arthur lira

Ana Carla Abrão: Novos riscos globais expõem as fraturas sociais da pandemia

Não foi o coronavírus que gerou nossa desigualdade social. Mas ele a ampliou

Há 50 anos, o Fórum Econômico Mundial (WEF, da sigla em inglês) foi fundado. Desde então, governantes, agentes públicos e empresários do mundo todo se reúnem anualmente em Davos. A pequena cidade suíça tem seus dias de glória nos meses de janeiro, quando o mundo acompanha seu inverno frio e branco emoldurando discussões sobre o desenvolvimento econômico e social global. Este ano, como em tantos outros casos, Davos ficará vazia. Mas os debates não deixarão de acontecer. De outra forma, mas com grande ênfase.

É durante o WEF que se publica o Relatório de Riscos Globais (RRG). Já são 16 edições que anualmente busca apontar os maiores riscos e seus potenciais impactos sobre o mundo. O relatório veio a público esta semana trazendo a perspectiva de líderes públicos e privados sobre o que pode comprometer a prosperidade global em áreas como economia e meio ambiente, mas também geopolítica, questões sociais e tecnologia. Em 2021, o desafio nesse mapeamento foi maior. Afinal, não é fácil falar de riscos após o inesperado tsunami da covid-19. Não que esse risco estivesse completamente fora do radar. Mas sua ocorrência, severidade e impactos superaram as previsões do mais adverso dos cenários possíveis. 

Neste ano, o RRG identificou sete grandes riscos, classificados em ordem de probabilidade de ocorrência e de impacto. No primeiro grupo, riscos climáticos continuam se destacando, com eventos climáticos extremos, falhas nas ações de proteção ambiental e danos ambientais causados pela ação humana ocupando as três primeiras posições. 

Na sequência, temos os riscos de doenças infecciosas assumindo lugar que perda de biodiversidade ocupava em 2020. Esse vem adiante e é seguido por um novo e recentemente reconhecido temor relacionado à concentração do poder digital em grandes empresas de tecnologia. 

A lista se encerra com a desigualdade digital ocupando a 7.ª posição dentre os riscos globais mais prováveis. Na classificação por impacto, sem surpreender, o risco de doenças infecciosas ocupa o topo da lista e dois novos riscos são incorporados: i) as dificuldades de manutenção dos meios de sobrevivência, ligadas, por exemplo, ao desemprego – em particular da população jovem que chega ao mercado de trabalho – e à erosão das condições de emprego; e ii) a ameaça das armas de destruição em massa, reafirmando os temores presentes no topo das listas do RRG desde 2013.

Em 2021, segue o RRG, o cenário continuará marcado pelo impacto e pela severidade da pandemia. Certamente por menor espaço de tempo naqueles países que conseguirem avançar rapidamente com a vacinação em massa. Mas a covid-19 deixará marcas profundas em função das barreiras individuais e coletivas que a maior crise sanitária de todos os tempos nos legará. Esse é o alerta que emerge na escolha das quatro áreas centrais de preocupação: desigualdades digitais, privação de direitos pelos jovens, tensões geopolíticas e o aumento das pressões sobre os negócios.

Na digitalização, a aceleração motivada pelo isolamento social ampliou as diferenças entre indivíduos e países, com impactos duradouros sobre desigualdade por meio do seu canal mais poderoso: o acesso à educação – interrompido para tantas crianças e jovens. Além disso, polarização política e incertezas regulatórias acompanham o desenrolar de um mundo mais digital e mais conectado. 

Ainda para os jovens, o desafio se ampliou com a ausência de oportunidades de trabalho se juntando às angústias que se traduzem em revolta e descontentamento. Para as mulheres, anos de avanços de representatividade foram perdidos, na esteira de pressões culturais e oportunidades mais estreitas. No campo geopolítico, o fechamento de fronteiras, a luta pela vacina e os desafios diplomáticos exacerbaram tensões preexistentes e criaram novas. Não menos importante são a pressão sobre os negócios num mundo mais incerto, mais concentrado, mais consciente e em grande transformação.

Tudo isso se traduz em novas fraturas sociais, agora ainda mais expostas. Não só entre nações, mas principalmente dentro de cada país, as diferenças sociais se exacerbaram, ampliando as fendas existentes e impondo desafios maiores para o futuro. 

A mobilidade social, já baixa em tantos países, deverá ser ainda mais reduzida com o impacto da pandemia na educação, refletido no aumento da evasão escolar, na ausência de capacitação adequada e na consequente redução na empregabilidade. A falta de infraestrutura tecnológica continuará alijando famílias do acesso à informação de qualidade, assim como a falta de infraestrutura básica negará a elas condições de vida melhores. A pressão sobre os sistemas de saúde definirá caminhos e probabilidades distintas para camadas diferentes da população, numa separação cruel que se faz na partida da sua condição social. 

No Brasil, tudo isso é pior – e continuará sendo. Afinal, não foi a pandemia que gerou nossa desigualdade social. Mas ela a ampliou, agravando essa fratura que divide o País em dois e engrossando o lado da pobreza com mais um bocado de brasileiras e brasileiros. 

*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman. 


Eliane Cantanhêde: Maricas, covardes, picaretas

Bolsonaro faz escola e até desembargador e enfermeira aderem ao baile funk na pandemia

O presidente Jair Bolsonaro cai nas pesquisas pelo negacionismo diante da pandemia e do desdém pelas vacinas. A Procuradoria-Geral da República pede e o Supremo autoriza a investigação do general da ativa Eduardo Pazuello pela falta de oxigênio e as mortes em Manaus. O deputado Rodrigo Maia aproveita sua última semana na presidência da Câmara para dizer que não há dúvida de que Pazuello cometeu crime e defender a criação da CPI da Saúde.

Falta, porém, responsabilizar autoridades e cidadãos que negam a pandemia, fazem campanha contra o isolamento social e a própria vacina, que são as únicas armas para salvar vidas, conter o vírus, aliviar a pressão sobre o sistema de saúde e, assim, normalizar a economia e o próprio País. Eles também têm culpa.

São magistrados, parlamentares, empresários e irresponsáveis em geral, até da área de saúde, movidos pelo negacionismo, a ideologia irracional, a falta de respeito e empatia com os quase 220 mil brasileiros mortos. Esse mau exemplo, que começa com o presidente da República e decanta pelos seguidores da sua seita, induz jovens, idosos, homens e mulheres a relaxar os cuidados na pior hora. Tome baile funk nas periferias! E barzinho cheio dos bairros chiques!

Ao assumir ontem a presidência do Tribunal de Justiça (TJ) de Mato Grosso do Sul, o desembargador Carlos Eduardo Contar pediu “o fim da esquizofrenia e palhaçada midiática fúnebre” e propôs que “desprezemos o irresponsável, o covarde e picareta da ocasião que afirma “fiquem em casa’”. Para Bolsonaro, o cidadão que se cuida e cuida do outro na pandemia é “maricas”. Para Contar, é “irresponsável, covarde e picareta”.

O desembargador não pronunciou uma palavra sobre os escândalos do Judiciário, onde pululam “penduricalhos”, enquanto milhões de brasileiros estão sem emprego, renda, até comida. Reportagem de Patrik Camporez, do Estadão, informa que ali do lado, em Mato Grosso, os 29 magistrados do TJ receberam, em média, R$ 262,8 mil em dezembro. Contar preferiu reclamar das “restrições orçamentárias” e o “exaurimento da capacidade humana” da corporação.

Pôs-se a criticar aqueles que creem na ciência, nas entidades de saúde, nas recomendações médicas como “rebanho indo para o matadouro”. E a atacar “a histeria coletiva, a mentira global, a exploração política, o louvor ao morticínio, a inadmissível violação dos direitos e garantias individuais, o combate leviano e indiscriminado a medicamentos”. A pandemia é uma “mentira global”?! Quem ele está papagaiando?

