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Andrea Jubé: 'Quantos poderiam ser salvos?'

Atraso nas vacinas foi deliberado, diz governador de Alagoas

O governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), recorreu a uma metáfora futebolística, tão comum na política, para explicar por que a falta de uma coordenação nacional no combate ao coronavírus contribuiu para o recrudescimento da pandemia no Brasil.

“O Ministério da Saúde é fundamental nesse processo, e em meio à crise, tivemos quatro ministros. Imagina a Seleção Brasileira, às vésperas da Copa do Mundo, trocando de técnico quatro vezes, cada um com um time de diferente, um lateral esquerda, outro de direita. Certamente isso dificulta a organização do time”.

O mandatário é filho do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que ontem teve a nomeação para o cargo de relator da CPI da pandemia impedida por uma liminar da Justiça Federal do Distrito Federal. Nas redes sociais, o senador classificou a decisão como “interferência indevida”, acusou o governo Jair Bolsonaro de orquestrá-la, anunciou que vai recorrer, e provocou: “Por que tanto medo?”

Para Renan Filho, contar com Renan Calheiros na relatoria da CPI não deveria inspirar medo, mas, sim, confiança pela sua experiência política e disposição para conciliação. “Não se encontra no Senado tanta gente com a capacidade dele, experiente, calmo, sereno. O senador Renan é equilibrado e no papel de relator, só vai ajudar”.

O governador acrescenta que o senador seria incapaz de qualquer injustiça na condução dos trabalhos “porque já foi injustiçado, e sabe o que isso significa”. Uma alusão às denúncias contra o senador no âmbito da Lava-Jato. Renan ainda responde a oito processos no Supremo Tribunal Federal, mas dos 17 originais, nove já foram enviados ao arquivo.

Na última semana, Renan Filho recebeu um telefonema do presidente Jair Bolsonaro, que tem o alagoano como único interlocutor entre os governadores do Nordeste. Na conversa, Bolsonaro reafirmou ao governador que o momento é inoportuno para a CPI.

O governador não discordou do presidente naquele momento, porque seria uma descortesia em pleno telefonema com o chefe do Executivo. Ontem, entretanto, Renan Filho disse à coluna que tem outra opinião: “Quem decide o momento ideal para uma CPI é o Congresso Nacional”.

Renan Filho acredita que Bolsonaro lhe telefonou para fazer “um gesto na direção do diálogo”, já que o senador Renan havia sido indicado para relatar a CPI. O governador lembrou que, em entrevistas recentes, Renan Calheiros disse que, como relator, conversaria com todos, “especialmente com o presidente, se ele desejar”.

Até ontem, havia ambiente para o diálogo, mas a ofensiva judicial da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de primeira hora do Palácio do Planalto, e que obteve a liminar barrando Renan, tumultuou o jogo. Se a decisão for revogada, Renan assumirá o posto pintado para a guerra, um figurino que ainda não havia exibido.

No fim de semana, Renan foi ao Twitter declarar-se suspeito em relação a qualquer investigação sobre o governo de Alagoas que surgir na CPI. Uma reação à campanha deflagrada nas redes sociais pelos bolsonaristas, que impulsionaram a hashtag #Renansuspeito, já que o relator da CPI é pai de um governador, e os governadores serão investigados quanto à gestão dos recursos federais para o enfrentamento da pandemia.

Renan Filho diz que não teme essa investigação porque Alagoas tem bom desempenho na pandemia. É o terceiro Estado com menos mortes por grupo de 100 mil habitantes, e não foi investigado pela Polícia Federal.

Para conter a covid-19, ele associou medidas de distanciamento social e de restrição de circulação, à ampliação da rede hospitalar. Relata que acelerou a conclusão de quatro hospitais, ao mesmo tempo em que contou com o apoio da Federação das Indústrias e da Associação Comercial em comerciais para a televisão nas medidas restritivas. Está em vigor o toque de recolher a partir das 21 horas, e dias pontuais para o fechamento dos shoppings. A lotação das UTIs está em 76%.

“Por essas ações a rede não colapsou até agora. É possível construir um discurso integrado, mas houve no Brasil uma intenção de dividir o país”.

Renan Filho invoca o infográfico elaborado na semana passada pelo site “Poder360”, que comparou unidades federativas a países. Nesse comparativo, o Distrito Federal e sete Estados brasileiros estariam entre os 10 países com mais vítimas da covid-19. Amazonas, com 2.903 mortes por milhão, desponta acima da República Tcheca, líder do ranking mundial. Alagoas estaria empatado com a Bahia, em 32º lugar, com 1.186 mortes por um milhão de habitantes.

Renan Filho defende que a CPI faça esse modelo de cálculo. “Quantas vidas teriam sido salvas se as medidas corretas de enfrentamento à pandemia fossem tomadas no momento adequado? Essa história também precisa ser contada”, conclamou.

Ele admite que não será possível um cálculo direto ou objetivo, “mas obviamente dará para demonstrar que algumas regiões têm resultados melhores do que outras, e podemos olhar o que levou a isso, podemos fazer discussão com especialistas”, sugeriu.

Num momento em que o Brasil ainda vivencia um platô de 3 mil mortes diárias, o governador considerou “muito grave” a nova revisão do cronograma de imunização, e vê um atraso intencional na busca de imunizantes.

“Nós nos atrasamos deliberadamente na aquisição de vacinas. Em determinado momento, o Brasil era contra a compra de vacinas, e isso se verbalizou por meio de várias autoridades. E não temos um cronograma de vacinação, ele é alterado a cada semana, quinzena ou mês, e é sempre para postergar, nunca para antecipar”.

Renan Filho lembra que defendeu a urgência de uma coordenação nacional de combate à pandemia, com a integração de esforços entre as três unidades da federação na reunião de governadores, ministros e chefes das Casas Legislativas no Palácio da Alvorada há um mês. “Governo federal e Congresso concordam com essa falta de coordenação, por isso criaram o comitê [nacional de combate à pandemia], mas de lá pra cá, não teve ação nenhuma”.


Andrea Jubé: 'Deus poupou-me do sentimento do medo'

Centro já descartou Huck e Moro como presidenciáveis

Vamos tratar aqui de três presidentes: pela ordem, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, e Jair Bolsonaro. Este passou recibo, com firma reconhecida, de que sentiu a mão fria do “impeachment” roçar-lhe as costas na semana passada, quando o colegiado pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) desferiu-lhe duas bordoadas: confirmou a ordem de instalação da CPI da pandemia, e o restabelecimento dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A CPI da pandemia, se não tem o impedimento do presidente como alvo, provocará enxaquecas palacianas. Lula, por sua vez, desponta hoje como a principal ameaça à reeleição de Bolsonaro. Mas, remarque-se que a política muda como as nuvens - ou como o humor presidencial.

Bolsonaro está mal humorado, e deixou o azedume transparecer na “live” de quinta-feira, quando o STF sacramentou a investigação contra seu governo, e a elegibilidade de Lula. “Só Deus me tira da cadeira presidencial, e me tira, obviamente, tirando a minha vida", vociferou.

Em recado velado, porém, audível, ao Congresso, ao STF e à oposição, acrescentou, com ênfase, que salvo a prerrogativa divina, “o que nós estamos vendo acontecer no Brasil não vai se concretizar, mas não vai mesmo. Não vai mesmo, tá ok?” Nesse trecho cifrado, Bolsonaro aludiu à ameaça de “impeachment”.

O temor do impedimento ronda o Planalto há meses, e vai e volta em ondas, como o mar. Ou como a pandemia, para ser exata. A primeira onda deu-se em junho do ano passado, quando Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi preso, o que acendeu a luz amarela no Palácio. O episódio teve o condão de suspender a sucessão de atos antidemocráticos pelo fechamento do Congresso e do STF, que Bolsonaro, e sua militância, estimulavam.

A segunda onda se consumou há algumas semanas, quando o Centrão redobrou a pressão pela saída do chanceler Ernesto Araújo, em paralelo ao recrudescimento da pandemia. Para não passar recibo, Bolsonaro improvisou uma ampla reforma, aproveitando-se para se livrar do incômodo ministro da Defesa Fernando Azevedo e dos três comandantes das Forças Armadas, que, pela sua percepção, não o respeitavam como comandante-em-chefe, conforme prescreve a Constituição Federal.

