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Antonio Delfim Netto: O que devemos esperar de 2021

Chegou a hora de olharmos para a frente e decidir o que queremos para o Brasil

O ano de 2020 foi doloroso. Um período dedicado ao enfrentamento de uma inesperada e devastadora pandemia, que exigiu respostas para a saúde e medidas econômicas céleres para atravessar um choque sem precedentes em quase um século.

A longo dos meses, os governos aprenderam —alguns de maneira mais eficiente do que outros— a aperfeiçoar os estímulos destinados a salvar vidas, empregos e o tecido produtivo, com resultados palpáveis que mitigaram o estrago previsto quando tudo começou.

O Brasil, entretanto, não aproveitou a parte do segundo semestre que poderia ter sido utilizada para começar a endereçar os problemas mais urgentes do país. Adentramos 2021 sem nem sequer termos aprovado o Orçamento para o ano, consequência das disputas no Legislativo e da falta de interesse do Executivo.

Passadas as eleições para o comando das duas casas, chegou a hora de olharmos para a frente e decidir o que queremos para o Brasil. A conjuntura econômica em que o país se encontra é mais adversa do que no pré-pandemia, fruto da monumental elevação da dívida e do déficit público, ambos necessários para o enfrentamento da crise. Isso significa que as escolhas a serem feitas serão ainda mais duras e necessárias.

O Legislativo precisa recuperar o sopro de reformismo que experimentou durante o governo Temer e o início do governo Bolsonaro. O Executivo deve decidir se tem interesse e comprometimento com o futuro do país e com a agenda econômica apoiada abertamente apenas por parte do governo.
As reformas necessárias estão todas postas, mas, sem a liderança do Executivo em trabalhar a sua agenda econômica junto ao Legislativo e estabelecer prioridades, é difícil acreditar que sejam bem-sucedidas.

No curto prazo, a reorganização das contas públicas e a indicação clara de sustentabilidade para a trajetória da dívida são condições necessárias para a saúde macroeconômica do país. É disso que dependem a construção crível de um programa social mais robusto e inclusivo, a ampliação do espaço para o investimento público no Orçamento e a garantia de que a política monetária poderá atuar sem sobressaltos. Optar pela ampliação pura e simples do endividamento público é a saída mais fácil, e a que escolhemos de maneira reiterada. Suas consequências sempre vêm depois, e não costumam poupar as camadas mais vulneráveis da população.

À prioridade zero soma-se o enfrentamento definitivo da reforma do Estado para dar maior eficiência ao funcionamento da máquina pública e controlar o crescimento de suas despesas, além de atacar privilégios e penduricalhos de uma casta não eleita que se apropriou do poder.

*Antonio Delfim Netto é economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.


Antonio Delfim Neto: Recessão e desinflação

É preciso manter o enorme esforço em busca do equilíbrio fiscal 

Infelizmente, o presidente Bolsonaro começou muito mal o seu governo. Inventou a Casa Civil mais desajeitada e incompetente da história da República e criminalizou o exercício da política com uma indefinida “nova política”. Nunca entendeu que, eleito, podia muito, mas não podia tudo. Principalmente pela sua condição “superminoritária” no Congresso.

O ano de 2019 só não foi um desastre político porque o Congresso assumiu o protagonismo e aprovou a reforma da Previdência, com a oposição de Bolsonaro em relação aos militares. Iniciamos 2020 com a ameaça de uma grave crise política. Sob tensão crescente, o Congresso introjetou o fato de que Bolsonaro é incapaz de conformar-se com as limitações que lhe impõem a natureza de sua vitória e a Constituição. Ficou clara, então, a separação entre as suas prioridades e as do Congresso. Aí, a mesma Casa Civil, politicamente ingênua, assumiu uma estratégia salomônica, provavelmente sem a clara aprovação do presidente, e entregou “poder” ao Congresso. Quando ele acordou, era tarde. Praticamente toda a execução do Orçamento estava nas mãos do Congresso, que revela um flerte com o velho “parlamentarismo de ocasião”...

