Bruno Boghossian

Bruno Boghossian: O olavismo pode atrapalhar as reformas da economia?

Ala populista e nacionalista do governo Bolsonaro pode entrar em conflito com ajustes

Ao tomar posse, Paulo Guedes descreveu o novo governo como “uma aliança entre conservadores nos costumes e liberais na economia”. Embora políticos de direita se apresentem como um cruzamento das duas espécies, o ministro diz estar diante de dois bichos diferentes.

O funcionamento dessa união será testado agora. A pauta de corte de despesas é tradicionalmente impopular porque mexe em investimentos do governo e benefícios como aposentadorias. De outro lado, a agenda conservadora tem apoio oscilante e pode consumir parte do capital político do presidente.

Uma coalizão é sempre um ajuste de interesses. Às vezes, um lado precisa ceder para abrir espaço para o outro. A aliança conservadores-liberais nem sempre será compatível.

No jantar oferecido ao ideólogo Olavo de Carvalho, o estrategista Steve Bannon disse que Guedes poderia atrapalhar o avanço de uma agenda nacionalista. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, Bannon perguntou se Olavo conseguiria influenciar o ministro. O brasileiro negou.

Olavo personifica os conservadores da aliança. Ele não ataca a cartilha liberal, mas prioriza a pauta dos costumes, defende o nacionalismo e criticou relações com a China.

Os principais atores políticos do governo Jair Bolsonaro soam mais como Olavo. Aliás, o próprio presidente, seu chefe da Casa Civil e deputados do PSL fizeram críticas recentes à reforma da Previdência.

Os conservadores precisam que a economia se recupere para ganhar fôlego e para aplicarem sua pauta de costumes. Eles também sabem, contudo, que ajustes amargos tendem a causar danos na face populista do governo. O olavismo pode entrar em conflito com a agenda de reformas.

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A Polícia Federal negou o pedido de Lula para participar do sepultamento do irmão. Antes, o vice Hamilton Mourão dissera que a liberação era “uma questão humanitária”. Além de corrigir erros do presidente, o general acerta mais do que o delegado.


Bruno Boghossian: Maduro se agarra ao papo furado da conspiração global contra regime

Brasil ganha pontos na crise venezuelana se deixar de imitar Trump em tudo

Às vésperas das eleições de 2002 na Bolívia, o embaixador americano em La Paz pediu à população que votasse em qualquer candidato menos Evo Morales. O esquerdista era o quarto colocado nas pesquisas, com 11%. Após a declaração, saltou para 21% e ficou em segundo lugar.

No início do milênio, o sentimento antiamericano ainda fazia sucesso na região. Morales não se elegeu, mas o empurrãozinho do diplomata ajudou sua carreira política.

Nicolás Maduro agora tenta se segurar no poder na Venezuela com fiapos desse mesmo simbolismo, já ultrapassado. Depois que EUA, Brasil e outros se uniram para reconhecer um novo governo no país, ele tenta convencer o povo de que é vítima de uma conspiração internacional.

A ladainha é tão furada quanto os buracos que o regime autoritário deixou na economia e na democracia. Embora os americanos tenham adotado uma retórica ofensiva (seguida de maneira tola pelos brasileiros), os manifestantes que tomaram as ruas do país nesta quarta (23) não receberam Big Macs da Casa Branca para pedir a derrubada de Maduro.

O movimento internacional contra o regime ajudou a alimentar os protestos porque deu respaldo a Juan Guaidó, que se declarou empossado na Presidência. Maduro perdeu força, mas lançou um contragolpe para testar os limites da retórica antiamericana e do apelo à soberania.

O ditador tenta tirar proveito de sua promoção ao status de vilão internacional. Ao transformar a luta pelo poder em matéria global, Maduro se agarra a um discurso que soa bem entre militares e nacionalistas. O palavrório não neutraliza, é claro, a deterioração da economia e das instituições democráticas.

A crise deve se aprofundar. A ação estrangeira e a previsível reação de Maduro bloqueiam os já escassos caminhos para uma solução negociada. Trump disse que não descarta uma intervenção militar no país, mas os generais brasileiros se apressaram em rejeitar o plano. O Brasil pode ganhar pontos se desistir da ideia de imitar Washington em tudo.

*Bruno Boghossian é jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).


Bruno Boghossian: Guerra ideológica de Bolsonaro incomoda até políticos conservadores

Não foram poucas as ocasiões em que Jair Bolsonaro disse que "a questão ideológica é tão ou mais grave que a corrupção". Parecia um exagero retórico para alimentar o antipetismo que o empurrou para a vitória nas urnas. Passada a campanha, aliados do presidente eleito ainda levam a máxima ao pé da letra.

Eduardo Bolsonaro acha razoável prender até 100 mil pessoas ligadas a movimentos sociais. Defende substituições em massa no corpo diplomático para se livrar do "marxismo" do Itamaraty. Também considera importante aprovar uma lei que torne crime o comunismo.

O tom que o filho do presidente eleito adotou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo incomodou até políticos conservadores. Dirigentes de partidos dispostos a apoiar as pautas do próximo governo temem que a equipe de Bolsonaro perca tempo e gaste energia à toa com sua guerra ideológica.

Embora a agenda de direita tenha aderência no Congresso que tomará posse em 2019, as tintas usadas por personagens como Eduardo costumam aborrecer potenciais aliados.

Para esses caciques, a eleição de Bolsonaro é uma oportunidade para aprovar a redução da maioridade penal e a flexibilização da posse de armas, por exemplo. Levar para a cadeia quem usa boné do MST, jogar o PC do B na ilegalidade e caçar embaixadores prestigiados está longe de ser uma prioridade.

O principal receio é que a overdose conservadora atrapalhe as articulações em torno da pauta econômica. Bolsonaro encontrará um Congresso menos refratário ao corte de despesas e à reforma da Previdência. Ruídos em outras áreas podem criar um congestionamento indesejado.

Líderes partidários dizem que a cruzada de Eduardo e companhia é só marketing, mas ele parece disposto a tentar vender seu produto. "Um dos papéis dos parlamentares é [...] usar sua posição de destaque, de ser um representante de parcela da sociedade, para falar dos perigos do comunismo. Assim como falo do câncer de próstata", declarou.