Nessa ampla reforma o medo do “impeachment” ganhou nome e sobrenome: Flávia Arruda, a elegante e discreta ministra da Secretaria de Governo, cuja nomeação selou a aliança de Bolsonaro com o Centrão raiz: o PP de Ciro Nogueira e Arthur Lira, e o PL de Valdemar Costa Neto.

Quando os generais Luiz Eduardo Ramos e Braga Netto decidiram finalmente ceder e entregar a articulação política para o Centrão, uma semana antes do domingo de Páscoa, o primeiro nome lembrado foi o do senador Eduardo Gomes (MDB-TO), que tinha o padrinho mais forte do mercado: o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Mas toda a força de Flávio empalidece diante da caneta de Arthur Lira (PP-AL), que despacha os requerimentos de “impeachment”. Por isso, os dois generais concluíram que o novo ministro tinha de ser egresso da Câmara, e abençoado por Lira. Ontem Flávia admitiu em uma “live” promovida pela XP Investimentos, que recebeu o convite de Bolsonaro para assumir o cargo, mas tratou do assunto com Lira, e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Com Flávia Arruda, Bolsonaro reforçou a blindagem contra o “impeachment” com uma segunda camada. A primeira camada é o vice-presidente, Hamilton Mourão. Num cenário de instabilidade quase permanente, nenhum deputado ou senador calejado de crises quer apear um ex-deputado do poder para passar a caneta para um general. “Ele não inspira confiança”, reconheceu um cacique do Centrão em conversa com a coluna.

Um cacique do Centrão é categórico ao rechaçar qualquer risco de “impeachment”, a começar porque falta o elementar: povo na rua. “Impeachment” depende de dois motivos: o político e o jurídico. A pandemia complica o elemento “povo na rua”, mas isso não basta para revisar a fórmula basilar dos impedimentos presidenciais: motivo político, primeiro; depois, o jurídico. “O motivo jurídico se arruma, no [Fernando] Collor foi o Fiat Elba, com a Dilma [Rousseff], foram as pedaladas, mas tem que ter o ingrediente da sociedade cobrando”, explica o líder do centro.

Nessa quadra, cresce a corrida pela terceira via capaz de quebrar a iminente polarização entre Lula e Bolsonaro. A novidade é que embora ainda figure nas pesquisas, o nome do apresentador Luciano Huck foi alijado das conversas de bastidores no Centrão. Com Lula no jogo, a convicção unânime é de Huck refugou. Por ora, o ex-juiz Sergio Moro também não é levado a sério como presidenciável, apesar da boa performance nas pesquisas.

Sem Huck e Moro, o nome que mais empolga no momento é o do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, do DEM. Na pesquisa Ipespe realizada no Estado de São Paulo, encomendada pelo Valor, Mandetta alcançou 6% no cenário com o governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, disputando, sem João Doria.

Entretanto, o DEM também já colocou no radar de presidenciáveis o nome do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que larga com alguma vantagem em relação ao correligionário: ocupa cargo de visibilidade nacional, e é mineiro, representante do segundo maior colégio eleitoral, berço de presidentes da República, desde a política café-com-leite, até Tancredo neves e Itamar Franco.

Para citar os mineiros, faz falta a Bolsonaro um conselheiro político do quilate de Tancredo Neves, que serviu a Juscelino Kubitschek. Tancredo ajudou o poeta Frederico Schmidt a redigir para JK um pronunciamento que se tornou famoso ao repelir uma rebelião militar. A frase mais forte proclamava: “Deus poupou-me do sentimento do medo”.


Andrea Jubé: Está em curso uma operação de minimização de danos

Objetivo de parte dos ministros é salvar Lava-Jato

A maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu ontem o salvo-conduto para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concorra à Presidência da República em 2022, prerrogativa que lhe foi negada pela mesma Corte em 2018.

“Três anos depois” - dirá o PT, repetindo o comentário irônico do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas à nota de repúdio divulgada pelo ministro Edson Fachin.

O relator da Lava-Jato reagiu à revelação, no livro de memórias do general, de que a cúpula do Exército atuou para pressionar a Corte a barrar a candidatura do petista naquele ano.

Em contrapartida, o voto de Fachin blindou a Lava-Jato, como fez questão de deixar claro o presidente do STF, Luiz Fux. Em seu voto, ele explicitou que os efeitos do julgamento de ontem não são “sistêmicos”, e que a operação está preservada.

O julgamento de ontem foi uma operação de redução de danos: se a maioria do plenário confirmar, na semana que vem, a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro nos processos contra Lula, conforme decisão da Segunda Turma, somente nesta hipótese a Lava-Jato estaria à deriva.

A maioria em torno da parcialidade de Moro anularia integralmente os processos contra Lula. A prevalecer exclusivamente a declaração de incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, os processos serão retomados no juízo federal do Distrito Federal ou em São Paulo, conforme tese levantada pelo ministro Alexandre de Moraes.

Nessa hipótese, entretanto, é pouco provável que haja tempo hábil para nova condenação que tornasse Lula novamente inelegível. “A candidatura de Lula agora é de difícil reversão”, sentenciou o secretário-geral do PT e advogado de formação, deputado Paulo Teixeira (PT-SP). Ele avalia que o julgamento de ontem evidenciou que foi montada uma “farsa” para inviabilizar a candidatura de Lula em 2018.

“Ele só foi julgado lá atrás porque tinha um juiz suspeito, a incompetência é derivada da suspeição”, afirmou. Nem a defesa de Lula nem a cúpula petista espera para a próxima semana a reedição do placar de 8 a 3 em relação à análise da imparcialidade de Moro. Contudo, há expectativa por um placar favorável de 6 a 5. Três votos contra Moro são conhecidos por causa do julgamento na Segunda Turma: os de Gilmar, Lewandowski e Cármen Lúcia. A aposta para formar maioria volta-se para os votos de Dias Toffoli, Rosa Weber e Alexandre de Moraes. A conferir.

Talvez para evitar que à demora de três anos se somasse mais uma semana, os ministros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, e Ricardo Lewandowski anteciparam ontem os seus votos, tornando fato consumado a decisão em relação à incompetência da 13ª Vara Federal para julgar os processos contra Lula. Do contrário, o impasse se estenderia até a retomada do julgamento no dia 22. O suspense ficou reservado ao desfecho da suspeição de Moro.

A esperança também move os petistas, embalados por uma declaração sintomática de Fachin, em agosto do ano passado, de que a candidatura presidencial de Lula em 2018 “teria feito bem à democracia”.


Andrea Jubé: “Ele não vai botar o pijama, não!”

General é a aposta para as crises do diesel e da energia

O presidente Jair Bolsonaro tem se notabilizado por jogar com as cartas abertas sobre a mesa. Após a intervenção na Petrobras, já anunciou que promoverá novas trocas no governo: “Mudança comigo não é de bagrinho, é de tubarão”. Pescador profissional, ele contou para os peixes que lançou a tarrafa.

Indicado para a presidência da Petrobras, o general Joaquim Silva e Luna nunca foi uma carta na manga. Ele foi apresentado como um dos homens da máxima confiança do presidente no segundo dia de governo.

Pelas idiossincrasias da política, declarações do presidente na posse do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, no dia 2 de janeiro de 2019, ainda repercutem, e estão relacionadas às principais crises da última semana.

Naquela solenidade, Bolsonaro trouxe à luz a estreita amizade com o então comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas. “Meu muito obrigado, comandante Villas Bôas. O que nós já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, afirmou, em uma inconfidência que gera desassossego até hoje.

Villas Bôas não expôs no controvertido “Conversa com o comandante”, da editora FGV, o conteúdo dessas conversas. Mas a revelação dos bastidores dos tuítes que pressionaram o Supremo Tribunal Federal na véspera do julgamento do “habeas corpus” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva produziu a folia mais agitada da atual gestão, desde o “golden shower”, culminando na prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ).

Na mesma cerimônia, Bolsonaro tornou público seu apreço ao ex-ministro da Defesa do governo Michel Temer, anunciando que Silva e Luna, “um excelente homem”, integraria sua equipe. “Ele não vai botar o pijama, não!”

Menos de dois meses depois, em 21 de fevereiro de 2019, Silva e Luna seria nomeado diretor-geral brasileiro de Itaipu Binacional.

Representante da ala militar não palaciana, avesso aos holofotes de Brasília, o ex-ministro de Temer projetou-se como um dos quadros mais prestigiados pelo presidente.

Nestes dois anos, Bolsonaro compareceu a oito eventos da binacional no Paraná. Nesta quinta-feira, o presidente estará novamente no palanque ao lado do general em uma solenidade da hidrelétrica.