Isso lembra a comemoração de parlamentares bolsonaristas quando o governador do Amazonas, Wilson Lima, cedeu à pressão e recuou do lockdown. Mas, depois, não escreveram uma só linha sobre o resultado macabro: falta de UTI e oxigênio, pacientes morrendo asfixiados e transportados para outros estados às pressas. Nem o sistema funerário resistiu ao caos, que está sendo exportado para o Pará e Rondônia.Se o isolamento social tivesse sido levado a sério pelo presidente e todos os governadores, o Brasil não precisaria ter afundado tão dramaticamente em mortes e contaminações. E a dúvida, agora, é quanto às vacinas. A quantidade, a logística, a seriedade e o exemplo de cima – particularmente de Bolsonaro –, vão definir a luz no fim do túnel.

Por isso, dói na alma a enfermeira Nathanna Ceschim, do Espírito Santo, divulgar vídeos sem máscara no hospital e desdenhando: “Não acredito na vacina (...). Tomei foi água”. E por que tomou? Para se cuidar, preservar seus pacientes, pais, avós e amigos e em respeito aos colegas do Brasil inteiro que se arriscam para salvar vidas? Não. “A intenção era só viajar...” Com presidente, desembargador, parlamentares e gente assim, é difícil ser otimista.


Ricardo Noblat: O plano de Bolsonaro para chegar politicamente vivo em 2022

Evitar o impeachment é a prioridade número 1

Mesmo quando meia dúzia de pesquisas de opinião, aplicadas por institutos diferentes, coincidem em apontar na mesma semana determinado resultado, o entendimento dos especialistas no assunto aconselha esperar as próximas para conferir se isso indica uma tendência ou o registro apenas de um soluço.

Os institutos Paraná, Ipesp, IDEIA, Datafolha e Atlas atestaram nos últimos cinco dias a queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro. A reprovação a ele saltou de 32% para 40%, segundo o Datafolha. Mas só futuras pesquisas, respeitando o mesmo intervalo de tempo, confirmarão se Bolsonaro está ladeira abaixo.

Nem por isso o governo pode esperar para ver o que acontece. Bolsonaro não teve um plano para combater a pandemia da Covid-19. Ou melhor: seu plano era deixar que o vírus contaminasse mais de 70% dos brasileiros para que a partir daí a pandemia começasse a ceder. Resultado até agora: quase 220 mil mortos.

Mas plano para manter-se no poder e – quem sabe? – reeleger-se daqui a um ano, ele tem, e começa a ser executado. Primeiro ponto do plano: emplacar nomes de sua inteira confiança nas presidências da Câmara dos Deputados e do Senado. Os nomes: Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

O mais importante dos dois é Lira. Cabe ao presidente da Câmara aceitar a abertura de processo de impeachment contra o presidente da República. Há 56 pedidos na Câmara. Se eleito, Lira não aceitará nenhum. A não ser que Bolsonaro se enfraqueça ao ponto de tornar impossível a tarefa de sustentá-lo.

O segundo ponto do plano de Bolsonaro para continuar vivo: uma reforma ministerial de grande ou de médio porte. Servirá para que ele amplie sua base de apoio no Congresso mediante a entrega de mais cargos do governo a deputados e senadores, além de livrar-se de companhias consideradas hoje incômodas.

Uma das companhias: o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, despachado para Manaus no fim da última semana sem bilhete de volta. Augusto Aras, Procurador-Geral da República, obteve junto ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito para apurar se Pazuello falhou na crise de Manaus.

Com isso, Aras ajuda a desimpedir o caminho para que Bolsonaro agradeça ao general pelos inestimáveis serviços prestados ao país e o devolva à caserna. Aras deixou Bolsonaro de fora do inquérito, é claro. Uma vez que deve a nomeação a ele e que sonha com uma vaga no Supremo… Sabe como são essas coisas.

O terceiro ponto do plano de Bolsonaro: aprovar no Congresso a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Se com esse ou outro nome, em nova versão, não importa. O novo/velho imposto sobre todas as transações financeiras abarrotaria de grana os cofres públicos.

Bolsonaro resistiu a comprar a ideia, mas o ministro Paulo Guedes, da Economia, o convenceu. O governo precisa de dinheiro para fazer face ao fim do pagamento do auxílio emergencial. Entre os brasileiros com renda de até dois salários mínimos mensais, a reprovação ao governo passou de 26% para 41%. Alerta vermelho!


Míriam Leitão: O projeto que foi sem nunca ter sido

O presidente Bolsonaro apoiou o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para a presidência do Senado e esse foi o detonador da saída de Wilson Ferreira da Eletrobras. Pacheco é velho adversário do processo pelo qual o governo venderia o controle da estatal de energia. Numa de suas entrevistas, ele avisou que a aprovação do projeto de lei que permitirá a privatização não é prioridade. Ferreira fez os cálculos e concluiu que, se não vender este ano, não venderá em ano eleitoral e resolveu sair. É isso que se conta nos bastidores da empresa.

Oficialmente, Wilson Ferreira falou de forma mais vaga. Citou “candidatos” à presidência do Congresso. Pacheco já fez parte de frentes antiprivatização do setor elétrico.

O anúncio da renúncia de Wilson Ferreira foi visto como algo maior no mercado. “É o fim do projeto liberal”, me disse ontem cedo um economista de banco. Isso se refletiu em Nova York. A ADR da Eletrobras, que já havia caído 5% na sexta-feira, abriu em queda de 5%, aprofundou para 10% e terminou o dia com desvalorização de quase 12%.

É um espanto que ainda se acredite que Bolsonaro seguirá algum projeto liberal. Neste espaço escrevi sobre meu ceticismo antes de o governo tomar posse. Um intervencionista não privatiza. E pode ser ainda pior, no caso da Eletrobras. Na companhia se acredita que o sucessor será escolhido entre executivos que estão lá e que são de carreira, ou entre os selecionados por um head hunter que será contratado pelo conselho de administração. O problema é que o cargo pode ser colocado no balcão, onde Bolsonaro tem posto muitas mercadorias. Para evitar, por exemplo, que surja algo como o impeachment do qual se fala no país.

O projeto da Eletrobras vem do governo Temer. A empresa estava em situação dramática. Na conversa com investidores e jornalistas, Ferreira contou que entrou na companhia em julho de 2016, no início do governo Michel Temer, e o quadro era assustador: o nível de alavancagem da Eletrobras era de quase nove vezes a sua geração anual de caixa. Um patamar altíssimo e que só não levou a empresa ao colapso porque ela era controlada pela União. Depois de cinco anos de reestruturação, o endividamento caiu para 2,5 vezes e a Eletrobras terminou 2019 com um lucro de quase R$ 11 bilhões, o segundo maior de sua história. Ele admitiu que não acredita mais que a empresa seja vendida no governo Bolsonaro.

O projeto arquitetado no governo Temer era de transformar a companhia numa corporação, como as grandes empresas elétricas. A EDP, Energia de Portugal, era estatal, foi sendo vendida aos poucos e agora o governo tem apenas uma golden share. A Enel, que é dona da Eletropaulo, tem 23% na mão do governo italiano, mas o resto está em mercado. A Engie, dona de Jirau, tem ações dos governos francês e belga.

A ideia era fazer uma chamada de capital, o governo não acompanharia, e sua participação cairia de 63% para 49%. Ele perderia o controle, mas continuaria sendo o maior acionista. O caminho da preparação foi longo. Primeiro foi preciso no governo Temer vender sete distribuidoras estaduais que haviam sido federalizadas. Foi preciso preparar um projeto de lei, e depois refazê-lo no governo Bolsonaro, com alguns aperfeiçoamentos. A Eletrobras pagaria R$ 15 bilhões pela outorga ao governo, depositaria R$ 3,5 bi num fundo para revitalizar o São Francisco e ainda faria depósitos na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), para atenuar os reajustes da tarifa de energia.

A mudança feita pelo governo Dilma no setor elétrico provocou um aumento grande no preço da energia. Para se ter ideia, de 2013 a 2019, o IPCA subiu 37%, o preço da energia foi de 111%, três vezes mais.

Depois, eventualmente, se o governo quisesse vender mais ações poderia inclusive ganhar com a valorização da empresa. Mas o fato é que nada andou. No Congresso, o projeto de lei não teve nem relator. Por outro lado, no governo todo dia Bolsonaro dá mais um sinal de populismo econômico. Ameaçou demitir o presidente do Banco do Brasil porque ele queria fechar agências, na quinta-feira reduziu a tarifa de importação de pneus a pedido dos caminhoneiros, os preços do óleo diesel e do GLP acumulam defasagem.

