Bruno Boghossian
Bruno Boghossian: Na crise do coronavírus, Bolsonaro será mais Bolsonaro do que nunca
Presidente deve dobrar aposta em comportamento conflituoso na política e na economia
O Jair Bolsonaro que surgiu de máscara nas redes não é diferente daquele que se instalou no Palácio do Planalto há pouco mais de um ano. Suas últimas reações à crise do coronavírus mostram que o presidente está disposto a dobrar a aposta num comportamento conflituoso na política e na economia.
Apesar de ter recomendado o adiamento dos protestos deste domingo (15), Bolsonaro sai da novela das manifestações cada vez mais inclinado a fazer um chamado às ruas quando quiser pressionar o Congresso.
Durante sua última transmissão ao vivo nas redes, o presidente indicou que pretende guardar esse megafone no coldre. Ele disse que a mera convocação dos protestos já foi “um tremendo recado ao Parlamento” e que uma nova manifestação poderá ser feita em “um ou dois meses”.
Embora integrantes do governo recomendem uma postura de pacificação para enfrentar os efeitos do vírus, o presidente continua apontando em sentido contrário. Na quinta (12), Bolsonaro usou a cadeia nacional de TV para fazer uma ameaça velada aos congressistas. No pronunciamento, ele avisou que “as motivações da vontade popular continuam vivas e inabaláveis”.
Líderes políticos acreditam que o presidente deve recorrer cada vez mais ao enfrentamento e à radicalização, especialmente diante das turbulências provocadas pelo coronavírus na economia. Com a expectativa de recuperação em xeque, Bolsonaro precisará animar seus apoiadores com outros confetes.
Esse cenário também deve ampliar a tentação do Planalto em se desviar do ajuste das contas públicas e abraçar medidas populistas. Quando a cotação do petróleo despencou no início da semana, o presidente se mostrou mais sensível à variação de centavos no preço da gasolina do que aos bilhões que o governo deixará de arrecadar em royalties.
Os próximos tempos poderão ser um teste definitivo para a cartilha liberal de Paulo Guedes. Tudo indica que, daqui por diante, Bolsonaro será mais Bolsonaro do que nunca.
Bruno Boghossian: Bolsonaro fabricou crise de liderança e confiança com coronavírus
Presidente conduziu país por caminho perigoso ao sustentar discurso da 'fantasia'
Foi preciso que o vírus entrasse no Palácio do Planalto para que o presidente suspendesse sua anticampanha de saúde pública. Dias depois de dizer que a proliferação da covid-19 era fantasia, Jair Bolsonaro apareceu de máscara nas redes e sugeriu adiar os protestos a favor do governo marcados para domingo.
O presidente conduziu o país por caminhos perigosos no início da semana. Sustentou um discurso que desdenhava dos riscos e só corrigiu a rota depois que um assessor recebeu resultado positivo de teste para o vírus. Bolsonaro pode ter evitado prejuízos maiores, mas já fabricou uma crise de liderança e confiança.
Enquanto o mundo entrava em parafuso diante da pandemia e os mercados derretiam, ele fracassou em dar o devido senso de urgência ao combate ao vírus no Brasil. Sustentou, ao contrário, que a covid-19 não era "isso tudo que a grande mídia propaga" e repetia que "outras gripes mataram mais do que essa".
A atitude irresponsável pode ter desestimulado a prevenção de muita gente. Governantes, afinal, têm influência sobre o comportamento de seus apoiadores. Depois que Donald Trump menosprezou a crise do coronavírus, uma pesquisa Reuters/Ipsos mostrou que a proporção de democratas que consideravam a covid-19 uma ameaça era o dobro do percentual registrado entre republicanos.
No governo brasileiro, a negligência se alastrou. O secretário de Comunicação exibiu sintomas da doença e fez piada quando a notícia foi divulgada. Expôs o próprio presidente da República ao risco antes de receber o diagnóstico positivo. Nesse tempo, faltaram planos concretos para reagir à pandemia.
Bolsonaro expôs mais uma grande fragilidade diante de um episódio que exigia uma liderança firme. O presidente se mostrou incapaz de comandar respostas céleres a um problema claramente grave.
Acostumado a enfrentar inimigos imaginários, Bolsonaro fraquejou diante de uma crise real. O novo vexame deve alimentar ainda mais desconfianças em relação ao governo.