Esse é o pano de fundo da relação entre Bolsonaro e o ex-ministro, que culminou na conturbada intervenção na Petrobras, e no derretimento do valor da companhia.

Desse episódio, Silva e Luna emerge como o homem de confiança de Bolsonaro em meio a nova crise com os caminhoneiros, e, simultaneamente, para iluminar caminhos para a redução da tarifa de energia.

Bolsonaro avisou apoiadores que também vai “meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema”. O presidente ouviu de Silva e Luna que Itaipu é uma das soluções.

Após dois anos na direção-geral brasileira da hidrelétrica, Silva e Luna tem expectativa de que, no ano que vem - ano eleitoral -, a tarifa de energia tenha queda substancial devido à amortização relevante de parcela da dívida da binacional, que deve ser integralmente quitada em 2023. “Será a energia mais barata do país”, tem dito Silva e Luna.

Sobre a Petrobras, o general nega que Bolsonaro lhe tenha encomendado mudanças na política de preços dos combustíveis.

Nos bastidores, entretanto, sabe-se que Bolsonaro se irritou com o desdém de Castello Branco em relação às queixas dos caminhoneiros, seu eleitorado cativo. Por isso, o presidente espera que o general tenha sensibilidade com esse público, com quem dialogou quando era ministro na greve de 2018.

Silva e Luna afirma que todo general tem uma missão imposta, e outra que é deduzida. A dedução do mercado é que Bolsonaro lhe incumbiu de resolver a crise dos combustíveis.

Mas o general deu sinais de querer trabalhar em sintonia com a diretoria-executiva e o conselho de administração. “Isso aí [alta dos preços] são considerações que têm que ser analisadas junto com o conselho, junto com a equipe”, disse ao Valor.

O economista- chefe da Guide Investimentos, João Maurício Rosal, observa que o mercado ainda não analisou as credenciais do general Silva e Luna para assumir o comando da Petrobras porque o ambiente de desconfiança gerado pela intervenção na companhia impede avançar uma casa num tabuleiro onde explodiram uma mina.

“A sinalização de que o controlador pode tomar decisões “ad hoc”, sem grandes explicações que não sejam ligadas ao valor da companhia vai pairar como um espectro por muito tempo. Reputação é difícil para uma empresa conquistar, mas é fácil de se perder”, diz Rosal.

O economista afirma que superar essa desconfiança vai ser missão hercúlea para o general. “Ele vai ter esse peso para carregar, essa desconfiança não se dissolve da noite para o dia”.

Rosal reconhece, entretanto, que a crise do preço dos combustíveis também é um espectro que volta e meia assombra os governos. Pedro Parente, a quem se atribui o primeiro movimento significativo de recuperação da empresa após a Lava-Jato, deixou o cargo na esteira da crise provocada pela greve dos caminhoneiros de 2018.

Por isso, Rosal sugere que o governo busque uma solução, citando o exemplo do Chile, que instituiu por um período longo um mecanismo, com gatilhos acionados sob critérios específicos para gerir a oscilação dos preços.

“Talvez o pais não esteja preparado para conviver com um mercado onde o preço dos combustíveis siga os preços internacionais, dada essa sensibilidade política. Mas o governo precisa pensar num mecanismo para o mercado de combustíveis, e não optar pela ingerência na Petrobras”, diz o economista. A alternativa seria encontrar uma política de preços final para o consumidor capaz de suavizar os ciclos internacionais sem comprometer a saúde fiscal do país”.


Andrea Jubé: Em política, fundo do poço tem mola

Grupo de Renan venceu Alcolumbre em palco secundário

As velhas raposas do Congresso ensinam que se pode cobrar quase tudo de um político no cemitério: que conforte a viúva, segure uma das alças do caixão, encomende a coroa de flores. Só não se pode exigir desse político que pule no buraco e se aconchegue do lado do morto.

Político tem instinto de sobrevivência como os animais. Um decano do Congresso ilustra, por exemplo, um erro de articulação de amador cometido pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao tentar atrair deputados para o bloco de Baleia Rossi (MDB-SP) no papel de franco atirador contra o presidente Jair Bolsonaro.

Este político veterano lembra que os deputados no segundo biênio do mandato estão focados na reeleição. Por isso, não querem confronto com o governo - qualquer governo.

Ao contrário, procuram afinar a relação com o Executivo para assegurar emendas para sua base eleitoral, fidelizar prefeitos, e assim, pavimentar o caminho para o sucesso nas urnas.

Convencer um parlamentar a brigar com o governo a dois anos de sua reeleição é o mesmo que convidá-lo para saltar no buraco e se aconchegar ao morto dentro do caixão. Na vida real, discurso de independência na relação com o Executivo é conversa para boi dormir.

Um dos políticos mais experientes da cena política, o ex-senador Heráclito Fortes, do DEM do Piauí - um quadro que conviveu com figuras como Ulysses Guimarães e Eduardo Campos - costuma lembrar que, em política, fundo de poço - ou de buraco - tem mola.

Seu partido agonizou na era Lula, e emergiu como uma das principais forças políticas do último pleito. Independente do embate público entre Rodrigo Maia e ACM Neto, o DEM voltou com protagonismo ao palco político.

A metáfora do poço com mola no fundo vale para o MDB de Renan Calheiros (AL) no Senado. O observador distraído dirá que a bancada perdeu pela segunda vez a luta contra Davi Alcolumbre (DEM-AP) pela presidência da Casa. Mas um observador atento alertará que Renan ganhou a revanche contra Alcolumbre no fundo do palco.

O grupo de Renan derrotou um importante aliado de Alcolumbre na eleição para a primeira vice-presidência, o segundo cargo na hierarquia do Senado.

Num segundo “round”, o grupo liderado por Renan mira mais dois cargos estratégicos, com poder de fogo para elevar a pressão contra o governo: a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), cobiçada por Alcolumbre; e a presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde.

Nas articulações pelo apoio à candidatura de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), um astuto Alcolumbre prometeu a primeira vice-presidência ao PSD e também ao MDB. Os emedebistas dobraram a aposta e levaram a disputa para o voto. Ao fim, Veneziano do Rêgo (MDB-PB) derrotou o aliado de Alcolumbre, o senador Lucas Barreto (PSD-AP), por 40 votos contra 33.

A vitória de Veneziano simboliza a revanche do MDB contra Alcolumbre, ainda que num palco menor, porque o senador da Paraíba representa o grupo autêntico de Renan e José Sarney. Apesar da passagem pelo PSB, Veneziano é um emedebista-raiz, irmão do ex-senador Vital do Rêgo, hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), e aliado de berço de Renan. Vital foi alçado ao TCU pelo voto de 63 senadores em 2014, e mantém até hoje vínculos com a Casa. Vital encabeçou ao lado de Renan a articulação do jantar de reconciliação entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o então presidente Rodrigo Maia no começou de outubro.

Nos próximos “rounds”, o grupo de Renan quer nocautear Alcolumbre na disputa pela presidência da CCJ. E senadores ouvidos pela coluna não descartam que Renan assuma um cargo na CPI da Saúde: a presidência ou a relatoria.

Outro candidato a cargo de direção da CPI é o líder do MDB, Eduardo Braga, senador do Amazonas, e aliado de Renan, que tem demonstrado profunda indignação com o descontrole da pandemia em sua base eleitoral.

Com o MDB com fôlego renovado, Rodrigo Pacheco terá de demonstrar a mesma destreza que utilizou para atrair o PT para sua candidatura.

Completando uma semana no cargo, vai sofrer dupla pressão nos próximos dias. A pressão de 31 senadores - inclusive Renan e Braga - pela leitura do requerimento de criação da CPI da Saúde, que abre caminho para a instalação do colegiado.

Autor do requerimento da CPI da Saúde, o líder da Rede, senador Randolfe Rodrigues (AP), receia que Pacheco tentará adiar a leitura do requerimento até a realização da audiência para ouvir o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na esperança de que a temperatura baixe até lá.

O governo ainda pode agir para retirar assinaturas da CPI até meia-noite do dia da leitura, mas Randolfe não acredita em recuo dos senadores que apoiaram a investigação dos erros e responsabilidades das autoridades no enfrentamento da pandemia, em especial no Amazonas. “Quem retirar a assinatura vai pagar um preço além do comum junto à sociedade”, diz Randolfe.

