retroagir para prejudicar o contribuinte. Ocorre que, segundo avaliação da área técnica do governo, é muito provável que as empresas não tenham caixa em agosto e outubro para pagar os tributos do mês e os atrasados. Por isso, os técnicos não descartam que os débitos tributários referentes a abril e maio venham a ser, posteriormente, objeto de um novo Refis, ou seja, de um parcelamento em condições favorecidas, que já está sendo chamado de “coronarefis”.

Se isto ocorrer, será um novo benefício tributário a ser concedido às empresas em relação a fatos ocorridos no período da pandemia. Neste caso, o artigo da PEC poderá ser acionado e em que medida? O texto diz que a manutenção do emprego será exigida, “na forma dos respectivos regulamentos”, sem explicar o que isso significa, talvez indicando a necessidade de uma regulamentação.

A exigência da manutenção do emprego, no entanto, se aplica a todos os outros benefícios que estão sendo concedidos pelo governo durante a pandemia, inclusive os creditícios e os financeiros. Há, por exemplo, empréstimos em condições especiais que estão sendo colocados à disposição das empresas. O Banco Central será autorizado também a comprar títulos privados e a realizar uma série de operações financeiras que, de forma direta ou indireta, pode resultar em benefício para alguma empresa ou instituição financeira.

Diante da amplitude da medida, com consequências jurídicas imprevisíveis, um político de grande experiência disse ao Valor que o Senado colocou o artigo na PEC para ficar bem com o eleitorado, ao mostrar sua preocupação com o emprego, mas certo de que ele será derrubado pela Câmara, com desgaste para os deputados. É, pode ser. Mas, vale lembrar a famosa pergunta feita por Garrincha, na Copa do Mundo de 1958: “Já combinaram com os russos?”.

O artigo 9º da PEC aprovada pelo Senado determina que as instituições financeiras que venderem ativos ao BC, durante a pandemia, não poderão aumentar a remuneração, fixa ou variável, de diretores e membros do conselho de administração, no caso das sociedades anônimas, e dos administradores, no caso de sociedades limitadas.

De acordo com a PEC aprovada pelo Senado, a remuneração variável inclui bônus, participação nos lucros e quaisquer parcelas de remuneração diferidas e outros incentivos remuneratórios associados ao desempenho.

Mas, não está claro o período da vigência da proibição. A PEC aprovada pelo Senado diz que o Banco Central editará regulamentação sobre as exigências de contrapartidas “durante a vigência desta emenda constitucional”. Não seria durante a vigência da situação de calamidade pública, ou seja, até 31 dezembro deste ano?

Há também outra redação confusa na PEC do “Orçamento de Guerra”. Mas, neste caso, a confusão já vem do texto inicial aprovado pela Câmara. O artigo 5º diz que será dispensado o cumprimento da chamada “regra de ouro”, durante ‘a integralidade do exercício financeiro em que vigore a calamidade pública nacional”.

A Constituição proíbe que o governo aumente o seu endividamento para custear despesas correntes. Só pode fazer isso para financiar investimentos e para amortizar a dívida, ou seja, despesas de capital. Este princípio é conhecido como “regra de ouro” das finanças públicas. Como observa a nota técnica 95/2020, da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, desde meados do ano passado já se projetava descumprimento da “regra de ouro” em 2020.

O Orçamento da União deste ano foi aprovado com montante de operações de crédito superior em R$ 343 bilhões às despesas de capital, lembram os consultores legislativos Vinícius Leopoldino do Amaral e Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, autores da nota técnica. Tais operações de crédito em excesso, assim como as despesas por elas custeadas, encontram-se pendentes de autorização, observam.

Como o regime extraordinário da PEC visa atender às necessidades decorrentes da pandemia, a suspensão do cumprimento da “regra de ouro” não poderia ser aplicada a situações anteriores ao surgimento do novo coronavírus. Os autores concluem que a suspensão da “regra de ouro” teria que ser parcial e somente aplicável às repercussões geradas pela pandemia. Mas isto não é o que está escrito na PEC, que suspende o cumprimento da “regra de ouro” durante “a integralidade do exercício financeiro em que vigore a calamidade”.


Folha de S. Paulo: ‘Não podemos imaginar que Guedes tenha pensado de forma tão medíocre’, diz Rodrigo Maia

Segundo presidente da Câmara, lista de projetos enviada pelo ministro à Casa não resolve crise de curto prazo com coronavírus

Leandro Colon, Julia Chaib, da Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirma que a agenda dos próximos 45 dias será focada no combate aos efeitos econômicos do coronavírus. Na sua opinião, o governo tem de apresentar medidas de curto prazo para discussão. Segundo ele, a ausência disso incomodou deputados e senadores que se reuniram com o ministro Paulo Guedes (Economia) na quarta (11).

“Guedes não tinha uma coisa organizada ou não quis falar. Se olhar os projetos, tem pouca coisa que impacte a agenda de curto prazo ou quase nada”, disse.

Maia recebeu a Folha nesta quinta (12) na residência oficial da presidência da Câmara.

As propostas econômicas em andamento no Congresso, listadas por Guedes em ofício enviado aos parlamentares na terça (10), segundo o deputado, não resolvem a turbulência dos próximos meses.

Para Maia, a reforma administrativa, ainda a ser enviada pelo governo, não é uma solução no momento.

“A reforma administrativa estar atrasada incomodava até 15 dias atrás”, afirmou.

O presidente da Câmara disse ainda que terá sido “medíocre” se Guedes pensou em transferir a responsabilidade para os deputados sobre a solução da crise ao ter cobrado a votação da agenda. “Não posso acreditar que um homem de 70 anos, com a experiência dele, tenha mandado isso com essa intenção. A crise é tão grande que a gente não tem direito de imaginar que o ministro da Economia de uma das maiores economias do mundo possa ter pensado de forma tão medíocre.”

Os parlamentares ficaram frustrados com Guedes porque não ouviram medidas concretas e ele ainda tentou dividir a responsabilidade dizendo que a solução é política. Como o senhor avaliou o encontro e a reação dos colegas? 
Compreendi o que ele [Guedes] quis dizer. Precisamos continuar olhando projetos de lei e emendas constitucionais que ajudam a melhorar o ambiente de negócios no país. Em relação a essa parte da participação dele, entendi muito bem. O que preocupou os parlamentares é que certamente teremos impacto de curto prazo e que essas reformas de médio e longo prazo não vão resolver. Temos uma crise de pandemia de um vírus que começa a crescer no Brasil.

