Buenos Aires

Vice-presidente da Argentina vice-presidente Cristina Kirchner | Foto: ymphotos/ Shutterstoock

O que se sabe sobre o ataque armado contra Cristina Kirchner

Marcia Carmo*, BBC News Brasil

Imagens veiculadas por canais de televisão do país mostram o momento em que uma pistola é apontada para o rosto de Kirchner e, apesar de o gatilho ser puxado, o disparo falha. Segundo a polícia, a arma teria ficado a centímetros de distância da ex-presidente da Argentina.

Montiel, de 35 anos, portava uma pistola Bersa 380, calibre 32 — de fabricação argentina — carregada com cinco balas, segundo informações da Polícia Federal à imprensa.

A ação do homem, que usava uma touca preta e uma máscara facial, chamou a atenção dos apoiadores da ex-presidente que o agarraram, no meio da multidão, conforme mostram as imagens das emissoras locais.

Na hora de apertar o gatilho contra Cristina, ele tira a máscara, deixando o rosto visível, como mostram imagens da televisão.

No momento em que foi flagrado, ele tentou fugir, mas foi agarrado pela camiseta, no meio da multidão reunida próximo ao prédio onde a ex-presidente mora no bairro da Recoleta.

O homem foi preso e levado para uma delegacia na cidade de Buenos Aires, onde no fim da noite de quinta-feira continuava detido. A expectativa é que ele preste declaração nesta sexta-feira.

De acordo com fontes policiais, ele já teria sido preso pela Polícia da Cidade em março de 2021 quando portava uma faca.

Montiel teria chegado à Argentina ainda criança, em 1996. De acordo com informações da polícia, a partir das redes sociais de Montiel, ele possui tatuagens com símbolos nazistas. Nas suas redes sociais, ele se identificava como Fernando 'Salim' Montiel e era seguidor de grupos como 'comunismo satânico', entre outros 'ligados ao radicalismo e ao ódio', como definiu o portal do jornal La Nación, de Buenos Aires.

As fotos de Montiel estão em destaque nos portais de notícias e nas emissoras de televisão da Argentina, que recordam ainda uma aparição recente feita por ele em uma reportagem realizada pela Crónica TV nas ruas de Buenos Aires. Ele aparece opinando que os planos sociais não ajudam.

"O que ajuda é sair para trabalhar", diz diante da câmera.

Presidente do Senado, Cristina Kirchner tinha saído do Congresso para casa, quando o fato ocorreu pouco depois das nove da noite.

Após o atentado, como vem sendo definido por políticos e analistas argentinos, especialistas questionaram o esquema de segurança da vice-presidente. Eles apontaram para a "vulnerabilidade" que teria permitido que o brasileiro chegasse perto do seu rosto.

Cristina Kirchner costuma se pronunciar através de suas redes sociais e de discursos públicos. Até a manhã desta sexta-feira (2/9), ela ainda não tinha se manifestado publicamente sobre o atentado que sofreu.

Após o caso, o policiamento foi reforçado nos arredores de onde Cristina mora.

'Imensa' gravidade

O presidente Alberto Fernández realizou um pronunciamento em rede nacional pouco tempo após o ataque. Para ele, é o fato "mais grave" desde o retorno da democracia no país, em 1983.

Na suas declarações, Fernández disse que a vice-presidente "está com vida porque, por alguma razão, a arma não disparou".

O presidente definiu o caso como de "imensa gravidade".

"Esse fato é de imensa gravidade. A arma tinha cinco balas, mas não disparou. Esse atentado merece o total repúdio de todos. A violência não pode ameaçar a democracia", afirmou.

"Podemos discordar, podemos ter profundas divergências, mas em uma sociedade democrática os discursos que incitam o ódio não têm lugar porque causam violência, e a violência não pode conviver com a democracia."

O presidente também anunciou que decidiu "declarar feriado nacional nesta de sexta-feira para que, em paz e harmonia, o povo argentino possa se manifestar em defesa da vida, da democracia e em solidariedade à nossa vice-presidente".

