apagão
"Apagão" foi erro interno e não ataque informático, diz Facebook
Afirmação é do vice-presidente de Infraestruturas, Santosh Janardhan
O Facebook excluiu a hipótese de que o "apagão" mundial dos seus serviços na segunda-feira (4), durante seis horas, tenha sido causado por um ataque informático e o atribuiu a um erro técnico interno.
Em um blog da empresa o vice-presidente de Infraestruturas da rede social, Santosh Janardhan, afirmou que os serviços não ficaram inativos por atividade maliciosa. Foi por "um erro causado por nós próprios", disse.
O "apagão" do Facebook e das suas plataformas Instagram, WhatsApp e Messenger começou minutos antes das 14h (hora local) e deixou sem serviço milhões de pessoas em todo o planeta.
Horas mais tarde, o próprio administrador e cofundador da rede social, Mark Zuckerberg, pediu publicamente desculpas.
Segundo a empresa de Menlo Park, cidade da Califórnia, os esforços que têm sido feitos nos últimos anos para proteger os sistemas de possíveis ataques externos foram uma das causas que fizeram demorar o tempo de resposta ao problema.
"Acredito que se o preço a pagar por maior segurança do sistema no dia a dia é uma recuperação mais lenta dos serviços, vale a pena", disse Santosh Janardhan no blog.
Telegram
A queda do Facebook e das demais aplicações levou o Telegram, um serviço de mensagens instantâneas (como o WhatsApp), a receber mais de 70 milhões de novas adesões, informou o fundador da rede, o russo Pavel Dourov.
O número de 70 milhões, em apenas um dia, levou Douruv a afirmar que foi "um aumento recorde no número de adesões" e que estava orgulhoso da equipe, que soube lidar com esse crescimento sem precedentes.
Na segunda-feira o serviço de mensagens Telegram passou de 56º para 5º lugar das aplicações gratuitas mais descarregadas nos Estados Unidos, segundo a empresa especializada SensorTower.
Fundado em 2013 pelos irmãos Pavel e Nikolai Dourov, que criaram anteriormente a popular rede social russa VKontakte, o Telegram disse que faz da segurança a sua prioridade e recusa-se geralmente a colaborar com as autoridades, o que levou a tentativas de bloqueio em alguns países, especialmente na Rússia.
Facebook nega versão
Vários executivos do Facebook procuraram desmentir, nessa terça-feira (5), a ex-empregada Frances Haugen, após o seu testemunho perante uma subcomissão do Senado dos EUA. O diretor executivo e cofundador do Facebook, Mark Zuckerberg, defendeu a empresa das acusações: "No cerne dessas acusações está a ideia de que damos prioridade aos lucros em detrimento da segurança e do bem-estar. Isso simplesmente não é verdade", disse Mark Zuckerberg em um longo post em sua página na rede.
O chefe do Facebook disse ainda que "muitas das acusações não fazem sentido" e que não reconhece "o falso quadro da empresa que está sendo pintado".
"O argumento de que promovemos deliberadamente conteúdos que enfurecem as pessoas para obterem lucro é ilógico. Ganhamos dinheiro com a publicidade e o que os anunciantes nos dizem constantemente é que não querem que os seus anúncios apareçam ao lado de conteúdos que sejam prejudiciais ou que gerem raiva", acrescentou.
Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-10/apagao-no-facebook-foi-erro-interno-e-nao-ataque-informatico
André Gustavo Stumpf: Belo Monte, inutilidade monumental
Neste momento crítico da geração de energia no Brasil, Belo Monte está operando com apenas a metade de uma turbina
André Gustavo Stumpf / Blog do Noblat / Metrópoles
A usina de Belo Monte, inaugurada em 2011, é um museu do desperdício ao ar livre. Uma representação concreta do assalto aos cofres públicos. Neste sentido é icônica. Estudos realizados nos anos 70 revelaram que o rio Xingu poderia receber uma ou mais hidrelétricas capazes de gerar milhões de quilowatts para o consumo, mas havia a sazonalidade. Seca e cheia.
O projeto recebeu pressões de todos os lados. Foi criado um grande e poderoso consórcio de empresas que construiu aquela monumental inutilidade.
Inútil porque foi prevista para gerar mais de 11.233 milhões de quilowatts/hora, a quarta maior do mundo, mas jamais alcançou este nível de produção. O rio Xingu, periodicamente baixa seu volume de águas. Os técnicos sabiam disso. Ainda assim construíram o monumento com 18 turbinas.
Neste momento crítico da geração de energia no Brasil, Belo Monte está operando com apenas a metade de uma turbina (cada turbina gera 600 quilowatts/hora, no momento produz 300), ou 2,67% da potência instalada. As outras 17 turbinas estão desligadas.
Sua direção cogitou até construir usina geradora de energia movida a óleo diesel para tentar repor parte do que foi prometido nos contratos de fornecimento, que não estão sendo cumpridos. As linhas de transmissão estão naturalmente ociosas.
A hidrelétrica foi construída no sistema chamado de fio d’água, técnica que dispensa a formação de grande reservatório. Isso aconteceu por pressão de organizações não-governamentais nacionais e estrangeiras, artistas de cinema norte-americanos, pressão de políticos e de grandes empreiteiras. O mais importante era superfaturar do que construir a obra.
O falecido Mário Henrique Simonsen, economista de enorme saber, dizia que é mais barato pagar a propina do que construir a obra. É o caso de Belo Monte. A situação é tão crítica que a empresa recebeu proposta, séria, para vender 3,5 mil metros cúbicos da madeira cortada na construção da barragem e de equipamentos necessários, com objetivo de produzir carvão para gerar energia elétrica. É o absurdo dos absurdos.
O Brasil está importando energia da Argentina e do Uruguai. Colocou para funcionar todas as usinas de energia movidas a gás ou a óleo diesel. Todas são poluentes e caras. O resultado vai para a conta do consumidor, duas vezes. Ele paga na sua conta particular e paga também no aumento dos produtos industrializados que exigem utilização de energia elétrica.
Produção de energia é algo sério. Seu planejamento deve andar dez anos na frente do consumo.
