Bruno Boghossian

Bruno Boghossian: Apesar de rejeição, Lula indica revival de marcas petistas

Acenos a Marta e Benedita são sinais de que petista tenta recuperar imagem da sigla

Nas últimas eleições municipais, o PT perdeu mais de metade de suas prefeituras. Dos 638 postos de 2012, o partido ficou com 254 em 2016. O fracasso foi, em parte, um efeito da onda que derrubou Dilma Rousseff. No ano que vem, a temperatura do antipetismo, que marcou o cenário político desde o impeachment, será testada novamente.

O cenário permanece nebuloso, com o poder de decisão concentrado nas mãos de Lula. O ex-presidente, aliás, tem dado sinais contraditórios. Já apontou que deve apoiar candidatos de outras legendas em cidades estratégicas para oxigenar os quadros da esquerda, mas também passou a estimular veteranos do PT, associados a esses nomes.

Apesar de ter dado palanque para a ascensão de nomes como Fernando Haddad e o governador baiano Rui Costa, o partido tropeçou em seus planos de renovação interna. Basta ver a dificuldade dos petistas em encontrar um candidato óbvio para a Prefeitura de São Paulo.

Diante da hesitação do próprio Haddad, derrotado com apenas 17% dos votos na última disputa, Lula fez acenos à ex-prefeita Marta Suplicy —que deixou o PT em 2015, concorreu à prefeitura no ano seguinte e ficou em quarto lugar, com 10% dos votos.

O movimento combina com a estratégia de polarização que o ex-presidente adotou desde que saiu da cadeia, em novembro. Marta pode ser candidata ou se filiar a outra sigla para ser vice de Haddad. Sua entrada na corrida seria o revival de uma personagem ainda identificada com o PT e com a base social da legenda.

Uma indicação semelhante pode ser vista no Rio, segunda maior cidade do país. Marcelo Freixo (PSOL) espera o apoio dos petistas, mas Lula disse a aliados que o partido reforçaria sua marca se lançasse um nome próprio. A candidata seria Benedita da Silva, quadro histórico da sigla.

A rejeição ao petismo marcou as duas últimas eleições, mas Lula parece interessado em explorar marcas do partido em algumas cidades para recuperar seu capital político, mesmo que não vença essas disputas.


Bruno Boghossian: Sob Bolsonaro, crescimento e desigualdade estarão no centro do debate

Retomada do PIB e distribuição de renda agem como vetores diferentes sobre eleitor

Steve Werner já votou no Partido Democrata, mas fez campanha para Donald Trump em 2016. Ele era um dos trabalhadores que, diante de dificuldades econômicas, entraram em greve numa fábrica de caminhões da Pensilvânia, em outubro.

Sem ligar para os dados que indicavam um aumento da desigualdade nos EUA, o operário estava convencido de que era preciso dar mais quatro anos para o presidente americano. Ele disse aos repórteres Marina Dias e Lalo de Almeida que, num segundo mandato de Trump, todos os americanos começariam a sentir os benefícios da melhora da economia.

Personagens da série “Os Americanos”, da Folha, mostram que o crescimento econômico e a distribuição de renda agem como vetores diferentes em determinados grupos do eleitorado. Num Brasil em recuperação, esses elementos também estarão no centro do debate político.

A oposição fez sua aposta. Lula e outros líderes de esquerda sabem que Jair Bolsonaro deve ser favorecido pela melhora gradual no PIB. Eles investem, então, na ponta da distribuição desse crescimento.

Para os rivais de Bolsonaro, a retomada sob um regime de aperto fiscal deve ser marcada pelo achatamento de gastos sociais e pela geração de empregos de menor qualidade. Os efeitos da recuperação, portanto, seriam mais lentos para os mais pobres e para a classe média.

O próprio ministro Paulo Guedes se antecipou, em entrevista à GloboNews na semana passada: “Não olhe para nós procurando o fim da desigualdade social. Nos dê um tempinho. Nossa tentativa é diferente”.

Ainda assim, o presidente pode tirar proveito de uma sensação de bem-estar quando os ponteiros da economia se mexerem com mais vigor. A comparação com a fase recente de recessão é seu principal trunfo.

Bolsonaro aprendeu com seu ídolo americano que pode mobilizar o eleitorado com pautas simbólicas enquanto os efeitos da economia não chegam a todos. Essa é sua estratégia para que os brasileiros lhe deem mais quatro anos no poder.


