arthur lira
Ricardo Noblat: Lira ganha batalha do Orçamento, Pacheco perde a da CPI
Governo Bolsonaro compra brigas em muitas frentes
De tanto esticar a corda e bater o pé, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, ganhou a batalha do Orçamento da União para este ano, entregando aos colegas o que havia prometido – bilhões de reais para o pagamento de emendas parlamentares e a construção de obras em seus redutos eleitorais.
Na outra parte do prédio do Congresso onde repousa a cúpula emborcada do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente da Casa, celebra uma vitória de pirro – o adiamento por mais uma semana da instalação da CPI da Covid-19, que ele fez tudo para boicotar, e o governo Bolsonaro também.
Pacheco e o governo tinham motivos diferentes para não querer a CPI. Para o governo, a exposição dos seus muitos erros no combate à pandemia só lhe fará mal em um ano em que ele só colherá más notícias. Para Pacheco, a CPI o retira por 90 dias ou mais do centro do palco da política nacional, e isso doeria em qualquer um.
O eclipse mesmo que temporário será um tremendo incômodo para Pacheco, logo no momento em que seu nome começa a circular em rodas de partidos como uma boa aposta para disputar a eleição presidencial do próximo ano. Pacheco nega que será candidato. Mas nem Lula admite ainda que será.
Só obrigado pelo Supremo Tribunal Federal foi que Pacheco concordou com a criação da CPI. Pensava mais em si, no seu protagonismo ameaçado do que em simplesmente em ajudar ao governo. A esse faltou coordenação política para evitá-la. É o que sempre lhe falta. Amargará tristes meses pela frente.
Quanto mais Pacheco e o governo retardem a instalação da CPI, quanto mais o governo mobilizar seus devotos para atacá-la nas redes sociais, mais despertará a atenção em torno do que será descoberto por lá ou confirmado. O governo não teve força sequer para emplacar aliados na presidência ou na relatoria da CPI.
O presidente será o senador Omar Aziz (PSD-AM), tido como um político independente. Mesmo que não seja tão independente assim, ele representa o Estado que mais sofreu até aqui com a pandemia e aspira a governá-lo outra vez a partir de 2022. Pessoas morreram asfixiadas por falta de oxigênio no Amazonas.
Renan Calheiros (MDB-AL) será o relator, cargo tão ou mais importante do que o do presidente. Os bolsonaristas têm poupado Aziz e batido duro em Renan. A trajetória política de Renan mostra que quanto mais ele apanha, mais resiste à pancadaria e cresce. É cascudo, como se diz, e ai de quem duvidar.
O governo compra brigas em muitas frentes ao mesmo tempo. Quer mudar, por exemplo, a composição do Tribunal de Contas da União que lhe é desfavorável. Acenou para o ministro Raimundo Carreiro com uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal. O ex-presidente José Sarney convenceu-o a não aceitar.
Sarney é do MDB de Renan. Ou melhor: Renan é do MDB de Sarney. Os dois fazem oposição a Bolsonaro e cultivam boas relações com Lula. O MDB irá de Lula se ele for candidato à vaga de Bolsonaro, ou irá com um candidato que o centro direita ainda não tem. Mas com Bolsonaro não haverá negócio.
Os Evangelhos, segundo Jair Messsias Bolsonaro
O pregador dos jardins do Palácio da Alvorada
A Bíblia não é o forte de Jair Bolsonaro. De resto, quase nada é o forte de quem nunca leu um livro. Talvez por isso, Bolsonaro enrolou-se ao citar a Bíblia em uma das pregações diárias que faz aos seus devotos nos jardins do Palácio da Alvorada.
Dessa vez, entre os devotos, havia um pastor evangélico e um padre da Igreja Católica que na ocasião rezou por ele e o abençoou. Os dois foram depois embora sem entender o que o presidente quis dizer quando a certa altura de sua pregação afirmou:
– Tem uma passagem bíblica quando Jesus dividiu o pão. Depois ele deu uma desaparecidinha, né?. Daí o povo foi atrás. Foi atrás para quê? Para mais benefícios pessoais. Fizeram a ligação com o PT dando bolsa isso, bolsa aquilo? É o ser humano que tá aí.
Se consultasse pelo menos a Wikipédia antes de falar, Bolsonaro ficaria sabendo que “A divisão dos pães e peixes” é o termo utilizado nos Evangelhos para referir-se a dois milagres de Jesus. No primeiro, ele teria alimentado 5 mil pessoas, no segundo 4 mil.
Não há relato de uma “desaparecidinha” depois dos milagres. Quanto a irem atrás de Jesus, as pessoas buscavam conforto espiritual e ensinamentos de um profeta que se dizia filho de Deus, não “benefícios pessoais” como pão e peixe de graça.
Daí porque ficou difícil para os que escutaram Bolsonaro fazer qualquer ligação com programas do tipo Bolsa Família, do PT. Quanto ao que ele disse sobre “é o ser humano que tá aí”, desmereceu os mais pobres que carecem de ajuda para sobreviver.
Dos pobres, Bolsonaro quer votos, apertos de mão, fotos e distância segura.