Em outro foco de pressão sobre Pacheco, Bolsonaro tem de decidir até o fim do mês sobre o pedido da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de veto ao artigo que fixou prazo de cinco dias para que a agência se manifeste sobre uso emergencial das vacinas, e possa chancelá-las, caso tenham sido autorizadas por uma das nove autoridades sanitárias estrangeiras relacionadas na lei.

Se o veto se consumar, o Congresso já está armado para derrubá-lo, em sessão que será presidida por Pacheco.

Se há controvérsia em torno da eleição da deputada Bia Kicis (PSL-DF) para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), está praticamente certa a nomeação do deputado Darci de Matos (PSD-SC) para relatar a PEC da reforma administrativa no colegiado. O presidente Arthur Lira (PP-AL) já elencou a proposta entre os itens prioritários da agenda econômica. Mudando regras apenas para os futuros servidores, lideranças da Casa acreditam que a matéria pode avançar.


Andrea Jubé: O aliado que não falava “javanês”

Rodrigo Pacheco ganhou fama de “não confiável”

Um verso de Chico Buarque dita o ritmo da eleição para as novas Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. “Não se afobe não, que nada é pra já”, ensina o compositor na letra de “Futuros amantes”. Vale para a poesia e para a política: um gesto precipitado pode arruinar uma estratégia.

Se a história se repete como tragédia ou farsa, a tendência é que os tabuleiros de cada uma das Casas se aclarem somente no fim de janeiro. No ano passado, a bancada do MDB no Senado se reuniu somente na véspera da eleição para definir o candidato da sigla à sucessão, e por um voto Renan Calheiros (AL) venceu Simone Tebet (MS).

O embate no MDB foi apenas o primeiro lance de uma sequência de jogadas dramáticas que culminaram na vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP), em resultado que só pode ser alcançado na noite do dia 2 de fevereiro, um sábado. No dia da eleição, Alcolumbre sentou-se na cadeira de presidente e passou a conduzir a sessão de votação, ainda sem tornar pública a sua candidatura.

A certa altura daquela sessão, a senadora Kátia Abreu (PP-TO), aliada de Renan, aproximou-se de Alcolumbre e lhe cobrou ao pé do ouvido quando ele se declararia candidato. Em resposta, ouviu que, até aquele momento, com a sessão em curso, seu grupo não havia definido se o candidato seria ele, ou Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Somente no dia seguinte, Alcolumbre assumiu que era candidato. Um enredo incrementado por lances cinematográficos, como o roubo da pasta da presidência por Kátia Abreu, as acusações de “usurpador”, a oposição a Renan abrindo os votos, a revelação de 82 cédulas de votação, em um colégio de 81 eleitores.

A recordação desses fatos se impõe para contextualizar a avaliação de senadores experientes de que Alcolumbre se precipitou ao lançar o nome de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para sucedê-lo. “O Senado não é a República do Amapá, não dá pra ele simplesmente tirar um nome do paletó, e tem que ser alguém do DEM para parecer que ele ganhou”, criticou um senador.

Com cinco titulares, o DEM é uma das menores bancadas do Senado. O MDB tem a maior bancada, com 13 integrantes, e contaria com a prerrogativa de indicar o presidente da Casa. Alcolumbre elegeu-se em 2019, egresso de uma bancada reduzida, em circunstâncias muito singulares: surfou na onda bolsonarista de rejeição à “velha política”. Beneficiou-se da revelação dos votos, quando a sessão secreta favoreceria Renan. Para completar, teve o apoio do Planalto, escancarado com a declaração do voto do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Mas a resistência a Rodrigo Pacheco vai além de pertencer ao DEM. “Ele tem um passado esquisito”, diz um senador do grupo de Alcolumbre, que enumera razões para que muitos colegas, principalmente do MDB, rejeitem o apoio ao mineiro.

Quando Pacheco ainda integrava os quadros do MDB, e era presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na Câmara, designou um relator independente, que recomendou a abertura de processo de impeachment contra o então presidente Michel Temer. Sua situação no MDB ficou insustentável, e Pacheco abrigou-se no DEM em 2018.

Já como senador, Pacheco é acusado de descumprir acordos quando foi relator na CCJ do projeto que pune abuso de autoridade de juízes e procuradores. “Na hora H, ele se tremeu todo e não entregou o relatório combinado”, reclama um colega.

Outro motivo de desconfiança é porque Pacheco é pré-candidato ao governo de Minas Gerais. Alguns colegas receiam que ele use o cargo para fazer “populismo”. A pré-candidatura também pode empurrar o PSD para o colo do MDB, porque o partido quer eleger Alexandre Kalil, prefeito reeleito de Belo Horizonte, governador em 2022.

Por todas essas razões, até mesmo aliados de Alcolumbre acham que ele foi com muita sede ao pote ao tirar o nome de Pacheco da cartola.

Em paralelo, a resistência ao nome do DEM estimulou o movimento do MDB para restabelecer a regra da proporcionalidade no Senado, para que a distribuição dos espaços - a começar pela presidência da Casa - respeite o tamanho das bancadas.

A regra se aplicaria, da mesma forma, à divisão de cargos na Mesa Diretora, nas comissões, e até mesmo na indicação de relatores.

Confiante no resgate dessa regra, o MDB pretende atrair as lideranças das outras grandes bancadas, como Podemos, PSD, PSDB, PP e PT. “Quando se prioriza a regra da proporção, os espaços de cada partido ficam garantidos”, justifica um senador.

Nesse contexto, outras lideranças do Senado, como Flávio Bolsonaro, o presidente do PP, Ciro Nogueira (PI), entre outros, tentam construir nos bastidores uma candidatura de consenso que una o grupo de Alcolumbre e o MDB.

O Planalto não faz oposição a Pacheco, tampouco aos postulantes do MDB, que ganharam o apelido de “os três mosqueteiros”: Eduardo Braga (AM), Eduardo Gomes (TO), e Fernando Bezerra (PE).

Se essa construção for bem sucedida, em movimento que fica para janeiro, o DEM sai perdendo, se o escolhido não for Pacheco, mas não Alcolumbre.

Embora o nome do deputado e presidente do Republicanos, Marcos Pereira (SP), seja lembrado, Alcolumbre é visto por ministros como o melhor perfil para assumir a articulação política no ano que vem, no lugar do general Luiz Eduardo Ramos. “Não quero ser ministro”, disse Pereira à coluna.

Um ministro não palaciano disse à coluna que Davi Alcolumbre tem o melhor perfil para se tornar ministro da Secretaria de Governo. “Alcolumbre não fala javanês, ele fala a língua do presidente”, justificou, alegando que ambos fazem política da mesma forma.

Uma alusão ao conto de Lima Barreto, “O homem que sabia javanês”, de 1911. Na história, o protagonista Castelo, até então desempregado, consegue uma colocação de professor ao fingir que conhecia o idioma da ilha de Java.

Três vezes deputado federal, eleito presidente do Senado no primeiro mandato, com boa relação com Bolsonaro, Alcolumbre é visto em alas do governo, e no Centrão, como alguém que fala “politiquês” melhor que o general.


Andrea Jubé: Hora de menos “selva”, mais política

José Múcio foi sondado para vaga de Ramos no palácio

Política é circunstância, e as circunstâncias favorecem o movimento lento e gradual de profissionalização da articulação política do governo. Salvo o imponderável, o presidente Jair Bolsonaro deverá coroar esse processo na reforma ministerial prevista para fevereiro, após se consumar a sucessão nas Mesas Diretoras da Câmara e do Senado.

Trata-se de um movimento iniciado há 14 meses, quando Bolsonaro substituiu a deputada Joice Hasselman (PSL-SP), parlamentar de primeiro mandato, uma neófita entre raposas, pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO), três vezes deputado federal, na liderança do governo no Congresso.

O segundo gesto nessa direção foi a substituição, há quatro meses, do então líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), parlamentar de primeiro mandato, um neófito entre raposas, pelo deputado Ricardo Barros (PP-PR), seis vezes deputado federal e ex-ministro da Saúde.

No Senado, nunca se cogitou a substituição do líder do governo, o experiente Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Quando o emedebista se viu alvo de uma operação da Polícia Federal em setembro do ano passado, ele nem balançou no cargo. O que se ouvia nos corredores do palácio era que a prudência recomendava ao novo governo não fustigar a poderosa bancada do MDB do Senado.

Os caciques do Centrão, que agora orbitam em torno do gabinete presidencial, convenceram Bolsonaro de que chegou a hora de nomear um político para o cargo mais político do governo: a chefia da articulação política, atribuição do titular da Secretaria de Governo. Atualmente, o general da reserva Luiz Eduardo Ramos.

