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‘Se a imprensa está sendo atacada, é porque é relevante’, diz presidente da ANJ

Marcelo Rech defende aprovação de lei para obrigar plataformas de internet a remunerar empresas jornalísticas

Marcelo Godoy e Daniel Bramatti, O Estado de S.Paulo

Presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech afirma que o jornalismo profissional é a principal barreira de contenção à desinformação e ao autoritarismo. Ao Estadão, ele disse considerar que há risco de acontecer um “apocalipse informativo” caso os veículos de comunicação não consigam sobreviver à crise de receita pela qual passa o setor. A ANJ defende a aprovação de uma lei que obrigue as plataformas de internet a negociar com empresas jornalísticas para garantir que haja remuneração pelo conteúdo que produzem e que circula nas redes.

A seguir os principais trechos da entrevista:

Vivemos em um ambiente de radicalismos na política, em que ataques da direita e da esquerda tentam minar a credibilidade da imprensa. Como enfrentar esse desafio?

Temos que distinguir o que são ataques instrumentalizados e o que são críticas normais, que são bem-vindas. Mas o que nós vemos em grande parte do mundo é um ataque sistematizado ao jornalismo independente. Isso se dá porque a imprensa profissional é a última barreira de contenção contra a desinformação e o autoritarismo. A desinformação busca preparar terreno para o domínio de posições autoritárias, à esquerda e à direita. A imprensa é o estraga-prazeres daquele que espalha mentiras em busca de ganhos políticos ou econômicos, e é por isso que sofre esses ataques. Em países mais polarizados, caso do Brasil, esses ataques são mais intensos e organizados. Mas se a imprensa ou um veículo estão sendo atacados, é porque são muito relevantes. 

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As grandes empresas de tecnologia, que se beneficiam do tráfego gerado por empresas jornalísticas na internet, devem remunerá-las pelo conteúdo? Como?

Existem duas grandes vertentes de discussão. Uma delas faz a avaliação do direito autoral, do uso de conteúdos jornalísticos que geram audiência, engajamento e receita publicitária para as plataformas. A outra reconhece a atividade jornalística como parte fundamental das democracias. É a posição com a qual me alinho. O raciocínio é simples: com a drenagem de recursos do mercado por big techs como Google Facebook, elas hoje ficam com algo em torno de 70% das verbas de publicidade digital. Os outros produtores de conteúdo, sejam jornalísticos ou não, dividem os 30%. Os veículos de comunicação têm hoje audiência ainda maior do que tinham no passado, porque sua relevância só aumenta, mas a receita econômica cai. 

Quais são as consequências?

Nesse ritmo, em uma ou duas gerações, não haverá mais um ecossistema jornalístico diversificado e independente. Se houver o desaparecimento desse ecossistema do jornalismo, vai ocorrer um apocalipse informativo. Não haverá mais a barreira de contenção da desinformação. Ninguém vai restabelecer a verdade. 

A ANJ considera que uma lei no Brasil deve obrigar as empresas de tecnologia a negociar remuneração por conteúdo com os veículos de comunicação? 

Entendemos que sim. A poluição social representada pela desinformação, pelos discursos de ódio e pelas teorias conspiratórias alucinadas afeta o próprio negócio deles, que é a venda de publicidade sobre conteúdos críveis. Mas eles não conseguem fazer a limpeza dessa poluição social, e a regulação pode inviabilizar as plataformas ou afetar o direito de liberdade de manifestação. Então, a melhor solução é o reforço do jornalismo profissional. Isso é fundamental também para os negócios das plataformas. É o jornalismo profissional que faz a limpeza desse ambiente poluído quando faz uma checagem, quando repõe a verdade. É preciso remunerar quem faz essa limpeza.

As redes sociais devem ser responsabilizadas pelo conteúdo publicado por seus usuários? 

A ironia é que, em todo o mundo, se discute a responsabilização das plataformas, mas o governo Bolsonaro está defendendo o oposto. Ele quer impedir a moderação de conteúdo nas redes. Quer evitar qualquer remoção de conteúdos tóxicos que visam desinformar a sociedade. Na minha opinião, essa deveria ser uma responsabilidade moral, ética e legal de todo mundo que lida com conteúdo. 

Deve haver regulação de conteúdo?

É preciso reconhecer que a questão da liberdade de expressão é fundamental. Qualquer responsabilização por algum abuso deve ocorrer a posteriori, ou seja, depois da publicação. Estamos começando a ver, em países como Índia e Cingapura, governos começando a editar leis que definem o que as plataformas podem ou não divulgar. Acho uma interferência inaceitável.

Qual é o papel dos jornais impressos em um mundo cada vez mais digital?