Merval Pereira: LSN, incompatível com a democracia
Assim como chegou a vez de extinguir a Lei de Imprensa promulgada na ditadura militar, graças à ação, em 2009, do então deputado federal Miro Teixeira, jornalista e advogado, parece ter chegado ao fim a vigência da famigerada Lei de Segurança Nacional.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, quer colocar em votação um pedido de urgência para a análise de um projeto de lei que revisa integralmente a LSN. As mesmas razões se impõem hoje. Conforme argumentou na ocasião Miro Teixeira, a Lei de Imprensa imposta pela ditadura militar continha dispositivos incompatíveis com o Estado de Direito inaugurado com a Constituição de 1988, como a prisão de jornalistas condenados por calúnia, injúria e difamação.
Com sua revogação, as questões envolvendo notícias ou comentários têm nos Códigos Civil e Penal sua resolução. Também a Lei de Segurança Nacional (LSN) tem servido de base para diversas ações do atual governo contra seus opositores, jornalistas e cidadãos em geral. Dados oficiais mostram que, nos últimos 18 meses, foram abertos 41 inquéritos com base na LSN, mais do que em qualquer período dos últimos 20 anos, quando foi usada 155 vezes.
O artigo 26, que considera crime “caluniar o Presidente da República, o do Senado federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”, é o mais usado para coagir os críticos do governo. O projeto de lei na Câmara pretende alterá-lo para considerar crime apenas atentados contra a integridade física de autoridades, cuja pena pode chegar a 30 anos em caso de morte.
Uma dificuldade, ou um constrangimento, para que o Supremo Tribunal Federal (STF) reveja a LSN é que ele a vem utilizando em inquéritos sobre os ataques desferidos contra o próprio Supremo, nas manifestações antidemocráticas acontecidas e na prisão do deputado Daniel Silveira.
Existe, porém, uma explicação jurídica para isso: a lei está em vigor até que seja extinta. Também a Lei de Imprensa era usada para processar jornalistas ou exigir direito de resposta, até ser revogada. Por isso mesmo, deve ser extinta. O ministro Gilmar Mendes, que é o relator de ações no Supremo que pedem que a LSN seja revogada, deu cinco dias para que o Ministério da Justiça justifique o uso da lei contra os que supostamente ofenderam o presidente da República.
Para o ministro Luís Roberto Barroso, a Lei de Segurança Nacional precisa de uma revisão, ou mesmo revogação completa, para sanar as “inconstitucionalidades variadas”. Ele falou em seminário virtual do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, considerando a LSN “uma obsessão mais com a segurança do Estado do que com a institucionalização da democracia e com o exercício pleno da cidadania”.
Ao afirmar que a LSN não se coaduna com a atualidade da sociedade brasileira, o ministro Barroso está entrando numa questão jurídica que vem sendo debatida desde a promulgação da Constituição de 1988: a recepção das leis anteriores. O jurista Marcelo Cerqueira, ex-deputado federal e advogado de presos políticos, que atuou na Constituinte como assessor, defende desde sua tese de 1994, com que foi aprovado como professor titular da Universidade Federal Fluminense, que, como definiu o jurista austríaco Hans Kelsen, as leis incompatíveis com o espírito de uma nova Constituição não são “recepcionadas”por ela, e considera que a Lei de Segurança Nacional (LSN) é uma delas e deveria ser tratada não apenas como inconstitucional, mas “ilegal”.
Para ele, “há um direito novo que o pacto político alargou e que a Constituição refletiu. Os novos preceitos constitucionais permitem uma outra leitura do direito, um novo impulso em que as regras velhas se vestem com novas roupagens para ser aceitas na festa da democracia”.
Bolívar Lamounier: Sob o império da mentira
Cúpula dos três Poderes hoje provavelmente é a pior composição da nossa História
Faz tempo que nós, brasileiros, vimos sentindo nossa autoestima baixar cada vez mais. Não vendo muito de positivo a celebrar, ressaltamos nossos defeitos, que, de fato, não são poucos.
Mas, sinceramente, nunca me ocorreu que tantos de nós fôssemos imbecis, canalhas e irresponsáveis como essas multidões que estão antepondo todo tipo de obstáculos ao combate à pandemia. Pondo em risco não só a nossa vida, mas também a deles.
A pandemia já ceifou quase 300 mil vidas e uma parcela importante dessa perda se deve ao comportamento do insano que nos preside. Seu objetivo parece ser muito mais o de impedir a ascensão eleitoral do governador João Doria do que livrar o nosso país dos riscos trazidos pelo coronavírus. Sabotando o trabalho dos agentes de saúde, fomentando aglomerações, insuflando fanáticos que o apoiam, mentindo sem nenhum pudor (por exemplo, quando afirma que o Supremo Tribunal Federal o impede de agir), ele vem tornando nossa tragédia muito maior do que ela precisaria ser. Hoje somos uma “ameaça global” e uma vergonha para o mundo.
Era o caso de esperar mais de um capitão excluído das Forças Armadas por indisciplina para em seguida se tornar um lídimo representante do “baixo clero” na Câmara dos Deputados? Justiça feita, ele não é um caso isolado. O que hoje temos na cúpula dos três Poderes é provavelmente a pior composição da nossa História. No próprio Supremo, guardião da Constituição, alguns ministros parecem empenhados tão somente em combater o combate à corrupção.