Enfim, o projeto liberal no governo Bolsonaro é como a viúva Porcina. Foi, sem nunca ter sido. Mas isso estava na cara. Acreditou quem quis.


Carlos Andreazza: Plano nacional pró-pandemia

Governo trabalha para que a peste permaneça

O fenômeno reacionário que Bolsonaro encarna precisa de imprevisibilidade para prosperar. Nada melhor do que uma pandemia artificialmente prolongada. O governo trabalha para que a peste permaneça. Isto é verificável.

Por exemplo: o caso do consórcio Covax, de abril de 2020. O Brasil tinha a opção de adquirir doses para cobrir até 50% de sua gente. Optaria, contudo, pela cota mínima — 10% de alcance. A justificativa foi que montara estratégia dedicada a acordos bilaterais, com os quais teria melhores condições para preço e transferência de tecnologia. Ok.

O mundo real, entretanto, impôs-se. E chegamos a 2021 com apenas uma parceria bilateral firmada — para a vacina de Oxford. Só em 22 de janeiro as primeiras duas milhões de doses decorrentes desse contrato pousaram no país. Volume modesto fabricado na Índia, pelo qual se pagou duas vezes mais que membros da União Europeia pelo mesmo imunizante. Um acordo bilateral que — até aqui — custou caro e entregou pouco. E que não pôde ainda honrar a parte do pacto relativa à transferência de tecnologia; impossibilidade prática derivada da inexistência de insumos para o trabalho da Fiocruz.

Estamos no fim da fila de vacinação por ação deliberada do governo; por gestão do presidente. Não temos vacinas a contento hoje, nem sequer contratos que projetem no futuro a cobertura vacinal da população, porque Bolsonaro não quis.

Pazuello, cavalo do presidente, não camufla a instrumentalização da incompetência. “Em janeiro, começo de fevereiro, vai ser uma avalanche de laboratórios apresentando propostas”, declarou no último dia 21. Que tal? Este é o cultor do atraso cujo ministério receitou cloroquina até para bebês. Aquele que, já sabedor da escassez de oxigênio em Manaus, visitou a cidade apregoando feitiçaria a título de tratamento preventivo. Um militar, general da ativa, que preferiu propagandear uma modalidade de prevenção que garantiria a propagação da peste. Este é o cultor do atraso que insiste na mentira mercadológica de que o Brasil será assediado por ofertas de vacinas; algo que não ocorreu nem sequer aos EUA.

O governo opera para que o país não apenas não tenha carga de vacinas suficiente para imunizar os brasileiros, como só tenha sua cota de mixaria o mais tarde possível. A sustentação do estado de calamidade informal — a preservação da pandemia como solo competitivo — forja dificuldades que atraem as respostas populistas. A ver o auxílio emergencial. Deixou-se que acabasse, mesmo com o vírus recrudescente e o acirramento da miséria. Sob pressão que ele próprio induz, Bolsonaro fará a derrama de dinheiros, sem planejamento, sem revisão de benefícios ineficazes, sem o mais mínimo estudo para flexibilizar o teto de gastos. Em vez de um debate para reformá-lo à luz da realidade, o improviso voluntarioso que o aterrará.

O improviso voluntarioso — semeador de demoras e gerador de urgências e oportunidades — com vista a 2022. A propósito, o caso da importação da vacina de Oxford desde a Índia merece reconstituição. Em novembro de 2020, em reunião com o chanceler indiano, Ernesto Araújo, mesmo tendo o combate à doença na agenda, e ciente de que falava com um país grande produtor de imunizantes, não tocou no assunto. Preferiu criticar o governador de São Paulo, por considerar eleitoreira a atividade daquele sem cujo empenho ainda não haveria brasileiro vacinado.

Em 13 de janeiro último, porém, o governo anunciou o envio de um avião à Índia para buscar as doses. A meta era fazer Bolsonaro vacinar antes de João Doria. Não daria certo. (Como certo não dará um programa de imunização que dependa de só dois fabricantes; tudo o que ora temos: AstraZeneca/Fiocruz e Sinovac/Butantan, incapazes de oferecer o que se demanda.) Armou-se um avião publicitário pronto a decolar para recolher um imunizante indisponível. O Brasil passaria vergonha ministrada pela Índia, então com outras prioridades. (No mundo real, antes viriam as necessidades do vizinho Butão.) E diga-se que fora o próprio governo a divulgar a fantasia de que teríamos a primazia. As doses só chegaram quase dez dias depois.

O episódio com a Pfizer não deixa dúvida sobre a existência de um plano nacional de sustentação da pandemia. Data de setembro de 2020, a carta do CEO do laboratório a Bolsonaro. A missiva, nunca respondida, pedia ao presidente que fechasse logo um acordo com a farmacêutica, conforme já haviam feito EUA, União Europeia, Reino Unido, Canadá e Japão. A demanda seria grande — e poderíamos ficar para trás. Ficamos. Escolha do Brasil. O governo criou empecilhos e tentou desacreditar a vacina. E todas as suas manifestações posteriores sobre por que assim procedera, inclusive em nota oficial, configuram provas em que se confessa um crime.

Bolsonaro não é somente um mentiroso; o maior influenciador antivacinação do mundo. É o líder de um governo que optou por não enfrentar o coronavírus. É o responsável — agente direto — pelo atraso do Brasil em vacinar a população; e nisto vai colecionando delitos. Crimes comuns; não somente os de responsabilidade. Bolsonaro tem lugar no Código Penal. Ocorre que, de novo, o mundo real se impõe — e nem sempre para prejudicá-lo. Afinal, tem também Augusto Aras e — cada vez mais forte para presidir a Câmara — Arthur Lira.

Será difícil, sobretudo para os pobres.


Merval Pereira: Punição simbólica

Para que o impeachment de um presidente ganhe condições políticas para ser desencadeado, é preciso o povo nas ruas, como vários de nossos líderes têm apontado. Mas, se esta é uma condição necessária, não é suficiente por si só. No seu hoje já clássico estudo "Repensando o presidencialismo: contestações e quedas presidenciais na América do Sul", a professora Kathryn Hochstetler, hoje na London School of Economics (LSE) , aponta três razões para um presidente não terminar seu mandato na América do Sul: ausência de uma maioria parlamentar de apoio ao presidente; envolvimento pessoal do chefe de governo com escândalos de corrupção; e mobilização popular.

Com a adesão do Centrão a seu governo, o presidente Bolsonaro está se blindando contra um eventual pedido de impeachment, e por isso também se empenha para ter na presidência da Câmara e do Senado políticos ligados a essa base parlamentar. Políticos de oposição que apoiam os candidatos do Palácio do Planalto, principalmente na Câmara, que é quem dá inicio ao processo, estão ajudando Bolsonaro nesse intuito.

Estudo do Observatório do Legislativo Brasileiro, Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) mostra que o índice de aprovação das iniciativas do governo no Congresso tem ficado em 72,5%, abaixo dos outros presidentes recentes nesse período de mandato, só superior ao índice da ex-presidente Dilma Rousseff, que era de 58,2% perto de seu impeachment.

Essa adesão basicamente reflete a presença do Centrão, mas também um tipo de chantagem política. O Centrão sempre cobra mais. Agora mesmo pode fazer os presidentes da Câmara e do Senado, e vai controlar o processo legislativo. Esse controle vai exigir do governo uma negociação muito mais aprofundada.

Seus líderes já estão querendo tirar os militares do Palácio do Planalto, nomear o Chefe do Gabinete Civil, hoje ocupado pelo General Braga Neto, o ministro responsável pela Secretaria de Governo, General Luis Eduardo Ramos, desmembrar o ministério da Economia para fazer outros, e cada vez mais, Bolsonaro vai ficar nas mãos deles. Quando o debate sobre impeachment aumenta, aumenta também a necessidade de apoio do Centrão e do futuro presidente da Câmara.

Bolsonaro está entrando numa fase muito perigosa, porque, caindo a popularidade dele como está caindo, e ficando refém do Centrão, vai entregar todos os anéis até não conseguir mais. Se a economia, como tudo indica, for perdida novamente, a crise social vai se agravar. Não é à toa que os dois candidatos do governo, na Câmara e no Senado, estão defendendo a volta do auxílio emergencial.