Bruno Boghossian: Bolsonaro sugere pacote do perdão para policiais, grileiros e motoristas

Rigoroso no discurso, presidente propõe libera-geral para agradar bases políticas

Se Jair Bolsonaro conseguiu transmitir na campanha a impressão de que faria um governo linha-dura, deve ter sido um engano. No poder, o presidente se mostrou disposto a implantar um libera-geral para agradar suas bases políticas.

Nos últimos dias, Bolsonaro anunciou o desejo de lançar um pacote para perdoar policiais que matam em serviço, grileiros e motoristas infratores. Um observador desatento poderia achar que a generosidade do espírito natalino invadiu o Palácio do Planalto, mas é só demagogia.

O presidente confirmou, na última semana, que vai incluir no indulto de fim de ano agentes de segurança presos por crimes cometidos durante o serviço. Ele argumenta que é injusto manter na cadeia "policiais que fazem um excelente trabalho".

A proposta é um convite à impunidade. A extensão do indulto deve beneficiar agentes que participaram de confrontos com criminosos, mas seus critérios também podem ajudar esquadrões da morte e policiais que cometeram excessos graves.

Antes de assumir o cargo, em novembro de 2018, Bolsonaro disse que não assinaria nenhum decreto de indulto em seu governo. O rigor desapareceu quando ele decidiu usar a caneta para favorecer certos grupos.

A bondade vale para outro reduto eleitoral do presidente. Ele foi buscar um parecer jurídico para perdoar multas aplicadas a quem ocupou áreas de mata atlântica até 2008. Também editou uma medida de regularização de terras que, segundo especialistas, favorece invasores de áreas públicas da Amazônia.

Na maratona absolutória de fim de ano, Bolsonaro chegou a dizer que os radares que voltariam às estradas por decisão da Justiça só fariam "fotografias educativas", sem punir quem ultrapassasse o limite de velocidade. A imprudência foi desmentida pelo advogado-geral da União.

A compaixão se aplica, é claro, ao filho Flávio. Bolsonaro xingou repórteres que perguntavam sobre as suspeitas de rachadinha no gabinete do 01 e chamou as acusações dos promotores de "pequenos problemas".


Bruno Boghossian: Caso contra Flávio deve causar mais estragos no clã Bolsonaro

Investigação pode revelar essência política e relações da família no topo do poder

Poucos conhecem a essência do clã Bolsonaro como Fabrício Queiroz. Amigo do presidente há 35 anos, o ex-policial desabafou quando viu que as investigações sobre os gabinetes da família avançavam. Em julho, numa gravação, ele dizia que o Ministério Público tinha “uma pica do tamanho de um cometa” contra o grupo. Pois o cometa chegou.

A operação desta quarta (18) contra alvos ligados a Flávio Bolsonaro mostra o tamanho do estrago que o caso ainda pode provocar. Promotores já encontraram indícios de desvio de salários de assessores e conexões do clã com parentes de milicianos.

Suspeito de executar a “rachadinha”, o famoso Queiroz recebeu R$ 2 milhões de 13 assessores lotados no gabinete do filho do presidente na Assembleia do Rio, segundo a revista Crusoé. O Ministério Público identificou 483 depósitos desses funcionários na conta do ex-policial.

Parte do dinheiro foi enviada pela mulher e pela filha de Adriano da Nóbrega, acusado de chefiar uma das maiores milícias do estado. Quando trabalhavam para Flávio, as duas repassaram R$ 203 mil para Queiroz e sacaram mais R$ 202 mil em espécie.

Transferências fracionadas e pagamentos em dinheiro vivo são típicos do esquema em que servidores são obrigados a devolver parte dos salários para políticos ou operadores.

Flávio disse várias vezes que não participava de atividades suspeitas, mas os promotores estão decididos a ir mais fundo. Eles acham que o filho do presidente pode ter usado transações de imóveis e uma loja de chocolates para lavar dinheiro.

A família acreditava que as investigações perderiam força com o sumiço de Queiroz e pensavam que o STF mataria o caso no peito, mas as apurações ainda devem ganhar força. Além da quebra de sigilos bancários, foram apreendidos celulares de dezenas de pessoas ligadas ao clã.