O império da mentira parece não ter limites. Veja-se o caso de Lula. Minutos após ter suas condenações pelo triplex e pelo sítio em Atibaia invalidadas pelo ministro Fachin, fazendo pose de estadista ele proferiu uma mentira que o futuro certamente lembrará como um notável paradoxo. Afirmou ter sido “vítima da pior mentira jurídica de nossa história”. Proferiu, portanto, uma mentira que se autodesmente, como na história do cachorro correndo atrás de seu próprio rabo. Mesmo o período de um ano e meio em que esteve preso em Pinheirais é uma grande mentira, pois esteve confortavelmente instalado, com direito a televisão e a visitas de seus advogados e outras pessoas. Lula sabe muito bem que, no espaço de dois ou três meses, sob os governos militares, muita gente sofreu centenas de vezes mais do que ele.
Lembremos, contudo, que algumas das piores coisas que ouvimos ultimamente não são mentiras. Minutos após ser empossado como presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Arthur Lira (PP-Alagoas) manifestou sua intenção de restabelecer a coligação entre partidos nas eleições legislativas. Essa, sim, é de cabo de esquadra.
A revogação das coligações (efetivada na reforma de 2017) foi a única medida séria que logramos aprovar no terreno da reforma política em mais de 30 anos de tentativas. A referida modalidade de coligação era uma evidente fraude da vontade do eleitor e da consistência que temos o direito de esperar dos partidos políticos. Minigrupos que, isoladamente, não conseguiriam atingir o chamado quociente eleitoral, habilitando-se a participar da distribuição das cadeiras, aliavam-se – como se fossem um partido! – a fim de atingi-lo. Concretizado esse objetivo espúrio, separavam-se, juntavam-se a outros e faziam o que bem entendiam com a parcela da representação popular que supostamente teriam angariado.
A vedação das coligações foi aplicada na eleição municipal de 2020, com resultados por enquanto modestos, mas positivos.
A intenção externada pelo presidente da Câmara é um péssimo augúrio. Sugere que uma parte da classe política persiste na obtusidade que a caracteriza há várias legislaturas. Que não compreende que o Brasil precisa de uma reforma política séria e abrangente, sob pena de não lograr o impulso necessário para retomar o crescimento econômico e a busca do bem-estar. Nesse mister, não estamos lutando para evitar um retrocesso, estamos metidos até o pescoço num retrocesso gravíssimo, que implica nossa permanência num nível de pobreza avultante por toda uma geração. Tal reforma terá de ser feita, cedo ou tarde, e num contexto preocupante. Trata-se de uma reforma difícil, que por certo envolverá alterações constitucionais, portanto, um desafio de grande monta para a atual geração política, sabidamente mediana.
Trinta e cinco anos atrás, no Congresso Constituinte, qualquer cidadão informado não precisaria de mais que cinco minutos para apontar dez, quinze ou vinte líderes de expressão nacional. Falo da qualidade de tais líderes, não da ideologia de tal ou qual. De A a Z, dispúnhamos de figuras públicas habilitadas a representar a sociedade nos escalões mais altos. Lá estavam Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Mário Covas, Roberto Campos, Delfim Netto, Fernando Henrique Cardoso.
Hoje, se me permitem um breve resumo, temos um cenário extremamente preocupante para as próximas duas ou três décadas e uma classe política, ao que tudo indica, despreparada para enfrentar esse magno desafio.
*Sócio-Diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
O Globo: Troca no Ministério da Saúde irrita Arthur Lira e provoca insatisfação no Centrão
Escolha de Marcelo Queiroga incomodou o presidente da Câmara, que preferia médica Ludhmila Hajjar ; senador Ciro Nogueira, presidente do PP, atua para conter os ânimos
Bruno Góes, Paulo Cappelli e Natália Portinari, O Globo
BRASÍLIA – A escolha do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, provocou insatisfação no presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e em seus aliados. Eles demonstram desconfiança com o médico, escolhido por sua ligação com Jair Bolsonaro. A preferência pelo seu nome, porém, contou com o aval do presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI), que tenta acalmar os ânimos.
Ao concretizar a substituição de Eduardo Pazuello, Bolsonaro rifou a cardiologista Ludhmila Hajjar, apoiada publicamente por Lira. O deputado do PP, segundo interlocutores, ficou "muito chateado".
No partido, Lira havia defendido a indicação de Ludhmila em detrimento do deputado Luizinho (PP-RJ), preferido entre os parlamentares. À bancada, Lira disse que Bolsonaro não aceitaria o nome de um político nesse momento e, então, o ideal era dar apoio a Ludhmila. Quando o presidente mudou de ideia, Lira se irritou.
Em conversa no Palácio do Planalto com o presidente, na tarde de terça-feira, porém, Ciro Nogueira deu aval ao nome do cardiologista. Ao sair do Palácio do Planalto, ele tentou acalmar os ânimos de Lira. Na segunda-feira à noite, após o anúncio de seu nome, Queiroga se reuniu com diversos deputados do PP, como Hiran Gonçalves (RR), Celina Leão (DF), Margarete Coelho (PI) e de outros partidos, como Soraya Santos (PL-RJ).
Parlamentares cobram desde o fim do ano passado o cumprimento de um calendário de vacinação factível e veem como fundamental uma mudança de postura do ministério. Alguns aliados de Lira dizem até mesmo publicamente que não há mais chance para erros.
– O Congresso vai dar o todo apoio. Mas, numa situação grave dessas, o ministro não pode aprender a ser ministro. Tem que ser ministro e colocar em prática o calendário de vacinação – afirma o vice-presidente da Casa, Marcelo Ramos (PL-AM).