É esse auxílio que fez a popularidade de Bolsonaro, e pode vir a servir novamente. Corremos o risco de uma crise social grande, o governo rompendo o teto de gastos, sem compromisso com o equilíbrio fiscal, para manter a popularidade. A sorte dele é que não há possibilidade de fazer grandes manifestações populares nas ruas, por causa da pandemia de Covid-19. Não há aglomerações populares, como um jogo de futebol, onde os torcedores xingavam Dilma - ele que tem mania de aparecer nos campos de futebol. Não há carnaval, momento em que as pessoas extravasam suas emoções - e certamente Bolsonaro seria o “grande homenageado”, porque a crise da vacina é brutal.

Ele está caminhando para um 2021 muito difícil, e se a coisa se normalizar, em 2022, durante a campanha, corre o risco de ser impedido. Kathryn Hochstetler mostra que presidentes com minoria no Congresso são alvo mais comum de contestações. "De modo geral, os presidentes cujos partidos tinham minoria no Congresso apresentavam uma tendência maior tanto para serem contestados por atores civis, quanto para caírem”.

Os protestos de rua “são decisivos nos estágios finais de um processo contra um presidente". A professora Kathryn Hochstetler diz que a os protestos de rua em larga escala, "clamando pela saída do presidente, convenceram os legisladores a se inclinarem a agir contra eles". Os protestos têm também a capacidade de "transferir antigos partidários do presidente para a oposição, mesmo contra seus colegas de partido".

Há, no entanto, uma nova visão do impeachment, que está em curso nos Estados Unidos, e já foi usado aqui contra o ex-presidente Michel Temer: uma punição simbólica, para impor desgaste político e limites aos acusados. Nenhum presidente sai fortalecido de um processo de impeachment.


Bruno Carazza: Cheiro de reforma no ar

Não importa quem vença, Bolsonaro terá que mudar

Arthur Lira (PP) ou Baleia Rossi (MDB)? Simone Tebet (MDB) ou Rodrigo Pacheco (DEM)? A disputa para o comando da Câmara e do Senado entra na semana decisiva, e o envolvimento direto do presidente da República nas negociações comprova que tudo voltou ao normal na política brasileira.

A Lava-Jato abalou as estruturas do sistema partidário, e a eleição de Bolsonaro foi anunciada como o fim da “velha política”. Apenas dois anos depois, o presidencialismo de coalizão, explicado lá atrás, em 1988, por Sérgio Abranches, dita mais uma vez o ritmo de funcionamento da nossa instável democracia.

A partir da próxima segunda-feira a (01/02) o destino do país estará nas mãos de filhos de políticos tradicionais - Benedito de Lira, Wagner Rossi e Ramez Tebet. Pacheco, por sua vez, vem de uma família de proprietários de empresas de ônibus, um setor tradicionalmente dependente e credor de poderosos. Brasília girou, girou, e parou no mesmo lugar.

Também não é estranho que os quatro principais candidatos à presidência das Casas Legislativas venham de partidos herdeiros dos dois grandes blocos conservadores sob os quais se estruturou nosso sistema político desde a ditadura militar. Enquanto PP e DEM são filhos legítimos da Arena, o MDB de hoje, apesar de ter se despido do “P”, nunca deixou de ser o que restou de mais retrógrado da legenda original de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves.

Como um pêndulo, todos os presidentes brasileiros desde a redemocratização tiveram que recorrer aos filhotes da velha Arena ou do velho PMDB para se equilibrar no poder - embora nem todos tenham conseguido completar a travessia sem cair.

Sarney convocou, em diferentes momentos, caciques como Jorge Bornhausen, Hugo Napoleão e Prisco Viana (egressos da Arena) e Iris Rezende (PMDB) para tentar dar base de sustentação ao Plano Cruzado (1986), influenciar a nova Constituinte para obter um quinto ano de mandato (1987/1988) ou abafar uma CPI e um pedido de impeachment (1989).

Quando as denúncias de corrupção começaram a pipocar, no início de 1992, Collor, que se elegeu prometendo que “um novo tempo iria começar”, trouxe para seu governo raposas como Célio Borja, Affonso Camargo e Reinhold Stephanes. Tudo em vão.

Fernando Henrique se elegeu anunciando uma “aliança programática” do PSDB com o PFL (atual DEM). Porém, à medida em que as reformas emperravam, ou a sua popularidade afundava com as denúncias de compra de votos para a reeleição e as crises do Real, teve que ir fazendo concessões e abrigar em seu ministério figuras como Renan Calheiros (Ministro da Justiça), Eliseu Padilha (Transportes) e Ney Suassuna (Integração Nacional).

Lula e o PT também chegaram ao Planalto garantindo renovação, mas já ao fim do primeiro ano tiveram que aceitar Eunício Oliveira e Alfredo Nascimento. Veio o mensalão e embarcaram Saraiva Felipe, Hélio Costa, Márcio Fortes e Silas Rondeau e companhia limitada. No segundo mandato ainda se juntaram Carlos Lupi, Geddel Vieira Lima e Wagner Rossi - tudo em nome da governabilidade.

Dilma já iniciou seu mandato com um amplo ministério que mesclava petistas-raiz com uma ampla base onde cabiam Edison Lobão, Garibaldi Alves, Fernando Bezerra, Mário Negromonte, Carlos Lupi e Alfredo Nascimento. Quando sua popularidade despencou, teve que nomear Marcelo Crivella, Gilberto Kassab, Helder Barbalho, Armando Monteiro e Henrique Eduardo Alves. Nada disso impediu sua queda no início de 2016.

A história brasileira demonstra que crises econômicas, aprovação popular em baixa e dificuldades de sustentação no Congresso sempre forçam o presidente da República a ceder à “velha política” - representada tanto pelo Centrão quanto pelo “pemedebismo”, como diria Marcos Nobre, atual presidente do Cebrap e que por muito tempo ocupou este espaço.

Desde a posse, Bolsonaro mexeu pouco no seu time, na maioria das vezes motivado por intrigas internas (Bebianno, Santos Cruz, Abraham Weintraub e Marcelo Álvaro Antônio) ou desentendimentos com o ex-capitão (Mandetta e Moro). À exceção da nomeação de Fábio Faria, até hoje o presidente resistiu a abrir as portas de seu primeiro escalão para construir alianças partidárias.

Com índices de rejeição em alta e os colapsos na saúde e na economia, Bolsonaro certamente terá que engolir em seco e fazer como todos os seus antecessores para dissipar a tempestade perfeita que se forma no horizonte.

Olhando o ministério atual, há postos cativos de militares, evangélicos, olavistas, agronegócio e da predileção pessoal do presidente - além de Paulo Guedes, que anda bastante sumido ultimamente. Numa eventual reforma ministerial, pastas com grande orçamento em tempos de pandemia e de uma eventual terceira onda do auxílio-emergencial serão bastante cobiçadas pelo Centrão: Saúde, Educação e Cidadania.

Independentemente de quem vença as eleições para as presidências da Câmara e do Senado, Bolsonaro certamente sairá perdendo.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”


Folha de S. Paulo: Eleição na Câmara vai definir apoio de empresários a Bolsonaro

Estratégia de vacinação é uma das críticas dos acionistas das principais empresas brasileiras

Bruna Narcizo, Folha de S. Paulo

A eleição da Câmara dos Deputados vai definir quais serão os rumos políticos que os empresários que estão descontentes com a gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) irão escolher.

O presidente tem recebido duras críticas, inclusive de apoiadores, pela demora na aprovação da agenda de reformas econômicas.

O descontentamento foi agravado pelas decisões tomadas pelo governo federal com relação às medidas feitas para mitigar os efeitos da pandemia do novo coronavírus e, sobretudo, na condução da compra das vacinas.

Na avaliação deles, no entanto, caso a eleição, que ocorre no dia 1º de fevereiro, seja vencida pelo deputado Arthur Lira (PP-AL) —candidato do Planalto e favorito ao pleito—, a agenda econômica proposta pelo ministro Paulo Guedes (Economia) terá mais chance de avançar.

A vitória de Lira e a aprovação das medidas acalmariam os ânimos do empresariado brasileiro. Apesar das crescentes críticas a Bolsonaro, muitos seguem apoiando as propostas econômicas de Guedes.