O que incomodou os parlamentares é que não sentimos e não vimos, se ele [Guedes] não podia falar ou se ainda não organizou, as soluções para os problemas de curto prazo, como nos setores da aviação civil e de serviços.

São dois eixos: como impacta a saúde dos brasileiros e como impacta a vida econômica e social. São duas urgências. Essa primeira está bem organizada. Por outro lado, como o governo vai reagir em relação à queda da atividade e a algum risco de perda de emprego? Essa parte incomodou os deputados e senadores. A falta dessa parte.

O que eu falei a alguns deputados é que certamente o governo agora está começando a fazer suas simulações. Nós queremos ajudar o governo também, claro, com a organização do diagnóstico feito por eles. A indústria automobilística, por exemplo, teve um resultado em setembro ruim. O setor de serviços vai desempregar muito? O setor de aviação precisa de apoio? Como faz com as empresas de turismo que compram assentos nos aviões, quartos de hotel olhando o futuro e vai começar a ter um cancelamento?

O setor de entretenimento vai começar a cancelar eventos como já está acontecendo nos Estados Unidos. Essas variáveis de curto prazo é que eu acredito que os deputados e senadores sentiram falta na apresentação do Guedes.

O que se entende da mensagem do Guedes é que as medidas do governo virão desde que o Congresso aprove alguma coisa que esteja lá, dividindo a responsabilidade. O senhor sentiu essa mensagem por parte dele? É possível aprovar alguma coisa a curto prazo para que o governo destrave suas medidas?
Não posso imaginar que, numa crise desse tamanho, o ministro tenha encaminhado uma lista de 19 projetos para transferir a responsabilidade para nós. Não posso acreditar que um homem de 70 anos, com a experiência dele, tenha mandado esses projetos com essa intenção. Não acredito nisso. A crise é tão grande que a gente não tem direito nem de imaginar que o ministro da Economia de uma das maiores economias do mundo, o com mais poder desde a redemocratização, possa ter pensado de forma tão medíocre. Eu tenho certeza de que não. Não imagino isso, e não tenho direito, com o risco de tantos brasileiros serem atingidos do ponto de vista da saúde e do ponto de vista econômico por essa crise, imaginar que alguém teve essa percepção. Naquele momento, como ainda não havia um plano de contingência na área econômica, talvez ele, para tentar suprir essa lacuna de curto prazo, tenha encaminhado os projetos de médio e longo prazo.

Bolsonaro não subestimou a crise?
Na área da saúde, o governo desde o começo tem tratado conosco o assunto de forma correta e competente. O que estou dizendo é que talvez ele [Guedes] tenha mandado esses projetos porque viu que a situação ia piorar muito mais rápido do que imaginou e resolveu encaminhá-los para dar uma sinalização de que tem uma agenda. Queremos que o governo construa as soluções que vão minimizar os efeitos na saúde pública e na crise na vida das pessoas na área econômica área social. O governo precisa liderar isso.

Foi uma forma de pressionar o Congresso, não?
Entre uma pressão do Guedes e o risco de perder a vida de brasileiros com o vírus, somado ao risco de ampliação de desemprego no Brasil, não vou estar preocupado se ele fez isso para pressionar. Essa não é a pressão que nos incomoda. A que nos incomoda é a gente ainda estar desconfortável em relação à resposta que o poder público, os três Poderes, precisa dar. Em relação ao curto prazo, ele [Guedes] não tinha uma coisa organizada ou não quis falar de anúncio a ser feito pelo presidente. Se você olhar os projetos, tem pouca coisa que impacta a agenda de curto prazo ou quase nada. Temos um problema de seis meses.

Incomoda a demora do envio das reformas administrativa e tributária?
A reforma administrativa estar atrasada incomodava até 15 dias atrás. Hoje, o que me angustia e preocupa é, sob a liderança do Poder Executivo, mostrar à sociedade brasileira uma união para superar os próximos seis meses. O que incomoda e angustia é que a gente ainda não tem um plano de contingência para superar essa crise e os impactos na vida das pessoas na economia. A reforma administrativa não é parte dessa solução. Nos próximos 45 dias, nossa prioridade vai ser a agenda com o governo e o Supremo para superar essa crise.

O próprio presidente havia minimizado a crise do coronavírus...
Parece-me que não, se o ministro da Saúde está sendo tão elogiado. Talvez ele (Bolsonaro) tenha minimizado para acalmar as pessoas.

Não é uma tática dele jogar a responsabilidade ao Congresso em meio a um cenário de agravamento da crise econômica?
Quanto mais a gente reafirmar que temos respeito pela pauta econômica do Executivo, a gente vai fortalecendo nossa posição tirando o discurso de alguns de transferir a responsabilidade ao Poder Legislativo. Reafirmando a responsabilidade, a gente tira as forças do discurso que às vezes passam por dentro do Palácio do Planalto e às vezes no ministério da Economia.

O senhor fala em responsabilidade do Congresso, mas o Congresso derrubou uma medida considerada importante pelo governo, um veto do presidente, e aumenta os gastos públicos em R$ 20 bilhões com o BPC (Benefício de Prestação Continuada).
Trabalhei para manter o veto e disse aos parlamentares que havia sido um erro a votação. Todo o mundo sabia que a crise do vírus estava crescendo. Nós estaríamos apenas colocando lenha na fogueira e de alguma forma ajudando o governo a fazer um discurso de transferir responsabilidades para o Legislativo.

O momento de gerar uma despesa de forma racional ou menos racional foi completamente equivocado. Geramos uma despesa de R$ 20 bilhões e sinalizamos que pode ter um risco de desorganização da pauta pelos próximos seis meses. Aí eu falo, como se faz para votar a PEC do Fundeb na próxima semana? Além do erro de ter votado um projeto que a gente sabe que não tinha previsão orçamentária.

Foi uma retaliação à questão dos protestos?
Da minha parte, não. Porque eu acho que isso [a nova despesa] deve ser inconstitucional.

Mas e o resultado?
O resultado acho que não foi uma retaliação ao protesto porque ninguém é contra o protesto. Foi uma retaliação a esse ambiente que dá a impressão de que alguma forma o governo estava patrocinando uma manifestação contra o Poder Legislativo. Pode ter sido isso, talvez.