A investigação já mostrou que o gabinete de Flávio funcionava como um caixa eletrônico. Agora, ainda pode revelar as engrenagens políticas e as relações nada inofensivas do grupo que chegou ao topo do poder.


Bruno Boghossian: De olho na reeleição, Bolsonaro toma gosto por palpites na economia

Presidente fica mais sensível a pressões de nichos eleitorais e desvia do liberalismo

Para alguém que transformou em bordão o fato de não entender "nada de economia", Jair Bolsonaro parece ter tomado gosto por dar palpites na área. Lançado precocemente à reeleição, o presidente mostra que, em muitos casos, seus interesses políticos se sobrepõem à cartilha liberal do governo.

A agenda permanente de campanha e o DNA populista tornam Bolsonaro cada vez mais sensível às pressões de certos nichos do eleitorado.

O apoio do presidente a um ajuste generoso nas carreiras militares, suas intromissões recorrentes no debate sobre os preços dos combustíveis e a hesitação diante de reformas propostas pela equipe econômica alimentam desconfianças sobre os rumos dessa agenda.

Sempre foi evidente que Bolsonaro era um liberal de ocasião. Sem pauta própria na economia, ele aceitou terceirizar esse setor para Paulo Guedes e alimentou uma contraposição com o estilo intervencionista de Dilma Rousseff. Conseguiu, assim, surfar ainda mais no antipetismo que se tornou marca de sua campanha.

Guedes recebeu carta branca para desenvolver um plano de redução de privilégios e de enxugamento do Estado, mas os pitacos do presidente se avolumaram no caminho.

Em abril, Bolsonaro demoliu a promessa de barrar interferências políticas na Petrobras. Pressionado por caminhoneiros, o presidente mandou a empresa congelar o custo do diesel. Nesta semana, voltou ao assunto e disse que faria "o possível para baratear o preço do combustível".

O presidente também refugou dias antes da apresentação da reforma administrativa, em novembro, por temer a revolta de servidores contra regras duras para suas carreiras. Guedes quer mudanças profundas, mas o chefe já avisou que a proposta seria "a mais suave possível".

Decidido a tentar um segundo mandato, Bolsonaro desvia com mais frequência dos manuais do liberalismo para não pisar nos calos de seus potenciais eleitores. Sem a reforma da Previdência pela frente, as tentações políticas tendem a prevalecer.


Bruno Boghossian: Pirraça presidencial

Brasileiro demorou a adotar pragmatismo e preferiu investir em implicância ideológica

A agenda oficial não tinha nenhum compromisso extraordinário. Não apareceu nem mesmo um corte de cabelo emergencial, como o que impediu seu encontro com o chanceler da França, em julho.

Jair Bolsonaro passou boa parte da manhã e o início da tarde desta terça (10) em reuniões corriqueiras, mas não foi à posse do novo governo argentino, que acontecia naquele horário. Mandou apenas o vice Hamilton Mourão e protagonizou mais um episódio de pirraça presidencial.

O episódio mostra que Bolsonaro não consegue resistir à tentação de uma implicância ideológica, mesmo que isso possa causar prejuízos ao país. Quando Alberto Fernández e Cristina Kirchner já eram mais do que favoritos na eleição do país vizinho, o brasileiro fez questão de dizer que torcia contra a vitória da dupla.

Num evento no Rio Grande do Sul, em agosto, ele disse ao público que, se "essa esquerdalha" voltasse ao poder na Argentina, haveria o nascimento de uma nova Venezuela, com pobreza e migração em massa.

O presidente criou constrangimento com o principal parceiro do Brasil na região só para satisfazer sua cruzada política. O objetivo era evidente: manter vivos os fantasmas do retorno da esquerda e mobilizar sua própria base eleitoral, às custas das relações diplomáticas do país.

A autossabotagem continuou mesmo depois da eleição da chapa kirchnerista. O fato já estava consumado, mas Bolsonaro disse publicamente que lamentava o resultado e que os vizinhos haviam escolhido mal. Depois, afirmou que não queria se indispor com o novo governo, mas que não cumprimentaria o eleito.

Para completar, o presidente avisou que não iria à posse e escalou para a função o ministro da Cidadania. Depois, mudou de ideia e disse que não mandaria ninguém. Só no fim, foi convencido a enviar Mourão.