Neste momento, o Brasil está saindo da profunda recessão. O ministro Paulo Guedes celebra a chamada ‘retomada em V’. Alguém precisa avisar ao ministro que se o Brasil engatar crescimento econômico robusto vai encontrar o problema logo ali na esquina. Não há energia suficiente para a retomada robusta da economia.
As autoridades afirmam que o problema decorre da maior seca ocorrida no território nacional desde os anos 30 do século passado. Os reservatórios estão vazios. Hidrelétricas estão reduzindo sua geração porque as águas estão muito baixas. Algumas já estão no volume morto.
Não é consequência apenas da desorganização do governo Bolsonaro. Esta administração herdou o problema, mas não se preparou para enfrentar a estiagem embora a dificuldade tivesse sido anunciada no início do ano. Ao invés de ficar fazendo dança da chuva, na torcida para que as águas encham os reservatórios, é o momento de o governo radicalizar na busca de outras fontes de energia.
Antes que alguém lembre da nuclear, é mais fácil, barato e viável financiar a construção de usinas de energia eólica ou solar. Há tecnologia disponível no Brasil. O custo é infinitamente menor, o prazo de construção é curto, e podem começar a produzir rapidamente.
O presidente viajou para Nova Iorque acompanhado de séquito que não planejou agenda no exterior no momento especialíssimo da reunião anual das Nações Unidas. O presidente Biden se hospedou no mesmo hotel de Bolsonaro. Não se encontraram.
Foi um festival de bobagens, proibido de entrar em restaurantes, pizza na rua, discurso destinado a seu público, baseado em argumentos esotéricos e números inexistentes.
E sobreveio o grande final: o ministro da Saúde ficou lá preso numa quarentena. Ele contraiu o vírus da covid 19. Vexame internacional. O filho Eduardo, deputado federal que foi aos Estados Unidos fazer compras, também contraiu a doença. Vexame nacional.
Este governo, que não consegue organizar uma simples viagem, tem enorme dificuldade de planejar expansão do parque gerador de energia no Brasil.
André Gustavo Stumpf escreve no Capital Político. Formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou Jornalismo por uma década. Foi repórter e chefe da sucursal de Brasília da Veja, nos anos setenta. Participou do grupo que criou a Isto É, da qual foi chefe da sucursal de Brasília. Trabalhou nos dois jornais de Brasília, foi diretor da TV Brasília e diretor de Jornalismo do Diário de Pernambuco, no Recife. Durante a Constituinte de 88, foi coordenador de política do Jornal do Brasil. Em 1984, em Washington, Estados Unidos, obteve o título de Master em Políticas Públicas (Master of International Public Policy) com especialização política na América Latina, da School of Advanced International Studies (SAIS). Atualmente escreve no Correio Braziliense.
Fonte: Capital Político / Blog do Noblat - Metrópoles
https://capitalpolitico.com/inutilidade-monumental/
Adriana Fernandes: Governo evita falar, mas o país está sob risco de apagão
Crise hídrica no Brasil é gravíssima e o governo precisa com urgência 'dar a real' para a população sobre o cenário energético
Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo
A crise hídrica no Brasil é gravíssima e o governo precisa com urgência “dar a real” para a população sobre os riscos de racionamento de energia no País.
O Palácio do Planalto tem feito, no entanto, o contrário ao dar ordens para segurar a comunicação da crise para a população, seguindo o modus operandi no enfrentamento da pandemia da covid-19: o negacionismo do tamanho da encrenca. O governo atravanca a transparência necessária em um momento tão delicado para a economia, que combina alta de preços e risco de crise energética.
Há dois meses, o ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia, pediu, durante pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV, a “colaboração” da população para economizar energia e água devido à crise hídrica.
Na época, termos como racionamento e racionalização compulsória de energia foram proibidos de serem utilizados no governo depois que o Estadão/Broadcast antecipou o texto de uma minuta de medida provisória (MP) que previa a adoção desse tipo de medida.
De lá para cá, a crise se alargou. Um novo pronunciamento do ministro Bento estava marcado para a próxima segunda-feira para dar um alerta contundente à população, mas a sua fala foi cancelada.
Bento convocou na quarta-feira, 25, entrevista para anunciar um programa de redução voluntária voltado para consumidores residenciais, que começa em 1.º de setembro. O governo vai dar descontos nas contas de luz de consumidores residenciais que economizarem energia elétrica.
Mas o alerta do ministro foi contido e – por que não dizer? – reprimido no estilo “o gato subiu no telhado”. Bento falou que as perspectivas de chuvas até o fim do período seco deste ano (setembro e outubro) “não são boas no momento” e informou que os meses de julho e agosto registraram a pior quantidade de águas que chegaram aos reservatórios em toda a série histórica. A pior, a pior, a pior. Deveria ter repetido várias vezes.
Faltou contundência para mostrar a realidade. O ministro chegou a dizer que as medidas não se tratavam de racionamento. Um medo danado de falar essa palavra proibida no vocabulário do presidente Jair Bolsonaro.
Em vez disso, Bento disse, inclusive, que o governo não trabalhava com a hipótese de racionamento. Entre os técnicos, a recomendação era outra: a necessidade de maior assertividade e transparência.
A situação é bastante crítica na região Sul, que está sendo atendida com a energia acumulada do Nordeste. As perspectivas de chuva não estão se concretizando. Mas a piora se deu em todos os reservatórios.
Já não era hora de falar para a população de forma mais dura, alertando o que vem por aí? Sem rodeios.
Camuflar a gravidade pode custar caro no enfrentamento da crise que se agrava a passos largos, justamente no pior momento de alta dos preços. Os juros mais altos puxados pelo Banco Central já vão esfriar o processo de retomada do crescimento da economia brasileira. A crise hídrica piora esse futuro, porque tem um impacto grande sobre a capacidade de expansão do Produto Interno Bruto (PIB).
O resultado desse processo é a corrosão da expectativa futura de novos investimentos, como alertou o economista Fabio Terra, da Universidade Federal do ABC, em reportagem do Estadão de domingo passado sobre os riscos que fizeram os indicadores do mercado financeiro piorarem drasticamente neste mês de agosto.