O governo vai questionar a votação do BPC no Supremo e no TCU (Tribunal de Contas da União).
Certamente. Como presidente, eu tenho que respeitar o resultado da votação, mesmo não tendo ficado satisfeito, ter ficado incomodado, eu respeito muito o plenário da Câmara. Não é apenas o que eu gosto ou o que eu defendo que precisa ser aprovado. Vivemos numa democracia. Principalmente, porque era uma votação da sessão do Congresso, que não sou eu que presido,. Eu não posso tomar uma decisão que vá contra a decisão de 300 deputados. Mas eu acredito que o Poder Executivo está certo e tem as condições de questionar uma decisão que vai de fato desorganizar o Orçamento público brasileiro.


Valor: Alvo de ataques de apoiadores de Bolsonaro, Maia sobe o tom contra o governo

O presidente da Câmara afirmou que há uma estrutura ligada ao Executivo que é responsável por viralizar "ódio e fake news"

Por Cristiane Agostine, Valor Econômico

SÃO PAULO - Alvo de fortes ataques de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e de protestos marcados para o dia 15 deste mês, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), subiu o tom contra o governo e disse que há uma estrutura ligada ao Executivo que é responsável por viralizar "ódio e fake news".

Ao defender investigações para descobrir quem financia essa rede, Maia afirmou que a gestão Bolsonaro aposta em uma estratégia para atacar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) e transformá-los em inimigas da sociedade, fortalecendo o presidente.

"Infelizmente a gente não tem os recursos e a estrutura que o entorno do governo tem para viralizar tantas fake news como tem sido feito nas últimas semanas", afirmou Maia, em evento promovido pela Fundação FHC, em São Paulo. "Desde o início do governo tem uma estratégia nas redes sociais, o entorno do governo, as redes que o governo influencia têm operado de forma a criar as instituições como inimigas da sociedade, o que não é verdade."

Ao falar sobre os protestos marcados para o dia 15, contra o Congresso e o Supremo, Maia reforçou as críticas ao governo por "viralizar o ódio" e a ideia de que pretende criar o "parlamentarismo branco". "Essas teses são criadas para arranjar alvos para que o Congresso, o presidente da Câmara, do Senado, do próprio Supremo sejam atacados, para que o ódio seja viralizado."

O presidente da Câmara disse que o governo Bolsonaro tem demonstrado que os ataques feitos contra o Legislativo e ao Judiciário não são por "desconfiança" em relação aos dois Poderes, mas sim um "método". "Vivemos um momento difícil", afirmou Maia.

Maia classificou o responsável do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, como um ministro do desequilíbrio, depois que ele fomentou a discórdia contra o Legislativo e chamou o Congresso de chantagista — declaração que serviu como estopim para os atos do dia 15.

O parlamentar também reclamou da falta de interesse do presidente em relação às pautas econômicas, sobretudo para organizar as contas públicas e retomar o crescimento econômico, e disse que o Parlamento tem assumido o protagonismo para superar a crise econômica enfrentada pelo país.

Maia afirmou ter conversado hoje com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para o Legislativo buscar soluções para a crise econômica e o mau desempenho do PIB junto à equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, que tem "cabeça racional" no governo Bolsonaro. "É homem de diálogo, tem nos ajudado, tem espírito público enorme", afirmou.

"Falei com Davi e ele vai propor uma reunião da equipe econômica com o Congresso para ver o tamanho da crise e o que, em conjunto, aqueles que têm cabeça racional no governo podem falar com a Câmara e o Senado", disse Maia. O parlamentar criticou ainda o governo por criar novas despesas onde não há fontes de receita, como o 13º salário permanente para o Bolsa Família e o BPC.

O presidente da Câmara também cobrou empenho do governo para enfrentar a crise econômica e disse que o Parlamento tem cumprido seu papel. "Não queremos um milímetro do que é de responsabilidade do Executivo, mas também queremos que o espaço e a prerrogativas parlamentares do Congresso Nacional também sejam respeitadas", disse.

"Temos que ter muito equilíbrio, muita paciência, compreender que o governo está pressionado porque prometeu muito e não entregou, tinha previsão de crescimento [do PIB] de 2,5% e cresceu 1,1%, entendemos a aflição", afirmou Maia.

Orçamento impositivo
Maia disse que o Orçamento deve ser resolvido na próxima semana e que nunca quis mexer na proposta original do governo. O parlamentar disse que "há um conflito que não é verdadeiro com o governo" sobre o Orçamento e afirmou que, com isso, "perde-se tempo" em vez de avançar em pautas prontas para votar, como a autonomia do Banco Central.

"O que estava em discussão, como em todos os anos, é a parte que o Parlamento adiciona. Nós dobramos os investimentos públicos, mais recursos para prefeitos e governadores, em momento de economia fraca", afirmou.

Maia disse que está em discussão R$ 20 bilhões - R$ 4 bilhões que foram pedidos dos ministros. "Aprovamos tudo na emenda do relator. Quer dizer que isso pode, mas agregar mais R$ 15 bilhões para prefeitos, nos municípios e Estados nas bases dos deputados e senadores não pode?"

Maia também voltou a falar que é contra o parlamentarismo no Brasil neste momento. "O Parlamento tem que dar muitos passos para recuperar a credibilidade para daqui a cinco, seis, sete anos a gente discutir se o sistema presidencialista é o melhor ou o parlamentarista. Neste momento não agrega em nada e gera desgaste", afirmou.


Merval Pereira: Hidra de muitas cabeças

Câmara atua autonomamente, com uma maioria clara de centro direita que poderia ser aproveitada pelo governo

A formação, em poucos dias, de um superbloco parlamentar que reúne cerca de 70% da Câmara, com 351 deputados de 13 diferentes partidos - DEM, PL, PP, MDB, PSDB, PTB, PROS, PSC, PSD, Patriota, Republicanos, Solidariedade e Avante, - é prova de que, quando querem, os deputados se articulam entre si, mesmo sem o impulso dos líderes do governo.

Até o PSL, que já foi do presidente Bolsonaro, mas ainda é liderado por seu filho senador Flavio, entrou nesse balaio inicialmente. Alertado de que aderir ao blocão era a admitir que os vetos do presidente sobre o Orçamento seriam derrubados, Flavio deu uma marcha-ré tentando retirar assinaturas de seu próprio partido.

A criação do bloco pluripartidário, e se o Corintianos tivesse sido aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral também lá estaria, indica que a maioria da Câmara prepara-se para repartir o bolo, calculado em R$ 30 bilhões, que resultará da eventual derrubada do veto presidencial.