Além de condenarem o papel de Pazuello na Saúde, alguns parlamentares esperavam que pudessem ter mais influência no ministério para coordenar as políticas voltadas diretamente para suas bases eleitorais.
Parlamentares do Centrão e aliados de Lira disseram ao GLOBO, em caráter reservado, que a postura de Bolsonaro no episódio poderia incitar retaliações em "votações importantes". Entretanto, essa ainda é uma conjectura diante da insatisfação.
– É um dos ministérios mais delicados de qualquer governo. Não é possível trazer alguém para tentar entender o que está acontecendo. É delicado. Queiroga é uma pessoa que tem capacidade médica, mas não conhece o sistema de saúde. Temos o exemplo do Teich. Quanto tempo ele durou? Um mês. Era extremamente qualificado academicamente, mas o Ministério da Saúde é uma área técnica, mas também política. Em um momento como esse, não dá pra botar pessoa que ainda está tentando entender o que está acontecendo internamente – diz o deputado Hugo Leal (PSD-RJ).
Roberto Romano: O Congresso como pandemia
Mercenários? Há muitos por lá. Subornos? Ora... Preocupados com o bem público? Poucos
"Já passou a hora de pôr um fim à sua presença neste lugar que perdeu a honra pelo desprezo de todas as virtudes, contaminado por todos os vícios. Os senhores não passam de uma facção inimiga de todo bom governo, pois formam um bando de miseráveis mercenários. Seu gosto é como o de Esaú: vender seu país por um guisado e, como Judas, trair Deus por moedas. Existe uma única virtude entre os senhores e algum vício que não possuam? (...). Qual dos senhores deixou de trocar a consciência por subornos? Existiria um homem entre os senhores preocupado com o bem da Comunidade? Prostitutas sórdidas! Os senhores não infectaram este lugar sagrado e fizeram do templo divino um covil de ladrões por seus princípios imorais e práticas iníquas? Os senhores se tornaram odiosos para toda a nação pois foram postos aqui, pelo povo, para reparar suas queixas, mas se tornaram a fonte da maior queixa. Logo, o seu país apela-me para limpar esta estrebaria de Augias, pondo um ponto final nos procedimentos iníquos desta Assembleia. Com ajuda de Deus e a força que ele me deu, efetivo tal missão. Ordeno, com perigo das suas vidas, que os senhores saiam imediatamente deste lugar. Escravos venais, vão embora! Em nome de Deus, vão!"
Deixei sem aspas o trecho acima para que os informados sobre a história dos parlamentos tenham o prazer melancólico de identificar semelhanças entre o que teria ocorrido na Inglaterra do Rump Parliament e os dias de hoje, no Brasil. Cromwell, a quem se atribui a fala mencionada, se estivesse na porta do Congresso brasileiro, informado das manobras para tornar os parlamentares isentos das leis que eles mesmos devem manter, diria as mesmas palavras do parágrafo anterior. Nada falta para a similaridade entre a situação parlamentar na terra de Shakespeare (“existe algo podre no reino...”) e o Brasil de agora.
Mercenários? Existem muitos no Parlamento nacional. Praticantes de subornos? Ora... Preocupados com o bem público? Poucos.
Naqueles dias como hoje, o ambiente onde são feitas as leis ficou sujo como as estrebarias de Augias. Naquele espaço a equidade é expulsa dia a dia. Falta apenas a figura do ditador que expulsa, relho na mão, deputados que o apoiaram a preço de ouro e dos quais ele conhece a venalidade. Ele conhece seus interesses financeiros, próprios de mercadores de leis. A diferença fica por conta do personagem que fecha o Parlamento.
Cromwell assume, pelo menos de fachada, a ética protestante em seu florescer. Aqui, com muita probabilidade, o chicote nas costas dos deputados será movido por alguém sem ética ou respeito pelo bem público.
Elias Canetti em página memorável enuncia que, ao contrário da vida social marcada pela guerra de todos contra todos, no Parlamento “não deve haver mais mortos. Esta intenção é expressa (...) na imunidade parlamentar, que tem um duplo aspecto: fora, em relação ao governo e aos seus órgãos; dentro, entre os seus pares”. O sistema democrático funciona se a imunidade for garantida. O Parlamento tem como alvo criar, no meio da batalha perene da sociedade, um espaço de paz e segurança. O Legislativo é sagrado porque nele reside a única esperança de algum diálogo, algum respeito. Nele, o instrumento relevante é o voto dos representantes. As cédulas de votação (hoje, o painel eletrônico) atenuam a morte coletiva. Quem usa de modo sacrílego tais cédulas “confessa suas próprias sangrentas intenções”. Assim, cada voto pode gerar vida ou trazer morte.
“O deputado é um eleitor concentrado”, resume Canetti. Se o Legislativo age em causa própria, perverte o sistema das cédulas. O Parlamento é feito para trazer esperança ao coletivo. Se legisla em próprio benefício, sua existência perde a razão de ser. Se decidem sem ouvir os representados, os parlamentares abreviam sua própria extinção. Tomo o inimigo do sistema parlamentar, Carl Schmitt. Se por várias razões “os representantes podem decidir em vez do povo, com certeza um representante único poderia decidir em nome de todo o povo. Sem deixar de ser democrático, o argumento justifica um antiparlamentarismo”. Tal senda prepara a ditadura do “representante único”.