O ex-presidente da Argentina Mauricio Macri, opositor de Kirchner, escreveu no Twitter:

"Meu repúdio absoluto ao ataque sofrido por Cristina Kirchner, que felizmente não teve consequências para a vice-presidente. Este gravíssimo fato exige um imediato e profundo esclarecimento por parte da Justiça e das forças de segurança."

Deputados e senadores da base governista, reunidos na coalizão Frente para a Vitória (FPV), se manifestaram no Congresso Nacional contra o ataque.

"Não a mataram porque Deus é grande", disse o senador governista José Mayans.

"Pedimos investigação, esclarecimento", disse o deputado governista Sergio Palacio.

Políticos da oposição também declararam respaldo à vice-presidente. Mas o decreto de Fernández instituindo feriado nacional, nesta sexta-feira, gerou críticas de setores opositores. O peronista Miguel Ángel Pichetto, atualmente ligado ao ex-presidente Macri, esteve entre os que criticaram o discurso do presidente em cadeia nacional e a decretação de feriado.

"O presidente não entendeu nada. A oposição deu sua solidariedade à vice-presidente. Mas ele culpou a oposição, a Justiça e os veículos de comunicação. E feriado nacional, para que?", escreveu Pichetto em suas redes sociais.

A BBC News Brasil pediu ao Itamaraty um posicionamento do governo brasileiro sobre o episódio na Argentina, mas ainda não recebeu resposta.

Nos últimos dias, o prédio onde a ex-presidente mora tem sido ponto de encontro de seus apoiadores que contestam o pedido do Ministério Público para que ela seja condenada a 12 anos de prisão por supostos casos de corrupção durante seu mandato.

*Texto publicado originalmente em BBC News Brasil.


Conheça as semelhanças entre cinco modelos de gestão descentralizada pelo mundo

De São Paulo a Londres, de Viena a Paris, diferentes e importantes cidades mundo afora já adotam modelos de gestão municipal descentralizados. Divididas em subprefeituras, ou em “comunas”, como são conhecidas em Buenos Aires, elas adotam estruturas administrativas bastante parecidas.

Na capital paulista, os quase 12 milhões de habitantes contam com 32 subprefeituras, criadas sob sob lei a partir de 2002. São elas as responsáveis, por exemplo, por atender as demandas locais da população, receber reclamações, realizar pequenas obras.

De acordo com o diretor da Escola de Governo, Mauricio Piragino, o Xixo, quando se aborda a atual gestão das subprefeituras é preciso, antes, falar sobre o modelo de governança da cidade. “No que diz respeito à subprefeitura, à maneira em que se governa localmente, ainda estamos numa situação muito complicada porque não existe identificação do subprefeito com a população local”, pontua.

Atualmente, a escolha de cada subprefeito acontece por indicação, não por votação direta. Cobiçados, esses cargos costumam ser disputados por partidos e vereadores da Câmara Municipal.

Para o coordenador geral da Rede Nossa São Paulo, Oded Grajew, o modelo ideal de descentralização pressupõe a participação da sociedade e a autonomia das subprefeituras. “Em São Paulo, é preciso incentivar ainda mais o engajamento dos cidadãos na gestão local e valorizar os canais existentes para isso, como os conselhos participativos. Além disso, é fundamental que haja descentralização total também dos recursos do município, não apenas de uma pequena parcela do orçamento. Os investimentos devem ser proporcionais às necessidades de cada região. Esse é o ideal”.

Um estudo lançado este ano pelo GT DP (Grupo de Trabalho Democracia Participativa), que reúne entidades e cidadãos, comparou os modelos de descentralização de algumas cidades do mundo, como Buenos Aires, Paris, Viena e Londres.

De acordo com a pesquisa, esses modelos, reconhecidos internacionalmente, são interessantes por apresentam mecanismos de participação, transparência e controle social para a descentralização. Outro aspecto, destaca o estudo, é a forma como são divididas, em subprefeituras ou em estruturas de administrativas parecidas, além de contar, inclusive, com conselhos locais que atuam e se articulam à proposta de descentralização.