Um dos políticos cogitados para a vaga foi o ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) José Múcio Monteiro. Experiente na função, ele foi ministro da articulação política no segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em tom de brincadeira, Bolsonaro fez o convite público no último dia 3, na abertura, em sessão virtual, do 4º Fórum Nacional de Controle. Nos bastidores, a sondagem foi concretizada.

“Se a saudade lhe bater, venha pra cá, estará entre nós no nosso primeiro time”, convidou o presidente. “Sou apaixonado por você”, derramou-se.

A coluna apurou que, em privado, coube ao ministro das Comunicações, Fábio Faria, sondar Múcio sobre a efetiva possibilidade de aceitar o convite de Bolsonaro e assumir a articulação política do governo.

Múcio, que acabou de se aposentar, negou que a sondagem tenha ocorrido, e afirmou à coluna que não pretende voltar à vida pública, embora Bolsonaro tenha declarado que “seu gás é infinito”. A coluna mantém a informação, confirmada com uma fonte do Congresso e uma fonte do palácio.

Próximo a Bolsonaro, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também foi sondado para a função. No momento, entretanto, ele está concentrado em eleger o irmão para a Prefeitura de Macapá, e em fazer o seu sucessor no Senado.

Outro nome lembrado para o posto é o do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros. Internamente, ele ganhou fama de “trabalhador”, e tem a confiança de Bolsonaro.

Desde o início, Bolsonaro havia decidido nomear generais para a chefia da articulação política. Nas primeiras semanas, a piada interna entre políticos que já haviam se reunido com o primeiro titular da pasta, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, era de que a etiqueta da “nova política” implicava bater continência para ministros, acompanhada da saudação “selva”.

Mas o agravamento da crise política, diante do avanço dos inquéritos envolvendo o presidente no Supremo Tribunal Federal (STF), da denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz (hoje em regime domiciliar), amarraram Bolsonaro ao Centrão com nó de marinheiro.

É nessa conjuntura que políticos experientes como o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), os líderes Ricardo Barros, Eduardo Gomes, Fernando Bezerra, além de contemporâneos de Bolsonaro na Câmara, cada vez mais ouvidos pelo presidente, o persuadiram de que ele deve nomear um político para a chefia da articulação do governo.

O argumento é de que Bolsonaro precisa profissionalizar a articulação para melhorar a relação com o Congresso, e garantir o avanço das pautas do governo, sobretudo a dois anos da eleição presidencial. Há uma avaliação de que o governo foi generoso na liberação de emendas e distribuição de cargos, mas os parlamentares não retribuíram na mesma proporção.

A mudança na articulação já foi aventada anteriormente. Desta vez, entretanto, dois fatores contribuem para sua concretização. Em primeiro lugar, um político da envergadura de José Múcio foi sondado para o cargo. Ou seja, começaram as sondagens por um substituto para o general.

Além disso, Bolsonaro pode precisar de Ramos em outro ministério, no mesmo quarto andar do Palácio do Planalto.

No começo de janeiro, o ministro Jorge Oliveira toma posse no Tribunal de Contas da União, abrindo a vaga de ministro da Secretaria-Geral da Presidência. É uma oportunidade para manter Ramos próximo ao gabinete presidencial, e em ministério palaciano.

Embora a reforma ministerial esteja prevista para fevereiro, os fatos obrigaram a antecipação de alguns movimentos. Como Oliveira sai em janeiro, o presidente terá de decidir se já nomeia Ramos para o seu lugar, ou aguarda o desfecho da eleição no Congresso, indicando um interino para a função.

Como o entrevero com Ramos precipitou a demissão do ministro Marcelo Álvaro Antônio do Ministério do Turismo, reservado ao Centrão, Bolsonaro teve de escalar o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, para um mandato-tampão.

Salvo o imponderável, Bolsonaro dará continuidade à profissionalização da articulação política. A ressalva se impõe porque ele muda de direção como o vento. Por sobrevivência, a biruta está mandando ele seguir o Centrão.


Andrea Jubé: A lição de Patos para a sucessão em 2022

Centro-direita larga fragmentado para 2022

Os ingredientes da eleição para prefeito de uma cidade média no sertão paraibano alçaram-na ao patamar de microcosmo político do país, na visão de alguns cientistas políticos.

Projetando-se o cenário local para o plano nacional, em um criativo exercício de análise política, o resultado da eleição em Patos, na Paraíba, colocaria em xeque o sucesso de uma eventual chapa encabeçada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro em 2022.

Uma premissa somente autorizada, ressalte-se, no contexto da recuperação da política tradicional como principal resultado do primeiro turno das eleições municipais.

Com 108 mil habitantes, o terceiro reduto de poder mais cobiçado da Paraíba - depois de João Pessoa e Campina Grande - foi palco de uma eleição acirrada, polarizada entre um “outsider” e um representante da “velha política”.

De um lado, concorreu o Juiz Ramonilson Alves, postulante do Patriota, que se aposentou para ingressar na política; na outra ponta, o ex-prefeito Nabor Wanderley, candidato do Republicanos.

Chamado de “Moro da Paraíba”, o Juiz Ramonilson encabeçou a chapa, com o DEM na vaga de vice. Nos discursos, afirmava que a solução para a cidade passava pelo combate intensificado à corrupção e pelo fim do monopólio político local.

Seu adversário era um legítimo representante da política tradicional, encabeçando uma coligação formada por Republicanos, PP, PSD, PSL, Rede e Cidadania. Nabor governou a cidade duas vezes, de 2005 a 2012.

Nabor respondeu a denúncias de corrupção, muitas delas julgadas por Ramonilson. No horário eleitoral e em entrevistas, acusou o ex-magistrado de persegui-lo há muitos anos, desde sempre com finalidades eleitorais.

Ao fim de um embate acalorado, Nabor alcançou 51% dos votos, contra 41% do Juiz Ramonilson. Um resultado local que refletiu o quadro verificado no plano nacional, considerado o placar das capitais e principais cidades brasileiras: a vitória da política tradicional sobre a “nova política”, da qual Jair Bolsonaro foi o expoente em 2018.

“A eleição municipal restaurou o sistema político, o “outsider” perdeu valor no mercado político e o centro institucional saiu consagrado”, disse à coluna o cientista político Nelson Rojas de Carvalho, professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Para ele, este resultado reduz as chances de “players” de fora da política cotados para a sucessão presidencial, como Sergio Moro e Luciano Huck.

O pesquisador aponta a derrota da “nova política” neste pleito, mas, não a do presidente Jair Bolsonaro como cabo eleitoral. Isso porque a eleição municipal não tem determinantes nacionais, mas, sim, consequências no plano nacional.

“A eleição municipal tem uma dinâmica local que gera efeitos nacionais”, argumenta o autor de “E no início eram as bases - Geografia política do voto e comportamento legislativo no Brasil”.

Ele aponta dois efeitos principais do pleito municipal no âmbito nacional: uma configuração mais sólida do quadro sucessório, e a composição de forças no Congresso Nacional na próxima legislatura.

O primeiro efeito do pleito municipal na sucessão presidencial, na visão de Nelson Rojas, é a fragmentação das forças de centro-direita, que tendem a avançar separadamente após o resultado deste ano.

Para o pesquisador, o desempenho do DEM, principalmente nas capitais, levará o partido a lançar candidatura própria em 2022. “O partido não aceitará ser vice do PSDB de novo”.

Um dos nomes colocados é o do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Correm por fora o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

No primeiro turno, o DEM reelegeu Rafael Greca, em Curitiba; Gean Loureiro, em Florianópolis; elegeu Bruno Reis em Salvador; e avança rumo à vitória de Eduardo Paes, que deverá governar o Rio de Janeiro pela terceira vez.

De igual forma, se o PSDB reeleger o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, não terá por que renunciar à cabeça de chapa na disputa presidencial em 2022. O nome mais provável é o do governador João Doria, embora o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, também seja cotado para a empreitada.

Mas se Covas for à lona, abatido pelo ativista Guilherme Boulos (PSOL), “o PSDB se perde”, e ficará difícil encabeçar a chapa, diz Nelson. Em especial, após o desempenho de Geraldo Alckmin em 2018, que obteve 4,7% dos votos válidos.

No espectro da esquerda, o pesquisador vê Ciro Gomes (PDT), ou um candidato apoiado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mais competitivos numa conjuntura de crise econômica, em um paralelo com a Argentina, onde a derrocada levou à vitória de Alberto Fernández.