Bruno Boghossian: Aliança entre Congresso e equipe econômica era só ilusão
Com retaliação de R$ 20 bi, parlamentares podem virar sócios do governo na crise
Durou pouco mais de um ano a ilusão de que o Congresso havia jurado amor eterno à agenda de aperto nas contas públicas. Em mais um momento tenso nas relações com o Planalto, os parlamentares decidiram espetar no governo um gasto extra de R$ 20 bilhões por ano para ampliar o benefício pago a deficientes e idosos muito pobres.
A derrubada do veto de Jair Bolsonaro a esse dispositivo é mais uma prova de que nenhuma aliança funciona no piloto automático. No primeiro ano de mandato, deputados e senadores firmaram uma parceria com a equipe econômica e driblaram a tentação de criar despesas exageradas para os cofres do governo.
O vento virou quando o presidente passou a guerrear de frente com o Legislativo. As convocações para o protesto do dia 15 e a intimidação aos parlamentares no debate sobre o controle do Orçamento, somadas às recentes caneladas do ministro Paulo Guedes, implodiram o acordo.
O recado do Congresso veio numa fórmula conhecida e irresponsável: a aprovação de uma medida com apelo social e grande impacto fiscal. Os parlamentares decidiram que o chamado BPC também deve atender a famílias que recebem até meio salário mínimo —não apenas àquelas que ganham menos de 25%.
A expansão da rede de proteção social é uma pauta legítima, mas congressistas costumam exercer autocontenção em momentos de aperto. Quando a penúria vem acompanhada de uma crise política, essa agenda se torna uma ferramenta de retaliação inconsequente, mas poderosa.
A derrota do governo pode desmantelar também o consórcio entre Guedes e Rodrigo Maia. Políticos e investidores apontavam o enlace como a salvação da agenda econômica diante da baderna produzida pelo presidente. Agora, o presidente da Câmara não quis ou não conseguiu frear o caminhão desgovernado.
Bolsonaro certamente posará de vítima e dirá que os parlamentares querem implodir as contas do país. O Congresso corre o risco de virar sócio do governo na crise econômica.
Bruno Boghossian: Bolsonaro investe no tumulto e cultiva clima de ruptura
Com suspeita sem provas sobre eleição, presidente tenta reforçar sua aposta no caos
Em momentos de tensão, Jair Bolsonaro gosta de investir no tumulto. O presidente aproveitou o caos que se desenha na economia para lançar novas suspeitas sem provas sobre o resultado das eleições e ampliar sua carga de intimidação sobre o Congresso. De quebra, desdenhou do coronavírus e levantou hipóteses de traição dentro do Planalto.
O pacote é mais do que um lance de diversionismo. Ele cumpre o papel de desviar atenções e mascarar o fato de que o governo não tem um plano para conter os riscos para a economia, mas o objetivo principal de Bolsonaro é alimentar a desordem e cultivar um ambiente cada vez mais favorável a rupturas.
O presidente não explicou como pretendia reagir ao derretimento das Bolsas em seu encontro com brasileiros em Miami, na segunda (9). Preferiu fabricar mais um elemento de incerteza ao fazer um novo ataque à lisura das últimas eleições.
Um ano depois de assumir o poder, ele se queixou de ter sido alvo de uma falcatrua que teria impedido sua eleição em primeiro turno. “No meu entender, teve fraude”, afirmou.
O TSE rebateu Bolsonaro e repetiu que as urnas são seguras. O presidente alegou ter provas, mas não exibiu nenhuma evidência. Seu propósito, afinal, é apenas lançar dúvidas para produzir um clima permanente de desequilíbrio.
No dia em que a Bolsa despencou 12%, o presidente só observou o pânico. Disse que as preocupações com o coronavírus eram exageradas e, na manhã seguinte, deu de ombros: “Isso acontece esporadicamente”.
Em vez de apontar para águas mais tranquilas, Bolsonaro faz questão de agitar o barco. Trabalha para ampliar as tensões com o Congresso e desfazer a negociação que ele mesmo assinou para partilhar o controle do Orçamento. Inventou ainda uma conspiração grave ao dizer que o acordo foi uma rasteira de seus auxiliares.
A conduta irresponsável não é acidental. Este é o governo que torceu por uma onda de protestos para reagir com medidas de exceção, como o AI-5. A instabilidade seria uma desculpa para ampliar seus poderes.
