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Alon Feuerwerker: Nunca subestime a política

Aplicação de doses de reforço espalha-se pelo planeta. Ou melhor, pela parte rica do planeta

Alon Feuerwerker / Análise Política

Pergunte a qualquer especialista digno do nome se a pandemia acabou. E se chegou a hora do liberou geral. Duvido que algum responda “sim” e “sim”. E por que não se nota uma grita generalizada contra a reabertura ampla, geral e irrestrita das atividades? Pois o patamar de mortes/dia por Covid-19 ainda bate as centenas.

A explicação está mais no âmbito da ciência política que da infectologia, da imunologia ou da epidemiologia. O liberou geral decorre da crescente péssima relação custo/benefício, para os políticos, de continuar tentando impor as antes celebradas medidas de distanciamento social para reduzir a circulação do SARS-CoV-2.

A real é que o pessoal se cansou e decidiu virar a página. E os políticos, de olho nas urnas do ano que vem, resolveram que não é o caso de dar murro em ponta de faca. Fim.

Poderiam, pelo menos, reforçar a necessidade do uso de máscaras quando a circulação volta ao normal. Mas nem isso.

É verdade que chegamos a bons níveis de vacinação e estamos rondando o número mágico de 60% de vacinados com duas doses, ou única. Mas outros países bem vacinados vêm assistindo a repiques de casos e mortes por novas variantes, e o conceito de “completamente vacinado” sofre mutações em velocidade viral.

A aplicação de doses de reforço espalha-se pelo planeta. Ou melhor, pela parte rica do planeta. Os países pobres continuam comendo poeira. Não chega a ser novidade.

Sim, não parece, mas o Brasil ainda convive com milhares de casos e centenas de mortes no registro diário. Uma atenuante, dirão, é os números estarem declinando já faz algum tempo. Eles vêm caindo desde março/abril, quando a taxa de vacinados ainda era pequena. Eis outro “por quê?” à espera de resposta.

E outra: se estamos abrindo agora porque os números estão caindo, por que não abrimos antes?

Uma boa hipótese para o declínio de casos e mortes desde março/abril é a variante Gama (“de Manaus”) ter “vacinado” em massa a população brasileira, mas isso ainda aguarda comprovação.

Outra hipótese a pesquisar é se vacinas de vírus inativado não seriam mesmo mais eficazes contra variantes. Mas não tem sido elegante tocar nessa possibilidade em certos círculos, dado que a CoronaVac é chinesa.

Mudando de assunto, os Estados Unidos reabrem o turismo a vacinados, inclusive com as vacinas chinesas da Sinovac (nossa CoronaVac) e Sinopharm. E Israel, pioneira na vacinação em massa, aceita, além dessas, também a russa Sputnik V, apesar de o imunizante não estar chancelado pela Organização Mundial da Saúde.

E no Brasil? Por que a CoronaVac ainda não tem aqui o registro definitivo e a Sputnik V continua bloqueada?

As respostas deveriam estar sendo cobradas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas esta corre em raia mais ou menos livre desde que conseguiu transmitir a impressão de não ser alinhada a Jair Messias Bolsonaro. Parece ter recebido, por causa disso, um amplo passe livre.

Nunca subestime a política, mesmo quando ela se esconde atrás da moral ou da ciência.

Alon Feuerwerke é jornalista e analista político/FSB Comunicação

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Publicado na revista Veja de 27 de outubro de 2023, edição nº 2.763

Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/11/nunca-subestime-politica.html


Alon Feuerwerker: Eficácia

O correspondente do Globo na China traz uma atualização sobre a polêmica da eficácia das vacinas criadas naquele país (leia). Os resultados obtidos onde a CoronaVac vem sendo aplicada têm sido semelhantes. Em torno de 50% para eliminação dos sintomas. E entre 80% e 100% para casos que requerem assistência médica. E a vacina atua melhor se a segunda dose demorar um pouco mais (leia).