Na hipótese de vitória do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), candidato que tem o apoio do atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do PT, os empresários enxergam que a agenda teria mais dificuldades de ser aprovada, o que poderia tornar o apoio ao presidente insustentável.

Folha conversou com grandes empresários que são acionistas das principais empresas da indústria, do entretenimento, dos serviços e do varejo, muitos com a condição de que seus nomes fossem mantidos em sigilo, e nenhum deles acha que um eventual impeachment está posto na mesa.

E que um cenário como o que ocorreu com Dilma Rousseff (PT), que sofreu debandada da classe empresarial após a vitória de Eduardo Cunha (MDB-RJ) para o comando da Câmara —em oposição ao governo da petista—, é um panorama ainda distante. Dilma sofreu impeachment em 2016.

Neste momento, nenhum dos empresários com os quais a reportagem conversou, mesmo aqueles que desde o início não são simpáticos ao governo, apoia um pedido de impeachment. Dizem até que o impedimento não pode ser usado como artifício para destituir presidentes que não estejam fazendo o que a população espera.

Porém, tudo vai depender do andamento das reformas, que, na visão dos empresários, serão fundamentais para a recuperação e o aquecimento do ambiente econômico, que está em uma situação muito delicada em razão da crise deflagrada após a pandemia.

Não tenho decepção nenhuma com o Bolsonaro. Nem eu nem meus amigos. Se ele conseguir um presidente da Câmara decente, vai conseguir aprovar as reformas ou parte delasJoão Carlos Camargo

Dono da Alpha FM

Camargo costuma reunir em sua casa candidatos e políticos e recebeu o apresentador Luciano Huck para um jantar com outros 20 empresários em novembro do ano passado.

O empresário afirma ainda que Maia não deu andamento adequado às reformas que já foram apresentadas.

Ainda assim, além do ambiente econômico, também vai pesar na avaliação dos empresários a condução na vacinação da população contra a Covid-19.

Existe uma preocupação quase unânime com a demora nas medidas tomadas pelo governo sobre esse tema —muitos já reclamaram publicamente.

É o caso de Horácio Lafer Piva, da Klabin. Segundo ele, o governo colhe o que planta.

“Não se muda em dias as bobagens que se vem fazendo por meses, seja na negação, incompreensão ou desorganização. Um espetáculo burlesco se não fosse tão triste. Os empresários estão de mangas arregaçadas, muita gente ajudando, uma rara unanimidade quanto à necessidade de envolvimento, mas a importância do poder público é fundamental.”

Piva afirma que parte do trabalho dos empresários tem sido convencer o governo quanto ao sentido de urgência. “Os números falam por si.”

O QUE QUEREM OS EMPRESÁRIOS

  • Redução do Custo Brasil Esse custo é o conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas e econômicas do país. Entre outros, pedem segurança jurídica, crédito e juros baixos
  • Reforma administrativaTrata do funcionalismo público. A proposta foi enviada pelo governo à Câmara dos Deputados em setembro do ano passado, mas segue sem previsão de análise
  • Autonomia do Banco Central Projeto de lei já foi aprovado pelo Senado em novembro e está na Câmara. Prevê mandato para o presidente e diretores da instituição, novas regras para suas demissões e também apresenta novas atribuições para a autoridade monetária
  • Concessões e privatizaçõesO atual governo esta há dois anos no poder sem vender estatais. Há uma série de concessões previstas para 2021
  • Pacto FederativoA PEC do Pacto Federativo, texto criado pela equipe de Paulo Guedes para cortar despesas e abrir espaço para outros gastos, já sofreu críticas do presidente Bolsonaro e está pendente de análise no Legislativo
  • Redução da dívida públicaNo Brasil ela superou 90% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2020 e já há projeções indicando que chegará a 100% do PIB
  • Respeito ao teto de gastosO teto é visto pelo mercado como âncora fiscal do país. Há pressão no Congresso para que ele seja flexibilizado
  • Combate à Covid-19Os empresários cobram imunização coletiva imediata. O Brasil, porém, segue atrás de outros países na vacinação da população e enfrenta dificuldades na importação de vacinas e insumos​

O descontentamento também atingiu entidades que representam setores nacionais. Tanto é que dois manifestos endereçados ao governo federal foram publicados na semana passada.

Na terça-feira (19), 22 entidades publicaram um anúncio intitulado “Prioridade para Todos os Brasileiros”. Nele, entidades como a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias) e a Associação Comercial de São Paulo pedem prioridade no ajuste fiscal e respeito ao teto de gastos.

Na segunda-feira (18), a Coalizão Indústria, que reúne 14 entidades industriais do Brasil, lançou um manifesto pedindo a aprovação de reformas que ajudem na redução do chamado custo Brasil.

Foram os membros da Coalizão que, em maio de 2020, andaram ao lado de Bolsonaro e ministros do governo até o Supremo Tribunal Federal para apelar pela redução de medidas restritivas impostas no início da pandemia.

Um dos membros da Coalizão é José Ricardo Roriz Coelho, presidente da Abiplast (Associação Brasileira da Indústria do Plástico), que também participou da caminhada com o presidente em maio.

“A perspectiva era que 2021 seria um ano melhor. Mas estamos começando com muitas dívidas e com o atraso da vacinação. O governo de São Paulo até fez um trabalho correto, mas não é suficiente para o Brasil todo”, diz Roriz.

A vacinação tem sido uma das principais preocupações dos empresários. Já há até grandes grupos dispostos a doar vacinas para o SUS (Sistema Único de Saúde).

Uma proposta nesse sentido foi feita em uma reunião com membros do governo federal organizada pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) no dia 13 deste mês.

Na ocasião, a proposta foi recusada pelo governo, mas a Folha apurou que já existem empresas se movimentando nesse sentido.

Segundo pessoas envolvidas nas negociações, há dois tipos de proposta: a das empresas que querem comprar vacinas e doar a totalidade para o SUS e a das que querem comprar para vacinar seus funcionários e doar uma outra parte.

Há ao menos um grande banco entre as empresas que estão verificando a possibilidade de compra de imunizantes.

As negociações, no entanto, ainda estão em um estágio muito prematuro.

Existe uma urgência entre os empresários com relação à imunização de seus funcionários. A maior parte da força de trabalho reúne pessoas com idade entre 20 e 50 anos —grupos etários que não são prioritários para receber a vacina contra o coronavírus.


Ricardo Noblat: Acendeu a luz vermelha para a reeleição de Bolsonaro

Se tiver impeachment ainda vai demorar

Uma notícia boa para o presidente Jair Bolsonaro: a Câmara dos Deputados não deveria abrir um processo de impeachment contra ele. É o que pensam 53% das 2.030 pessoas em todo o Brasil entrevistadas por telefone pelo Datafolha nos últimos dias 20 e 21. O percentual era de 50% no início de dezembro. Os que defendiam o impeachment caíram de 46% para 42%. Parabéns, presidente!

Quanto ao mais descoberto pelo Datafolha, só tem notícia ruim – com efeito, em linha com pesquisas divulgadas nesta semana pelos institutos Paraná, Ipespe e IDEIA. Subiu de 32% para 40% os que avaliam o desempenho de Bolsonaro como ruim ou péssimo. Os que avaliam como ótimo e bom diminuíram de 37% para 31%. É a maior queda desde o começo do seu governo há dois anos.

Metade dos brasileiros considera que ele não tem capacidade para governar e não merece confiança. Nunca confiam em sua palavra 41% (eram 37% em dezembro) dos entrevistados, enquanto 38% o fazem às vezes (eram 39%) e 19%, sempre (eram 21%). Também pudera. Bolsonaro, hoje, diz uma coisa e amanhã o seu oposto. Fala mal das vacinas, depois as compra e fala mal outra vez.

As pessoas que têm medo de pegar o novo coronavírus estão entre as que mais rejeitam o presidente. A rejeição a ele entre os que têm muito medo de ser infectados pelo vírus saltou de 41% em dezembro para 51%. A aprovação caiu de 27% para 20%. Entre quem tem um pouco de medo de infectar-se, a rejeição subiu de 30% para 37%. A parceria com o vírus fez mal a ele.