O jornal impresso tem uma capacidade única que é a de organizar as informações em um mundo caótico. Ele hierarquiza as informações. Além disso, o bem mais escasso hoje no mundo é a atenção. A leitura exige concentração e foco. É uma atividade que não pode ser feita ao mesmo tempo que outras. E aí o impresso tem outra grande vantagem. Em alguns países de altíssimo nível educacional, entre eles a Alemanha, a circulação e a receita de veículos impressos tem subido. Em uma pesquisa da Syno International (empresa de pesquisa de mercado), o jornal impresso apareceu como o veículo mais confiável para a publicidade. Em termos de credibilidade, até agora nenhum outro meio chegou perto.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,estadao-novo-impresso-anj,70003866664


O Estado de S.Paulo: Entidades condenam ameaça de Bolsonaro de retaliar jornais

Presidente eleito falou em cortar verba pública de veículos de imprensa que se ‘comportarem de maneira indigna’

Luiz Raatz, de O Estado de S.Paulo

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) criticaram nesta terça-feira, 30, as declarações dadas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, do PSL, sobre o jornal Folha de S. Paulo. Em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, na segunda-feira, Bolsonaro ameaçou retirar verbas públicas dos veículos de imprensa que se comportarem de maneira "indigna", e citou a Folha como um desses casos. Ele acusa o jornal de propagar notícias falsas a seu respeito.

“É preocupante que o presidente eleito tenha manifestado a intenção de usar verbas publicitárias oficiais como forma de punição a um jornal por discordar de seu noticiário", disse o presidente da ANJ, Marcelo Rech. "Os investimentos do governo em publicidade, como qualquer outra verba pública, devem seguir sempre critérios técnicos, e não políticos ou partidários”.

Já a Abraji disse receber com apreensão as declarações dadas por Bolsonaro a respeito da imprensa nos últimos dois dias. "O respeito à Constituição - à qual o presidente fará um juramento solene de obediência no dia 1º de janeiro de 2019 - não é pleno quando a imprensa se converte em objeto de ataques e de ameaças", afirmou a entidade em nota.

O texto afirmou ainda que “fiscalizar o poder público – e, em particular, as ações do presidente da República – sempre foi e seguirá sendo uma função inerente ao jornalismo, exercida em nome do interesse público”. “Zelar por essa função é missão primordial da Abraji, assim como deve ser objeto de zelo de todo governo democrático.”

Na entrevista dada ao Jornal Nacional, Bolsonaro prometeu respeitar a liberdade de imprensa, mas disse que o repasse de verbas da União seria uma coisa diferente. “Sou totalmente favorável à liberdade de imprensa, mas temos a questão da propaganda oficial de governo, que é outra coisa”, disse Bolsonaro. “Não quero que (a Folha) acabe. Mas, no que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal. Por si só, esse jornal se acabou”, afirmou o presidente eleito.

Em sua conta no Twitter, o jornal respondeu ao presidente eleito. “Jair Bolsonaro, mesmo após eleito presidente, não deixa de ameaçar a Folha. Ainda não entendeu o papel da imprensa nem a Constituição que promete obedecer.”

Em outra iniciativa, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) chamou a atenção para mensagem distribuída por assessor da própria campanha de Bolsonaro com ataques a jornalistas.

A Procuradoria da República no Distrito Federal abriu investigação por improbidade administrativa para apurar a contratação pelo gabinete de Bolsonaro na Câmara da ex-funcionária Walderice Santos da Conceição.

Conduzida sob sigilo desde setembro pelo procurador João Gabriel Queiroz, a investigação busca saber se a mulher, ex-secretária parlamentar de Bolsonaro, recebia salário da Câmara e trabalhava em uma loja de açaí na Vila Histórica de Mambucaba, em Angra dos Reis (RJ), onde Bolsonaro tem uma casa de veraneio. A informação foi publicada pela Folha, e é base das críticas que o presidente eleito tem feito contra o jornal.

Walderice era funcionária no gabinete de Bolsonaro desde 2003 e recebia R$ 1.416,33 antes de pedir demissão, após a publicação. Bolsonaro exonerou a secretária parlamentar, mas contestou a reportagem durante a campanha e após eleito. Ele nega que Walderice tenha sido funcionária fantasma e diz que ela trabalhava atendendo demandas da região.

Leia a nota da ANJ na íntegra
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) rejeita com veemência os termos e o teor das declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro ao reiterar ataques ao jornal Folha de S. Paulo, um dos diários fundadores desta entidade, criada há quase 40 anos na defesa da liberdade de expressão.

Eventuais inconformismos com noticiário de veículos de comunicação não podem ser confundidos com inaceitáveis retaliações a jornais por meio de uso de verbas publicitárias oficiais. Investimentos em publicidade por governos, como as demais verbas públicas, devem seguir expressamente critérios técnicos, e nunca políticos ou partidários.

A ANJ espera que o princípio da liberdade de imprensa, saudavelmente afirmado pelo presidente eleito em seu discurso após a vitória nas urnas, se manifeste na prática, o que inclui o respeito a opiniões divergentes e à independência editorial, fundamentos da pluralidade de visões e da democracia.

Marcelo Rech
Presidente da AN