Comunas

Capital da Argentina, a cidade de Buenos Aires, possui 15 comunas (ou subprefeituras), determinadas por lei em 2005. A maioria delas contempla apenas um bairro. Descentralizadas política e administrativamente, elas são responsáveis por fiscalizar o uso do espaço público, cuidar da arborização e do asfalto, como promover iniciativas legislativas para o desenvolvimento do seu orçamento e programa de governo.

Assim como em São Paulo, a cidade portenha conta com um “órgão colegiado”, mais conhecido como “conselho da comunidade”, formado por sete membros eleitos pela votação popular. Ao contrário do modelo brasileiro, o “presidente” do conselho — que seria equivalente ao nosso subprefeito — é também escolhido pela população local, com mandato de quatro anos.

Cada comuna de Buenos Aires também conta com a participação de representantes dos bairros, entidades não-governamentais, partidos políticos, meios de comunicações, entre outros “conselheiros”, que compõe o conselho consultivo.

Conselhos Distritos

Chamados de Conselhos Distritos, as subprefeituras de Viena, capital da Áustria com quase dois milhões de habitantes, são constituídas por voto popular. Por lá, cada “subprefeitura” é composta por entre 40 e 60 membros.

São eles que elegem o presidente distrital (figura que equivale ao nosso subprefeito), responsável por atuar em ações externas, em contato com o prefeito. Outro cargo é o de “diretor distrital”, uma espécie de “vice”, que assume o cargo quando presidente distrital se ausenta.

Ainda em Viena, é o conselho distrital quem incide sobre os orçamentamentos e as contas, e ainda quem zela e realiza obras, localmente.

Conselhos de Departamentos

De acordo com o estudo do Grupo de Trabalho Democracia Participativa, em terras francesas, ainda que difícil de simplificar, atualmente o modelo parisiense de descentralização acontece da seguinte maneira: por duas autoridades: uma municipal e uma por departamento.

A divisão administrativa é formada por 20 departamentos. Cada um deles, conta com Conselho de Departamento (órgão deliberativo, eleito pelo voto popular dos moradores em cada departamento). Os 20 conselhos têm um total de 364 eleitos. Desses conselheiros, 20 serão eleitos subprefeitos e outros serão adjuntos do subprefeito.

Em resumo, a população elege os conselheiros distritais (364 no total), e esses conselheiros elegem os subprefeitos (20, no máximo) que compõem o corpo dos conselheiros e os adjuntos para cada subprefeito (163 no total). O Conselho Municipal de Paris é constituído pelos primeiros mais votados de cada lista política nos 20 distritos.

Conselhos de bairros

Já em Londres, desde 1965 a capital inglesa é dividida em 32 conselhos de bairro (correspondente às nossas subprefeituras e aos conselhos participativos), incluindo a “cidade de Londres”, a “região central” ou a “City de Londres”.

São os bairros (e a City de Londres) os responsáveis por executar a maior parte dos serviços. Para isso, são gastos, anualmente mais de 12 bilhões de euros, dos quais 7 bilhões são destinados a serviços para crianças, da qual faz parte a educação, e dois bilhões em serviços sociais para adultos.

Além disso, cada um dos 32 bairros de Londres é dividido em alas (o que equivaleria a nossos distritos). Cada ala é representada por três conselheiros eleitos, a partir de eleições a cada quatro anos.

O desafio da metrópole

Segundo Xixo, é fundamental que todo cidadão consiga repensar o atual modelo de governança de São Paulo. “Não é possível continuar com a centralidade tão grande, com uma população que equivale a cidades médias brasileiras”, afirma.

De acordo com o último senso do IBGE (2010), 20 milhões de pessoas moram na região metropolitana de São Paulo. “É necessário uma mudança constitucional na qual o saneamento e a poluição devam ser tratados de maneira metropolitana. A cidade de São Paulo sendo a maior, enfrenta a maior parte dos problemas”, finaliza.

Por: Vagner de Alencar, do site 32xSP

Matéria publicada no site 32xSP.


Fonte: cidadessustentaveis.org.br