É evidente que o governo quer evitar adotar o racionamento porque teme os seus efeitos nas eleições de 2022. Por outro lado, a energia com geração a qualquer custo tem seu preço. Muito alto ao provocar um tarifaço dos preços de energia.
Evitar falar em racionamento não garante bons resultados para ninguém. Não muda a realidade: o Brasil enfrenta a pior crise hídrica dos últimos 91 anos, com grave escassez nos reservatórios das principais usinas hidrelétricas e risco de apagão. Crise hidrelétrica sem rodeios.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-evitar-falar-em-racionamento-nao-muda-o-fato-de-que-pais-esta-sob-risco-de-apagao,70003821584
*Título do texto original alterado para publicação no site da FAP
Míriam Leitão: Crise se agrava no setor elétrico brasileiro
Governo está atrasado porque é negacionista também no assunto e tem medo da queda da popularidade de Bolsonaro
Míriam Leitão / O Globo
A crise no setor de energia se agravou nos últimos dois meses, mas os especialistas já haviam alertado que isso iria acontecer. Ontem o governo convocou a imprensa para anunciar que haverá três programas para redução de consumo. Um para as grandes empresas, um para os consumidores residenciais e outro para os órgãos federais. A coletiva foi marcada pelo improviso e pela falta de informações sobre o funcionamento e os custos dessas medidas. O ministro Bento Albuquerque continua errando na comunicação, ao afirmar que não trabalha com a hipótese de racionamento. Na prática, isso já começa a acontecer para os órgãos federais. O governo está atrasado porque é negacionista também nesse assunto e tem medo da queda da popularidade do presidente Bolsonaro.
Os programas de redução de consumo só foram apresentados agora, no oitavo mês do ano. As empresas dizem que levará tempo até que haja confiança para uma adesão expressiva. Os órgãos federais que descumprirem as metas não serão punidos. E o consumidor residencial não sabe quem pagará pelo seu bônus. O risco é que seja ele mesmo, com aumento de bandeira tarifária. Ganha-se um desconto de um lado, paga-se mais via encargos de outro. Os especialistas são unânimes em afirmar que não há uma campanha de comunicação que mostre a gravidade desta crise elétrica.
O nível de água dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste está em 22,7%, o menor patamar para agosto dos últimos 20 anos, superando inclusive 2001. Essas duas regiões representam 70% da capacidade de armazenagem do sistema. A situação é crítica. Circula a informação no setor de que o presidente Bolsonaro vetou um pronunciamento que seria feito pelo ministro Albuquerque em rede nacional na última segunda-feira. Bolsonaro não quer notícia ruim às vésperas das manifestações do 7 de Setembro. Trocou-se isso por uma coletiva transmitida pelo canal oficial do ministério nas redes sociais.
As grandes indústrias dizem que é cedo para avaliar a eficácia do programa de racionamento voluntário. O consumidor cativo pagará os custos da medida sob a forma de Encargo de Serviços do Sistema. Esse é o mesmo encargo que contabiliza os gastos com as termelétricas, que continuarão operando em carga máxima. Ou seja, um custo irá se somar ao outro. As indústrias temem que o voluntário vire compulsório.
— Como o governo é pouco confiável, se você entrar nisso ele pode te obrigar depois. É o risco de o governo forçar a mão caso a situação se agrave. Ainda não houve uma postura de real conversa com a sociedade, com abertura dos dados para todos os agentes sobre esta crise. Como confiar? — diz o representante de um setor industrial.
O ex-diretor-geral da ANP David Zylbersztajn, especialista em setor elétrico, afirma que o risco de faltar energia em horários de pico no final do ano tem aumentado. No passado, houve governantes que contaram com a sorte e a chuva os salvou, mas não se deve apostar nisso.
— Bolsonaro precisa entender que há um risco de 30% de faltar energia. É um percentual muito alto. Ele está apostando nos 70%. O Lula fez isso em 2008 e deu certo. A Dilma fez isso em 2014 e empurrou a crise para 2015. Mas é papel do governo pensar no pior cenário. Se ele acontecer, será dramático para a economia — afirmou.
O consultor Luiz Augusto Barroso, da PSR, diz que o cenário piorou muito em relação às suas análises anteriores e as previsões de chuvas para o mês de setembro não estão boas. Com o baixo nível de água, o sistema elétrico já está operando no limite, o que aumenta o risco de falhas nos sistemas de geração e transmissão. Ele acha que algumas medidas do governo têm dado certo, como a flexibilização dos limites de armazenamento e vazão de água das hidrelétricas e o aumento de importação de energia de países vizinhos. Sobre o programa de redução de consumo das residências, diz que é fundamental, mas ainda faltam detalhes.
— Disseram que o dinheiro não virá do Tesouro, mas da tarifa. Ainda está pouco claro sobre como isso vai funcionar — afirmou.
Itaipu está hoje gerando 39% da sua capacidade. Se não fosse a energia dos ventos e do sol, que não havia na crise de 2001, o Brasil já poderia estar em colapso. A eólica em agosto gerou 166% mais energia do que Itaipu no Brasil, e o sol chegou a 10 GW de potência instalada.
A crise hídrica impacta a economia dramaticamente e já está afetando as famílias pela inflação da energia. O governo ao atuar do lado da oferta — e só agora ter medidas para conter a demanda — está contratando aumentos futuros e elevando os riscos do país.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/crise-se-agrava-no-setor-eletrico.html
Apagão do CNPQ: Sistemas ficam fora do ar pelo quarto dia consecutivo e acesso ao Lattes é afetado
Cientistas brasileiros relatam dificuldade para acessar o currículo Lattes e outros sistemas do CNPq
André Biernath, da BBC News Brasil
O órgão, vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), está entre as principais agências de fomento à pesquisa no país e suas plataformas online são essenciais para a concessão de bolsas aos estudantes e para a coordenação de estudos entre diferentes grupos espalhados pelo Brasil e pelo mundo.
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Nas redes sociais, os cientistas estão usando o termo "apagão do CNPq" para se manifestar sobre a situação e contar como o trabalho deles é prejudicado por essa indisponibilidade.
O neurocientista Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), por exemplo, disse no Twitter que a situação representa "uma metáfora cruel para o que vive toda a comunidade científica brasileira diante de um governo que não acredita em ciência".