Mas significa, sobretudo, que a Câmara atua autonomamente neste momento, com uma maioria clara de centro-direita que poderia ser aproveitada pelo governo para estimular a aprovação das várias reformas que estão paradas por dubiedade do presidente Bolsonaro em relação a elas.

O fato é que essa maioria esmagadora resolveu se unir, num primeiro momento, para montar a Comissão Mista Orçamentária que vai tratar dessa verba bilionária que está prestes a cair no colo do Congresso. Paradoxalmente, esses movimentos a favor da derrubada dos vetos encontram resistência no Senado, onde crescem as críticas aos deputados.

Além dos partidos de esquerda, o Podemos e o Novo também estão contra as manobras para tirar do Executivo mais poderes para usar o Orçamento da União. São representantes do conservadorismo que não comungam com o governo Bolsonaro, mas também não estão dispostos a prejudicá-lo com o que consideram manobras políticas ilegítimas.

O Podemos, comandado pelo senador Álvaro Dias, tem como objeto de desejo a filiação do ministro da Justiça Sérgio Moro para concorrer à presidência da República, mas não quer criar atritos entre ele e Bolsonaro no momento.

O Novo tenta impor uma conduta ética às negociações políticas, e não vê senão interesses escusos nessa manobra do Centrão inflado por partidos que correm em faixa própria, como o DEM e o PSDB. Esses dois partidos, e mais o PSD que também está nesse blocão, pensam em formar outra aliança, essa com objetivo político mais amplo, o de lançar um candidato viável à presidência da República.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, considera que o Centrão é o garantidor do equilíbrio na Câmara, e mesmo que não esteja em seus planos aderir a esse grupo político, prestigia-os. Com a posição do presidente Bolsonaro de afastar-se o mais possível do relacionamento partidário para fortalecer a imagem de que é um antipolítico, a corrida presidencial vai sendo organizada em vários patamares.

Entre os partidos, em busca de um candidato de centro, seja à esquerda ou à direita, que possa enfrentar os extremos Bolsonaro e PT. Esse grupo tem no apresentador de televisão Luciano Huck, que se filiaria ao Cidadania de Roberto Freire, a melhor aposta, mas não descarta até mesmo apoiar Ciro Gomes.

Dificilmente o PSDB de Doria, ele mesmo candidato potencial à presidência, apoiaria Ciro, nem o Cidadania abriria mão de Huck, o que pode indicar uma divisão das forças centristas que repetiria 2018.

O presidente Bolsonaro pretende continuar indo às ruas, seja através das mídias sociais, seja em convocações como a que se planeja para o dia 15 de março. Aposta que seu futuro novo partido, o Aliança pelo Brasil, com sua popularidade em alta, receberá uma avalanche de apoios entre os parlamentares pelo Brasil.

Como temos o que os especialistas chamam de um “pluripartidarismo exacerbado” - são 35 partidos existentes, sendo que 27 atuando no Congresso -, nenhuma maioria governamental poderá ser formada sem que reflita esse exacerbamento, e para isso é preciso uma habilidade negociadora que falta ao governo, por incompetência ou desinteresse.


Míriam Leitão: Não se enganem. Nada disso é normal

Presidência militarizada, Câmara sendo palco de calúnia sexista, ministro ofendendo grupos sociais, livros censurados. Nada disso é normal

Há quem prefira o autoengano. O governo hostiliza a imprensa, e o filho do presidente dá sequência a uma difamação sexista contra uma jornalista, da tribuna da Câmara. O presidente se cerca de militares da ativa. O ministro da Economia ofende grupos sociais. A Educação está sob o comando de um despreparado. Alguns ministros vivem em permanente delírio ideológico. Os indígenas são ameaçados pelo desmonte da Funai e pelo lobby da mineração e do ruralismo atrasado. Livros são censurados nos estados. A cultura é atacada. Há quem ache que o país não está diante do risco à democracia, apenas vive as agruras de um governo ruim. E existem os que consideram que o importante é a economia.

Existe mesmo uma diferença entre governo ruim e ameaça à democracia, mas, no caso, nós vivemos os dois problemas. As instituições funcionam mal até pela dificuldade de reagir a todos os absurdos que ocorrem simultaneamente. Quando um tribunal superior decide que uma pessoa que ofende os negros pode ocupar um cargo criado para a promoção da igualdade racial, é a Justiça que está funcionando mal. O Procurador-Geral da República, desde que assumiu, tem atuado como se fosse um braço do Executivo. O Supremo Tribunal Federal (STF) parece às vezes perdido no redemoinho de suas divergências.

A calúnia contra a jornalista Patrícia Campos Mello, da “Folha de S.Paulo”, foi cometida dentro do Congresso Nacional. O depoente de uma CPI praticou o crime diante dos parlamentares. Um deles, filho do presidente, reafirmou a acusação sexista. É mais um ataque à imprensa, num tempo em que este é o esporte favorito do presidente. Mas é também uma demonstração prática dos problemas do país. Alguém se sente livre para mentir e caluniar usando o espaço de uma comissão da Câmara e é apoiado por um parlamentar.

Não é normal que um general da ativa, chefe do Estado Maior do Exército, ocupe a Casa Civil, nem que o Planalto tenha apenas ministros militares e dois deles da ativa. Não é bom para as próprias Forças Armadas. Essa simbiose com o governo seria ruim em qualquer administração, mas é muito pior quando o chefe do Executivo cria conflitos com grupos da sociedade, divide a nação, faz constante exaltação do autoritarismo e apresenta projetos que ofendem direitos constitucionais. As Forças Armadas são instituições do Estado, com a obrigação de manter e proteger a Constituição. Deveriam preservar sua capacidade de diálogo com todo o país, neste momento de tão aguda fratura. O trauma da ruptura institucional comandada por generais é recente demais.

Não é normal que um governo estadual se sinta no direito de retirar das mãos de estudantes livros clássicos, um deles escrito pelo mestre maior da nossa literatura. A leitura de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, do genial Machado de Assis, precisa ser estimulada e não proibida. É tão despropositada a ideia de colocar livros em um índex que muitos reagem apenas com incredulidade e desprezo. O obscurantismo, a censura, o retrocesso são graves demais.

A economia nunca poderá ir bem num país enfermo. Não há uma bolha em que se possa isolá-la. Mesmo se houvesse essa capacidade de separação da realidade, é preciso entender que a economia não está nada bem. Se no mercado financeiro, se alguns líderes empresariais querem vender esse otimismo falso é porque têm interesses específicos. A verdade, que bons empresários e economistas lúcidos sabem, é que o mercado de trabalho exclui um número exorbitante de brasileiros, o país ainda tem déficit em suas contas, a alta excessiva do dólar cria distorções e a incerteza tem aumentado.

A crise econômica foi herdada por este governo, mas ele está cometendo o erro de subestimar os desafios. O ambiente de conflito constante com diversos grupos da sociedade, provocado pelo governo, esse clima de estresse permanente, não é bom para quem faz projetos de longo prazo no país. Quando o cenário de ruptura tem que ser considerado, os investidores se afastam.

Quem prefere o autoengano pode viver melhor no presente, mas deixa de ver os avisos antecedentes do perigo e, portanto, não se prepara para enfrentá-lo. Manter a consciência dos riscos é a atitude mais sensata em época tão difícil quanto a atual. Nada do que tem nos acontecido é normal.


O Globo: Câmara quer acelerar projetos que preveem até demissão de servidores para cumprir regra fiscal

Desequilíbrio nas contas públicas ameaça deixar trabalhadores sem receber aposentadorias e benefícios assistenciais

Eduardo Bresciani e Manoel Ventura, de O Globo

BRASÍLIA - A Câmara dos Deputados quer acelerar o andamento de propostas que resolvam, de forma definitiva, um desequilíbrio nas contas públicas que pode deixar trabalhadores sem receber aposentadorias e benefícios assistenciais. As soluções são variadas e passam até mesmo pela demissão de servidores públicos.

Por isso, o governo também precisa aprovar no Congresso um crédito de R$ 248,9 bilhões para garantir o pagamento de aposentadorias e outros benefícios, como Bolsa Família, a partir do segundo semestre. Sem a autorização para bancar esses gastos com empréstimos obtidos por meio da emissão de títulos da dívida, os beneficiários ficarão sem o dinheiro.

O líder do partido do presidente Jair Bolsonaro na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO), quer acelerar a tramitação das emendas que estão na CCJ para que, além do atual governo, os próximos tenham mais mecanismos para resolver problemas fiscais como os que o país enfrenta:

- A PEC permite que, quando o governo chega na situação fiscal em que está, ele possa reduzir jornada de trabalho, demitir. Então, essa PEC é extremamente importante não só para o nosso governo, mas para outros que estiverem em situação semelhante, que possam demitir, reduzir jornada, fazer uma redução mais drástica de gastos.

Fim da punição a presidente
O deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) é o autor das duas propostas. Elas mantêm a regra de ouro, mas com mudanças. Uma das principais é o fim da punição, por crime comum e de responsabilidade, pelo descumprimento da norma, o que hoje torna o presidente da República passível de impeachment.

As PECs substituem essa punição por medidas fiscais a serem adotadas por “estágio” de descumprimento. No primeiro estágio, o governo não poderá criar e expandir despesas obrigatórias ou benefícios e incentivos. O segundo será acionado quando as operações de crédito excederem o volume das despesas com investimentos. Entre as medidas que terão de ser tomadas nessa fase estão a interrupção do pagamento do abono salarial e redução temporária da jornada de trabalho dos servidores com adequação dos vencimentos, além de privatização.

O último estágio será acionado quando a regra de ouro for descumprida por três anos consecutivos. Segundo uma das PECs, o governo poderá demitir servidores estáveis, caso a despesa total com pessoal ultrapasse o valor apurado (e corrigido) em 2016. A primeira emenda, protocolada em junho do ano passado, prevê a demissão de servidores. A segunda, apresentada em agosto, retira essa possibilidade. Pedro Paulo diz ter feito a mudança para ajudar na tramitação do projeto:

— Se o governo depois quiser voltar com esse tema, podemos discutir, mas acho que o impacto fiscal imediato pode não ser tão significativo, e você já tem programa de demissão voluntária, redução de jornada e outros mecanismos.

Pareceres favoráveis
Pedro Paulo afirma que o presidente da Câmara o convidou para uma reunião nesta terça-feira com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Técnicos do governo concordam com a discussão da proposta. O texto do deputado é considerado por integrantes da equipe econômica como uma boa base para a negociação sobre as mudanças na regra de ouro.

As duas propostas tramitam de forma conjunta na CCJ. Em dezembro passado, o então deputado Sérgio Zveiter (DEM-RJ) deu parecer favorável a ambas. Ontem, o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), que assumiu a relatoria, subscreveu o parecer anterior. Caso a CCJ aprove, as propostas iriam para uma comissão especial, de mérito.

- Vamos fazer o start nesta semana. Vou convocar uma reunião só para discutir esse assunto.

Até este ano, a regra de ouro vinha sendo cumprida pelo governo. Porém, rombos orçamentários crescentes iniciados em 2014 tornaram difícil o atendimento da norma.


Vinicius Torres Freire: Não há governo

Rebelião na Câmara empareda governo, reformas naufragam, há anarquia em ministérios

O Congresso está à deriva, no que diz respeito aos interesses do governo. Alguns ministérios implodem em anarquia vexaminosa. A Câmara aprovou uma pauta-bomba nuclear, que na prática impede o governo de conter déficits —falta apenas a aprovação do Senado. Manter o teto de gastos talvez agora dependa da paralisação de parte da máquina pública.

Sem o serviço de bombeiro em tempo integral de Rodrigo Maia, foram detonadas várias bombas. Nada mais se pode dizer do que será feito da política e, pois, da economia, pois Jair Bolsonaro se omite, quando não agrava a crise.

No Congresso, havia ameaças de derrubar decretos do governo ou de chamar ministros às falas. Tudo isso, porém, virou picuinha, pois à noite a Câmara aprovou emenda constitucional que impede o Executivo de cortar certas despesas (como investimentos e emendas parlamentares).

Em menos de duas horas, maioria massacrante de deputados votou em dois turnos uma PEC que vai emparedar o governo, caso seja aprovada também no Senado.

De manhã, lideranças de partidos que juntam uns 300 dos 513 deputados até propuseram um novo pacto, mas com uma faca no pescoço do Planalto. Podaram da reforma previdenciária as mudanças nos benefícios para idosos muito pobres (BPC) e na aposentadoria rural. É um adeus para o trilhão de reais de economia em uma década, plano do ministro Paulo Guedes (Economia). Mas os deputados disseram ao menos que aceitam conversar, nessas novas bases.

O governo, porém, não tinha ordem ou capacidade nem de reagir a esse manifesto que na prática junta a Câmara inteira, afora oposição, o PSL e uns gatos pingados.