O presidente é mais rejeitado entre os que ganham mais de 10 salários mínimos (52%), com curso superior (50%), mulheres e jovens de 16 a 24 anos (46%). Os mais ricos e instruídos são os que menos confiam nele, bem como os jovens. Os empresários – sabe como é… – seguem sendo o grupo profissional mais fiel a Bolsonaro. 58% acreditam na sua capacidade de governar.

O que explica a quantidade de más notícias para o presidente? O recrudescimento da pandemia com o aumento de casos e de mortes em todo o país, a crise da falta de oxigênio em Manaus, a performance desastrosa do governo neste início da vacinação em massa e o fim do pagamento do auxílio de emergência em 31 de dezembro aos brasileiros mais pobres.

No Nordeste, por exemplo, a rejeição a Bolsonaro passou de 34% para 43%, e tende a aumentar. Em junho do ano passado foi de 52%. O maior tombo ocorreu no Norte, onde fica Manaus, e no Centro-Oeste, região que sempre foi um reduto dos bolsonaristas. Bolsonaro amarga 44% de rejeição no Sudeste, a região mais populosa do Brasil, 10 pontos percentuais a mais do que no Sul.

Sempre poderia ser pior, e é nisso que se agarram os ministros de Bolsonaro e os políticos do Centrão gulosos por mais cargos no governo. Quanto mais crescerem as dificuldades para o presidente renovar seu mandato, mais o Centrão se oferecerá para ajudá-lo. Caso se convença mais adiante que Bolsonaro será derrotado, o Centrão negociará com quem possa se eleger.

Quem dispensa máscara e se aglomera é burro

Desabafo de prefeitos aflitos

Nas últimas 48 horas, dois prefeitos de grandes cidades perderam a paciência e chamaram de burros os que dispensam o uso de máscara, engrossam aglomerações e não querem se vacinar..

Um foi Alexandre Kalil (PSD), prefeito reeleito de Belo Horizonte no primeiro turno com a maior votação do país – 63,36% dos votos válidos. Foi curto e grosso, bem ao seu estilo:

 “Eu confio 200% na vacina, eu confio na ciência. Nós temos uma tradição de vacinas no Brasil. Todo mundo tem de se vacinar, quem não quer é negacionista, idiota e burro.”

O outro, Eduardo Paes (DEM), prefeito do Rio, eleito no segundo turno com 64,7% dos votos válidos, quase o dobro de Marcelo Crivella (Republicanos), seu adversário. Disse Paes:

“Para vocês que sabem que não vão pisar nas baladas, nas festas, deixem de ser burros. Vocês estão matando as pessoas”.

No Rio, todas as 33 Regiões Administrativas da cidade têm, agora, risco alto de contágio. Eram 25 na semana passada. Em São Paulo, só os serviços essenciais poderão abrir nos fins de semana.

Enquanto isso… No dia em que o governo federal celebrou a chegada de 2 milhões de doses de  vacinas da Índia, o presidente Jair Bolsonaro voltou a falar mal das vacinas. Faz sentido?

Antes, Bolsonaro falava mal apenas da Coronavac, a vacina chinesa bancada pelo governador João Doria (PSDB), de São Paulo, e produzida pelo Instituto Butantan. Agora, não faz distinção.

Esta semana, à falta do que fazer ou de querer fazer alguma coisa, Bolsonaro passou um largo pedaço de tarde assistindo ao treino do Flamengo que enfrentaria o Palmeiras em Brasília. Foi vaiado.

Se a Índia não se dispuser a vender mais vacinas da Astra/Zêneca, as que chegaram ontem aqui darão para imunizar apenas 1 milhão de pessoas. São duas doses por pessoa.

A China prometeu doar 1.700 cilindros de oxigênio para que Manaus volte a respirar relativamente em paz. Sobre a remessa de insumos para a fabricação da Coronavc, nada por ora.

Nesse ritmo, o Brasil entrará em 2022 vacinando e com mais mortos e doentes. Culpa do governo federal – e também dos milhões de burros que pastam por aí.


Ascânio Seleme: De costas para o Brasil

Ao que parece, mais uma vez o Congresso vai dar as costas aos brasileiros. Os números apurados pelo GLOBO e pela Folha de S. Paulo indicam que o deputado Arthur Lira e o senador Rodrigo Pacheco devem ser eleitos presidentes da Câmara e do Senado. Os dois, como se sabe, são os candidatos apoiados por Jair Bolsonaro. Pacheco em duas entrevistas disse que até agora não viu crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente e que “erros do governo na pandemia são escusáveis”. Lira não precisa dizer nada, todo mundo sabe o que ele pensa e como ele age.

O que se desenha com a eleição destes dois senhores é que os evidentes crimes praticados por Bolsonaro, contabilizados já na casa das duas dezenas, serão ignorados pelo Congresso. E obviamente também não tramitará qualquer outra denúncia por novos crimes que certamente o presidente perpetrará. Até o momento, 61 pedidos de impeachment de Bolsonaro foram encaminhados ao Congresso por partidos políticos e entidades civis. O presidente deveria ser julgado por apoiar o golpe de 1964, apoiar motim da PM, tentar interferir na PF, apoiar manifestações antidemocráticas, se calar diante de declarações antidemocráticas de ministros, ameaçar o STF, ameaçar procuradores, atentar contra a vida na pandemia, entre outros crimes.

Como se vê, o presidente do Brasil é um criminoso contumaz. E a maioria dos 594 deputados e senadores que vão eleger os novos chefes das duas casas do Congresso tende a se alinhar àqueles que já disseram publicamente que os erros de Bolsonaro são desculpáveis ou que ele não cometeu crime. Não precisa ser muito esperto para entender o que a constatação explica. E a sua compreensão depõe ainda mais contra o Congresso brasileiro. Deputados e senadores estão trocando votos por cargos, vantagens e benesses do poder executivo, como sempre. Em alguns casos, compreende-se. Em outros, não.

Não surpreende, por exemplo, que mesmo alguns parlamentares do DEM de Rodrigo Maia, que apoia Baleia Rossi para dirigir a Câmara, votem em Arthur Lira. O Democratas é um partido de aglomeração. Reúnem-se nele políticos de centro, de centro-direita ou de direita. O partido não vota monoliticamente como orientação política, mas sempre apoia medidas de caráter liberal. Sucessor da Arena e do PDS, que dominaram o Congresso durante a ditadura, virou coadjuvante em todos os governos civis desde José Sarney. O DEM é conhecido pelo seu gosto de apoiar governos, não importa qual.

Os senadores do PT, por outro lado, anunciaram que vão votar em Rodrigo Pacheco. E não é por falta de opção. Significa que o maior partido de esquerda do país, teoricamente o principal opositor do governo de extrema direita de Bolsonaro, se alia a este e como consequência o auxilia a encobrir seus crimes de responsabilidade. Um petista que circula pelos altos escalões do partido diz que no Senado “o bicho é outro”, que as razões internas superam as questões partidárias. Como? Pois é. O partido que em 1985 expulsou os deputados Airton Soares, Bete Mendes e José Eudes, que votaram em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, vai permitir agora que seus senadores votem com Bolsonaro.

No meio do caos que o governo promoveu no país, especialmente durante a pandemia que já matou mais de 210 mil brasileiros, é incrível que Bolsonaro ainda tenha prestígio no Congresso a ponto de conseguir eleger os presidentes de Câmara e Senado. Sob qualquer ângulo que se olhe, nenhum presidente desde Deodoro da Fonseca, que derrubou um império e instaurou uma república, tumultuou tanto o país quanto Bolsonaro. O Congresso é cego? Não, claro que não. Ele se faz de cego porque as votações para presidentes das duas casas serão secretas. E no escuro tudo fica mesmo muito embaçado.

Antes de a vaca ir de vez para o brejo, dá tempo para o presidente Rodrigo Maia cumprir seu papel histórico antes do fim do seu mandato, aceitando um dos 61 pedidos de impeachment de Bolsonaro que repousam em sua mesa. Não vale dizer que o processo daria em nada. Porque não é verdade. Impeachments são votados a plenos pulmões, a viva voz e com o rosto descoberto dos parlamentares, que usariam no máximo uma máscara profilática, pelo menos os não negacionistas. Aí a coisa muda, não é mesmo? Apoiar publicamente um presidente com popularidade de míseros 26% (Pesquisa Exame/Idéia) é diferente de votar num parlamentar bolsonarista, ainda mais protegido pela escuridão.