O apagão do CNPq é uma metáfora cruel para o que vive toda a comunidade científica brasileira diante de um governo que não acredita em ciência
— Stevens Rehen (@stevensrehen) July 27, 2021
Em nota enviada à BBC News Brasil, o CNPq informou que já identificou a causa do problema e que está tomando as providências para resolver a pane.
Qual o tamanho do problema?
Entre todos os sistemas afetados, aquele que vem gerando a maior comoção entre os especialistas é a indisponibilidade da Plataforma Lattes.
Descrita genericamente como um "Linkedin dos cientistas", trata-se de um site que reúne toda a trajetória acadêmica dos pesquisadores brasileiros (ou de estrangeiros que têm alguma relação com nosso país).
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Professores e estudantes cadastram ali as informações sobre a produção acadêmica, as pesquisas em andamento ou finalizadas, os artigos publicados, as bolsas conquistadas, entre muitos outros detalhes.
Ter esse currículo atualizado costuma ser uma das primeiras exigências a todos que integram a área acadêmica, especialmente na hora de se candidatar a projetos e vagas de iniciação científica, mestrado e doutorado.
Vale lembrar que estamos no meio do ano, período em que muitas instituições abrem as seleções de novos estudantes de pós-graduação, em que geralmente são avaliados os currículos Lattes dos candidatos.
O nome da plataforma é uma homenagem ao cientista brasileiro César Lattes, que fez importantes descobertas no campo da Física Atômica e foi um dos criadores do CNPq na década de 1950.
Mas o currículo não é o único sistema a sair do ar. A Plataforma Carlos Chagas, que reúne informações de grupos de pesquisa e bolsistas do CNPq, também está indisponível.
O mesmo vale para o Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil, outra base de dados importante para conhecer quais especialistas estão trabalhando em cada área.
Há outros sistemas internos do CNPq que parecem ter sido atingidos, mas ainda não há confirmação oficial desse fato.
O apagão do Lattes não é uma eventualidade descontextualizada. É um SINTOMA.
É o desmonte do CNPq esfregado na nossa cara
É consequência ÓBVIA da hostilidade permanente do atual governo contra a ciência brasileira
É resultado de política anunciada e aplaudida pelo bolsonarismo
— André Azevedo da Fonseca (@azevedofonseca) July 27, 2021
Será que tinha backup?
Outro ponto que tem afligido os cientistas brasileiros é o risco de perder todas as informações armazenadas nas plataformas durante as últimas décadas — boatos compartilhados em redes sociais e grupos de WhatsApp diziam que não havia backup, ou uma cópia segura, dos arquivos.
A BBC News Brasil questionou o CNPq sobre a extensão do problema e se há previsão de retorno à normalidade.
Em nota, o CNPq informou que já diagnosticou o problema que causou a pane nos sistemas e "os procedimentos para reparação foram iniciados".
Informe CNPq
Em continuidade aos comunicados sobre a indisponibilidade dos sistemas do CNPq, incluindo as Plataformas Lattes (Currículo Lattes, Diretório de Grupos de Pesquisa, Diretório de Instituições e Extrator Lattes) e Carlos Chagas, fazemos os seguintes esclarecimentos. pic.twitter.com/U3VtkrTdfm
— CNPq (@CNPq_Oficial) July 27, 2021
Também esclareceu que o pagamento de bolsas não será afetado e todos os prazos relacionados a projetos e entregas de relatórios serão prorrogados.
O órgão assegurou que existem, sim, backups de todas as informações e que não aconteceram perdas.
"O CNPq dispõe de novos equipamentos de TI e a migração dos dados foi iniciada antes do ocorrido [a indisponibilidade dos sistemas]."
Não se sabe, porém, quando toda a situação será regularizada e voltará ao normal.
Cristovam Buarque: Apagão invisível
Certos apagões são mais visíveis que outros. Quem sobrevoa, à noite, ou caminha, de dia, pelas cidades do Amapá, percebe o apagão de energia elétrica, mas quem anda pelas ruas brasileiras não enxerga o apagão educacional que amarra o progresso econômico e a justiça social no Brasil inteiro ao impedir o desenvolvimento e o uso da energia potencial que há em cada cérebro. O apagão educacional é invisível, porque ele impede tanto sua percepção, quanto a identificação de suas causas. No Amapá, foi um raio, no resto do Brasil foi desprezo histórico à educação.
Recentemente, um trabalho acadêmico mostrou como a cor da pele vai escurecendo na medida em que se segue da Zona Sul para a periferia no Rio de Janeiro. Mas o estudo não diz que o número de anos de escolaridade vai diminuindo quando se caminha dos bairros nobres para os bairros pobres. Não é apenas a cor que escurece, é também o apagão educacional que vai se intensificando. Não deve haver analfabeto entre jovens de Ipanema e a maior parte deles estuda ou já concluiu algum curso superior. Na periferia, ainda é grande o número de analfabetos plenos ou funcionais, e são raros os que fazem cursos universitários, especialmente os mais demandados. A perversa geografia do racismo se sobrepõe e decorre da geografia e do apagão educacional. As pessoas veem a geografia do racismo sem perceberem que ela deriva do nível educacional a que as populações pobres foram condenadas. Além dos resquícios da escravidão, a geografia das raças é consequência da geografia da educação.
O apagão educacional é a causa do atraso econômico e da desigualdade social. Isso não é percebido porque o apagão educacional provoca o analfabetismo político, que esconde a causa de nossos problemas nacionais. Por não perceberem isso, alguns bem intencionados propõem superar a desigualdade educacional apenas com incentivos para ingresso no ensino superior, sem cuidar da educação de base para todos. Não percebem, ou não dizem, que isso beneficiará raríssimos e mesmo estes não entrarão nos cursos mais procurados e de maior prestígio. E mesmo estes raríssimos não conseguem acompanhar as exigências de seus cursos, se não tiveram boa educação de base.
Em reportagem para o programa Fantástico, da TV Globo, a jornalista Sônia Bridi apresentou, de forma enfática, a discriminação educacional no Brasil, mostrando que cada brasileiro, desde cedo, tem acesso a uma das três escadas sociais: uma tradicional de cimento, que permite a poucos gênios ascenderem com muito esforço; outra moderna rolante, que leva para cima com pouco esforço; e uma terceira, moderna rolante, mas que roda no sentido contrário ao propósito da subida.
A primeira é a escola sem qualidade em uma cidade tranquila para filhos de pais com alguma motivação para o estudo dos filhos; a segunda é a escola de qualidade em bairros protegidos e casas com pais educados; a terceira é aquela que atende aos meninos e meninas em quase-escolas com pais sem educação, em bairros sem serviços públicos e com violência.
Estas três escadas, em funcionamento há décadas, não vão eliminar o apagão. Nem mesmo um Ministério temos ao qual recorrer, porque nosso Ministério da Educação cuida do Ensino Superior e do Ensino Profissionalizante, deixando as 200 mil escolas por conta e responsabilidade dos municípios pobres e desiguais.
Diante do apagão visível no Amapá, o Brasil inteiro se mobilizou, mas não se mobiliza para superar o apagão invisível da educação.
A solução conhecida é deixar uma só escada moderna para todos os brasileiros, independentemente da renda, do endereço, da cor: um só sistema educacional ao qual tenham acesso ricos ou pobres, brancos ou negros, habitantes de bairros nobres ou da periferia, com todas suas escolas com a máxima qualidade, todos seus professores muito bem remunerados, bem formados e com dedicação exclusiva ao magistério, contando com edificações completas e equipamentos modernos, em horário integral.
A perversa geografia da desigualdade só será vencida quando acabar a mais brutal das geografias, da desigualdade educacional, a mãe de todas as desigualdades. Mas isso não ocorrerá enquanto nossos dirigentes, eleitos e eleitores, não perceberem o apagão educacional que faz do Brasil um buraco negro, que não mostra sua falta de luz, mantendo o apagão invisível e escondendo as causas que o apaga.
*Cristovam Buarque, professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB)
Míriam Leitão: Erros e omissões na crise do Amapá
O caso do Amapá é resultado de uma sucessão de erros de diversos órgãos. A infraestrutura é totalmente insuficiente, a distribuidora é estadual, mas desde 2015 é controlada pela Eletrobras. Em Brasília, há um jogo de empurra entre a Aneel e o ONS sobre quem deveria ter agido para evitar esse cenário. Ele era previsível, porque há um ano um dos três transformadores do estado estava quebrado. A companhia de transmissão foi comprada por um fundo abutre, que pouco entende do assunto. O Ministério das Minas e Energia aceitou ser parte de um teatro para o presidente Bolsonaro faturar politicamente.
O estado é conectado ao Sistema Interligado Nacional (SIN) por apenas uma rede de transmissão com três transformadores. Com o quebrado, sobraram dois. A empresa diz que um raio caiu sobre um, que queimou o outro. Ontem, no entanto, a defesa civil emitiu um laudo negando essa hipótese. Não havia guarnição do Corpo de Bombeiros na subestação para atuar imediatamente. O risco era previsível. Ninguém agiu preventivamente, nem o ONS, nem a Aneel nem o Ministério das Minas e Energia. A empresa estadual de distribuição opera em regime jurídico precário, ou seja, sua concessão chegou ao fim e foi prorrogada provisoriamente. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, está preocupado com o irmão, que concorre à prefeitura de Macapá.
O governo federal demorou a agir. Para se ter uma ideia, quando o Amapá já estava às escuras há três dias, o presidente Jair Bolsonaro pegou um voo na direção oposta. Foi ao Paraná para inaugurar uma pequena central hidrelétrica, que nada tem a ver com a crise. Na segunda, Bolsonaro tentou faturar politicamente. Postou que 76% da energia no estado já havia sido restabelecida. Era falso. Havia um fornecimento intermitente, com rodízio entre as regiões, e há queixas de que as áreas mais ricas estão sendo beneficiadas.
Pior foi o vídeo que Bolsonaro postou. Nele, o ministro Bento Albuquerque aparece abraçado a duas pessoas. Uma mulher fala seguidamente em Deus, compara Bolsonaro a Moisés e diz que a energia está restabelecida. O ministro completa: “Parabéns presidente Bolsonaro, estou aqui com os seus filhos”. Mistura explosiva: a luz não estava normalizada ao contrário do que o vídeo fazia crer, o ministro de área técnica reforçava a exploração demagógica da pobreza, e tudo isso usando o nome de Deus. Qualquer evento, por mais trágico ou penoso que seja, está sempre sendo usado nesta abusiva propaganda eleitoral totalmente fora de época, para 2022.
O sistema elétrico brasileiro é dividido em três tipos de empresas: as geradoras, que produzem a energia, as transmissoras, que levam energia por todo o país, e as distribuidoras, que fazem a conexão com o consumidor final. O problema aconteceu na transmissão, com o incêndio na subestação que receberia a energia do sistema e repassaria à distribuidora estadual.
— A maior responsabilidade pela crise é da empresa transmissora, que era de um grupo espanhol, Isolux, que faliu. Foi comprado por um fundo abutre, que pouco entende do setor elétrico. Mas o que espanta é que em Brasília os órgãos reguladores não fizeram nada com a quebra do primeiro transformador. Se um estivesse funcionando, não haveria o caos que estamos vendo— explicou um especialista do setor.
O consumo de energia no Amapá é baixo, cerca de 250 MWmédios, porque a população é pequena, cerca de 850 mil habitantes. O problema não é falta de energia, mas a infraestrutura precária do setor elétrico no estado, que concentrou os riscos em uma única subestação.
A Aneel baixou portaria na semana passada autorizando a Eletronorte a contratar energia extra, mas os técnicos não sabem como essa energia chegará no curtíssimo prazo. Geradores a óleo diesel têm sido enviados à região. A agência, como sempre, repassou a conta não aos responsáveis pelo problema, mas aos consumidores do país, pendurando mais esse encargo na conta de luz.
A crise está sendo usada para vários lobbies. Tem o que culpa a privatização. Só que venda de empresa com boa regulação já resolveu muito problema no passado. Há quem defenda que tem que construir gasoduto, há quem queira a construção de nova linha de transmissão. Não seria melhor, em vez de obras caras, pensar num sistema mais autônomo para locais muito distantes dos grandes centros consumidores? Apesar dos ganhos com o SIN, há também muitas vulnerabilidades. Um investimento em geração distribuída com energia renovável poderia dar mais segurança a quem importa: os consumidores.
Andrea Jubé: O risco do apagão eleitoral de Davi
Falta de água e luz ameaça irmão de Alcolumbre
A foto obrigatória em Macapá é no Marco Zero, o monumento de 30 metros que delimita a passagem da linha do Equador pela capital amapaense. A pessoa se posiciona no meio do traço demarcado no chão, e então, coloca um pé no hemisfério norte, outro no hemisfério sul, e registra o seu instante no meio do mundo.
Um círculo no alto do Marco Zero permite a contemplação do equinócio - quando o sol cruza a linha do Equador - duas vezes por ano. Em março e setembro, o sol alinha-se ao círculo e projeta um raio de luz sobre a linha imaginária.
O fenômeno confere a Macapá o título de “capital do meio do mundo”. Ela também é a única capital banhada pelo Rio Amazonas. O Estado também é reduto eleitoral de autoridades do primeiro escalão da política nacional: o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM), e o ex-presidente José Sarney.
Tanta singularidade e projeção política não asseguraram ao Amapá desenvolvimento ou excelência nos serviços públicos. Ao contrário, a população amargou 100 horas sem água e luz até que um restabelecimento parcial da energia elétrica fosse providenciado a partir de sábado.
Foram quatro dias na seca e no escuro. O apagão começou na noite de terça-feira, há uma semana, quando, durante uma tempestade, um raio atingiu a subestação de energia localizada na Zona Norte de Macapá. Dois dos três geradores sofreram danos irreversíveis e terão de ser substituídos. Esse processo pode levar mais de dez dias.
“Descobrimos que não tínhamos ‘backup’ na estação de transmissão, não temos geradores sobressalentes, fomos expostos a um risco altíssimo”, criticou em conversa com a coluna o advogado Rubem Bemerguy, que é candidato da Rede a vice-prefeito de Macapá na chapa encabeçada pelo ex-senador João Capiberibe (PSB).
“Dizem que um raio causou tudo isso. Um raio? Eles [a concessionária] não tinham equipamento de proteção contra raios?”, questionou. Bemerguy argumenta que São Paulo jamais seria exposto a uma situação dramática como essa porque é um Estado rico, industrializado, onde as estações devem contar com “backups” e com a fiscalização atenta da Aneel [agência reguladora do sistema elétrico]. “O governo nos trata ainda como colonizados”.
Mesmo sem garantia do restabelecimento regular da energia, os amapaenses vão às urnas no domingo por deliberação do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que recusou o apelo da oposição para adiar o pleito.
Os amapaenses, no entanto, vão às urnas pintados para a guerra em meio a tanta devastação. Em plena pandemia, num momento de aumento dos casos de covid-19 no Estado, a população ficou sem água para tomar banho e lavar as mãos. Pelo menos 80% dos moradores não têm caixas d’água em suas residências em Macapá.
Estoques dos bancos de sangue, e dos bancos de leite materno (para os prematuros) foram comprometidos. Quem ainda encontrasse água mineral, gelo ou mantimentos que dispensassem refrigeração para comprar, podia persistir na necessidade se não tivesse como pagar. Máquinas de cartão de crédito descarregaram. Caixas eletrônicos pararam de funcionar.
Uma peculiaridade é que um alto número de pessoas recorre a “gatos” para o fornecimento de energia em suas casas. São os moradores de baixa renda das chamadas “áreas de ressaca”, nas casas em áreas invadidas, sobre braços de rios ou igarapés. Outro detalhe é que um dos principais itens da dieta dos amapaenses são os peixes: pescadores foram prejudicados, bem como as pessoas que armazenavam as carnes frescas ou congeladas em suas geladeiras.
“A insegurança aumentou: na escuridão, com alarmes desativados, sua casa pode ser assaltada, e você não tem nem telefone para chamar a polícia”, relatou Bemerguy. Há o agravante de que as forças de segurança sumiram. Segundo ele, não apareceram nem guardas municipais para controlar o trânsito nas ruas, aumentando o risco de acidentes.
Por isso, é nesse ambiente de revolta que Bemerguy prevê reflexos do apagão na campanha de seu adversário, Josiel Alcolumbre (DEM), irmão do presidente do Congresso, que lidera as pesquisas. Com apoio das máquinas federal, estadual e municipal, Josiel desponta com 15 pontos percentuais de vantagem em relação a Capiberibe, segundo as principais pesquisas.
Bemerguy explica que a população culpa o “governo” pelo infortúnio, sem dissociar, precisamente, a administração federal, estadual ou municipal. “Como o Josiel tem o apoio do governo federal, atribuem a ele essa responsabilidade. Ele é a única pessoa passível de perder voto”, diz o candidato da Rede.
Uma derrota em sua base eleitoral seria um revés emblemático a Davi Alcolumbre, sobretudo num momento em que busca a recondução ao posto. E uma reeleição cheia de obstáculos, dependendo da boa vontade do Supremo Tribunal Federal.
Com 40 segundos no horário eleitoral, a oposição também levou prejuízos. Sem energia completa ou parcial na última semana, a campanha foi afetada com a interrupção da propaganda eleitoral na televisão, no rádio e na internet. A saída foi uma ofensiva nos grupos de WhatsApp, diz Bemerguy.
O candidato da Rede observa que a interrupção na campanha impede a oposição de dialogar com a população, de tentar mostrar ao eleitor o que de fato ocorreu. Bemerguy atribuiu a deterioração do sistema elétrico à concessão dos serviços à iniciativa privada e declara-se contrário à privatização.
“Essas mesmas pessoas que queimam pneus hoje, amanhã votarão em quem apoiou a privatização do serviço, e em quem defende a privatização da Eletrobras”. Ele lamenta que as pessoas, por desinformação, atribuam o episódio a uma fatalidade ou provação divina. “A população não tem discernimento sobre isso”.
Bemerguy receia, entretanto, que o eventual adiamento da eleição aumentasse o sentimento de revolta no eleitor. “Tem o risco politico do adiamento, de deixar o eleitor ainda mais chateado, porque os políticos estão sendo muito demonizados”. A expectativa dele é que o apagão leve a um recorde no índice de abstenção nas eleições no Amapá.
Adriana Fernandes: A indiferença com o apagão no Amapá
Demorou simplesmente três dias para o Brasil começar a acordar para o risco do caos social no Estado
Enquanto o Brasil assiste há quatro dias ao eletrizante desfecho das eleições dos Estados Unidos, um apagão parou o Amapá e jogou um Estado inteiro no escuro e caos provocado pela corte do fornecimento de luz.
A gravidade do problema, em meio à pandemia do coronavírus, se choca com a indiferença do resto do País com o drama vivido pelos amapaenses, que já dura o mesmo tempo da contagem dos votos da disputa entre Donald Trump e Joe Biden.
Demorou simplesmente três dias para o Brasil começar a acordar para o risco do caos social no Amapá, com todas as consequências que a falta de abastecimento de energia gera para a população, inclusive de segurança. Imagine quatro dias sem luz, água (o fornecimento depende de energia), combustível nos postos e hospitais abastecidos por geradores…
O pedido de SOS teve mais eco na bolha das redes sociais do que nas autoridades. O governo federal montou um gabinete de crise, mas pouco se viu dos ministros de Bolsonaro (tão ávidos a divulgar “entregas” nas suas redes sociais), como mensagens de apoio ou no mínimo de solidariedade às famílias do Amapá. Silêncio geral. Até porque o problema é de tamanha complexidade que ninguém quis se expor, já sabendo que a solução poderia demorar muito mais tempo – como de fato está ocorrendo.
Quem quer se meter em confusão? Bom mesmo é dar publicidade e anunciar as tais entregas paroquiais. Bolsonaro fez um breve comentário durante uma live e com uma postagem da Casa Civil, informando a criação do gabinete de crise.
É bem provável que muito menos teria sido feito, não fosse o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do Amapá, somada à dependência do governo em relação ao Congresso para acelerar a agenda de votações e sair dessa buraqueira fiscal em que se encontra. Alcolumbre foi avisado pelo ministro Bento Albuquerque de que a crise era grave durante uma sessão de votação de vetos.
À coluna, técnicos experientes do setor afirmam que não se vê nada da mesma dimensão desde a noite de 10 de novembro de 2009, quando houve falha nas linhas de transmissão de Itaipu. A queda brusca na demanda de energia levou ao desligamento automático das 20 turbinas da usina, deixando quase 90 milhões de pessoas sem energia elétrica e afetando 18 Estados – quatro deles ficaram completamente sem fornecimento de eletricidade. A diferença entre o blecaute de 11 anos atrás e o de agora é que o fornecimento de energia foi normalizado em poucas horas.
O Amapá está conectado ao Sistema Interligado Nacional (a rede de linhas de transmissão), desde 2015, por meio de uma única linha. O investimento é privado: antes, era da espanhola Isolux, que entrou em recuperação judicial, atualmente Gemini Energy, controlada por fundos de investimentos. São quase 1,2 mil quilômetros de linhas entre Manaus (AM) e Macapá (AP). Foi na subestação dessa empresa que ocorreu a explosão.
Dos três transformadores, um estava em manutenção, um explodiu e o outro foi danificado pelo fogo. Se a operação para purificar o óleo desse equipamento der certo, 70% do Estado poderá ter o fornecimento de energia retomado neste fim de semana – e o governo não descarta a possibilidade de racionamento de energia até que a situação possa ser normalizada. Se der errado, ainda pode levar mais uma semana a chegada de um novo equipamento desse porte até o Estado, já que ele precisa ser desmontado, transportado por avião ou balsas e montado novamente. Uma operação de guerra terá que ser lançada.
Embora o incidente tenha ocorrido numa empresa privada, o Amapá tem outros problemas quando se trata de energia, algo que expõe uma série de fragilidades que criam um ciclo vicioso muito além da falta de investimentos.
A distribuidora CEA, do governo do Estado, responsável pelos postes, nem sequer tem contrato de concessão: opera em um regime precário, à espera de uma privatização, e vive em dificuldades financeiras há pelo menos 15 anos.
Em 2007, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) recomendou ao Ministério de Minas e Energia que cassasse a concessão e a licitasse para um novo operador – o governo negou. Até hoje a União tenta organizar um leilão para privatizar a companhia.
É emblemático que a Amazônia receba tanta atenção e uma crise desse tamanho passe ao largo. Se o apagão fosse em qualquer outro lugar do “sul” do Brasil, estaríamos vivendo um quadro de comoção nacional. Mas o Amapá está sendo tratado como periferia e o Brasil está de costas para ela. Seguimos acompanhando as eleições norte-americanas.
El País: Governo Bolsonaro impõe apagão de dados sobre a covid-19 no Brasil em meio à disparada das mortes
Portal do Ministério da Saúde exclui número total de infectados pelo novo coronavírus e acumulado de óbitos no país desde o início da pandemia. Secretários de Saúde, Judiciário e entidades da sociedade civil criticam omissão de dados: “Tragédia”, classifica ex-ministro Mandetta
O Ministério da Saúde do Governo Jair Bolsonaro apagou de sua plataforma oficial os números consolidados que revelavam o alcance do novo coronavírus no Brasil, provocando críticas imediatas dos demais Poderes e da sociedade civil organizada. Depois de ficar horas fora do ar nesta sexta-feira, o site oficial foi republicado neste sábado, entretanto, somente com as notificações registradas nas últimas 24 horas. Não constam mais o número total de pessoas infectadas pelo vírus Sars-Cov-2 no país desde o início da pandemia, nem o acumulado de óbitos provocados pela covid-19 no território brasileiro. Também foram apagadas do site as tabelas que mostravam a curva de evolução da doença desde que o Brasil registrou seu primeiro caso, no final de fevereiro, e gráficos sobre infecções e mortes por Estado. Na noite deste sábado, seguindo essa política, o Ministério da Saúde divulgou 904 óbitos notificados e 27.075 casos confirmados da doença nas últimas 24 horas. A reportagem somou os números ao computado até a sexta-feira, totalizando em 35.930 óbitos e 672.846casos da doença em todo o país.
A ocultação dos dados já havia sido realizada nesta sexta-feira, quando o Governo excluiu as informações do boletim epidemiológico diário. Mas a mudança da plataforma é mais um passo firme rumo ao apagão de conhecimento sobre a real amplitude da crise sanitária do Brasil ―que é o segundo país no mundo em infecções (atrás apenas dos EUA) e o terceiro em mortes (atrás dos Estados Unidos e Reino Unido).
O presidente Bolsonaro defendeu a mudança na comunicação sobre a covid-19 no Brasil. “Ao acumular dados, além de não indicar que a maior parcela já não está com a doença, não retratam o momento do país. Outras ações estão em curso para melhorar a notificação dos casos e confirmação diagnóstica”, publicou o mandatário, em seu Twitter. A suspensão da comunicação acontece na mesma semana em que o Ministério da Saúde passou a atrasar em cerca de cinco horas a distribuição dos boletins, para às 22h, horário depois do fim do Jornal Nacional e depois do horário de fechamento das edições impressas dos principais jornais do país. “Acabou matéria do Jornal Nacional”, afirmou Bolsonaro ao ser indagado sobre a estratégia.
Além da supressão de dados sobre a doença, o Ministério da Saúde tornou cada vez mais raras as entrevistas coletivas técnicas, em que profissionais da pasta esclareciam dúvidas de jornalistas sobre a pandemia. A pasta argumenta que o atraso nos boletins visa “evitar subnotificação e inconsistências”, por isso, diz que “optou pela divulgação às 22h, o que permite passar por esse processo completo. A divulgação entre 17h e 19h, ainda havia risco subnotificação. Os fluxos estão sendo padronizados e adequados para a melhor precisão”, completou.
Sem a notificação oficial dos dados acumulados da doença, os números brasileiros sobre o novo coronavírus desapareceram, por algumas horas, também da plataforma da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, que monitora desde o princípio o avanço do vírus, em 188 países ―e cujos dados são utilizados inclusive pelo EL PAÍS para monitorar a evolução da pandemia.
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, chamou de “tragédia” a omissão dos números, ao que atribuiu à uma “lealdade militar burra”. “É uma tragédia o que a gente está vendo agora, o desmanche da informação”, disse. O ex-ministro comparou a mudança à uma missão militar para “sonegar as informações, colocá-las em horário inacessível, ou rever, torturar os números para que eles confessem verdades que eles entendam que sejam as que melhor se encaixam para o momento”, continuou. “Não informar corretamente significa que o estado pode ser mais nocivo do que a doença”, disse ele neste sábado, ao participar de um evento sobre saúde pública.
Mandetta foi demitido por Bolsonaro, por discordar do presidente sobre o uso da cloroquina para tratar pacientes com a doença e sobre a flexibilização das medidas de isolamento social, medidas exigidas por Bolsonaro. Depois dele, assumiu o oncologista Nelson Teich, que pediu demissão um mês depois pelos mesmos motivos de Mandetta, em 15 de maio. Desde então, o Ministério da Saúde está sob o comando do general Eduardo Pazuello, ministro interino.
“A manipulação de estatísticas é manobra de regimes totalitários. Tenta-se ocultar os números da #COVID19 para reduzir o controle social das políticas de saúde. O truque não vai isentar a responsabilidade pelo eventual genocídio”, reclamou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, em sua rede social, neste sábado.
Proposta de recontagem de mortos
Além da mudança e atraso nos boletins e da ocultação de informações da plataforma da covid-19, a declaração do empresário Carlos Wizard, convidado por Pazuello para assumir a Secretaria da Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (do Ministério da Saúde), de que o Governo vai recontar os mortos da covid-19 nos Estados provocou revolta entre as secretarias estaduais de Saúde. “Tinha muita gente morrendo por outras causas e os gestores públicos, puramente por interesse de ter um orçamento maior nos seus municípios, nos seus estados, colocavam todo mundo como covid. Estamos revendo esses óbitos”, afirmou ao jornal O Globo, no sábado.
“A tentativa autoritária, insensível, desumana e antiética de dar invisibilidade aos mortos pela Covid-19, não prosperará”, criticou o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), em nota publicada neste sábado, como reação às declarações de Wizard. “[A fala] Insulta a memória de todas aquelas vítimas indefesas desta terrível pandemia e suas famílias”, completou o Conass.
“As medidas contrariam a Constituição Federal, a Lei de Acesso à Informação, as boas práticas de transparência pública reconhecidas internacionalmente e evidenciam, mais uma vez, o espírito antidemocrático do governo de Jair Bolsonaro”, repudiou a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). “A Abraji repudia o abuso de autoridade por parte do alto escalão do governo federal e condena tentativa de impor obstáculos às atividades jornalísticas através da ocultação de informações de interesse público. Também apela aos demais poderes da República para que fiscalizem e punam eventuais atos de improbidade administrativa com o máximo rigor da lei", completou a entidade, em nota. “A transparência de informação é um instrumento poderoso no combate à epidemia”, criticou Paulo Jerônimo de Sousa, presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), em nota na qual acusa o governo de “tentar silenciar a imprensa tarde da noite”.
A ocultação dos dados pelo Governo não deve, entretanto, passar incólume. De acordo com o G1, a Defensoria Pública da União (DPU) ingressou com um pedido de liminar na Justiça Federal de São Paulo para que o Governo volte a divulgar os dados sobre a pandemia integralmente. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou ter feito um “apelo” ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, para que o Governo “restabeleça a transparência”. Já o ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), também afirmou que estuda propor que seja estabelecido um horário limite para que os Estados e o Governo federal divulguem os dados.
Enquanto isso, nas redes sociais, a comparação entre Bolsonaro e o norte-coreano Kim Jong-Un dispararam ―a Coreia do Norte não divulga seus mortos pelo novo coronavírus e o nome do país era trending topic mundial justamente pela comparação entre os dois líderes. “Agora será padrão Kim Jong-Un? O ditador da Coreia do Norte decidiu que ninguém morreu de Covid19 no seu país. Funciona assim em ditadura", escreveu o jornalista Guga Chacra.