Bruno Boghossian: Governo culpa pessimistas para disfarçar pibinho e erros na economia
Bolsonaro e sua equipe reeditam as cassandras de FHC e o Pessimildo de Dilma
O governo decidiu encarar as dificuldades da economia como uma mera briga de arquibancadas. Depois que o PIB registrou um crescimento frustrante em 2019, a equipe de Jair Bolsonaro deformou os números para dizer que tudo vai bem. Os dados ruins seriam só “mentiras de quem torce contra o Brasil”.
Quando governantes trombam com sinais negativos e tentam convencer a população de que a culpa é dos pessimistas, é sinal de que já existem engrenagens girando em falso.
Confrontado com os sintomas de uma crise econômica no fim de 1998, Fernando Henrique Cardoso reclamava das cassandras, em referência à personagem da mitologia grega conhecida por suas previsões negativas. Nos meses seguintes, o país registrou crescimento de menos de 0,5% e a cotação do dólar disparou.
A tática é útil sobretudo para políticos que querem esconder seus erros. Em 2014, a campanha de Dilma Rousseff criou um personagem ranzinza para zombar de rivais que apontavam para o colapso econômico que se desenhava. O Pessimildo foi um fiasco na propaganda eleitoral, mas a petista se reelegeu e colheu os efeitos de suas barbeiragens.
Bolsonaro também procura um culpado para fingir que trata a economia como coisa séria. Depois de fazer piada, o presidente afirmou que o problema está nas manchetes dos jornais. “O pibinho, pibinho, não sei o quê. Se a imprensa produzisse verdade, o Brasil estaria muito melhor, com toda a certeza”, declarou.
O ministro da Economia seguiu o chefe e pôs a desvalorização do real na conta de repórteres inquietos. “Se vocês estiverem menos nervosos daqui a um mês, quem sabe o dólar acalma. Eu estou absolutamente tranquilo”, disse Paulo Guedes.
Mesmo os alertas lançados pela própria equipe econômica são tratados como catastrofismo ou excesso de ansiedade. O secretário do Tesouro afirmou que um crescimento de 1% ao ano “não é normal” e foi ironizado por Guedes. Aqui, o governo passou da tentativa de enganar os outros para a fase do autoengano.
Bruno Boghossian: Lula ainda se recusa a condenar abusos do regime de Maduro
Petista se distancia de líderes de esquerda que criticaram o ditador venezuelano
Lula soltou um "peraí" quando lhe perguntaram se Nicolás Maduro era um democrata. Numa entrevista há duas semanas, o petista se negou a comentar os atos de repressão registrados no país vizinho. Disse apenas que o venezuelano foi eleito democraticamente e que agiu de modo democrático por não ter prendido seu principal opositor.
A hesitação indica que o ex-presidente continua amarrado às velhas alianças ideológicas da região. Lula não chama Maduro de democrata, mas se recusa a condenar os abusos do regime e a encarar o autoritarismo com o devido repúdio.
Nove anos após deixar o poder, o petista se distancia de líderes de esquerda que fizeram críticas categóricas ao governo venezuelano. O uruguaio José Mujica já declarou que ali opera uma ditadura. A chilena Michelle Bachelet liderou a produção de relatórios da ONU sobre a violação de direitos humanos na Venezuela.
Lula se esquivou de fazer algo semelhante ao menos duas vezes na entrevista publicada pelo UOL. Quando os repórteres quiseram saber se ele considerava Maduro um democrata, o petista afirmou que o venezuelano vencera eleições, mas deixou de apontar que o regime limita a atuação de opositores no país.
Numa solidariedade cega ao chavismo, o ex-presidente fugiu pela tangente outra vez com uma crítica ao embargo comercial à Venezuela liderado pelos EUA. "Não dá para a gente fazer crítica ao Maduro e não fazer crítica ao bloqueio", disse. Ele poderia ter atacado ambos, mas preferiu ficar só com o segundo item.
A titubeação diante de uma ditadura de esquerda cobre o petista de um mofo antidemocrático. O comportamento deteriora o debate público num momento em que a oposição denuncia os avanços autoritários de Jair Bolsonaro no Brasil.
Quando ocupava o Planalto e viajava para se reunir com ditadores, Lula dizia que não se podia ter preconceito com líderes de outros países. Na Venezuela, o tempo dos prejulgamentos já passou, mas o petista ainda prefere ignorar os fatos.
