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Andrea Jubé: A briga de poder que travou a educação

Divisão na base tumultua sucessão no MEC

A base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro transformou-se em uma miscelânea formada por militares, ideológicos (seguidores do escritor Olavo de Carvalho), evangélicos e políticos tradicionais ligados ao Centrão, representantes da “velha política”.

Essa base difusa e cujos interesses colidem internamente não pode ser receita de sucesso de nenhum governo. O exemplo mais evidente de que esse cabo de guerra interno conturba mais a gestão já atolada em problemas é a rocambolesca sucessão no Ministério da Educação (MEC).

A pasta que por definição deveria ser o coração de qualquer governo sério é, desde o início da gestão, palco de embates turbulentos entre militares e olavistas. Agora os políticos do Centrão entraram na briga.
A rejeição por duas vezes consecutivas do nome do secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, para o comando da pasta expôs o aliado e gerou ruído desnecessário com o Centrão, num momento em que Bolsonaro ainda não cimentou a base no Congresso.

Feder era referendado pelo PSD, por meio do governador do Paraná, Ratinho Jr., e do ministro das Comunicações, Fábio Faria, e ainda pelos empresários ligados à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Mas a intervenção da ala ideológica, com o reforço da bancada evangélica, tumultuou a escolha e abriu novas fissuras na base.

Em paralelo, verificou-se que a passagem abreviada de Carlos Alberto Decotelli pelo cargo resultou de uma escolha pautada pelo improviso e açodamento. A equipe competente falhou na checagem do currículo do quase doutor.

O improviso tem se revelado a tônica da gestão. Em outro exemplo, não houve falha de checagem, mas, sim, de atenção: Bolsonaro soube somente depois de assinar a nomeação que o novo ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), José Levi, havia sido secretário-executivo do então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes.

Em outro capítulo da novela da sucessão no MEC, um dos nomes mais reconhecidos até agora entre os cotados para a pasta, o reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e ex-presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Anderson Correia, teria sido rejeitado porque pediu carta branca para nomear a própria equipe, segundo informou uma fonte palaciana.

Para isso, Correia teria que demitir nomes caros à ala ideológica, como o secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, discípulo de Olavo, ou até mesmo apadrinhados do Centrão, como o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Marcelo Lopes da Ponte, que foi chefe de gabinete do presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI).

“O MEC, assim como o governo, é uma composição de forças”, explicou à coluna um empresário da área de educação. Ele afirma que ninguém receberá o ministério de porteira fechada, porque os olavistas, os militares e os políticos do Centrão e da bancada evangélica reivindicam seus quinhões.

A contragosto dos militares, desde o começo o MEC esteve sob o controle de discípulos de Olavo: primeiro, Ricardo Vélez Rodríguez, depois, Abraham Weintraub. Decotelli era um perfil que não romperia com o olavismo, mas buscaria uma postura não radical para dialogar com os militares, os evangélicos e os políticos.

A briga interna no MEC explica a alarmante rotatividade na pasta, que exigiria em teoria um mínimo de estabilidade para implantação e eficiência das políticas públicas. Somente pela presidência do FNDE - espécie de “tesouraria” do ministério - já passaram quatro nomes em um ano e meio - um gestor a cada quatro meses. O orçamento do órgão para este ano é de cerca de R$ 30 bilhões.

O primeiro gestor do fundo foi justamente Decotelli, que ficou de fevereiro a agosto de 2019. Foi sob a gestão dele que a Controladoria-Geral da União (CGU) viu inconsistências em um edital liberando R$ 3 bilhões para a compra de 1,3 milhão de computadores.

Em agosto, Decotelli foi afastado do cargo para dar lugar ao advogado Rodrigo Sergio Dias, indicado pelo DEM de Rodrigo Maia. Na ocasião, Decotelli foi remanejado para a Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação, onde estava quando foi nomeado ministro em 25 de junho.

Voltando ao FNDE, Rodrigo Dias ficou quatro meses no cargo, até ser exonerado em dezembro, em meio a atritos de Bolsonaro com Maia. Em seu lugar, entrou a diretora de Ações Educacionais, Karine Silva, funcionária de carreira. Karine ficou quase sete meses no cargo. Saiu no começo de junho, para dar lugar a Marcelo Ponte, indicado de Ciro Nogueira, e quarto gestor do fundo.

Com igual rotatividade é a Secretaria-Executiva, segundo posto na hierarquia da pasta, e que desde o início foi disputada por militares e olavistas. O primeiro titular foi Luiz Antônio Tozi, que ficou pouco mais de dois meses. Depois dele, Vélez chegou a anunciar dois nomes que nunca assumiram.

Em 29 de março, o tenente-brigadeiro Ricardo Machado Vieira tomou posse, contemplando os militares, mas ficou menos de 15 dias. Em 10 de abril, assumiu Antônio Paulo Vogel, atual secretário-executivo, que entrou com Weintraub e continua no cargo.

Também com alta rotatividade, a Secretaria de Educação Básica já teve quatro titulares em 18 meses: Tânia Almeida, de janeiro a março de 2019; seguida de Alexandro Souza, que ficou até abril; nesse mês, entrou Janio Macedo, que ficou um ano na função; em abril de 2020 entrou Ilona Becskeházy, hoje cotada para o cargo de ministro.

Enquanto as diversas alas se enfrentam por nacos de poder no MEC, é no mínimo simbólico que um nome resista incólume: o secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, ex-aluno de Olavo, e cotado para o ministério, é o único nome entre os secretários que assumiu em janeiro de 2019 e sobreviveu a todas as mudanças. Pelas demais secretarias, passaram pelo menos dois ou três nomes. Ponto para os olavistas.