A humanidade sofre ameaça inédita e no Brasil os campos da morte se espalham sem controle. Seria preciso esperar do Parlamento maior zelo pela vida coletiva. Não é o que vemos.
Em clara parceria com um presidente isento de prudência e de respeito aos governados, o Congresso coloca antes e acima de medidas para preservar a saúde pública os seus privilégios e prerrogativas. E usa como desculpa a prisão de um deputado que ousa exigir o fechamento do STF e do próprio Congresso, a retomada do nefasto Ato Institucional número 5.
Quos Deus vult perdere prius dementat – aqueles a quem o divino quer desgraçar, primeiro enlouquece. Talvez seja esta a pandemia maior nas instituições brasileiras, a começar com os frangalhos do Poder Legislativo. E para tal desgraça não existe vacina, salvo a repulsa máxima da cidadania que ainda resta em nossa pátria.
*Professor da Unicamp, é autor de ‘razões de estado e outros estados da razão’ (Perspectiva)
Catarina Rochamonte: Danilo Gentili e o autoritarismo da Câmara
Imputar saudosismo de ditadura a Gentili é assombrosa aleivosia
Em atitude abusiva, covarde e persecutória, o presidente da Câmara e sua turma acionaram o STF com um pedido de prisão em flagrante contra o humorista Danilo Gentili. O motivo da estapafúrdia peça jurídica, enviada pelo ministro Alexandre de Moraes para apreciação da PGR, foi uma postagem de Twitter na qual o apresentador vale-se de expressão hiperbólica para tecer sua crítica aos deputados que apoiavam aquela que ficou conhecida como "PEC da impunidade."
Augusto Aras se manifestou junto ao STF dizendo não existir, "por ora", motivos para a prisão, mas propôs incluí-lo no inquérito dos atos antidemocráticos e recomendou seu banimento do Twitter. Outras medidas de cerceamento contra as liberdades de Gentili foram propostas, como a proibição de sair da cidade onde vive ou se aproximar a menos de um quilômetro da Câmara.
A Câmara justificou seu arroubo autoritário com a necessidade de "tolher a seiva autoritária" dos "saudosistas da nossa assombrosa experiência ditatorial". Ora, imputar saudosismo de ditadura a Gentili é assombrosa aleivosia. A mensagem que motivou tal empenho retaliatório quis antes atacar a trama autoritária dirigida pela Mesa da Câmara, que, com urgência oportunista, tentou fazer passar a indecorosa PEC que tornava os parlamentares praticamente inimputáveis.
O comediante já foi às redes sociais para se justificar e dizer que sempre defendeu as instituições democráticas. O que, apesar de suas ácidas críticas disparadas a torto e a direito, é substancialmente verdade. O humor de Danilo é fundamentalmente antiautoritário.
A frase que gerou a celeuma é inconveniente, merecendo um pito. Que por causa dela tenha a Câmara pedido a prisão do autor e que a PGR queira que um humorista seja censurado e banido das redes sociais é uma piada que nem o talentoso Danilo faria igual. Entretanto, é preciso que os cidadãos fiquem alertas para não permitir que tal piada se transforme em jurisprudência.
Brasil corre risco de ter maior número absoluto de mortes por Covid, diz revista da FAP
Editorial da Política Democrática Online de março critica erros do presidente Bolsonaro
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) errou de forma costumaz na falta de implementação de política nacional de enfrentamento à pandemia da Covid-19 e persiste nos seus erros. A análise é do editorial da revista Política Democrática Online de março.
A revista mensal é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. Todos os conteúdos podem ser acessados gratuitamente na versão flip, disponível na seção de revista digital do portal da entidade.
“Com o sucesso da campanha de vacinação nos Estados Unidos, corremos o risco de ver em pouco tempo nosso país como número um no mundo em número absoluto de óbitos”, afirma um trecho do editorial. A doença já matou mais de 275 mil brasileiros.
“Percurso trágico”
De acordo com a revista, tentar evitar esse resultado é premente para o país. “Igualmente importante, contudo, é deixar claro, para o conjunto dos cidadãos, os verdadeiros responsáveis pelo percurso trágico que estamos a seguir”, enfatiza.
A tarefa de todas as forças democráticas, nos estados, nos municípios, em todas as instâncias do Legislativo, segundo o editorial, é persistir na resistência para suprir a omissão e a oposição do governo para trabalhar em prol de medidas contra a Covid-19.
As medidas, de acordo com a revista, incluem distanciamento social, uso de máscaras, obtenção no número suficiente de doses das vacinas disponíveis, assim como o acesso ao auxílio emergencial por parte daqueles que dele necessitam.
Variantes do coronavírus
“A circulação do vírus por grandes concentrações de pessoas, sem vacina e sem distanciamento social, parece ter propiciado o surgimento das novas variantes, capazes de infectar novamente pacientes já curados”, observa o editorial.
O texto diz, ainda, que a ilusão da imunidade natural da população ao preço alto de milhares de óbitos evaporou-se. “Os óbitos aconteceram, mas nenhum benefício perdurou, e o Brasil é hoje potencial fonte de risco para os países que lograram êxito no enfrentamento da pandemia”, critica a revista.
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Esperança com a tecnologia de vacinas contra Covid e violação a direitos das Forças Armadas estão entre os 15 conteúdos na nova edição
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
A “face mais deletéria” do presidente Jair Bolsonaro (Sem partido), a política de armamento da população como violação ao papel constitucional das Forças Armadas, a tecnologia de vacina contra Covid como luz sobre doenças graves são os principais destaques da edição de março da revista Política Democrática Online, lançada neste sábado (13/3).