Bruno Boghossian: Com economia fraca, Bolsonaro inventa distração do circo sem pão
Ao se esconder atrás de imitador, presidente cria retrato vergonhoso de si mesmo
Era para ser uma sátira, mas foi uma representação fiel da realidade. No dia em que o país registrou um crescimento frustrante do PIB, Jair Bolsonaro apareceu ao lado de um humorista que encarnava um presidente que não dá a mínima para a economia e não sabe nem o significado daquelas três letras.
"PIB? O que que é PIB? Pergunta o que que é PIB", recomendou Bolsonaro ao piadista Márvio Lúcio, vestido com a faixa presidencial.
Quem esperava do verdadeiro governante um plano para o crescimento precisou se contentar com mais uma encenação indecente. Bolsonaro pôs um imitador diante das câmeras e o estimulou a se comportar como um pateta malcriado. Depois que o presidente se recusou a falar sobre os apertos da economia, o comediante atirou bananas aos jornalistas.
Além de levar a um novo patamar de insulto suas afrontas à imprensa, Bolsonaro criou um retrato vergonhoso de si mesmo e do governo. A cena revelou um presidente sem capacidade de liderança sobre um tema delicado, disposto a apelar para distrações cada vez mais infantis.
A caricatura tosca feita na porta do Palácio da Alvorada era tão verossímil que repetia o nome de Paulo Guedes para fugir de explicações sobre o crescimento. O ministro, no entanto, corre o risco de se tornar uma boia de salvação esvaziada, demonstrando a auxiliares desconforto com as dificuldades impostas pelo presidente à sua agenda de reformas.
Bolsonaro só quis falar dos números do PIB no fim do dia. Disse apenas que a recuperação estava em curso e que esperava um 2020 melhor.
Ao se recusar a prestar contas sobre assuntos difíceis, um governante também desrespeita aqueles que precisam de solução. A brincadeira de Bolsonaro pode ser encarada como um desrespeito às milhões de pessoas que procuram emprego ou veem suas rendas corroídas há anos.
O humor da população é especialmente sensível ao giro da economia. Sem sinal da prometida recuperação milagrosa, o presidente tenta oferecer um espetáculo de circo sem pão.
Bruno Boghossian: Impasse do Orçamento mostra limitação das bravatas de Bolsonaro
Acordo recauchutado revela fragilidades tanto do governo quanto do Congresso
Governo e Congresso sacaram suas armas, mas ninguém quis atirar agora. A proposta recauchutada de divisão do Orçamento mostrou as limitações da política exercida com base na bravata e revelou fragilidades dos dois lados.
Há cerca de 20 dias, o Planalto costurava os detalhes de um acordo com os parlamentares para rachar R$ 30 bilhões que estavam em disputa nas contas deste ano. No meio do caminho, o general Augusto Heleno implodiu as conversas e acusou o Legislativo de chantagem. Ou não havia extorsão nenhuma ou o governo decidiu negociar com os vigaristas.
A nova oferta feita por Jair Bolsonaro nesta terça (3) aos deputados e senadores para tentar encerrar a tensão entre os dois Poderes tem efeito semelhante à que havia sido feita antes do embate —R$ 15 bilhões para cada lado. O presidente deu aval, na prática, à mesma proposta que o levou a emparedar o Congresso.
Coalhado de intimidações, o vaivém no processo de negociação abala, em certa medida, a estratégia de Bolsonaro de governar pelo medo. O presidente ameaçou apelar às ruas para obrigar o Congresso a seguir seus desejos e devolver a verba, mas acabou precisando recuar.
A situação é tão delicada que Bolsonaro decidiu negar a realidade para acalmar seus apoiadores. Nas redes, o presidente afirmou que não houve negociação com o Congresso, embora sua assinatura esteja nos projetos que podem dar origem à partilha.
O episódio mostra que nenhum ator teve força suficiente para impor a própria vontade. A Câmara chegou a indicar que atropelaria as negociações e manteria o controle sobre todo o dinheiro. Um grupo de senadores considerado mais sensível às demandas das ruas e das redes sociais bloqueou o contragolpe.
Diante da tensão das últimas semanas, o resultado em construção não é necessariamente ruim para Bolsonaro. Ele agitou mais uma vez sua base, ainda que tenha sido empurrado para uma solução intermediária. O Congresso sabe, porém, que este não foi o último duelo.
