André Mendonça

Míriam Leitão: Os segredos de Mendonça

O ministro André Mendonça quer muito ser indicado ao Supremo e para pavimentar o seu caminho decidiu ser servil ao seu chefe, o presidente Bolsonaro. O problema é que ele acaba de negar ao STF o conhecimento de um documento sobre o qual paira a suspeita de ser inconstitucional, de ser um atentado aos direitos fundamentais numa democracia. E zelar pela Constituição é o coração do papel do STF. Sobre o dossiê, o ministro já teve várias posições: negou, defendeu, disse que não podia negar nem confirmar a sua existência, abriu sindicância, exonerou o chefe da secretaria e agora diz que se ele for divulgado o Brasil perde a confiança internacional.

André Mendonça está perdido em seu novelo de versões sobre o que afinal aconteceu na Secretaria de Operações Integradas (Seopi), do Ministério da Justiça. O órgão teria preparado um dossiê sobre quase 600 policiais e um grupo de professores que se declararam antifascistas, com nomes, endereços digitais e, em alguns casos, fotos, como informou no dia 24 de julho o jornalista Rubens Valente, do portal UOL. O ministro sabe o caminho reto, mas tem insistido em ficar no sinuoso. Por isso acabou derrapando: está descumprindo uma ordem judicial.

A ministra Cármen Lúcia é relatora de uma ADPF apresentada pelo partido Rede de Sustentabilidade e considerou a notícia da existência do dossiê um caso gravíssimo. E mandou que o ministro esclarecesse a questão. Ele confundiu ainda mais. Não mandou o dossiê ao STF e, ao negar esclarecimento, anexou pareceres da AGU e da própria Seopi. Num desses textos se diz que “a mera possibilidade de que essas informações exorbitem os canais da inteligência e sejam escrutinadas por outros atores internos da República Federativa do Brasil já constitui circunstância apta a tisnar a reputação internacional do país e a impingir-lhe a pecha de ambiente inseguro para o trânsito de relatórios estratégicos”. Em outro trecho, sustenta-se a tese de que seria “catastrófico” dar essa informação ao Poder Judiciário.

Então o ministro que quer uma cadeira no Supremo acha que o Supremo não pode conhecer um documento interno do governo sobre seus próprios funcionários. Documento que ele ora diz existir, ora não existir. Segundo Mendonça, “não compete à Seopi produzir dossiê contra nenhum cidadão e nem mesmo instaurar procedimentos de cunho inquisitorial”. Nisso estamos todos de acordo. O Ministério da Justiça tem uma lista de funções e entre elas não está a de fazer dossiês contra policiais, nem instalar procedimentos inquisitoriais. Só que ou o dossiê existe ou não existe. Se não existe, por que exonerar o coronel Gilson Libório? Ele trata o que houve no Ministério como um segredo tão grave que sua divulgação abalaria a república e as relações internacionais.

André Mendonça foi alçado ao cargo no vácuo da queda do ex-ministro Sergio Moro que, por sua vez, caiu porque o presidente queria controlar a Polícia Federal. Todo mundo ouviu os gritos presidenciais reclamando que seu sistema de informações e de inteligência não funcionava e que ele montara até um sistema próprio de informação. “Esse funciona, o meu”, disse Bolsonaro. Para ter uma PF sob seu controle, tinha também que ter um Ministério da Justiça submisso. Assim, com essa encomenda, André Mendonça assumiu. No dia da posse, bateu continência para o presidente e o chamou de profeta.

O presidente acha que todo o sistema de inteligência do país, e nisso ele inclui até a polícia judiciária, deve servir aos seus propósitos. O Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) é feito, sim, para preparar relatórios de inteligência e informar o governo sobre riscos para o país. Deveria, por exemplo, ter deixado o presidente minimamente informado sobre a gravidade da pandemia que se abatia sobre os brasileiros. Hoje, quando estamos perto de 100 mil mortos, ele continua demonstrando ignorância em relação ao assunto.

O risco desse dossiê é Bolsonaro estar usando a máquina do Estado para espionar seus supostos adversários políticos. E nesse caso é a democracia que corre perigo. O último país em que foi considerado crime ser antifascista foi a Itália de Mussolini. O ministro que quer ir para o Supremo não pode decidir que o Supremo não tem o direito de conhecer um documento com o qual ele pode estar ferindo princípios constitucionais.


Ricardo Noblat: Ministro da Justiça topa depor em segredo sobre servidores monitorados

Mendonça nada aprendeu com Tancredo Neves

André Mendonça, ministro da Justiça, não precisaria ter nascido em Minas Gerais para aprender com o ex-presidente Tancredo Neves o que ele dizia sobre segredos e conversas sigilosas. Uma vez, ao ouvir de um interlocutor que tinha um segredo, mas que só lhe contaria se ele prometesse guardar, Tancredo respondeu:

– Então não me conte. Se você, que é o dono do segredo, não consegue guardá-lo, imagine eu.

Outra vez, já candidato a presidente da República em 1984, cercado por jornalistas interessados em conversar com ele mesmo que fosse de maneira reservada e sob o compromisso de nada publicarem, Tancredo concordou, mas fez antes uma ressalva:

– E então, vamos conversar? Mas não em sigilo. Esta é a maneira mais rápida, eficiente e segura de se propagar por todo o país quem disse, o quê e onde.

É verdade que pelo menos uma vez, Tancredo convocou jornalistas em Brasília e advertiu-os de antemão: “Se o que lhes direi for publicado, nunca mais direi nada”. E contou que o então presidente João Figueiredo faria uma reforma ministerial para fortalecer a candidatura de Paulo Maluf à sua sucessão.

Em seguida, Tancredo disse quais ministros seriam demitidos, e deu o nome dos seus substitutos. Não havia redes sociais à época. No dia seguinte, sem citarem Tancredo, os jornais publicaram o que ouviram dele. Furioso com o vazamento da informação, Figueiredo desistiu da reforma. Era o que Tancredo queria.

Convidado a depor à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso sobre o monitoramento de servidores públicos federais da área de segurança que se declararam antifascistas, o ministro Mendonça, primeiro, recusou. O assunto, segundo ele, era extremamente sigiloso.

Pressionado, concordou em depor, e é o que fará na próxima sexta-feira à tarde em sessão virtual promovida por seu ministério. De suas casas, deputados e senadores poderão interrogá-lo à vontade. É claro, sob a condição de nada falarem depois sobre o que o Mendonça disse ou preferiu ocultar.

Façam suas apostas. Quantas horas depois começarão a circular nas redes sociais as confidências de Mendonça?

O bloco Unidos Contra a Lava Jato saúda o povo e pede passagem

Mais fortes são os interesses que cada um representa
O que une o senador Flávio Bolsonaro (Republicano), Lula (PT), o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), o deputado Rodrigo Maia (DEM) e o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal? Resposta: seu desapreço pela Operação Lava Jato.

No caso de alguns deles, desapreço é pouco – oposição visceral. Por múltiplas razões, algumas as mesmas, outras só parecidas. Cada um deles não é apenas cada um. Flávio, por exemplo, é ele, seu pai e os irmãos. Lula, o PT e parte da esquerda.

Maia é o Congresso quase todo. Pelo menos a maioria dos deputados e uma grande fatia dos senadores. Alckmin é o PSDB, cujas estrelas mais reluzentes se apagaram. Toffoli representa uma parcela expressiva dos tribunais superiores, mas não somente eles.

Flávio, o pai e os irmãos se elegeram pegando carona na Lava Jato e exaltando seu principal líder, o juiz Sergio Moro. Agora diz que integrantes da Lava Jato têm “interesse político ou financeiro”, como revela em entrevista publicada, hoje, pelo jornal O GLOBO.

Finalmente, o senador admite que Fabrício Queiroz, seu parceiro em negócios sujos, pagou várias de suas contas pessoais. E cobra do ministro Paulo Guedes, da Economia, mais dinheiro para financiar programas sociais e construir obras de infraestrutura.

Tudo, naturalmente, em benefício do pai, em campanha escancarada e permanente para obter um novo mandato em 2022 – mas essa é outra história. Flávio jura que a produtividade no Ministério da Justiça aumentou depois da saída de Moro.

Sua birra com a Lava Jato, que jamais havia manifestado, na verdade tem a ver com Moro, unicamente com Moro, ou preferencialmente com Moro. O ex-juiz e ex-ministro aspira suceder papai Bolsonaro, e isso é demais para o Zero UM.

Pulemos Lula e o PT. São conhecidos seus motivos para querer demolir a Lava Jato. Os de Alckmin e do PSDB, idem. A Lava Jato passou como uma motoniveladora sobre Alckmin, o senador José Serra, o deputado Aécio Neves, e quem mais do PSDB?

Sobrou João Doria, governador de São Paulo, que se dependesse de Bolsonaro teria sido igualmente triturado para não lhe fazer sombra à direita. Com que roupa, mas com que roupa Doria irá pedir votos para presidente? A imagem do PSDB foi para o esgoto.

É fato que os procuradores da Lava Jato de Curitiba tentaram investigar o presidente da Câmara dos Deputados sem dizer que o faziam. Mas não é por isso que Maia quer assistir ao enterro da Lava Jato. É porque a maioria dos seus liderados também quer.

Maia sonha em seguir presidindo a Câmara. O regimento interno não permite. Como não permite David Alcolumbre (DEM-AP) reeleger-se presidente do Senado. Flávio defende a reeleição de Alcolumbre porque ele tem colaborado com o governo.

Não defende a de Maia porque “ele tem embarricado” muitos projetos do governo. Mas, como ensinava o deputado Ulysses Guimarães, se há maioria no Congresso faz-se qualquer coisa, “menos homem virar mulher ou mulher virar homem”.

Ou até isso, hoje, poderia ser feito. O que importa é que ainda não se deve descartar a hipótese de Maia e Alcolumbre ser reeleitos. E, para tal, eles precisam agradar os eleitores, muitos alvos da Lava Jato e que culpam Moro pelo seu infortúnio.

Quem imaginou que uma frente tão ampla acabaria formada para desmontar a que já foi considerada a maior e mais bem-sucedida operação de combate à roubalheira no mundo? É o que se vê. Flávio, Lula, Alckmin, Maia, Toffoli, unidos jamais serão vencidos.