“Se a economia chegar em 2022 em um diapasão tolerável”, as chances aumentam para a centro-direita”, diz o professor, que foi colunista convidado do Valor.

O segundo reflexo das eleições municipais na conjuntura nacional, segundo Nelson Rojas, vai se consumar na eleição dos deputados federais e senadores para a legislatura de 2023-2026.

Ele afirma que a nova correlação de forças que emerge da eleição municipal vai se refletir na composição do novo Congresso, e os partidos que elegeram mais prefeitos serão hegemônicos no Legislativo. As seis siglas que mais conquistaram ou preservaram prefeituras foram MDB, PP, PSD, PSDB, DEM e PL, todos representantes do centro político.

Nelson discorda da interpretação de que o primeiro turno das eleições municipais foi um “plebiscito” sobre o governo Bolsonaro. Ele acha equivocado atribuir o mau desempenho do prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), ao apoio de Bolsonaro. O presidente perdeu, na sua visão, ao não conseguir organizar o seu partido, e com ele, ocupar espaço no pleito municipal.


Andrea Jubé: Destinos cruzados

Bolsonaro repete teimosia de Dilma e preocupa aliados

Candidato a prefeito de Recife, o deputado João Campos (PSB) teme o revés de uma derrota em dose dupla: para as urnas e para o destino.

Mais do que vencer a prima Marília Arraes (PT) no segundo turno na principal capital do Nordeste, João precisa driblar a arapuca eleitoral que o destino armou para ele.

O projeto político de João é repetir o pai, Eduardo, e se tornar governador de Pernambuco num futuro próximo. Mas João não quer repetir o pai, que saiu derrotado de sua primeira eleição majoritária. Justamente, para a Prefeitura de Recife.

Eduardo Campos tinha a mesma idade de João em 1992, quando desobedeceu a recomendação do avô, o ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, que o desaconselhou a concorrer ao comando da capital naquele ano.

Arraes ponderou que o neto, embora dedicado e competente, era jovem e inexperiente. Até então, seu único currículo na política era a chefia de gabinete do avô, em seu segundo mandato no Palácio do Campo das Princesas, de 1987 a 1990.

Arraes profetizou que Eduardo seria engolido pelos tubarões da política pernambucana. Ele enfrentaria nas urnas: Jarbas Vasconcelos (MDB), Humberto Costa (PT), André de Paula (do então PFL de Marco Maciel) e Newton Carneiro (PSC).

Cumpriu-se o vaticínio de Arraes: aos 27 anos, Eduardo Campos acabou em quinto lugar na eleição para a Prefeitura de Recife, atrás de quatro lideranças pernambucanas.

Agora, as coincidências tramam contra João: ele completará 27 anos no próximo dia 26, a três dias do segundo turno. Terá, então, a mesma idade de Eduardo quando este concorreu ao comando da capital há quase três décadas. Assim como o pai, seu primeiro emprego foi a chefia de gabinete do governador - no caso, Paulo Câmara (PSB), cria política do pai.

Não se sabe o que pensaria Miguel Arraes, morto em 2005, sobre o embate eleitoral entre os seus descendentes: a neta Marília e o bisneto João. A pecha da imaturidade, entretanto, recai sobre João. Não pelo alerta do bisavô, mas pela acusação da prima e adversária, que exibe trajetória mais longeva que ele na política.

No único debate na televisão antes do primeiro turno, Marília apontou o dedo para o primo, usando o argumento que o avô usou contra o neto no passado. “O debate mostrou quem é experiente e tem propostas, e quem é imaturo. Eu tenho trajetória, já o candidato do PSB é inexperiente e fabricado pelo marketing”.

João concorre menos verde que o pai na disputa atual: além da chefia de gabinete do governador, também exibe no currículo quase dois anos de mandato de deputado federal.

Dez anos mais velha que o primo, Marília foi vereadora em Recife por três mandatos. Em 2014, quis concorrer a deputada federal pelo PSB, mas não teve o respaldo de Eduardo, que presidia a sigla. No mesmo ano, ele nomeou João líder da juventude do PSB, cargo cobiçado pela prima.

Foi o estopim para o rompimento. Marília filiou-se, então, ao PT. Em 2018, despontou como nome competitivo para o governo, mas acabou sacrificada em nome de um acordo que evitou o apoio do PSB à candidatura presidencial de Ciro Gomes (PDT).

Agora, o destino pregou uma peça nos petistas. Marília se projeta como a principal aposta do PT para tentar levar uma prefeitura de capital, depois de um desempenho a desejar nas eleições municipais. Se João repetir a sina do pai, o destino pode dar um voto decisivo para Marília no segundo turno. Mas o destino, aos eleitores pertence.

Teimosia

Um dos aliados mais antigos do presidente Jair Bolsonaro acredita que ele paga o preço da teimosia ao sair com a pecha de derrotado nas eleições municipais.

Este aliado explica assim o desempenho presidencial no pleito: Bolsonaro “jogou errado” porque entrou tardiamente na campanha, e insistiu em apostar em candidatos desde o começo comprometidos com o fracasso.

Um exemplo emblemático é o Coronel Menezes (Patriota), que acabou em quinto lugar na disputa pela Prefeitura de Manaus. Em nenhum momento na campanha ele despontou sequer entre os três primeiros colocados nas pesquisas.

Confrontado por este aliado sobre o apoio inconsequente, Bolsonaro retrucou que não acredita em pesquisas. Alega que os institutos teriam falhado em sua eleição. Na tréplica, o aliado ponderou que na reta final, todas as pesquisas o confirmavam no segundo turno em 2018. Mas o presidente não dá o braço a torcer.

O presidente também não gosta de ouvir que as incursões pelo país para inaugurar obras irrelevantes ou inacabadas são inócuas para manter ou alavancar sua popularidade. Os poucos amigos não-bajuladores o advertem que as claques de 150, 200 pessoas que o recebem nos aeroportos, não representam, nem de longe, sua aprovação popular naquele Estado. Mas o presidente se irrita e desconversa.

Este aliado reafirma o que já se sabe até aqui: o presidente é refratário a críticas. Em vários episódios, demitiu auxiliares que ousaram dizer a verdade. O exemplo mais recente é o ex-porta-voz, general Otávio do Rêgo Barros.

Os ouvidos moucos e a aversão às críticas são reclamações que os petistas repetiam como ladainhas em relação à então presidente Dilma Rousseff. Lideranças influentes da sigla lamentavam que ela não sabia ouvir, e pagaria o preço da teimosia, quiçá, da arrogância.

Quando cedeu aos apelos para ouvir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, fez um primeiro gesto: substituiu Aloizio Mercadante por Jaques Wagner na Casa Civil. Mas já era tarde demais.

Este aliado critica os conselhos do núcleo político para que o presidente intensifique o tom moderado. O rompante da semana passada, com o “país de maricas”, e a menção à pólvora, assustou a ala militar, mais ponderada, e os aliados de centro preocupados com a reeleição.

O aliado rechaça que Bolsonaro se converta ao centro de uma vez por todas. “Como ele vai se transformar em político de centro, se ele foi de direita a vida toda?” Ele descarta qualquer mudança radical de Bolsonaro. “É uma bobagem falar em conversão, ele nunca vai mudar o jeito de ser”.


Andrea Jubé: O risco do apagão eleitoral de Davi

Falta de água e luz ameaça irmão de Alcolumbre

A foto obrigatória em Macapá é no Marco Zero, o monumento de 30 metros que delimita a passagem da linha do Equador pela capital amapaense. A pessoa se posiciona no meio do traço demarcado no chão, e então, coloca um pé no hemisfério norte, outro no hemisfério sul, e registra o seu instante no meio do mundo.

Um círculo no alto do Marco Zero permite a contemplação do equinócio - quando o sol cruza a linha do Equador - duas vezes por ano. Em março e setembro, o sol alinha-se ao círculo e projeta um raio de luz sobre a linha imaginária.

O fenômeno confere a Macapá o título de “capital do meio do mundo”. Ela também é a única capital banhada pelo Rio Amazonas. O Estado também é reduto eleitoral de autoridades do primeiro escalão da política nacional: o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM), e o ex-presidente José Sarney.

Tanta singularidade e projeção política não asseguraram ao Amapá desenvolvimento ou excelência nos serviços públicos. Ao contrário, a população amargou 100 horas sem água e luz até que um restabelecimento parcial da energia elétrica fosse providenciado a partir de sábado.