Bruno Boghossian: Ações de Moro em defesa de Bolsonaro cumprem função política
Declarações e inquéritos pedidos por ministro são tentativas de constranger críticos
Em seus primeiros dias no cargo, Sergio Moro disse que não cabia ao ministro da Justiça agir como advogado de integrantes do governo. A ideia era fustigar seus antecessores e, principalmente, fugir de perguntas incômodas sobre os gabinetes da família presidencial ou sobre o laranjal da sigla de Jair Bolsonaro.
O ex-juiz se livrou de alguns desses abacaxis, mas começou a se sentir mais confortável no papel de defensor do chefe. A mudança de comportamento coincidiu com o aumento das tensões entre Moro e Bolsonaro. Aos poucos, o ministro multiplicou declarações públicas para afastar suspeitas contra o presidente e propôs investigações para protegê-lo.
Em outubro do ano passado, Moro mudou de ideia sobre o silêncio prometido no início do governo e defendeu o presidente quando a Folha publicou planilhas que sugeriam que parte do dinheiro de candidaturas laranjas do PSL havia beneficiado a campanha de Bolsonaro.
No mesmo mês, o ministro pediu que a Polícia Federal investigasse o porteiro que disse, num depoimento desmentido meses depois, que um dos suspeitos de assassinar Marielle Franco havia ido à casa de Bolsonaro. A investigação era da Polícia Civil do Rio, mas o ex-juiz alegou que havia ofensa à honra do presidente.
Essa ferramenta começou a ser usada com mais frequência. O Código Penal diz, aliás, que cabe mesmo ao ministro da Justiça requerer ações em casos do tipo. Moro exerce essa competência com distinção —e função predominantemente política.
O ministro já pediu uma investigação contra Lula pelo discurso em que o petista ligou Bolsonaro a milícias. Depois, sua pasta solicitou inquérito sobre um festival punk cujo cartaz exibia o presidente esfaqueado na cabeça. O Facada Fest tem esse nome desde 2017 (antes, portanto, do atentado na campanha eleitoral).
A ilustração pode ser considerada ofensiva, ainda que não carregue uma ameaça objetiva. Os dois casos, no entanto, são interpretados facilmente como tentativas de constranger críticos e rivais de Bolsonaro.
Bruno Boghossian: Empresários pegam carona em ataques do bolsonarismo ao Congresso
Homens de negócios pensam nos próprios cofres e tentam agradar o governo
Quando o governo decidiu lançar uma campanha para impulsionar o comércio no Sete de Setembro, alguns empresários pegaram carona na patriotada. Queriam aproveitar a propaganda oficial e, de quebra, ficar bem na fita com o Planalto. Agora, uma parte dessa turma enxerga uma nova oportunidade.
Investidores e donos de cadeias de varejo indicaram que pretendem colocar dinheiro na distribuição de mensagens contra o Congresso e na organização de protestos contra os parlamentares, a favor de Jair Bolsonaro. Muitos deles, é claro, estão pensando nos próprios cofres.
O chefe de uma rede de academias sugeriu bancar a divulgação de vídeos com ataques ao presidente da Câmara, um dos principais alvos das manifestações de 15 de março. A colunista Mônica Bergamo contou que Edgard Corona enviou a ideia a um grupo de empresários governistas.
As gravações não fazem uma convocação direta para os protestos, mas os homens de negócios parecem dispostos a pegar carona no mau humor com o Parlamento estimulado pelos bolsonaristas. O grupo quer, na verdade, travar a reforma tributária em discussão na Câmara.
Os empresários desse grupo defendem o corte de impostos sobre a folha de pagamentos e sua substituição por um tributo semelhante à CPMF —algo que Maia descarta. "Parte da elite empresarial quer que o povo pague a conta da redução do custo de contratação de mão de obra. É uma tese inacreditável. O povo paga a conta para desonerar a folha", respondeu Maia à coluna.
Em geral, donos do dinheiro gostam de agradar os donos do poder. O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, chegou a ver o financiamento de suas entidades ameaçadas pela faca de Paulo Guedes. Depois, encampou a criação do novo partido de Bolsonaro.
Outros movimentos são mais abertos. Um investidor, por exemplo, prometeu custear carros de som para os protestos contra o Congresso e o STF, conforme mostrou a jornalista Vera Magalhães. Negócios, negócios, democracia à parte.