A revista mensal é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. Todos os conteúdos podem ser acessados gratuitamente na versão flip, disponível na seção de revista digital do portal da entidade.
Nesta edição, análises sobre política nacional e internacional, meio ambiente, economia, ciência, literatura e cinema em 11 artigos, uma entrevista exclusiva, uma reportagem especial, além do editorial e charge de JCaesar.

“Enfraquecimento da democracia”
Principal destaque desta edição, entrevista exclusiva sobre avaliação do governo Bolsonaro foi concedida pelo mestre e doutor em História pela USP (Universidade de São Paulo), Alberto Aggio. Ele é professor titular em História pela Unesp (Universidade Estadual Paulista), com pós-doutorado nas universidades de Valência (Espanha) e Roma3 (Itália).
“Acho que o Bolsonaro se configura como um governo, se não ameaçador à nossa democracia, pelo menos um governo que visou, desde o início, a um enfraquecimento dela”, critica Aggio. “Bolsonaro é a face mais deletéria, mais grave da política da Nova República”, avalia o professor da Unesp.
No editorial de sua 29ª edição, a revista Política Democrática Online faz crítica incisiva à falta de política nacional de enfrentamento à pandemia da Covid, com reflexos nas mais de 275 mil mortes de brasileiros por causa de complicações da doença.
“Não é possível subestimar a responsabilidade do governo federal pela situação de vulnerabilidade crescente em que os cidadãos brasileiros se encontram hoje”, diz um trecho. “Todos os itens da agenda negacionista foram por ele perseguidos com empenho”, emenda.
“Novas tecnologias”
Já a reportagem especial desta edição mostra estudos sobre vacinas da Covid em andamento com técnicas genéticas que podem ser aplicadas em tratamento contra doenças graves, como câncer e esclerose múltipla.
“Novas tecnologias para produção de vacinas, notadamente aquelas que usam o material genético do vírus Sars-Cov-2, podem rapidamente ser adaptadas para novos agentes causadores de doenças”, afirma um trecho da reportagem.
Em um dos artigos de destaque, o ex-deputado federal e ex-ministro da Defesa e extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer (MDB) Raul Jungmann diz que o armamento da população, como pretende Bolsonaro, significa também ferir o papel constitucional das Forças Armadas.
Registro de armas de fogo
“Segundo a Polícia Federal, em 2020, o registro de armas de fogo cresceu 90% em relação ao ano anterior, o maior crescimento de um ano para outro já registrado pela série histórica”, afirma. Jungmann também é ex-ministro do Desenvolvimento Agrário e ex-ministro extraordinário de Política Fundiária do governo FHC.
Em um dos artigos, o economista Guilherme Acciolly avalia que o avanço do desmatamento é incentivado por se dar majoritariamente sobre terras públicas e crescentemente sobre áreas protegidas. Portanto, segundo ele, “com custo de aquisição nulo”.
O conselho editorial da revista Política Democrática Online é formado por Caetano Araújo, Francisco Almeida e Luiz Sérgio Henriques.
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Fausto Mato Grosso: Reforma eleitoral e distritão
A legislação eleitoral brasileira é uma colcha de retalhos. Ela é composta de diversos dispositivos constitucionais e de inúmeras leis, cada uma delas tratando separadamente temas pontuais. Além disso, existem diversos projetos dos deputados e senadores tramitando sobre questões eleitorais. A reforma que se discute agora tem o objetivo anunciado de articular esse conjunto desconexo, em um novo Código Eleitoral.
No aspecto técnico-jurídico, não há como se opor a sistematização da legislação dispersa. O próprio presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, ressalta que, pela quantidade de leis que surgiram ao longo do tempo, “está chegando a hora de se ter uma sistematização dessas normas eleitorais”. Assinala ainda que o Direito Eleitoral é o mais dinâmico de todos, porque ele segue um pouco a dinâmica do processo político e das vontades das maiorias que se formam em cada momento. Portanto, é importante considerar que a corrente política hegemônica no Congresso hoje é o Centrão que valoriza a politica como negócio privado e não prima pela defesa da democracia.
O novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cumprindo compromisso de campanha, instalou há poucos dias, um grupo de trabalho que irá atualizar e sistematizar a legislação eleitoral. Integram o colegiado 15 deputados, dos quais oito são protagonistas de processos no Tribunal Superior Eleitoral. As alterações nas regras eleitorais só irão valer nas eleições de 2022 se forem aprovadas, nas duas casas legislativas, até um ano antes do pleito que será em outubro do ano que vem.
Entre as modificações que estão sendo discutidas, uma das que mais preocupa é a mudança do sistema eleitoral com a criação do chamado distritão. O presidente da Câmara Arthur Lira sinalizou que já existe grande força no Congresso pela sua aprovação.
No distritão cada estado é um grande distrito e são eleitos os deputados mais votados, independentemente do desempenho de suas siglas. O voto passa a ser 100% individualizado, “cada um por si e Deus por todos”. Há um enorme desperdício de votos, todos aqueles que não votaram nos poucos vencedores se considerarão não representados. Isso enfraquecerá a legitimidade dos eleitos.
Esse sistema também inibe a renovação dos políticos: serão eleitos aqueles já conhecidos individualmente. Em uma sociedade de espetáculo como a nossa, seria o reino das personalidades da mídia, das igrejas e do esporte, além de grandes grupos econômicos com poder de patrocínio.
Sem dúvida esse sistema tem a vantagem de ser mais fácil para o entendimento do eleitor, mas promove o personalismo na política, enfraquecendo os partidos e as ideias políticas. Acontece que não existe democracia moderna sem partidos fortes. A fragmentação tão criticada da Câmara e do Senado será ainda mais nociva quando cada deputado virar um partido do eu sozinho.
Há ainda que se considerar a experiência internacional. Segundo pesquisa do Instituto Internacional da Democracia (Idea), entre 200 países pesquisados somente 2% deles utiliza esse sistema do distritão, entre eles Jordânia, Afeganistão, Ilhas Pitcairn e Vanuatu.
Por certo, o sistema eleitoral brasileiro está precisando de atualizações e sistematização técnica-legislativa, mas há que se ter cuidado para evitar jabuticabas e jabutis. Se o sistema atual de voto proporcional possibilitou a eleição de Tiririca ficará pior se possibilitar a eleição de vários tiriricas e big-brothers bem votados em seus estados.
FAUSTO MATTO GROSSO - Engenheiro e professor da UFMS
O Estado de S. Paulo: Ofensiva na Câmara pode atenuar leis anticorrupção
Nos bastidores, as medidas são chamadas de “pacote da impunidade” por adversários do presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL)
Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
Depois de fracassar na tentativa de blindar parlamentares da prisão, a Câmara se prepara para enfrentar, nas próximas semanas, uma série de discussões com potencial para afrouxar leis anticorrupção e dificultar investigações. Nos bastidores, as medidas são chamadas de “pacote da impunidade” por adversários do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). A ofensiva reúne propostas que vão de mudanças nas leis de Improbidade Administrativa, Ficha Limpa, lavagem de dinheiro e proteção de dados para fins penais até a inviolabilidade de escritórios de advocacia.
A agenda é de interesse do Centrão, bloco de partidos que voltou ao comando da Câmara com a eleição de Lira. Logo no primeiro mês à frente da Casa, ele tentou aprovar a jato uma nova Proposta de Emenda à Constituição nesse pacote: a PEC da Blindagem, que amplia a imunidade parlamentar e restringe a possibilidade de prisão de deputados e senadores.
Foi uma resposta corporativa à prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada no dia 16 pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após o deputado bolsonarista divulgar um vídeo nas redes sociais com ofensas à Corte e apologia à ditadura militar. A manobra para aprovar a PEC sem passar pelo crivo de uma comissão só não vingou por pressão do Supremo e críticas de eleitores.
Diante do desgaste provocado na imagem do Congresso com a tentativa de autoproteção em um momento de agravamento da pandemia, os partidos se dividiram e Lira foi obrigado a recuar, enviando a PEC para análise de uma comissão especial.
O presidente da Câmara rejeita o carimbo atribuído à iniciativa. “Não há impunidade nem blindagem. Nossa prioridade é não permitir que a gente viva nesse contexto de crise institucional semanal”, disse Lira em recente live promovida pelo grupo Prerrogativas, que reúne advogados. “Não vai faltar coragem para debater os temas necessários, que tenham clamor.”
Na semana passada, a Mesa Diretora da Casa liberou o funcionamento das comissões, que estavam paralisadas, entre elas o Conselho de Ética. À exceção da PEC da Blindagem e da ideia em negociação de apresentar uma proposta separada para alterar a Lei da Ficha Limpa, as demais proposições do “pacote” foram herdadas do período em que Rodrigo Maia (DEM-RJ) era presidente da Câmara. Algumas estão sendo preparadas desde 2019 e passaram por comissões especiais de juristas.
É o caso da proposta de criação da Lei Geral de Proteção de Dados Penal (LGPD-Penal) e da reforma da Lei de Lavagem de Capitais. Propostas feitas nessas comissões indicam que há risco de entraves às investigações e abrandamento de penas. Em 2020, o ritmo foi lento e nenhuma delas chegou a ser votada, apesar da derradeira tentativa de emplacar a proibição para ações de busca e apreensão em escritórios de advogados com base apenas na palavra de delatores.
“Tem comissões trabalhando há bastante tempo, que ainda não deram resultado. Outras estão mais adiantadas, como é o caso da que trata da improbidade. (A análise) vai ser muito no caso a caso, mas não vai haver corte em tudo”, afirmou Margarete Coelho (Progressistas-PI), que faz parte do núcleo de confiança de Lira. Foi ela a relatora da PEC da Blindagem, que amplia a imunidade parlamentar, e a deputada integra a maior parte dessas comissões.
Suspiro. O deputado Lafayette Andrada (Republicanos-MG), relator do projeto de prerrogativas dos advogados, disse que, “como houve uma série de atropelos”, Lira ainda não teve tempo para se debruçar sobre todas as propostas: “Quando houver um suspiro, essas pautas vão andar. Essas comissões voltarão ao normal, elas não morreram”.
Na Câmara, além da comissão da improbidade, a que está mais adiantada é a que trata da prisão após condenação em segunda instância. As duas já têm relatórios finais. Com as revelações da Operação Spoofing, mostrando a troca de mensagens entre procuradores e o ex-juiz Sérgio Moro no processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os parlamentares que costumam defender a Lava Jato temem ser derrotados. A portas fechadas, muitos manifestam receio de que o momento político favoreça acabe afrouxando a norma.