E parece que funciona contra as novas cepas. O que é uma notícia e tanto. Aliás, já era esperado que vacinas criadas a partir do vírus inteiro funcionassem bem contra as variantes, pois o vírus não se transforma completamente quando entra em mutação.

Vacinas têm dois papéis: servem para proteger as pessoas individualmente e a coletividade. No caso dos indivíduos, se a vacina reduz de modo radical a possibilidade de adquirir a forma grave da doença, ela está valendo a pena. Já na esfera das sociedades, o desafio é diminuir a um mínimo, se possível interromper, a circulação viral. O que acontece quando se atinge uma certa taxa (alta) de imunizados. 

Pelo vírus ou pela vacina.

A aplicação das vacinas mundo afora ainda está no começo. Números definitivos só estarão garantidos mais na frente. Por enquanto, o melhor é se vacinar o mais rapidamente possível, com a primeira vacina que estiver disponível. Pode ser a diferença entre estar vivo ou não quando esse debate, sobre que vacina protege mais, finalmente puder ser feito com dados mais consolidados.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Marco Aurélio Nogueira: Virando a página para trás

Lula, de novo elegível, não tem um mar aberto a sua frente. Não joga o jogo sozinho

É difícil avaliar a repercussão e os desdobramentos da decisão de Edson Fachin que, de uma só vez, monocraticamente, considerou sem validade todas as condenações de Lula. O ministro considerou que a Vara Federal de Curitiba não era o foro adequado para julgar os processos do ex-presidente, remetendo-os à justiça do Distrito Federal.

É mais fácil pensar no que a motivou. Fachin sabia que seria derrotado na Segunda Turma, antecipou-se a ela e deve ter tentado esvaziar a provável suspeição de Sergio Moro, artífice das condenações. Se terá êxito nisso não se sabe. Depois que se decidiu liberar os áudios da Vaza-Jato a Lula, era só questão de tempo soltar as amarras do ex-presidente, fazendo com que os processos voltassem à estaca zero.

Tudo isso tem um preço: como fica a imagem do STF, órgão supremo que precisou de cinco anos para descobrir que tudo que havia sido endossado pelos tribunais inferiores não passava de erro, de farsa, de injustiça? Há um quê de desmoralização que não passa despercebido. Pior para a vida institucional do País, que fica sem retaguarda.

Também é fácil vislumbrar a espuma de ódio que esguichará da boca dos bolsonaristas. Não por medo ou raiva, mas sim porque verão no fato um instrumento de campanha eleitoral, que agora está definitivamente aberta. Sentir-se-ão turbinados, revitalizados. Vira-se uma página para trás, de volta a 2018, ao antipetismo e ao antilulismo que tanta força deu à eleição do capitão.

É uma boa notícia para Bolsonaro, pois agora, quando o governo se mostra mais perdido e atarantado do que nunca, com nuvens carregadas pela pandemia, pelas mortes, pelo desemprego, pelas dificuldades fiscais, foi jogada na mesa uma carta que pode justificar as seguidas omissões presidenciais: ele agora dirá que o velho “inimigo” de antes voltou ao ringue e precisa ser combatido. O mesmo trololó de antes, de sempre, com direito a um pouco mais de fúria contra o STF.

Do lado de lá, não dá para cravar que a notícia fará com que Lula se proclame imediatamente candidato. O ex-presidente poderá voltar a ser penalizado no médio prazo, a depender da velocidade com que trabalharem a Justiça do Distrito Federal e o Tribunal Regional da 1ª Região (TRF-1).

De certo mesmo é que a decisão de Fachin espirrará em outras eventuais candidaturas potenciais, tipo Ciro Gomes e Flávio Dino, que ficarão paralisados, na expectativa dos próximos lances.

Lula, porém, não tem um mar aberto a sua frente. Não joga o jogo sozinho. Volta ao jogo com a bandeira do “injustiçado” tremulando mais alto, o que é um trunfo importante. Mas sabe que não vencerá a eleição sem um vínculo com o centro, com o mercado, os bancos. Poderá subir o tom contra Bolsonaro, lançar feromônios para seduzir o povo que o adora, mas também precisará suavizar o discurso para atrair os moderados e oferecer a eles alguma perspectiva de poder.