Os deputados não querem levar a fama de esfoladores de idosos, ainda mais porque os atingidos pela barragem da reforma da Previdência andam nas calçadas em que ficam os escritórios regionais dos parlamentares. Querem dividir a conta com o Planalto. O governo não está nem aí.

Ainda nesta terça-feira de naufrágio, Guedes ouviu dos governadoresque a reforma não anda sem que o governo crie um grupo de negociação, bancado por Bolsonaro. O ministro prometeu garantias para empréstimos estaduais, antecipação de receitas de privatizações e dinheiro do petróleo (royalties, participações e parte das concessões). Mas governador tem pouco voto no Congresso.

Vendo o tamanho do desarranjo, Guedes reuniu seu pessoal e o que resta de articuladores governistas a fim de nomear ao menos um relator para a reforma previdenciária. Não vai adiantar muito, pois a Comissão de Constituição e Justiça, onde a reforma tem de começar a tramitar, está em pé de guerra, interna e com o resto da liderança bolsonarista. O governo é omisso.

Deputados governistas faziam troça da desordem. "O cabaré pegou fogo e o Bolsonaro está lá resolvendo os problemas do Carluxo [Carlos, filho do presidente] na Secom [Secretaria de Comunicação] e recebendo o Flávio [o filho senador], que virou um zumbi", dizia um deles.

Um parlamentar próximo de Rodrigo Maia se dizia espantado com a ausência presidencial em assuntos críticos. Falava da anarquia no Ministério da Educação e o "risco" do Ministério do Turismo, "que está para explodir a qualquer momento". O ministro Marcelo Antônio é acusado de montar um esquema de candidatos-laranjas do PSL, na eleição de 2018.

Era difícil de entender se o governo espera um milagre, não entende a gravidade do vácuo ou quer um colapso, de propósito.


O Estado de S. Paulo: ‘O governo é um deserto de ideias’, afirma Maia

Presidente da Câmara dos Deputados cobra ‘liderança’ e diz que Jair Bolsonaro precisa ser mais ‘proativo’ 

Vera Rosa, Naira Trindade e Renata Agostini, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ao Estado que o governo não tem projeto para o País além da reforma da Previdência. Um dia após ameaçar deixar a articulação política para a aprovação das mudanças na aposentadoria, por causa dos ataques recebidos nas redes sociais pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), Maia calibrou o discurso e assegurou a continuidade do trabalho. Fez, porém, várias críticas e advertiu que o presidente Jair Bolsonaro precisa deixar o Twitter de lado, além da “disputa do mal contra o bem”, e se empenhar para melhorar a vida da população.

“O governo é um deserto de ideias”, declarou Maia. “Se tem propostas, eu não as conheço. Qual é o projeto do governo Bolsonaro fora a Previdência? Não se sabe”. Na avaliação do presidente da Câmara, o ministro da Economia, Paulo Guedes, é “uma ilha” dentro do Executivo.

Ao ser lembrado de que Bolsonaro comparou possíveis dificuldades no relacionamento às brigas de um namoro, Maia disse que, se o presidente ficar sem conversar com ele até o fim do mandato, não haverá problema. "Não preciso falar com ele. O problema é que ele tem de conseguir várias namoradas no Congresso. São os outros 307 votos que ele precisa conseguir. Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da fila", argumentou.

Neste sábado, em Brasília, Maia afirmou que os atritos com o governo são "página virada". "O que a gente precisa é mostrar para a sociedade que a gente tem responsabilidade, que o governo tem responsabilidade, que o governo vai sair de conflitos nas redes sociais e vai para o mundo real."

Por que o sr. decidiu abandonar a articulação da reforma da Previdência?
Apenas entendo que o governo eleito não pode terceirizar sua responsabilidade. O presidente precisa assumir a liderança, ser mais proativo. O discurso dele é: sou contra a reforma, mas fui obrigado a mandá-la ou o Brasil quebra. Ele dá sinalização de insegurança ao Parlamento. Ele tem que assumir o discurso que faz o ministro Paulo Guedes. Hoje, o governo não tem base. Não sou eu que vou organizar a base. O presidente da Câmara sozinho, em uma matéria como a reforma da Previdência, não tem capacidade de conseguir 308 votos.

Mas o sr. continua à frente da articulação?
Dentro do meu quadrado, sim. Agora, acho que quanto mais eles tentam trazer para mim a responsabilidade do governo, mais está piorando a relação do governo com o Parlamento. O governo precisa vir a público de forma mais objetiva, com mais clareza, com mais energia na votação da reforma.

O que o presidente Bolsonaro precisa fazer?
Ele precisa construir um diálogo com o Parlamento, com os líderes, com os partidos. Não pode ficar a informação de que o meu diálogo é pelo toma lá, dá cá. A gente tem que parar com essa conversa. Como o presidente vê a política? O que é a nova política para ele? Ele precisa colocar em prática a nova política. Tanto é verdade que ele não colocou que tem (apenas) 50 deputados na base. Faço o alerta: se o governo não organizar sua base, se não construir o diálogo com os deputados, vai ser muito difícil aprovar a reforma da Previdência. O ciclo dos últimos 30 anos acabou e agora se abre um novo ciclo. Ele precisa saber o que colocar no lugar. O Executivo precisa ser um ator ativo nesse processo político.

E não está sendo?
De forma nenhuma. Ele está transferindo para a presidência da Câmara e do Senado uma responsabilidade que é dele. Então, ele fica só com o bônus e eu fico com o ônus de ganhar ou perder. Se ganhar, ganhei com eles. Se perder, perdi sozinho. Isso, para uma matéria como a Previdência, é muito grave. Porque não é qualquer votação. É a votação que vai dizer o que o Brasil quer. Se é reduzir o número de desempregados, reduzir o número de pobres no Brasil. Se o Brasil quer voltar a poder investir em saúde e educação ou se o Brasil vai ter hiperinflação. Não é uma votação qualquer, para você falar "leva que o filho é teu". Não é assim. É uma matéria que será um divisor de águas inclusive para o governo Bolsonaro. Então, ele precisa assumir protagonismo. Foi isso o que eu falei. Não vou deixar de defender as coisas sobre as quais tenho convicção porque brigo com A, B ou C. Meu papel institucional não é usar a presidência da Câmara para ameaçar o governo.