Foi sobre esse ambiente político conflagrado que se abateu a tremenda desgraça da Covid-19. Bolsonaro seguiu seu “guru” Trump na negativa do conhecimento científico e classificou-a como “histeria”. Felizmente, parece que a dimensão da crise devolveu algum bom senso ao Executivo e abalou as pretensões do Legislativo.

Estamos metidos num sério processo de queda da já minguada demanda global interna, associada à exigência insuperável de uma paralisação da produção imposta pelo combate ao coronavírus. Teremos, portanto, uma enorme queda da oferta global interna (e externa!). Desaguarão numa profunda recessão e em pressões desinflacionárias. É esse fato que exige a rápida superação das diferenças entre os Poderes e a construção de um programa comum, cuja execução deve ser delegada ao Executivo, dotando-o de um “fast-track” com prazo certo e sob o controle do Legislativo e do Judiciário.

Creio que começamos a fazer a coisa certa para enfrentar a calamidade. Podemos mitigá-la com as medidas de emergência já aprovadas e com as que, a cada dia, se imporão em resposta à evolução do fator epidemiológico, o que permitirá, talvez, enfrentar com sucesso o “pico” da crise. Os créditos extraordinários nos autorizarão a fazê-lo sem descontinuar o enorme esforço em busca do equilíbrio fiscal implícito na emenda constitucional do teto. Sem este, jamais teremos o crescimento robusto, equânime e estável de que precisamos.

*Antonio Delfim Netto é economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.


Antonio Delfim Netto: Temer, missão cumprida

Presidente será classificado como um inovador e reformista

Quando os tempos se acalmarem, pesquisadores honestos concentrarão suas teses de doutoramento nos incríveis quase 14 anos de governo do PT.

Sob Lula, registrou-se o único surto de crescimento dos últimos 20 anos. Ajudado por uma extraordinária melhoria das “relações de troca”, soube aproveitá-la para melhorar a distribuição de renda.

Tudo foi destruído pela ação voluntarista de Dilma, que produziu uma dramática recessão. Entre 2012 e 2016, o PIB per capita caiu 7%, a produção industrial voltou ao nível de 2003 e os PACs deixaram mais de 7.000 obras inacabadas. A tragédia fiscal foi escondida pela destruição dos registros contábeis que levaram ao impeachment.

Essa foi a herança de Temer. Ele soube organizar uma espécie de “parlamentarismo de ocasião” e cercar-se do que há de mais competente na administração pública do país.

Não tenho a menor dúvida. Quando Temer sofrer o mesmo julgamento, ele será classificado como um presidente inovador e reformista: a densidade de medidas corretivas dos desvios da boa administração econômica por unidade de tempo foi a maior desde a Constituição de 1988!

É tempo de registrar com tristeza que a reforma da Previdência, sem a qual não há a menor esperança de voltarmos a um equilíbrio fiscal, foi frustrada por uma armação de Janot, acompanhada por um “principismo” do STF, que poderia ter agido postergando o início do processo para 2 de janeiro de 2019.

Ninguém propunha ignorar os fatos, mas apurá-los com honestidade de propósito e ampla liberdade de defesa, depois que o mandato se esgotasse. O que se sugeria era, apenas, manter funcionando o “parlamentarismo de ocasião” que, praticamente, já havia assegurado a aprovação daquela reforma.

O governo de Temer sai consagrado pela qualidade dos técnicos que escolheu. Paulo Guedes, inteligentemente, aproveitou o “crème de la crème” do funcionalismo competente e honesto com o qual ele governou. Novos governos estaduais disputaram a colaboração de vários de seus ministros e dos que saíram. Outros sofrem intenso namoro do setor privado.

Temer sempre recusou remover um auxiliar por ter servido, como bom profissional, aos governos do PT. A intriga (os palácios são ninhos de jararacas) nunca o levou a julgar um auxiliar competente “porque era petista de carteirinha”.

Hoje as insídias transcendem o palácio. O mais competente profissional é sujeito, na mídia social irresponsável, ao ataque dos que pretendem a sua posição sem ter a mesma qualificação. Esse é um aviso para o governo Bolsonaro.

Presidente Temer, V. Excelência cumpriu sua nobre missão: “Perfer et obdura”. Vá em paz!

*Antonio Delfim Netto é economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.