Até mesmo algo diferente poderá acontecer: uma coalizão de centro-esquerda que faça direito as contas, avalie politicamente a correlação de forças e convença o ex-presidente a aderir a um tertius e a um programa que salve o País. Tudo está, afinal, para ser jogado e no tabuleiro não há peças irremovíveis, nem vitoriosos por antecipação.

*Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp


Alon Feuerwerker: Lula ficha limpa, por enquanto

Sobre a decisão do ministro Edson Fachin de anular as duas condenações de Luiz Inácio Lula da Silva (tríplex e sítio) em Curitiba, o argumento dos advogados era de que as acusações nada tinham a ver com a Petrobras. E por que decidir só agora? Segundo Fachin, porque os advogados só apresentaram esse argumento em novembro.

Questões juridicas à parte, é preciso fixar que a decisão representa uma vitória política para Lula e o PT. É claro que Lula pode ainda ser condenado pela Justiça Federal do DF, e se a condenação for confirmada em segunda instância voltará a ficar inelegível. Mas a partir de agora o cenário é outro.

Fachin não anulou os atos instrutórios de ambos os processos. O juiz em Brasília poderá, se desejar, simplesmente decidir em cima de tudo o que foi preliminarmente produzido sob a supervisão de Sergio Moro em Curitiba. Mas é possível que os advogados de Lula argumentem que Moro tampouco deveria ser o juiz encarregado de tocar a instrução.

Por que Fachin fez o que fez? Uma hipótese é tentar evitar que a Lava Jato descesse pelo ralo junto com os processos de Lula se a Segunda Turma declarasse a suspeição de Moro. Mas a esta altura é menos relevante para o quadro político. O fato é que Lula está de volta ao palco. E isso tem efeitos imediatos, como mostrou hoje a queda da Bolsa.

Quem ganha e quem perde? Ganham Lula e o PT. Mas também em algum grau Jair Bolsonaro, que vem sob fogo cerrado dos segmentos políticos “ao centro”. Com Lula no cenário, certamente será revivido o argumento de que o atual presidente seria uma espécie de mal menor para esse grupo.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Alon Feuerwerker: Dias difíceis

E o Brasil vai escalando a segunda onda da Covid-19, com uma diferença essencial em relação à primeira. Enquanto a anterior espalhou-se pelo país em diferentes tempos, desta vez todas as regiões, ou quase todas, escalam aparentemente ao mesmo tempo.

Outro detalhe: o stress sobre o sistema hospitalar está maior que na primeira onda. O ruído da guerra política por enquanto impede saber quanto disso se deve à maior gravidade dos casos recentes ou à possível redução no número de leitos desde o pico de 2020.

Sempre lembrando que o isolamento social do ano passado alcançou sim um achatamento das curvas, e serviu, ou deveria ter servido, para melhor preparar o sistema hospitalar.

Há muitos pontos a debater, se se quiser agir e reduzir os danos causados pela pandemia. Mas as autoridades parecem ter descoberto um jeito de fugir das questões mais difíceis, uma boa rota de fuga especialmente em dias de números complicados: basta falarem mal umas das outras.

Aí ocupam as manchetes e as mentes dos gladiadores de redes sociais. E vão atravessando a corredeira das graves estatísticas, relativamente incólumes. E o público se divide. A maioria cuida da sobrevivência. Esperando pelo dia de ser vacinado.

Dias difíceis.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Alon Feuerwerker: Como anda a luta pelo poder

Os dois principais acontecimentos políticos ao longo da semana ajudaram a sedimentar a configuração de poder em Brasília a esta altura do agitado mandato presidencial. O desenho passa, naturalmente, pelo presidente da República; pela relação cada vez mais estreita dele com os oficiais-generais da reserva que as crises vão aspirando para a máquina; e pelo domínio que hoje se pode chamar de absoluto dos partidos do dito centrão sobre o Congresso Nacional, especialmente sobre a Câmara.