Bolsonaro demorou a sorrir amarelo e adotar o pragmatismo necessário em situações como essa. O comportamento errático deve inaugurar uma relação de desconfiança com o novo governo vizinho.


Bruno Boghossian: Expectativa positiva cai, e Bolsonaro enfrenta país mais inquieto

Governo queima parte do crédito e passa a depender de efeito da recuperação econômica

Logo antes da posse, 65% dos brasileiros diziam que a gestão de Jair Bolsonaro seria ótima ou boa. O índice era o menor entre todos os presidentes desde a redemocratização, mas dava algum fôlego para o recém-eleito. Em pouco mais de 11 meses de mandato, o novo governo queimou parte desse crédito.

A última pesquisa Datafolha mostra que o índice de expectativas positivas em relação a Bolsonaro caiu para 43%. Isso significa que, de cada três eleitores que acreditavam que ele faria um governo ótimo ou bom, um mudou de ideia.

A população não tem bola de cristal, mas a deterioração indica que o presidente deve enfrentar um país mais inquieto nos próximos anos. Sua conduta irresponsável pode ter ajudado a consolidar uma base fiel e segurar um índice de aprovação de 30%, mas também contribuiu para a erodir a confiança em seu trabalho.

Dos entrevistados neste levantamento, 43% disseram que não creem nas declarações de Bolsonaro. Além disso, metade das pessoas ouvidas respondeu que ele não se comporta como um presidente deveria se comportar —na maioria das vezes ou em nenhuma situação.

O estilo presidencial atrapalha, mas é o menor dos problemas. A conversão das expectativas em aprovação ou reprovação a partir do ano que vem dependerá muito mais dos números da economia do que da quantidade de vídeos escatológicos postados nas redes sociais.

Entre as áreas de atuação do governo, o combate ao desemprego e a redução da miséria lideram a lista de avaliações negativas: 59% acham que Bolsonaro faz um trabalho ruim ou péssimo nesses setores.

A atividade econômica deve dar sinais melhores nos próximos anos, mas esse giro pode demorar a chegar ao emprego e à população mais pobre. O segmento de baixa renda, aliás, é o que mais reprova o governo.

Em 2019, Bolsonaro ainda conseguiu utilizar como desculpa a herança da gestão desastrada de Dilma Rousseff na economia. Em 2020, esse crédito pode se esgotar.


Bruno Boghossian: Bolsonaro paga o preço da antipolítica com juros e correção

Ampliação para R$ 3,8 bilhões amplia poder de caciques e reforça distorções

O cobertor anda curto, mas os parlamentares encontraram um jeito. O relator do Orçamento apertou os números e conseguiu aumentar para R$ 3,8 bilhões o valor proposto para o fundo de financiamento das eleições municipais do ano que vem. Para cumprir as regras fiscais, foi preciso tirar dinheiro de obras, da educação e até do programa que dá remédios para os mais pobres.

A ampliação da verba é tratada como prioridade por políticos de todos os lados. Do PT ao PSL, 13 partidos apoiaram a canalização de mais recursos para a eleição. Parlamentares e dirigentes dessas siglas alegam que o valor previsto antes, de R$ 2 bilhões, era pouco para custear a disputa em mais de 5.500 municípios.

Além de soar como desaforo num momento de crise econômica prolongada, a manobra dá fôlego exagerado a um modelo de financiamento de campanhas que é caro, desigual e ainda pouco transparente.

A decisão do Supremo que proibiu doações de pessoas jurídicas nas eleições reduziu a influência econômica das empresas na principal porta de entrada da atividade política, mas criou um problema óbvio, já que não havia alternativa inteligente para pagar a conta do processo.

O financiamento público é um caminho razoável, mas precisa de um debate profundo sobre redução dos custos das campanhas, regras de distribuição do dinheiro entre candidatos e modelos de prestação de contas. A fartura que os políticos concederam a si mesmos certamente não vai estimular essa discussão.

Os caciques partidários continuam concentrando o poder de decidir quem vai receber cada fatia do fundo eleitoral. Em geral, saem beneficiados políticos que já têm mandato, aliados e parentes, além dos próprios dirigentes. Aumentar o volume de dinheiro ainda vai reforçar as distorções da partilha.

As dificuldades de financiamento poderiam ser uma boa oportunidade para corrigir essas deformidades. Atirar mais dinheiro no problema pode ser fácil, mas não melhora a qualidade da democracia.


Bruno Boghossian: Ala do STF quer usar caso Coaf para impor limites a procuradores

Ordem de Toffoli instiga ministros que cobram relação mais rigorosa com investigadores

Flávio Bolsonaro se tornou coadjuvante. O julgamento do STF sobre o uso de relatórios do Coaf em investigações, na próxima quarta (20), serviria principalmente para testar a blindagem de que o filho do presidente dispõe no tribunal. Agora, o caso deve se tornar um novo capítulo da guerra cada vez mais tensa entre a corte e o Ministério Público.

As críticas feitas por procuradores à notícia de que Dias Toffoli havia requisitado dados bancários de quase 600 mil pessoas causaram mal-estar no tribunal. Magistrados passaram a defender que o caso seja explorado para estabelecer novos limites e inaugurar uma relação mais rigorosa com o Ministério Público.

O presidente do Supremo lançou um ataque desproporcional ao ordenar o envio do material a seu gabinete. Queria identificar abusos no compartilhamento de informações sigilosas entre o Coaf e a procuradoria, mas acabou deixando transparecer os excessos do próprio STF.

O estresse provocado pelo episódio levou as desavenças entre procuradores e ministros a um novo patamar, como apontou a coluna Painel. Alguns integrantes do Supremo afirmam, agora, que o tribunal deve aproveitar o julgamento do caso para antecipar recados que vêm sendo gestados há meses na corte.

Uma resposta seria o estabelecimento de uma linha severa para disciplinar o compartilhamento de informações com o Ministério Público. Procuradores dizem que essa medida prejudicaria as investigações, mas parte dos ministros do STF está convencida de que os relatórios do Coaf eram feitos sob encomenda, para burlar o sigilo bancário.

A irritação no tribunal também pode turbinar os anseios de uma ala da corte que pretende reprimir eventuais abusos praticados por órgãos de investigação. O STF, segundo um ministro, “só vai sossegar” quando todos os excessos forem punidos.

Nessa disputa, os limites aos poderes de cada instituição vão ficando para trás. Os próximos capítulos podem marcar a entrada dos dois lados num terreno de destruição mútua.


Bruno Boghossian: Bolsonaro recebe os primeiros pingos da tempestade do PSL

Laranjal fabrica grupo de oposição dentro de casa e cria risco para o presidente

Os deputados da comissão que discute mudanças na aposentadoria de militares ficaram confusos. Nesta terça (15), o PSL se posicionou contra uma proposta do governo e se aliou ao PSOL para tentar ampliar benefícios de patentes mais baixas. "Como discípulo de Bolsonaro, eu venho avisar que o PSL vai se manifestar dessa forma", ironizou o líder da sigla, Delegado Waldir.

O presidente começou a receber os pingos da tempestade provocada pelo escândalo do laranjal do PSL. A disputa pelo controle da máquina partidária, turbinada pelo próprio Bolsonaro, fabricou um grupo de oposição dentro de sua própria casa.

A operação realizada contra o presidente do partido de Bolsonaro, suspeito de desviar dinheiro de candidaturas femininas, aprofundou uma divisão que já parecia irreversível.

Em 24 horas, a Polícia Federal pôs de pé uma operação na casa do deputado Luciano Bivar. Aliados dele acreditam que a ação foi feita sob medida para alimentar o discurso de Bolsonaro contra a cúpula da sigla e abrir a porta para a debandada de deputados do PSL rumo a outro partido. A PF investiga esse caso há meses, mas só agora obteve autorização judicial para buscar documentos. A teoria foi suficiente, entretanto, para dar início a uma guerra.

Bolsonaro só não calculou as possíveis retaliações. Além da questão dos militares, o líder do PSL também se alinhou à esquerda na votação de uma medida que reorganizou a estrutura dos ministérios do governo.

O presidente enxerga no laranjal uma maneira de enfraquecer Bivar. Ele conhece bem, no entanto, o risco fabricado pela interseção entre esses casos e sua própria candidatura.

Os responsáveis pelo esquema em Minas guardavam uma planilha com gastos de campanhas que beneficiaram também a chapa presidencial. O próprio Bivar já disse à Folha, numa entrevista em fevereiro: "Qual era o objetivo da nossa campanha? Era o presidente da República. Então qualquer candidato que distribuísse o número 17, que foi o grande marketing nacional, seria importante".