Andrea Jubé: Começam as baixas na caserna

Prisão de Queiroz amplia desconforto no Exército

Apesar de esforços de vários atores em várias frentes para arejar a cena política, a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), aumentou a tensão em todos os ambientes, inclusive em uma das bases mais caras de Jair Bolsonaro: as esposas dos oficiais militares.

Uma evidência do derretimento da popularidade do presidente é a progressiva perda de apoio nesse segmento, refletida nos vários grupos de WhatsApp em que as mulheres dos oficiais da ativa e da reserva trocam impressões sobre os fatos políticos. A prisão de Queiroz e as circunstâncias que a envolveram provocaram uma debandada nesse grupo, inclusive de defensoras obstinadas do presidente.

Nem a saída do ex-juiz Sergio Moro do governo nem a postura negacionista de Bolsonaro sobre a pandemia - e a indiferença diante das mais de 50 mil vítimas fatais da covid-19 - haviam espantado essas apoiadoras.

Mas o esconderijo no escritório do advogado Frederick Wassef, que não saía dos dois palácios, Planalto e Alvorada, é visto como um detalhe estarrecedor. Ainda que Wassef tenha deixado a defesa do senador, até ontem suas digitais estavam lá, próximas da família, e suas declarações para tentar blindar o presidente são consideradas artificiais.

Outra convicção do grupo de mensagens das esposas é de que mais do que um auxiliar, Queiroz era um personagem do entorno do presidente, frequentador de churrascos e pescarias da família. Em um dos primeiros episódios em que se viu obrigado a esclarecer esses laços, Bolsonaro teve de responder por que Queiroz depositou um cheque de R$ 24 mil na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Um general que viu algumas das mensagens trocadas entre elas assegura que até “o grupo mais radical sumiu”. Os grupos de mensagens das esposas dos oficiais antecipam tendências, diz este general.

É uma análise sem dúvida empírica. Mas em 2018, antes dos institutos de pesquisas e dos analistas políticos, as trocas de mensagens nesses grupos já indicavam a vitória de Bolsonaro.

Se o presidente amarga as primeiras baixas no estrato feminino da caserna, generais da ativa afirmam que a prisão de Queiroz acentuou o desconforto da cúpula com a persistente vinculação do governo ao Exército.

A imagem mais clara desse vínculo para o grupo do comandante Edson Leal Pujol é a permanência de dois generais da ativa no primeiro escalão: os ministros Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Eduardo Pazuello, da Saúde.

É com esse pano de fundo que a cúpula militar espera que nesta semana, em que o Alto Comando do Exército está reunido para definir promoções e analisar a conjuntura, o ministro Ramos finalmente anuncie a sua transferência para a reserva.

Há 15 dias, Ramos anunciou a aposentadoria, mas não falou em data. Na próxima semana ele completará um ano como general da ativa em um cargo civil, para desassossego de Pujol.

Quanto o general Braga Netto, ainda na ativa, tomou posse como ministro-chefe da Casa Civil, para assumir a gerência do governo, em menos de um mês formalizou sua transferência para a reserva.

Aposentando a farda, entretanto, Ramos perde a oportunidade de ser indicado para a próxima vaga para o Superior Tribunal Militar (STM), que será aberta no segundo semestre de 2022, com a aposentadoria compulsória do ministro Luís Carlos Gomes Mattos.

A cúpula da caserna, entretanto, distingue a situação de Ramos e Pazuello. Ambos ainda têm um ano e meio na ativa para galgar outros postos na carreira. Mas há uma leitura de que como general de Exército, Ramos atingiu o topo da carreira - acima, só o posto de Pujol.

Enquanto Pazuello, oficial de intendência (especializado em tarefas administrativas ou logísticas), teria a prerrogativa de buscar outras colocações porque como ministro interino da Saúde estaria cumprindo missão das mais espinhosas, sem chance de deserção.

Mas se há o desconforto com o vínculo direto do governo Bolsonaro com o Exército, a cúpula militar também não está satisfeita com as recorrentes insinuações de que tentariam um golpe militar, tampouco com o que classificam como excessos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Foi por esse motivo que o ministro do STF Gilmar Mendes pediu a audiência com o comandante do Exército na semana passada. A reunião foi salutar, mas a conversa nem de longe foi conclusiva.

Os generais reconhecem os excessos de Bolsonaro, mas da mesma forma enumeram episódios em que a seu ver, os ministros do STF teriam extrapolado.

O episódio mais recente que irritou os generais foi a declaração do ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, de que a nomeação de militares para vários cargos era a “chavização” do governo. “Ele praticamente nos chamou de bandidos”, indignou-se um general da ativa.

Outro gesto considerado desrespeitoso é atribuído ao decano do STF, Celso de Mello. ele incluiu no mandado para ouvir Ramos e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, a advertência de que se não comparecessem na data agendada para a oitiva, estariam sujeitos “como qualquer cidadão à condução coercitiva ou debaixo de vara”. Eles seriam ouvidos sobre a acusação de Moro da suposta interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal.

“Bolsonaro tem excessos, mas o Supremo está fora da casinha, o tribunal está politizado há muito mais tempo”, ressaltou um general.
A cúpula do Exército avalizou a declaração de Ramos à revista “Veja” de que os militares não cogitam nenhum golpe, mas a oposição não pode esticar a corda. O entendimento na cúpula da caserna é de que as instituições devem ser preservadas: o Judiciário, o Legislativo e o Executivo.

Investigações e processos que mirem o presidente e algum de seus familiares devem seguir o curso normal, sem açodamentos nem ardis. A reiteração do que a cúpula classifica como excessos será compreendida como cutucar a onça com vara curta. E a onça está dormindo com um olho aberto.