O episódio do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) vem sendo exemplar. O parlamentar entrou numa briga que não era dele, com o objetivo de catapultar musculatura política. Deu tudo errado. Acabou oferecendo ao antes acossado Supremo Tribunal Federal a oportunidade de um contra-ataque no ponto mais vulnerável do front adversário, o Legislativo. Mas isso abriu para o presidente da Câmara uma via rápida de cristalização da autoridade sobre os pares. 

E atraiu para ele a simpatia de um setor da opinião pública que o via com um pé atrás. Ou, pelo menos, tirou-o momentaneamente da linha de tiro.

O segundo fato, a mudança no comando da Petrobras, ainda em curso, traz ao presidente da República a brecha para, finalmente, colocar uma cunha na, lá atrás, toda poderosa equipe econômica. Erros têm consequências, e a insensibilidade da petroleira diante da possibilidade de sua política de preços provocar uma greve nacional de caminhoneiros acabou custando a cabeça do presidente da estatal. Trocado convenientemente por um general, ex-ministro da Defesa e atual presidente de Itaipu.

Uma greve de caminhoneiros em meio às seriíssimas dificuldades provocadas pela pandemia teria forte potencial de desestabilização. É natural que os adversários desejem e estimulem. E é esperado que o Planalto procure evitar.

Vida que segue. Se tudo se passar como habitual no Brasil, haverá ainda alguma turbulência nos dois casos, mas rapidamente o mundo político-jornalístico retornará para o infindável debate sobre as vacinas da Covid-19 e sobre o novo auxílio emergencial, com que nome for. E o Congresso, agora mais arrumado politicamente, não deixará fechar a janela das reformas. Que precisarão ser negociadas, claro, mas cuja esperança de aprovação é o respirador a manter acesas duas luzes: a tranquilidade do Legislativo e o protagonismo do ministro da Economia.

Tudo pode desandar, dar errado para o Planalto? Sempre pode, mas a impressão de momento é as melancias continuarem se ajeitando na carroceria do caminhão conforme os solavancos da estrada. Um problema é o encolhimento da popularidade presidencial, causado pela atitude diante da pandemia e pela parada nas medidas de apoio emergencial. Mas em alguns meses estão previstas vacinas abundantes, da Fiocruz e do Butantan. E o Congresso vai acabar dando um jeito no socorro econômico. 

E quedas de popularidade, algo sempre arriscado no Brasil, podem ser mais confortavelmente administradas quando há aliados comandando as casas congressuais.

Para o projeto de Bolsonaro, o prestígio dele só precisa estar tinindo daqui a um ano e meio. O risco da popularidade baixa no meio do mandato é atiçar os apetites pelo impeachment. Isso está, no momento, muito distante depois das eleições no Legislativo.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Alon Feuerwerker : Saúde pública

Com o início da vacinação em larga escala mundo afora, começam a aparecer alguns problemas. Nada muito grave por enquanto, mas a situação naturalmente merece atenção. Há casos de efeitos colaterais importantes (leia), possíveis achados de reinfecção pelas novas cepas, mais contagiosas, em quem já tinha anticorpos (leia) e dúvidas sobre a efetividade anunciada pelos fabricantes (leia).

É absolutamente esperado que essas circunstâncias deem a cara quando a vacina de fato começa a rodar em grandes populações. Afinal, estamos terminando de montar o avião em pleno voo. Mas vale a pena. Vacinas não precisam ser infalíveis. Precisam reduzir significativamente o número de infectados, e portanto de hospitalizados, e portanto de falecidos.