CONTANDO COM O OVO

A turma do deputado Arthur Lira, candidato de Bolsonaro à presidente da Câmara, garante que vai ganhar a eleição em fevereiro, quando os deputados voltarem do recesso parlamentar. Diz que vai fazer barba, cabelo e bigode.

Um dos mais fiéis deputados da base governista afirma que Lira fará maioria de votos até mesmo no DEM de Rodrigo Maia, o que seria um vexame para o filho de Cesar. O fato é que Lira está contando com o ovo mesmo sem antes ter combinado com a galinha.

A MELHOR ESCOLHA

Bolsonaro pode ter se frustrado com seus escolhidos para os ministérios da Justiça e da Saúde. Afinal, Sergio Moro e Luiz Mandetta não o obedeceram cegamente quando as primeiras demandas absurdas foram apresentadas. Moro não entregou o controle da PF ao presidente e Mandetta não endossou bestamente a cloroquina. Mas de onde menos se esperava é que veio o melhor cúmplice, quero dizer, o melhor aliado ou a melhor escolha de Bolsonaro. Trata-se do procurador-geral da República, Augusto Aras. Logo ele, quem tem mandato e prerrogativas.

BOBALHÃO

O chanceler Ernesto Araújo disse ao Congresso que não há nenhuma crise diplomática entre o Brasil e a China. As negociações entre os dois países seguem sem sobressalto, garantiu o ministro que apenas a ala fascista (que muitos chamam de ideológica) do governo apoia. Quem acha que a China é pragmática demais para retaliar, veja o que ela fez na quinta com líderes do governo Trump. Até Mike Pompeo, ex-secretário de Estado dos EUA, não pode mais entrar no país. Se alguma empresa americana o empregar, terá eventuais contratos com o gigante asiático suspensos. Outros 26 apoiadores ou membros da equipe de Trump receberam as mesmas sanções. Quem sabe Ernesto Araújo não toma emprestado o hipnotizador do general Pazuello para negociar com os chineses.

Vai ser bobo assim lá na China.

CARTA DO BOZO

Quem escreveu a carta que Jair Bolsonaro mandou para o recém empossado presidente dos Estados Unidos? Não importa, desde que seja imediatamente nomeado ministro das Relações Estrangeiras. Ou, não. Pode ser mais uma falsidade emanada daqueles porões escuros do Planalto.

SE FOSSE SERRA

Foi em 2001, na gestão do ex-ministro das Saúde José Serra, que o Departamento de Comércio dos Estados Unidos e os laboratórios globais produtores de medicamentos contra a Aids se dobraram ao Brasil e passaram a negociar preços. Depois de muita pressão de Serra no Congresso, tinha sido aprovada lei autorizando a quebra de patentes dos remédios que compunham o coquetel anti HIV. As negociações, que só ocorreram para evitar a quebra daquelas patentes, foram uma vitória brasileira e os preços despencaram. A lógica de Serra vale ainda hoje: o mercado nacional é muito grande para ser tratado com descaso e o Estado brasileiro é um dos maiores compradores globais de remédios. Depois da pandemia, o mundo continuará consumindo medicamentos para todas as outras doenças.

FALTAM LEITOS

Os dados são do IBGE. Enquanto a população brasileira cresceu 8,4% entre 2012 e 2019, o número de leitos do SUS, por mil habitantes, caiu 12,8%. No Rio, no mesmo período, a população cresceu 6,4% e os leitos do SUS diminuíram inacreditáveis 28,4%. Pode?

VACINA PRIVADA

Faz sentido impedir que clínicas e empresas privadas comprem diretamente lotes de vacinas para vender aos seus clientes ou para aplicar em seus empregados. Afinal, estamos falando de uma pandemia que alcança a todos indistintamente, mesmo os desempregados e aqueles que não teriam dinheiro para comprar uma dose privada. Mas há quem defenda a liberação, que poderia reduzir a pressão sobre a rede pública. Pode ser. Mas, talvez mais adiante.

AGORA VAI

Rebuliço no Palácio da Paz Celestial. Chegou a carta do deputado Fausto Pinato (presidente da Comissão Parlamentar Brasil/China) para o líder Xi Jinping pedindo prioridade para o Brasil na liberação das vacinas e dos insumos necessários para a sua produção. Não se fala de outra coisa em Pequim.

PAPO ADIADO

Algumas horas antes do início previsto, foi cancelado o bate papo organizado pela Lide Talks de Santa Catarina entre o governador Gean Loureiro e o deputado estadual Júlio Garcia, presidente da Assembleia Legislativa do estado. É que no amanhecer do dia do “talk”, Garcia foi preso pela PF numa operação contra uma organização criminosa especializada em fraudes, desvios de verbas públicas e lavagem de dinheiro. Fica para a próxima.


Marco Aurélio Nogueira: O presidente caricato

Democratas precisam evitar que Bolsonaro passe a controlar o Poder Legislativo

Surpreende que o mundo político, em sentido estrito – Congresso, parlamentares, partidos –, somente agora comece a cogitar de um possível impeachment presidencial por crimes de responsabilidade.

Quando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ativo militante do moderantismo, veio a público declarar (15/1) que o afastamento de Bolsonaro do cargo de presidente da República “será debatido de forma inevitável no futuro”, ele deu o tom de uma inflexão que se poderá consolidar nos próximos meses. Aproveitou para chamar às falas o Congresso, que inexplicavelmente se mantém em recesso enquanto o País pega fogo.

Bolsonaro não havia sido, até agora, atingido por uma ameaça desse tipo. A primeira etapa de seu mandato foi um período de desgoverno e tragédia, em que ele pintou e bordou, agindo com uma mistura patética de tiranete, chefe de gangue e godfather tropical. O escárnio diante do vírus, do povo, da vacina e dos cientistas foi constante, mastigado com indiferença e como prova de “autenticidade” por uma população em grande parte anestesiada. Com a pandemia, sua personalidade desequilibrada e narcisista ganhou plena manifestação. Os meses foram se passando e os estragos, aumentando. Seu prontuário engordou.

O presidente fez política contra a política, empenhado em criar confusão para camuflar sua incompetência e atiçar seus seguidores. Em nenhum momento, porém, pôde proclamar-se vitorioso.

O padrão oposicionista seguiu roteiro conciliador, que travou os planos maléficos do presidente. Fez o rei ficar nu. Meio que em silêncio, com muito jogo de bastidores, possibilitou que houvesse alguma governação no Brasil, paralisando a Presidência da República.

Bolsonaro foi reduzido a uma caricatura de presidente, que fala compulsivamente, de modo agressivo, com cálculo de malandro, boca cheia de impropérios e grosserias, mas é inepto e pouco faz de positivo. Age como um animal encurralado, que ameaça sem morder. Continua a atacar as instituições, a instigar as Forças Armadas, a ameaçar retrocessos. Com os venenos que produz na cozinha do Palácio constrói um imaginário negativo, polarizador, que confunde e corrói. Suas orientações esvaziam e destroem setores estratégicos das políticas sociais, dos direitos humanos, da economia, da proteção ambiental. Sua indigência diplomática comprometeu até mesmo a produção das vacinas e a campanha de vacinação.

A oposição teve sucesso nessa que a mente afiada do cientista político baiano Paulo Fábio Dantas Neto chamou de “estratégia maricas”: o bolsonarismo foi forçado a negociar.

Os humores mudaram, porém. Quanto mais a pandemia se agravou, quanto mais os ministros de Bolsonaro mostraram sua desqualificação, quanto mais o País se foi marginalizando no sistema internacional e fracassando no comércio bilateral, mais aumentou a pressão para o encontro de uma solução.

Abriu-se assim uma nova etapa da luta política. Ainda que a “estratégia maricas” consiga continuar arrancando a fórceps decisões do governo federal, ela precisa ser complementada por uma estratégia mais contundente, que aperte o cerco, mas saiba evitar tentações polarizadoras, escolhos e armadilhas.

A nova fase transcorrerá em algumas frentes principais.