Mas o sr. ficou bastante contrariado com os ataques da rede bolsonarista na internet...
Não é que eu fiquei incomodado. O que acontece é que o Brasil viveu sua maior recessão no governo Dilma, melhorou um pouco no último governo, só que a vida das pessoas continua indo muito mal. Então, na hora em que a gente está trabalhando uma matéria tão importante como a Previdência, e a rede próxima ao presidente é instrumento de ataque a pessoas que estão ajudando nessa reforma, eu posso chegar à conclusão de que, por trás disso, está a vontade do governo de não votar a Previdência. Não fui só eu que fui criticado. Todo mundo que de alguma forma fez alguma crítica ao governo recebe os maiores "elogios" da rede dos Bolsonaro. Isso é ruim porque você não respeitar e não receber com reflexão uma crítica não é um sinal de espírito democrático correto.

O posicionamento do vereador Carlos Bolsonaro nas redes sociais atrapalha o governo?
O Brasil precisa sair do Twitter e ir para a vida real. Ninguém consegue emprego, vaga na escola, creche, hospital por causa do Twitter. Precisamos que o País volte a ter projeto. Qual é o projeto do governo Bolsonaro, fora a Previdência? Fora o projeto do ministro (Sérgio) Moro? Não se sabe. Qual é o projeto de um partido de direita para acabar com a extrema pobreza? Criticaram tanto o Bolsa Família e não propuseram nada até agora no lugar. Criticaram tanto a evasão escolar de jovens e agora a gente não sabe o que o governo pensa para os jovens e para as crianças de zero a três anos. O governo é um deserto de ideias.

O sr. está dizendo que o governo não tem proposta?
Se tem propostas, eu não as conheço.

Há uma nova versão do 'nós contra eles'?
Eles construíram nos últimos anos o 'nós contra eles'. Nós, liberais, contra os comunistas. O discurso de Bolsonaro foi esse. Para eles, essa disputa do mal contra o bem, do sim contra o não, do quente contra o frio é o que alimenta a relação com parte da sociedade. Só que agora eles venceram as eleições. E, em um país democrático, não é essa ruptura proposta que vai resolver o problema. O Brasil não ganha nada trabalhando nos extremos.

Temos um desgoverno?
As pessoas precisam da reforma da Previdência e, também, que o governo volte a funcionar. Nós temos uma ilha de governo com o Paulo Guedes. Tirando ali, você tem pouca coisa. Ou pouca coisa pública. Nós sabemos onde estão os problemas. Um governo de direita deveria estar fazendo não apenas o enfrentamento nas redes sociais sobre se o comunismo acabou ou não, mas deveria dizer: "No lugar do Minha Casa, Minha Vida, para habitação popular nós estamos pensando isso; para saneamento, nós estamos pensando aquilo".

O presidente minimizou a crise dizendo que vai conversar com o sr. e que tudo é como uma briga no namoro. O que achou?
Se o presidente não falar comigo até o fim do mandato, não tem problema. Não preciso falar com ele. O problema é que ele precisa conseguir várias namoradas no Congresso, são os outros 307 votos que ele precisa conseguir. Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da fila.

E por que o sr. entrou em um embate com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, por causa do pacote anticrime?
Certamente, conheço a Câmara muito melhor do que o ministro Moro. E sei como eu posso ajudar o projeto sem atrapalhar a Previdência. O que me incomodou? O ministro passou da fronteira. Até acho que em uma palavra ou outra me excedi, mas, na média, coloquei a posição da Câmara. O governo quer fazer a nova política. Nós queremos participar da nova política.

Há quem diga que a Câmara não quer dar protagonismo a Moro porque ele foi juiz da Lava Jato, algoz de políticos...
Ele foi um ótimo juiz, teve um papel fundamental. Foi um juiz que se preparou para investigar corrupção e lavagem de dinheiro. E fez isso muito bem. Agora, o protagonismo é dos deputados. Isso é óbvio. Nós é que vamos votar.

A prisão do ex- presidente Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco serviu para tumultuar ainda mais o ambiente político para a votação da reforma?
Eu não acho. Agora, quando você tem um problema desse, ele (Bolsonaro) vincula logo à política, ao desgaste do Parlamento. Isso é ruim. As instituições precisam funcionar. Uns gostam da decisão, outros não. Mas ela precisa ser respeitada e aquele que se sentir prejudicado por uma decisão da Justiça tem o poder de recorrer.

Deputados e senadores do PSL, partido do presidente, comemoraram a prisão e atacaram o MDB. Isso também pode ser um problema?
O PSL saiu do zero, foi ao topo muito rápido e acho que ainda falta uma capacidade de articulação interna. Na hora de votar, eles vão ver que precisam do voto do MDB. O problema do ex-presidente é do ex-presidente. É óbvio que contamina o MDB de alguma forma, mas não vamos transformar isso num problema de todos. Vamos deixá-lo responder porque ninguém pode ser pré-condenado. Vamos ter paciência. Não se pode abrir mão de nenhum partido para aprovar a reforma da Previdência. Uma reforma, para ser aprovada, precisa ter uma margem de 350 votos.

E ainda há muita resistência em relação à proposta enviada para os militares...
Os militares têm razão quando falam que foram muitos prejudicados desde os anos 2000. O momento não é simples. Na hora que acalmar essa semana política vai se começar um debate do que é o projeto de lei dos militares. Acho que vai ter mais conflito que a emenda constitucional, mas a gente vai precisar enfrentar porque eles garantem a soberania nacional. Vai ter resistência, mas não podemos jogar no mar a proposta.

Por que o DEM, com três ministérios no governo, até hoje não entrou formalmente na base aliada?
É porque, para o DEM, como para todos os partidos, mais do que essa política que o presidente acha que é prioridade, que são as nomeações, a prioridade é conhecer qual é o projeto do governo. E aí você vai projetar 2022 ou 2032, dizendo "esse projeto para o Brasil vai dar certo, vai reduzir a extrema pobreza de 15 milhões para 5 milhões, o desemprego vai cair de 12 milhões para 5 milhões, a economia vai crescer 5% nos próximos anos". Tirando algumas ilhas, como o Paulo Guedes, a Tereza Cristina (ministra da Agricultura, filiada ao DEM), está faltando, de fato, a gente compreender qual é a política.

O deputado Eduardo Bolsonaro disse que em algum momento será necessário o uso da força para tirar o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, do poder. O sr. concorda?
Respeito o deputado Eduardo Bolsonaro, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores, mas acho que a interferência de outros países na Venezuela não é o melhor caminho e que essa não é a posição dos ministros militares do governo. Nós estamos com a estrutura das Forças Armadas desabastecida. Vamos dizer que alguns concordem com isso. O Brasil não tem nem condições de segurar 24 horas de confronto com a Venezuela.