É isso que interessa. Pois vacinas são importantes para proteger o indivíduo, e mais fundamentais ainda para proteger populações. E indivíduos tomados isoladamente estão tão mais protegidos quanto mais protegida está a população no seu conjunto. Vacinações são antes de tudo campanhas de saúde pública. Essa é a ideia que nunca deveria ser esquecida.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Alon Feuerwerker: Sejamos otimistas

O governo federal empenha todo o seu poder de logística para iniciar semana que vem a vacinação contra a Covid-19. Aviões vão à Índia buscar milhões de doses da AstraZeneca/Oxford. E tem também os outros milhões da CoronaVac já aqui no Brasil. A palavra final da Anvisa está prevista para domingo.

Quando começar a vacinação, começará também o novo round da guerra de narrativas, sobre quem "sempre teve razão". Mas, para suas excelências, o cidadão e a cidadã comuns, isso pouco importará: a brasileira e o brasileiro querem é ser vacinados.

E como isso vai repercutir em 2022? Se Deus quiser, até ali a vacinação já terá imunizado a grande maioria, e a vida terá retornado ao quase normal. O "quase" fica por conta da necessária desconfiança, pois a ponte para o futuro está sendo construída com os carros já passando por cima dela.

Sejamos otimistas. Pensemos no melhor cenário. Nele, chegaremos a 2022 com os candidatos aos diversos cargos, a começar da Presidência, tendo de procurar outro assunto para brigar, pois a Covid-19 será bananeira que deu cacho.

Não custa sonhar.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Alon Feuerwerker: Números relativos

Israel já vacinou mais de 20% da população, e uns 80% dos idosos. Claro que não dá para comparar um país de nove milhões de habitantes (bem menos que a cidade de São Paulo) com um das dimensões do Brasil, mas é campo interessante para acompanhar resultados da vacinação.

A vacina ali aplicada é a da Pfizer e alguns resultados iniciais mostram taxas de infecção entre os vacinados caindo cerca de 50% catorze dias após a primeira dose. Há porém números concorrentes. Outro estudo diz que essa queda é de 33%. Um outro diz que é de 60%.

Fica a dica: qualquer certeza absoluta sobre números a esta altura é perigosa, muito perigosa. Na prática, os estudos sobre efeitos das vacinas estão caminhando junto com a vacinação, dado o caráter de emergência do problema sanitário global trazido pela Covid-19.

No mundo ideal, deixaríamos o marketing e as disputas políticas para depois e procuraríamos vacinar a maior população possível o mais rapidamente possível. Não sabemos que número vai dar no final, mas podemos ter certeza de que mais gente vai sobreviver à doença se fizermos isso.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Alon Feuerwerker: Para a defesa de interesses, manobras complexas

Governos que se mantêm apesar das crises induzem a celebrar e elogiar a institucionalidade; já governos que fracassam e caem têm sempre a tentação das teorias conspiratórias. Mas a realidade, em última instância, é uma só: cabe a qualquer governo cuidar de suas bases de sustentação, sem elas está fadado à ruína. Seja qual for a "institucionalidade".

E quando a ruína vem, abre-se a possibilidade de uma ofensiva do inimigo, que costuma ser implacável e brutal. E que só freia quando se estabelece uma nova correlação de forças, mais equilibrada. Ainda não chegamos a esse ponto nos Estados Unidos. A coalizão política, social e cultural organizada pelo Partido Democrata contra Donald Trump só começou seu avanço.

E com a ordem de não fazer prisioneiros.

E a ofensiva ali se espalhará por todos os fronts. A guerra cultural será particularmente cruenta, na tentativa de ajustar as contas com as raízes mesmo da formação nacional norte-americana e daí buscar uma legitimidade de tipo completamente novo. Até chegar o dia em que tudo isso vai cansar e os robespierres de hoje forem encaminhados à guilhotina.

Claro que em pleno século 21 essa é apenas uma figura de linguagem. Mas os precedentes históricos são vários.

E o que temos a ver com isso, tirando o óbvio interesse pelo espetáculo? O que os americanos vão fazer com o país deles é assunto deles, mas o problema é se tratar de uma superpotência, a maior, e com armamento capaz de destruir a civilização algumas vezes. E qual será o melhor meio para os novos detentores do governo ali buscarem mais apoio num país fraturado?