No caso da improbidade administrativa, sete dos atuais 24 integrantes da comissão especial criada na Câmara podem ser beneficiados por mudanças na lei, como revelou o Estadão. Eles respondem a processos , e as alterações propostas podem livrá-los de eventuais punições.
Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro disse que a atual Lei de Improbidade é burocrática e “engessa o prefeito”. Já o líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas-PR), defendeu a liberação da contratação de parentes no serviço público. Ou seja, quer autorizar o nepotismo, hoje proibido pela Lei de Improbidade e também pelo Supremo.
Ficha Limpa. Criada em 2010 inspirada nos movimentos anticorrupção, a Lei da Ficha Limpa, por sua vez, também deve sofrer modificações, assim que a pandemia arrefecer, como mostrou o Estadão. A proposta chegou a entrar na PEC da Blindagem, mas foi retirada na frustrada tentativa de votar o texto a toque de caixa.
Agora, a ideia do PT e de partidos do Centrão, como o Progressistas e o Republicanos, é apresentar uma PEC separada, prevendo a possibilidade de novos recursos judiciais para salvar a candidatura de políticos hoje proibidos de disputar eleições porque foram condenados por decisões colegiadas. Para Lira, a Lei da Ficha Limpa “não pode ser uma prisão perpétua”. Condenado na Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou inelegível em virtude dessa lei.
Para o deputado Aliel Machado (PSB-PR), a Câmara não deve se precipitar em votações polêmicas sem ter certeza de que terá apoio: “Lira me disse que todas as discussões devem ser decididas no plenário, não vai segurar nada”. Machado assume em breve a presidência da comissão especial da PEC que analisa a prisão em segunda instância. O Supremo derrubou, no fim de 2019, a possibilidade de execução antecipada de pena. A medida era um dos pilares da Lava Jato e a decisão permitiu a libertação de Lula.
Agora, a Câmara pode alterar a Constituição e prever a execução antecipada da pena. Em conversas reservadas, porém, parlamentares admitem que a chance de uma reviravolta assim ocorrer é próxima de zero. Machado acredita que o texto pode ir a plenário em 45 dias, mas não quer se precipitar. “Pautar a prisão em segunda instância de um dia para o outro, como aconteceu com a PEC da imunidade, pode fazer com que se perca todo o trabalho”, disse o parlamentar.
Pablo Ortellado: Eles em nós
A editora Record acaba de lançar o novo livro de Idelber Avelar, “Eles em nós”, que busca interpretar os acontecimentos recentes da política brasileira com os instrumentos da análise retórica.
O maior mérito da obra é examinar os processos políticos recentes, reconstruindo cuidadosamente os acontecimentos, de uma perspectiva razoavelmente distanciada. A posição política do autor, que vem da esquerda, mas se afasta dela, confere rara equidistância para tratar criticamente as administrações petistas e o governo Bolsonaro.
A principal limitação do livro é justamente o que seria a sua virtude: o uso de categorias da retórica para explicar os processos políticos. Avelar tem larga experiência como comentador político, mas preferiu se apoiar em sua especialidade, como professor de Literatura, para se lançar neste projeto de interpretação do Brasil contemporâneo. Os conceitos da retórica às vezes dificultam, em vez de ajudar a esclarecer as questões.
Avelar usa, por exemplo, o conceito de oximoro (figura de linguagem que combina palavras de sentido oposto) para tratar das contradições do lulismo. Mostra que, enquanto Lula criticava os ruralistas, tinha Blairo Maggi como interlocutor; enquanto atacava os meios de comunicação, ampliava as verbas de publicidade do governo.
A análise dessas contradições é perspicaz, mas o recurso à figura do oximoro não as ilumina. Lula não empregava expressões antinômicas, mas adotava uma postura ideológica junto à militância, contraditada por seu pragmatismo como presidente. Se se debruçasse sobre o conceito de “governo em disputa”, reivindicado pela militância petista, talvez pudesse entender melhor o fenômeno.
Avelar caracteriza essa ambivalência como uma forma de administração dos antagonismos sociais. E é essa forma de gerenciar os conflitos que teria implodido com os protestos de junho de 2013. A incapacidade do sistema político de entender e dar resposta à revolta teria criado as condições para a emergência de Bolsonaro, cuja radicalidade antissistêmica daria uma expressão de ultradireita aos antagonismos represados.
O último capítulo do livro trata da ascensão de Bolsonaro. Avelar explica sua candidatura a presidente por meio de uma aliança entre o agronegócio, o punitivismo policial e judiciário e o evangelismo cristão. A coalizão teria, no ativismo de internet, uma espécie de vanguarda digital e seria sacramentada pelo compromisso liberal de Paulo Guedes.
A enumeração das forças políticas que apoiam Bolsonaro é bem ponderada, mas a sugestão de que Bolsonaro tenha costurado uma coalizão política é pouco amparada em evidências. Tudo indica que Bolsonaro lançou sua candidatura de maneira aventureira e foi ganhando o apoio desses setores à medida que se popularizava.
As explicações de Avelar nem sempre são persuasivas, mas o livro tem o mérito de fazer as perguntas certas. Entender como passamos do impulso libertário de junho de 2013 para o pesadelo autoritário de 2018 segue sendo um dos grandes desafios da inteligência brasileira.