Foram quatro dias na seca e no escuro. O apagão começou na noite de terça-feira, há uma semana, quando, durante uma tempestade, um raio atingiu a subestação de energia localizada na Zona Norte de Macapá. Dois dos três geradores sofreram danos irreversíveis e terão de ser substituídos. Esse processo pode levar mais de dez dias.

“Descobrimos que não tínhamos ‘backup’ na estação de transmissão, não temos geradores sobressalentes, fomos expostos a um risco altíssimo”, criticou em conversa com a coluna o advogado Rubem Bemerguy, que é candidato da Rede a vice-prefeito de Macapá na chapa encabeçada pelo ex-senador João Capiberibe (PSB).

“Dizem que um raio causou tudo isso. Um raio? Eles [a concessionária] não tinham equipamento de proteção contra raios?”, questionou. Bemerguy argumenta que São Paulo jamais seria exposto a uma situação dramática como essa porque é um Estado rico, industrializado, onde as estações devem contar com “backups” e com a fiscalização atenta da Aneel [agência reguladora do sistema elétrico]. “O governo nos trata ainda como colonizados”.

Mesmo sem garantia do restabelecimento regular da energia, os amapaenses vão às urnas no domingo por deliberação do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que recusou o apelo da oposição para adiar o pleito.

Os amapaenses, no entanto, vão às urnas pintados para a guerra em meio a tanta devastação. Em plena pandemia, num momento de aumento dos casos de covid-19 no Estado, a população ficou sem água para tomar banho e lavar as mãos. Pelo menos 80% dos moradores não têm caixas d’água em suas residências em Macapá.

Estoques dos bancos de sangue, e dos bancos de leite materno (para os prematuros) foram comprometidos. Quem ainda encontrasse água mineral, gelo ou mantimentos que dispensassem refrigeração para comprar, podia persistir na necessidade se não tivesse como pagar. Máquinas de cartão de crédito descarregaram. Caixas eletrônicos pararam de funcionar.

Uma peculiaridade é que um alto número de pessoas recorre a “gatos” para o fornecimento de energia em suas casas. São os moradores de baixa renda das chamadas “áreas de ressaca”, nas casas em áreas invadidas, sobre braços de rios ou igarapés. Outro detalhe é que um dos principais itens da dieta dos amapaenses são os peixes: pescadores foram prejudicados, bem como as pessoas que armazenavam as carnes frescas ou congeladas em suas geladeiras.

“A insegurança aumentou: na escuridão, com alarmes desativados, sua casa pode ser assaltada, e você não tem nem telefone para chamar a polícia”, relatou Bemerguy. Há o agravante de que as forças de segurança sumiram. Segundo ele, não apareceram nem guardas municipais para controlar o trânsito nas ruas, aumentando o risco de acidentes.

Por isso, é nesse ambiente de revolta que Bemerguy prevê reflexos do apagão na campanha de seu adversário, Josiel Alcolumbre (DEM), irmão do presidente do Congresso, que lidera as pesquisas. Com apoio das máquinas federal, estadual e municipal, Josiel desponta com 15 pontos percentuais de vantagem em relação a Capiberibe, segundo as principais pesquisas.

Bemerguy explica que a população culpa o “governo” pelo infortúnio, sem dissociar, precisamente, a administração federal, estadual ou municipal. “Como o Josiel tem o apoio do governo federal, atribuem a ele essa responsabilidade. Ele é a única pessoa passível de perder voto”, diz o candidato da Rede.

Uma derrota em sua base eleitoral seria um revés emblemático a Davi Alcolumbre, sobretudo num momento em que busca a recondução ao posto. E uma reeleição cheia de obstáculos, dependendo da boa vontade do Supremo Tribunal Federal.

Com 40 segundos no horário eleitoral, a oposição também levou prejuízos. Sem energia completa ou parcial na última semana, a campanha foi afetada com a interrupção da propaganda eleitoral na televisão, no rádio e na internet. A saída foi uma ofensiva nos grupos de WhatsApp, diz Bemerguy.

O candidato da Rede observa que a interrupção na campanha impede a oposição de dialogar com a população, de tentar mostrar ao eleitor o que de fato ocorreu. Bemerguy atribuiu a deterioração do sistema elétrico à concessão dos serviços à iniciativa privada e declara-se contrário à privatização.

“Essas mesmas pessoas que queimam pneus hoje, amanhã votarão em quem apoiou a privatização do serviço, e em quem defende a privatização da Eletrobras”. Ele lamenta que as pessoas, por desinformação, atribuam o episódio a uma fatalidade ou provação divina. “A população não tem discernimento sobre isso”.

Bemerguy receia, entretanto, que o eventual adiamento da eleição aumentasse o sentimento de revolta no eleitor. “Tem o risco politico do adiamento, de deixar o eleitor ainda mais chateado, porque os políticos estão sendo muito demonizados”. A expectativa dele é que o apagão leve a um recorde no índice de abstenção nas eleições no Amapá.


Andrea Jubé: “A amizade supõe a confiança”

Três nomes revezam-se no entorno presidencial

A solução caseira para a reacomodação de quadros no Palácio do Planalto atesta que, embora o presidente Jair Bolsonaro tenha ampliado o leque de aliados ao se aproximar das cabeças coroadas do Centrão, o time de auxiliares em quem ele realmente confia é tão restrito que não lota um elevador na sede do Executivo federal.

Desde que se tornou presidente, um temor quase patológico de Bolsonaro é o de ser traído, ou abandonado, pelos aliados. A relação conflituosa, quiçá beligerante, com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e com o governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), dois veementes aliados na campanha eleitoral, a quem agora acusa de deslealdade, ilustra esse receio.

Por isso, desde o início do governo, o presidente escalou para postos estratégicos no palácio assessores de longa data, que a passagem dos anos de convivência promoveu ao patamar de amigos insuspeitos. “A amizade supõe a confiança”, escreveu André Maurois (1885-1967), biógrafo de Voltaire.

É nesse contexto que a recente reconfiguração dos espaços no entorno presidencial envolve três protagonistas, que convivem com o presidente, e seus filhos, há décadas: o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, que se despede do cargo para tomar posse no Tribunal de Contas da União (TCU); Pedro César Nunes Sousa, que assumiu a Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ) no lugar de Oliveira; e Célio Faria, que assumiu a chefia do gabinete presidencial, no lugar de Pedro.

Oliveira ascendeu a jato na República: a partir da vitória de Bolsonaro nas urnas, foi de assessor parlamentar a ministro do TCU em dois anos. Até quinta-feira, o major reformado da Polícia Militar do Distrito Federal acumulava o ministério com o posto de subchefe de Assuntos Jurídicos, umas das funções mais estratégicas ligadas à Presidência da República.

Quando foi alçado ao primeiro escalão, em junho de 2019, Oliveira manteve o cargo original, que exerceu desde o começo do governo. Para isso, a SAJ teve de ser deslocada da Casa Civil, sua pasta de origem, para a Secretaria-Geral.

O secretário especial de Assuntos Estratégicos, Flávio Rocha - outro quadro que Bolsonaro conhece dos tempos de parlamentar - é o mais cotado para assumir o ministério. Contudo, o posto-chave, de substituição mais delicada sempre foi a SAJ. Acabou sendo confiado a Pedro Nunes, ou simplesmente Pedro, como é conhecido internamente, por meio da nomeação publicada no “Diário Oficial” na quinta-feira.

Embora seja um cargo de segundo escalão, a SAJ trata-se, na verdade, de um posto que se equipara a um ministério, pela relevância do papel e influência junto ao presidente.

O titular da SAJ tem de ser da estrita confiança do presidente, porque terá trânsito livre no gabinete presidencial, dispensando-se, até mesmo, inclusão na agenda oficial. Despachará três, quatro vezes, ou mais por dia, com o chefe do Executivo para tratar da redação de projetos de lei, medidas provisórias, e discutir os vetos presidenciais.

O posto é tão estratégico que personalidades-chaves da República já o ocuparam. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e Dias Toffoli têm a mesma trajetória: foram titulares da SAJ. Em seguida, foram nomeados para o comando da Advocacia-Geral da União (AGU) - Gilmar no governo Fernando Henrique, Toffoli no governo Lula. Depois da AGU, foram indicados para compor a Corte Constitucional.