Bruno Boghossian: O fundão eleitoral, o carguinho do filho e a república do miserê

Bolsonaro, o Congresso e outros órgãos se movem por interesses particulares

O procurador que chamou seu salário de R$ 24 mil de "miserê" poderia ser nomeado porta-voz de um grupo que está espalhado pela máquina pública. Sua desfaçatez representaria bem os partidos que tentaram engordar seus caixas em mais um ano de crise. Serviria também ao político que move montanhas para dar um cargo ao próprio filho.

Numa cultura de privilégios e cegueira deliberada, servidores, parlamentares, dirigentes partidários e o presidente da República tratam o Estado como patrimônio pessoal.

Um integrante do Ministério Público de Minas achou razoável fazer queixa de sua remuneração numa reunião do órgão. "Já estou baixando meu padrão de vida bruscamente, mas eu vou sobreviver", afirmou. Num lamento, ele disse que precisou reduzir seus gastos com cartão de crédito para R$ 8.000 por mês.

Certas autoridades costumam deixar de lado o pudor quando discutem seus interesses financeiros, mesmo quando as contas do governo estão na pindaíba. A manobra desastrada dos partidos para colocar até R$ 3,7 bilhões no fundo eleitoral e reduzir as regras de fiscalização desse dinheiro é uma face desse pouco-caso.

O país ainda não conseguiu elaborar uma maneira justa e responsável de financiar as campanhas depois que foram proibidas as doações empresariais. É inexplicável, porém, que o Congresso tenha trabalhado só para pegar mais recursos enquanto, na surdina, afrouxava as regras para a prestação de contas.

Mas a república do miserê não se manifesta só em busca de moedas no cofre. É a mesma força que impulsiona Jair Bolsonaro a colocar a Presidência a serviço do esforço para emplacar um filho na embaixada brasileira em Washington e a interferir em órgãos de investigação para proteger outro de seus rebentos.

Governantes que atuam em causa própria são uma tradição brasileira. Alguns podem tentar se esconder atrás da retórica da nova política e de reformas econômicas, mas dificilmente conseguirão disfarçar suas ambições particulares.


Bruno Boghossian: Humilhação pública do ministro da Educação respinga em Bolsonaro

Presidente dá poder a Olavo de Carvalho enquanto área sensível do governo fica parada

Jair Bolsonaro decidiu submeter mais um auxiliar a um espetáculo de humilhação. Nos últimos dias, ele drenou os poderes de Ricardo Vélez (Educação), forçou a demissão de pessoas de sua confiança e deixou o ministro pendurado no cargo como um morto-vivo. A campanha de degradação pública respinga no próprio presidente.

A crise começou quando Vélez resolveu demitir seguidores do ideólogo Olavo de Carvalho, responsável por sua indicação para a pasta. O padrinho não gostou e incitou um motim. Ele atacou militares e técnicos e, a certa altura, propôs que o ministro fosse posto para fora se não seguisse suas recomendações.

Bolsonaro interveio e acabou aniquilando Vélez. Primeiro, obrigou o ministro a demitir um assessor próximo que era criticado pelos olavistas. Depois, forçou a saída do número dois da pasta, alvo do mesmo grupo.

Na última semana, Bolsonaro disse que dera “carta branca” aos ministros para formar suas equipes, mas combinou que teria “poder de veto” sobre essas escolhas. Parece que, no caso da Educação, essa competência foi terceirizada para seu guru.

O presidente estendeu cordéis de marionetes entre prédios de Brasília e a casa de Olavo, na Virgínia (EUA). Publicações do ideólogo nas redes sociais se transformaram em portarias do Diário Oficial. Antes de derrubar inimigos no MEC, ele conseguiu que o Itamaraty demitisse um embaixador que o havia atacado.

Convencido de que Bolsonaro precisa destruir seus rivais e promover uma guerra cultural alucinada contra a esquerda, Olavo insiste que o presidente deve preservar o personagem desvairado da campanha eleitoral. Além de rejeitar qualquer moderação política, ele quer reduzir a influência dos militares no governo.

Enquanto a disputa de poder na Educação se desenrola, uma das áreas mais sensíveis do país fica paralisada. Uma compra de obras literárias aprovada no governo passado não foi realizada e um edital para livros do ensino médio, previsto para janeiro, ainda não foi publicado.