A primeira é a afirmação de um campo oposicionista democrático consistente, que consiga soldar os diferentes partidos e forças políticas numa unidade programática mínima, forjada sem vetos ideológicos, firulas acadêmicas e cálculos políticos sofisticados.

A segunda é a organização do clamor popular, com a invenção de formas de protesto que aumentem o som das panelas e contornem a dificuldade de se ter gente nas ruas.

A terceira é o processamento político das denúncias de crime de responsabilidade contra Bolsonaro. Disso dependerá a abertura ou não do impedimento constitucional do presidente. Por mais que esse seja um passo delicado, sobretudo quando se considera que o presidente tem apoio popular e parlamentar, há no Congresso lideranças com inteligência política e dignidade cívica para impedir que as labaredas da crise institucional incendeiem o País.

No curto prazo, uma quarta frente passa pelo desfecho da disputa pelas presidências da Câmara e do Senado. Muitos parlamentares estão em flutuação, marcando posição, sem compreender a importância de um evento que poderá definir muito do ritmo político daqui para a frente. Mas é o que se tem. Os operadores democráticos precisarão trabalhar dobrado, sensibilizar setores do Centrão e da esquerda para evitar que Bolsonaro passe a controlar o Poder Legislativo.

O recurso ao impeachment poderá catalisar o mal-estar que hoje, impregnado de horror, medo e repulsa, se espalha pela sociedade. Como está não pode ficar. A perspectiva conciliadora, vitoriosa em nossa História recente, só tem a ganhar se adquirir corpo e poder de direcionamento, contrapondo ao negativismo radical do presidente o ar renovado da política positiva. Sem o qual, aliás, nenhum vírus será derrotado.

*Professor titular de teoria política da Unesp


El País: Popularidade de Bolsonaro despenca ante piora da pandemia e fim do auxílio emergencial

Pesquisa Datafolha aponta aumento da desaprovação no Norte e no Nordeste, e levantamento da XP/Ipespe indica piora na percepção da atuação do presidente para enfrentar o novo coronavírus

Rodolfo Borges, El País

O presidente Jair Bolsonaro começou o ano dizendo que o país está quebrado e que, portanto, ele não consegue “fazer nada”. As últimas pesquisas de opinião de uma série de institutos indicam, contudo, que a população espera, cada vez mais, que o presidente faça alguma coisa. Um levantamento do Datafolha divulgado nesta sexta-feira aponta que a rejeição de Bolsonaro subiu para 40% desde dezembro, quando estava em 32%. já a aprovação caiu de 37% para 31% ―a maior queda desde o início de seu Governo. A última pesquisa XP/Ipespe, que circulou nesta semana, também mostra que o percentual de críticos do presidente (que foi de 35% para 40% em relação a dezembro) superou o de apoiadores (que caiu de 38% para 32%), algo que não acontecia desde julho do ano passado. Entre as razões apontadas por esses institutos de pesquisa para a mudança de humor dos brasileiros em relação ao presidente, estão o fim do auxílio emergencial e a forma como Bolsonaro tem lidado com a pandemia do novo coronavírus.

As análises são sustentadas pelos números das pesquisas. De acordo com o Datafolha, que ouviu 2030 pessoas em todo o Brasil por telefone, na região Nordeste, onde os moradores são mais dependentes do auxílio federal, a rejeição do presidente subiu de 34% para 43% ―até agora, a pior avaliação (ruim ou péssimo ) de Bolsonaro entre os nordestinos foi de 52%, em junho de 2020. Como se esperava, a retirada do auxílio emergencial para o enfrentamento da pandemia derrubou a última defesa de Bolsonaro contra o desconforto da população. Mas seu efeito na aprovação de Bolsonaro ainda pode ser sentido, como indica pesquisa PoderData divulgada na quinta-feira: entre aqueles que receberam o auxílio nos últimos meses, 52% aprovam o Governo, enquanto a maior parte do grupo que não o recebeu rejeita Bolsonaro (58%). O Instituto ouvi 2.500 pessoas por telefone.

Segundo o Datafolha, a maior queda na popularidade do presidente foi registrada no Norte, que, além de também depender mais do auxílio, viu a capital do Amazonas passar pelo desespero de não ter oxigênio para tratar seus pacientes. Desde de dezembro, o índice de ótimo e bom de Bolsonaro caiu de 47% para 36% por lá. Uma quarta pesquisa, da Exame/Ideia Big Data, deixa mais claro a influência da crise em Manaus na popularidade de Bolsonaro. Da semana passada para esta, a aprovação do presidente caiu de 37% para 26%, na maior queda semanal medida pelo instituto desde que ele assumiu o cargo ―60% dos entrevistados, aliás, consideram que o desempenho do presidente deve ser avaliado à luz do que acontece em Manaus.

“O movimento [de queda na popularidade] coincide com uma piora na percepção da atuação de Bolsonaro para enfrentar o coronavírus. São 52% os que a consideram ruim ou péssima, 4 pontos a mais que em dezembro”, diz o relatório da XP/Ipespe divulgado nesta semana ―o instituto ouviu 1000 pessoas por telefone entre 11 e 14 de janeiro. Não faltam exemplos para ilustrar esses números. Além de não ter conseguido prevenir a crise de saúde em Manaus, o Governo federal comprou todas as vacinas Coronavac produzidas pelo Instituto Butantan, mesmo depois de o presidente ter dito enfaticamente, três meses antes, que nunca o faria. Além disso, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que se mantém no cargo há meses porque, ao contrário dos dois antecessores, não ousa questionar as questionáveis posições do presidente, tentou convencer a população de que nunca tinha recomendado o controverso “tratamento precoce” contra a covid-19, apesar dos extensos registros de que o Ministério o fez.

O EL PAÍS publicou em primeira mão nesta semana um estudo em que Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e a Conectas Direitos Humanos diagnosticaram “a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”. Os pesquisadores analisaram 3.049 normas federais produzidas em 2020 e concluíram: “Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência de parte do governo federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados, ainda que incompletos em razão da falta de espaço na publicação para tantos eventos, revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo”.

Tudo isso se soma às declarações desdenhosas de Bolsonaro sobre a pandemia e sobre as vacinas que podem ajudar a controlá-la. Nesta sexta-feira, em mais uma tentativa de atingir o governador de São Paulo, João Doria, que avança politicamente contra o presidente ao promover a Coronavac pelo país, Bolsonaro disse a jornalistas em Brasília que o imunizante do Butantan “não está comprovado cientificamente”, apesar do aval emergencial da Anvisa para a vacinação. O resultado das atitudes e afirmações de Bolsonaro durante a pandemia deve começar a ser sentido nas ruas neste fim de semana, para quando movimentos à direita, como o Movimento Brasil Livre (MBL), e à esquerda, como a Frente do Povo sem Medo, agendaram manifestações.

Protagonistas do clamor popular pelo impeachment de Dilma Rousseff, MBL e Vem pra Rua chamaram atos para o domingo. Já a Frente do Povo sem Medo convoca carreatas pelo país para o sábado. A pressão popular visa a tirar Brasília da letargia contra Bolsonaro. Nesta sexta-feira, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski encaminhou à Procuradoria Geral da União uma notícia crime oferecida pelo PCdoB contra o presidente. O partido pede que Bolsonaro e o ministro Pazuello sejam responsabilizados pelo colapso do sistema de saúde de Manaus. “O encaminhamento foi feito, pois apenas o PGR pode oferecer denúncia pela prática de crime comum contra o Presidente da República e Ministro de Estado,”, justificou Lewandowski.

O procurador-geral Augusto Aras avisou em nota divulgada na quarta-feira, entretanto, que “eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República são da competência do Legislativo”. Apesar do desconforto causado pela manifestação entre os subprocuradores e mesmo no próprio STF, o procurador-geral deixou claro que não pretende incomodar o presidente no âmbito de suas política de enfrentamento à pandemia. Enquanto isso, o Congresso Nacional se prepara para uma sucessão que encaminha-se para colocar no comando da Câmara e do Senado nomes da preferência do Palácio do Planalto. Caso isso se confirme, a pressão popular daqueles que desaprovam o presidente terá de se manifestar de forma muito expressiva para conseguir algum efeito prático na capital federal.