Bruno Boghossian: Bolsonaro faz lances ostensivos para driblar os limites do poder
Intimidar Congresso para aprovar medidas integra o terreno do autoritarismo
Um governante que passa o mandato fomentando conflitos com outras instituições não está simplesmente inconformado com as adversidades da política. Os movimentos de Jair Bolsonaro nesse sentido são lances cada vez mais ostensivos para driblar controles democráticos e tentar expandir seus poderes.
Em mensagens disparadas para aliados desde o fim de semana, o presidente endossou, na prática, os protestos contra o Congresso e o STF marcados para o próximo dia 15. Manifestações contra esses órgãos fazem parte do jogo. Avalizadas pelo chefe do Executivo, porém, elas se tornam ferramentas de intimidação.
Bolsonaro jamais escondeu que gostaria de arrasar a estrutura institucional que limita seu poder e fiscaliza sua atuação. Um protesto não é suficiente para romper essas amarras, mas contribui com seu esforço para reduzir a legitimidade das decisões do Legislativo e do Judiciário.
O Congresso e o STF funcionam segundo as regras que Bolsonaro aceitou seguir desde o início de sua longa carreira política. Agora na Presidência, ele finge surpresa com a democracia e percebe que suas vontades nem sempre serão atendidas.
A divisão de Poderes existe para permitir que abusos cometidos de um lado da praça sejam corrigidos de outro —ainda que pareçam respaldados por algum apoio popular. Como Bolsonaro está mais propenso a cometê-los do que a corrigi-los, seu desejo é apagar essas limitações.
Numa reação forte, Celso de Mello lembrou que o presidente pode muito, “mas não pode tudo”. Para o decano do STF, Bolsonaro “desconhece o valor da ordem constitucional” e exibe um “ominoso desapreço” pelo princípio democrático.
As manifestações insufladas pelo governo supõem que a força de Bolsonaro se sobrepõe ao poder de um Parlamento eleito na mesma votação que o lançou ao Planalto. O presidente pode até se indignar quando congressistas frustram seus planos. Se decide emparedá-los para que virem meros carimbadores, chega-se ao terreno do autoritarismo.
Bruno Boghossian: Bolsonaros já disseram o suficiente para atestar elo com miliciano
As questões que a família insiste em não responder reforçam essas e outras suspeitas
O advogado de Flávio Bolsonaro se irritou com as insinuações de que seu cliente mantinha relação de amizade com Adriano da Nóbrega, suspeito de chefiar a maior milícia do Rio e morto há duas semanas. “Não são amigos, nunca foram amigos, nunca saíram, nunca jogaram futebol”, disse Frederick Wassef.
Como não existe debate sobre a escalação do time de pelada do senador, tudo leva a crer que o doutor tenta pegar carona na confusão. A família Bolsonaro e seus aliados já disseram o suficiente para atestar seu elo com Adriano. As questões que eles insistem em não responder reforçam essas e outras suspeitas.
O defensor de Flávio fez questão de rechaçar o tal “status de amigo” depois que um vereador carioca contou que o filho do presidente visitou Adriano, então capitão da PM do Rio, mais de uma vez quando ele esteve preso, entre 2004 e 2006. Wassef afirmou que o cliente visitava diversos policiais nessas mesmas condições.
O esclarecimento seria muito conveniente se alguém desconfiasse apenas da ligação entre os Bolsonaros e um indivíduo específico. A versão da defesa sugere, na verdade, que a família servia de rede de apoio a diversos policiais suspeitos de praticar atividades criminosas.
Ao entrar mais uma vez no circuito, o presidente também não ajudou. Para proteger o filho, Jair disse que foi ele quem mandou Flávio homenagear Adriano quando o então policial estava detido, em 2005. O socorro foi inútil, já que nunca houve dúvidas de que o patriarca comanda a operação política de toda a família.
Até onde se sabe, aliás, foi Jair quem colocou o ex-policial Fabrício Queiroz para trabalhar para Flávio na Assembleia do Rio. Ele é suspeito de comandar a rachadinha no gabinete do então deputado estadual e de contratar a mãe e a ex-mulher de Adriano como funcionárias.
Ninguém explica como as duas continuaram lotadas ali até 2018, nem por que parte de seus salários passou por contas de Adriano antes de chegar às mãos de Queiroz. Algumas coisas nem precisam ser ditas.