O sr. acha que Bolsonaro deve enquadrar os filhos?
Tenho dificuldade de falar como o presidente deve tratar os filhos dele. Eu sei como tratar os meus.


El País: Bolsonaro alia reforma da Previdência de militares a benefícios e abre flanco na Câmara

Se de um lado promete economizar 97,3 bilhões de reais, do outro se compromete a gastar 86,85 bilhões. Reação até de aliados mostra desconforto na Câmara

Em Washington, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez questão de usar uma expressão excessivamente coloquial para defender o ímpeto para reformas liberais de Jair Bolsonaro. Mas, dois dias depois de Guedes dizer que o presidente tem “colhões para controlar os gastos públicos”, o Governo desagradou até alguns aliados ao encaminhar para a Câmara dos Deputados uma reforma do sistema de aposentadoria dos militares que traz menos economia do que esperado. A proposta vai na contramão do que tem sido sugerido ao funcionalismo em geral. Ao mesmo tempo em que corta nas pensões, o texto alia benefícios à categoria ao criar um plano de carreira para os membros do Exército, Marinha e Aeronáutica. É o que o Ministério da Defesa batizou de Projeto de Lei de Reestruturação das Forças Armadas.

Na hora de “cortar na própria carne”, o presidente, que é capitão reformado do Exército e deu a integrantes da caserna o comando de oito pastas no Governo e cargos no segundo escalão, foi menos duro do que em comparação com os demais trabalhadores. Na prática, o projeto encaminhado para o Legislativo economiza 97,3 bilhões de reais em dez anos com a mudança no sistema de proteção social dos militares (o equivalente a Previdência deles). Porém, compromete-se a gastar 86,85 bilhões de reais na reestrutura da carreira dos militares. Isso inclui dobrar a ajuda de custo para quando o militar se aposenta, cria gratificações e adicionais que variam de 5% a 32% do soldo (o salário). O déficit do sistema de aposentadoria dos militares é de cerca de 40 bilhões de reais por ano.

Em discurso aos deputados, quando entregou o projeto, o presidente Bolsonaro disse que ela restabelece perdas estabelecidas pela medida provisória de 2001 e que ela é mais dura do que a reforma dos civis. “Se os senhores buscarem a medida provisória e somarem com o que chegou agora, podem ter certeza que é uma reforma previdenciária muito mais profunda que essa do regime geral. Esse é o apelo que faço aos senhores. Ao analisarem essa proposta, levem em conta a que está lá atrás também”.

O tamanho da influência dos militares, que tem o maior protagonismo no Governo desde o fim da ditadura, também se fez sentir nas declarações de Rodrigo Maia, presidente da Câmara e o principal articulador da aprovação das reformas no Congresso. Na terça, Maia disse que os militares estavam "querendo entrar nessa festa no finalzinho, quando já está amanhecendo", em referência aos gastos do Estado. Nesta quarta, se desculpou pela "ironia" mal aplicada e defendeu a proposta que alia o corte nas aposentadorias ao plano de carreira. “Durante esses anos todos, as carreiras civis dos três Poderes foram sendo beneficiadas pela aproximação do piso e do teto, pela criação de estruturas extrasalariais para civis e hoje temos uma estrutura em que um general quatro estrelas recebe o mesmo que um consultor legislativo em começo de carreira”, afirmou, segundo o site da Câmara.

Questionamentos
Diante dos questionamentos sobre o momento desfavorável para apresentar esse gasto extra, o assessor especial da Defesa, o general Eduardo Garrido, afirmou que desde 2001 os militares vêm sofrendo seguidas perdas e, por se tratar de uma carreira especial – sem direito a greve, hora extra, adicional noturno, FGTS, entre outros –, precisavam de algumas reparações. “Não é reajuste salarial. É reestruturação da carreira. É a valorização da meritocracia”, disse. E completou: “Existe uma espécie de contrato dos militares em que nós nos colocamos à disposição do Estado 24 horas por dia, fazemos um juramento de sacrifício de nossa própria vida”. Conforme o general, a proposta vem sendo discutida há três anos.

As principais mudanças na “previdência dos militares” são o aumento do tempo de serviço limite de 30 para 35 anos e o aumento da contribuição de 10,5% para 14% do salário. O projeto deve começar a tramitar na próxima semana na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, em conjunto com a proposta de emenda constitucional 6/2019, a PEC da Previdência Social. Esta é considerada dura com o funcionalismo o público, com os trabalhadores rurais e com os que recebem o benefício de prestação continuada, que hoje paga um salário mínimo a idosos e deficientes em situação de miséria.

Mal chegou no Congresso, onde era esperada as críticas já começaram. Até mesmo de aliados-chave. O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, diz que a compensação de 10 bilhões de reais é relevante, mas não era o momento adequado para se apresentar mudança na carreira militar. “Era um diálogo que não era o momento de se discutir. O momento agora é de sacrifícios”. O líder do DEM, Elmar Nascimento, seguiu na mesma linha. “A proposta não pode ser seletiva. Tem de dar o mesmo tratamento para os civis como para os militares, senão pode contaminar o ambiente”. Já a oposição promete montar uma frente contra o a reforma da Previdência, que já tem cerca de 170 dos 513 deputados e 27 dos 81 senadores. Para aprovar uma PEC são necessários 308 votos na Câmara e 49 no Senado. No caso do projeto dos militares, é necessário maioria simples.

Algo que é consenso entre os deputados é de que ainda não há votos para a aprovação de qualquer alteração previdenciária na Câmara. Os alertas têm sido emitidos frequentemente a Bolsonaro. Entre os que já o fizeram, está Rodrigo Maia (DEM-RJ), um entusiasta da reforma. “O presidente é a peça chave. A base é do Governo, não é do presidente da Câmara”, disse Maia. A ainda cobrou Bolsonaro. “Se o presidente da República não organizar sua base no parlamento, a gente fica com dificuldade”.

O problema é que as críticas ao Governo não são apenas no Congresso. Pesquisa do instituto Ibope divulgada nesta quarta-feira mostra que a popularidade de Bolsonaro caiu 15 pontos percentuais desde janeiro. Hoje, 34% da população considera sua gestão ótima ou boa é o mesmo índice que considera a administração regular. Em janeiro a aprovação era 49%, em fevereiro, 39%.