O desafio de Bolsonaro era encontrar um nome com formação jurídica que desfrutasse de sua máxima confiança. Tarefa inglória, porque o laço de Jorge Oliveira com os Bolsonaro é muito singular. É notório que o capitão Jorge Francisco, pai de Jorge Oliveira, foi assessor e chefe de gabinete de Bolsonaro por 29 anos. Oliveira também foi assessor de Bolsonaro, e nos últimos anos, era chefe de gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

O nome de Pedro Nunes surgiu naturalmente porque ele sucedeu ao capitão Jorge Francisco na chefia de gabinete de Bolsonaro na Câmara. Major reformado da Polícia Militar, assim como Oliveira, Pedro é advogado, formado em Direito na Universidade Cidade de São Paulo (Unicid).

Por sua vez, para assumir o lugar de Pedro, na chefia do gabinete presidencial, Bolsonaro promoveu Célio Faria, que também foi seu assessor legislativo. Ex-assessor parlamentar da Marinha, Célio é economista, e até então, coordenava a assessoria especial do presidente.

O reconhecimento pelos anos de lealdade, dedicação e discrição transpôs os limites dos postos palacianos, levando Bolsonaro a também nomear Pedro e Célio para assentos concorridos nos conselhos das estatais e empresas públicas.

Até março deste ano, Pedro ocupou uma cadeira no Conselho Fiscal do BNDESpar, braço do banco de fomento, com remuneração de R$ 8,1 mil pelas participações nas reuniões. O valor reforçava sua remuneração mensal como assessor palaciano.

Célio Faria, por sua vez, exerce um dos cargos mais concorridos entre os políticos: uma vaga no conselho de administração de Itaipu Binacional, com remuneração de R$ 14,9 mil, valor que incrementa o salário de auxiliar palaciano. A vaga no conselho de Itaipu é tão concorrida que Célio a divide com dois veteranos da política nacional: o ex-ministro Carlos Marum (MDB) e o ex-deputado José Aleluia (DEM).

Vale sublinhar que o núcleo militar palaciano também é formado por velhos conhecidos de Bolsonaro. Sabe-se que o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos - no momento sob fogo cruzado do ministro Ricardo Salles, com amparo da área ideológica - foi contemporâneo do presidente na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman).

Já o vice-almirante Flávio Rocha, que deverá suceder a Jorge Oliveira na Secretaria-Geral, frequentava o gabinete do deputado Bolsonaro quando era assessor parlamentar da Marinha - cargo que Célio Faria também exerceu.

No núcleo militar, um ponto fora da curva foi o ex-ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz, que Bolsonaro chamava de “irmão”. Mas não teve laço de sangue que o segurasse no cargo quando Bolsonaro cismou que a confiança já era.


Andrea Jubé: No meio do caminho, tinha um Bolsonaro

Ainda não surgiu quem representará o “antibolsonaro”

O recente cerco a dois próceres tucanos, José Serra e Geraldo Alckmin - dois finalistas da corrida presidencial - leva o PSDB de novo às cordas, num momento em que o partido tenta se reerguer no plano nacional, mesmo com outro presidenciável, Aécio Neves, ainda no chão.

O novo disparo da Lava-Jato que atingiu o PSDB reforça o processo de esgarçamento do sistema partidário. Um movimento que eclodiu em 2013, com as incendiárias jornadas de junho, e teve o seu apogeu na eleição de Jair Bolsonaro, que embora sete vezes eleito deputado federal, convenceu o eleitor de que encarnava o “antipolítico”.

O advento da Lava-Jato em 2014, e o desdobramento das investigações nos anos seguintes, acentuaram a deterioração do sistema partidário. As eleições de 2016 foram marcadas pelo antipetismo: foi simbólica a derrota do então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, pelo candidato do PSDB, João Doria, ainda no primeiro turno.

Finalmente, em 2018, impulsionados pela descrença no sistema, pelo cansaço de “tudo isso que está aí”, 57 milhões de eleitores elegeram um candidato filiado a um partido inexpressivo, sem fundo partidário e tempo de propaganda no horário eleitoral.

Dois anos depois, vê-se que os partidos resfolegam. Os entregadores de aplicativos - prestadores de serviços que se revelaram essenciais nesta pandemia - ganharam projeção ao organizarem paralisações por condições de trabalho dignas e justas. Em seus atos, também rejeitam bandeiras de partidos. Os protestos em defesa da democracia, que ocuparam as ruas de muitas capitais em plena pandemia, foram convocados por torcidas organizadas, e não por políticos profissionais.

O cientista político Fernando Abrucio, professor da Fundação Getulio Vargas, afirma que a reforma política iniciada em 2018 vai impor uma reconstrução do sistema partidário após as eleições municipais. “Haverá uma recomposição partidária na esquerda e na centro-direita, até porque a cláusula de barreira em 2022 vai ser muito séria para muitos partidos”, diz o professor, que também é colunista do Valor.

Em 2018, 14 legendas não alcançaram a cláusula de desempenho, inclusive o PRTB do vice-presidente Hamilton Mourão e o Rede Sustentabilidade de Marina Silva. Esse resultado deflagrou as primeiras mexidas para garantir acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV no horário eleitoral: o PCdoB incorporou o PPL, e o Patriota incorporou o PRP.

Em 2022, os partidos terão de obter 2% dos votos válidos, distribuídos em um terço das unidades da federação, ou eleger pelo menos 11 deputados. Em 2018, o percentual exigido foi de 1,5%. Em 2030, chegará a 3%.

No pleito deste ano, começa a vigorar outro obstáculo aos pequenos partidos: o fim das coligações proporcionais, ferramenta que ajudava a ampliar as bancadas.

Há conversas em andamento entre as principais lideranças sobre o futuro político. O governador de São Paulo, João Doria, tenta renovar o PSDB para pavimentar o caminho rumo ao Planalto e evitar uma revoada de quadros, como o senador Tasso Jereissati (CE).
Pela centro-esquerda, os governadores do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), Marina Silva e o apresentador Luciano Huck rascunham cenários.

Há quem fale em uma fusão entre Rede e Cidadania após a eleição municipal, mas o que efetivamente foi à mesa foi a eventual fusão entre Rede e PV, ainda longe de se concretizar. Dino aventa a formação de federações partidárias, modelo que ainda precisa ser amadurecido no Congresso.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) concorda que seja necessária a reorganização partidária. “A ideia de partido político distanciou-se do povo”, admite.

Mas Randolfe lembra que o Rede já integra uma coalizão de partidos que se uniram em torno de um mesmo discurso de oposição ao bolsonarismo e da tentativa de formarem o máximo de alianças no pleito deste ano, e quem sabe, na eleição de 2022. O Rede caminha ao lado do PDT, PSB, PV e Cidadania.

Abrucio também identifica uma crise de lideranças, e alerta que conjugada com a crise partidária, isso pode ser uma “combinação explosiva”.

Ele aposta numa renovação das lideranças nacionais, porque as atuais já cumpriram um papel: articularam a redemocratização e viabilizaram um período de muita estabilidade democrática, econômica e de inclusão social, que ele define como os anos entre os impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff.

Mas Abrucio ressalta que o cerco às lideranças políticas atinge os partidos. “Porque não se pode pensar em partidos sem as lideranças. O que seria do partido conservador inglês após a Segunda Guerra sem Winston Churchill?”

Abrucio vê sinais desse ocaso das lideranças na pesquisa do Instituto Paraná, divulgada na última sexta-feira. Em um dos cenários, Ciro Gomes (PDT) tem recall baixo, porque aparece empatado com Luciano Huck, que nunca disputou eleições. Também achou tímido o desempenho de Doria, que ganhou projeção nacional no combate à pandemia nos últimos meses. Mesmo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o nome mais competitivo para enfrentar Bolsonaro em 2022, revela um desempenho aquém do que normalmente apresentaria. “Na trajetória do Lula, é pouco ainda. Das lideranças do antigo ciclo, mesmo depois de 500 dias preso, ele ainda é o mais forte”, diz o professor da FGV.

Para Abrucio, encerrou-se o ciclo pós-redemocratização da política brasileira, mas ainda não começou o seguinte. “Bolsonaro não é o novo, ele é o interregno, ele é a transição desses ciclos”.

Se a tônica da eleição de 2018 foi o antipetismo e a antipolítica, a de 2022 será o antibolsonarismo, aposta Abrucio. “O antibolsonarismo é maior que o bolsonarismo, isso é matemático. Mas o eleitor ainda não identificou quem será o polo antibolsonarista. Isso está em construção”.

Em suma, como diria Drummond: no meio do caminho da renovação, tinha Jair Bolsonaro.