Além de fazer a revolução interna, tentar restabelecer a liderança planetária que vai escorrendo pelo ralo do fantasma da decadência econômica.

A política de Donald Trump para fazer a América grande de novo sustentava-se no resgate das raízes nacionais e, principalmente, no buy american and hire american. Os americanos comprarem produtos americanos e produzirem em casa. Joe Biden repete o buy american, mas a ambição dele é maior: remontar a hegemonia planetária.

Aí cada país, dos maiores aos menores, precisará entrar num jogo de manobras complexas, buscando no todo e em cada situação defender seus próprios interesses, e ao mesmo tempo adaptar-se aos interesses de quem tem a vantagem da força. Porque, novamente, nunca é prudente subestimar a correlação de forças.

E qual o desafio maior do Brasil na nova conjuntura? Talvez saber qual é exatamente o interesse nacional neste momento da nossa história. Dificuldade que aliás começa pela dúvida, espalhada sistematicamente na periferia do sistema global: faz sentido falar em “interesse nacional” já passadas duas décadas deste novo século?

Fazendo um certo reducionismo caricatural, o Brasil parece estar dividido entre quem preferia engatar incondicionalmente nosso vagão na locomotiva trumpista e quem agora está pronto a bater continência à nova ordem, também de modo incondicional, desde que receba de fora o apoio suficiente para fazer aqui dentro seu próprio ajuste de contas.

Não chega a ser animador.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Alon Feuerwerker: Lição de Brasil

De vez em quando é preciso ser otimista. E hoje é um dia assim. Depois da espera, não um, mas dois registros de vacinas contra a Covid-19 foram pedidos à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.

Da CoronaVac, parceria entre a chinesa Sinovac e o Butantan, e da AstraZeneca/Oxford, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz. A primeira é a aposta do governo de São Paulo (João Doria). A segunda é a aposta principal do governo federal (Jair Bolsonaro).

Está instalada a competição, começou a corrida. Em disputa, não apenas os imunizantes, mas a estrutura e os instrumentos, principalmente as seringas. Quem vai ganhar ao final? Quem mais eficazmente realizar a missão nos próximos meses. E a vacina que se provar mais efetiva no essencial: imunizar a população contra o SARS-CoV-2, inclusive suas novas variantes.

Restam dúvidas? Que sejam esclarecidas pela Anvisa, perfeitamente equipada para tanto.

O episódio é mais uma lição de Brasil. Sobre nosso país, nunca convém otimismo excessivo sobre as possibilidades, mas tampouco é conveniente ceder ao catastrofismo. É o caso agora. A Covid-19 não vai desaparecer num passe de mágica por aqui, mas não seria sensato supor que ficaríamos para trás enquanto o mundo todo já estivesse se vacinando em massa.

Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Alon Feuerwerker: Caged x PNAD

Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o Brasil criou em outubro 395 mil vagas a mais de emprego formal do que eliminou. Um recorde absoluto para um mês na série histórica que vem desde 1992 (leia).

Mas segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), o desemprego já aflige 14,6% dos brasileiros. É o resultado do 3º trimestre de 2020. Uma alta de 1,3 ponto percentual sobre o trimestre anterior. Também é a maior taxa da série histórica com a metodologia atual, iniciada em 2012 (leia).

O governo bate bumbo com o primeiro número, e naturalmente a oposição cuida de divulgar o segundo. Mas quem está certo, afinal? Provavelmente ambos.

A retomada dos empregos em carteira parece robusta, e há alguma possibilidade de 2020 acabar zerado na criação versus destruição de empregos formais. Mesmo que o saldo final seja algo negativo, se o número for pequeno será uma conquista e tanto em ano de Covid-19 descontrolada por aqui.

Mas o desemprego também cresce, porque tem mais gente procurando emprego e o mercado não absorve. É uma consequência da metodologia.

O fato é que a economia parece retomar. A dúvida é se, e quanto, ela vai resistir no pós- pandemia ao fim do auxílio emergencial e das demais medidas de emergência.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação