alexandre de morais

Elio Gaspari: O aviso do xerife de 2022

Moraes sabe como funcionam as milícias e quem as financia e como rola o dinheiro

Elio Gaspari / O Globo

Um ano antes do pleito de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral escreveu uma boa página de sua história. Livrou a chapa de Jair Bolsonaro da cassação e avisou aos interessados que se repetirem o golpe das notícias falsas e das milícias eletrônicas, pagarão pelos seus delitos. Nas palavras do ministro Alexandre de Moraes, que presidirá a Corte em 2020: “Irão para a cadeia”.

A decisão unânime do TSE acompanhou o voto de 51 páginas do corregedor Luiz Felipe Salomão. No ambiente envenenado da política nacional, Salomão apresentou uma peça redonda e cirúrgica na demonstração das malfeitorias cometidas e equilibrada na conclusão de que faltaram provas e as impressões digitais necessárias para justificar a cassação de uma chapa três anos depois de sua posse. O magistrado mostrou a letalidade do vírus e abriu o caminho para a advertência de Moraes.

Passados três anos do festival de patranhas de 20018, Alexandre de Moraes chegará à presidência do TSE em agosto, com a estrela de xerife no peito. Salomão fez sua carreira na magistratura; Moraes, no Ministério Público, com uma passagem pela Secretaria de Segurança de São Paulo. Além disso, na condução do inquérito das notícias falsas conhece as obras e pompas das milícias eletrônicas e mostrou-se rápido no gatilho ao mandar delinquentes para a cadeia. Zé Trovão, o caminhoneiro foragido, decidiu entregar-se à Polícia Federal. Na estrela de xerife de Moraes brilha o destempero com que Jair Bolsonaro investiu contra ele, chamando-o de “canalha”.


Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministros Luís Roberto Barros e Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
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Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Nelson Jr/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministros Luís Roberto Barros e Alexandre de Moraes. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
Ministro Alexandre de Moraes. Foto: SCO/STF
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Moraes sabe como funcionam as milícias e quem as financia e como rola o dinheiro. Salomão, por seu turno, já firmou a jurisprudência que congela os recursos que as alimentam. As conexões internacionais dessas milícias, um fato que há três anos estavam no campo da ficção cibernética, hoje estão mapeadas. Se há um ano elas tinham o beneplácito do governo americano, hoje têm o FBI no seu encalço.

Com Moraes na presidência do TSE é possível prever que entre o início dos disparos propagadores de mentiras e a chegada dos responsáveis à carceragem passarão apenas dias ou, no máximo, poucas semanas. Basta ler o voto de Salomão e acompanhar as decisões de Moraes para se perceber que os reis das patranhas de 2018 são hoje sócios de colônias de nudismo.

Esteves errou a conta

O banqueiro André Esteves lida com números. Noves fora outras impropriedades cometidas em sua fala aos clientes do BTG, ele disse que “no dia 31 de março de 1964 não teve nenhum tiro, ninguém foi preso, as crianças foram para escola, o mercado funcionou.”

O dia 31 de março, quando o general Olímpio Mourão Filho se rebelou em Juiz de Fora, foi relativamente normal, com umas poucas prisões. Como disse o marechal Cordeiro de Farias, “o Exército dormiu janguista”. Cordeiro, um revoltoso desde 1924, foi um patriarca das conspirações do século passado e sabia o que aconteceu naquelas horas. No dia seguinte, acrescentou o marechal, o Exército “acordou revolucionário”. Foram presas centenas de pessoas, entre as quais o governador Miguel Arraes, de Pernambuco, mandado para Fernando de Noronha. Estádios e navios foram usados como cadeias.

Mais: no dia 1º de abril morreram sete pessoas.

Para os padrões, foi um golpe incruento mas, como lembrou a Central Intelligence Agency ao presidente Lyndon Johnson na manhã de 7 de abril: “Cresce o medo, não só no Congresso, mas mesmo entre aliados da revolta, que a revolução tenha gerado um monstro.”

Não deu outra.

Ministros e meteoros

Em março de 2020, diante do estrago provocado pela pandemia, o ministro Paulo Guedes disse que “nós fomos atingidos por um meteoro”. Passou-se um ano e ele viu novamente um meteoro na conta de R$ 90 bilhões dos precatórios devidos pela União.

A pandemia podia ser comparada a um meteoro, por natural e imprevisível. Já o espeto dos precatórios nada tem de natural e estava lá há anos. Mesmo assim, persistiu na teoria dos meteoros.

O último grande meteoro que atingiu o Brasil foi o Bendegó, achado no século XVIII. Tem cinco toneladas e não fez grandes estragos.

De lá para cá, o Brasil teve mais de cem ministros da Fazenda.

Alguns deles fizeram estragos maiores que os objetos caídos do céu.

Chamem o André

Durante seu piti ao responder às perguntas de André Marinho numa entrevista, Jair Bolsonaro repetiu seis vezes que “se o Marinho entrar mais uma vez na tela eu vou embora”. Como ele voltou, o capitão levantou-se e abandonou a cena.

Não se pode saber o melhor caminho para que Bolsonaro se vá, mas ele mostrou que se chamarem o André Marinho ele vai.

O verdadeiro fantasma

Gustavo Bebianno pode ter virado um fantasma assombrando Jair Bolsonaro, mas a verdadeira assombração que ronda o capitão está viva e atenta. É o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, defenestrado da Secretaria de Governo nos primeiros meses do governo.

Santos Cruz fala pouco. Tornou-se um atento ouvinte de quase todos os generais da ativa que, tendo cometido a imprudência de se juntar ao capitão, viram-se tratados como cabos.

Impunidade patriótica

Outro dia o ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, tratou da famosa greve dos caminhoneiros de 2018 e disse o seguinte:

“A paralisação foi financiada por empresas de transporte, com o apoio do agronegócio”.

Até as pedras sabiam disso, mas o presidente Michel Temer e seu ministro da Defesa, Raul Jungmann, rosnaram e nenhum empresário pagou pelo que fez.

Quando o movimento já durava uma semana, com resultados catastróficos para a economia do país, o deputado Jair Bolsonaro, candidato a presidente disse o seguinte:

“Qualquer multa, confisco ou prisão imposta aos caminhoneiros por Temer ou Jungmann será revogada por um futuro presidente honesto e patriota.”

O atalho do Centrão

Quando o Centrão se mostra disposto a patrocinar uma emenda constitucional que dá cadeiras vitalícias (com imunidade) aos ex-presidentes, está pavimentando o caminho do seu desembarque.

O capitão iria para o Senado e o Centrão apoiaria o novo governo, seja qual for, como aconteceu em relação a todos os seus antecessores.

Pontes não é burro

O ministro Marcos Pontes, da Tecnologia, levou na esportiva o fato de seu colega Paulo Guedes tê-lo chamado de “burro”.

Ex-aluno do Instituto Tecnológico da Aeronáutica e coronel da reserva da FAB, é provável que burro ele não seja.

Em abril do ano passado o doutor anunciou a descoberta de dois remédios com 94% de eficácia contra o coronavírus:

— No máximo na metade de maio, um momento crítico, nós teremos aqui uma solução de um tratamento.

Pontes não é burro, acha que os outros são.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/o-aviso-do-xerife-de-2022-25258620


Novo texto do voto impresso reduz poder do TSE e busca ‘efeito imediato’ de mudanças

Relator do projeto, deputado Filipe Barros protocola novo parecer sobre a medida; proposta deve ser analisada pela comissão especial da Câmara

Camila Turtelli / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Às vésperas de a proposta de adoção do voto impresso ser analisada pela comissão especial do Congresso, o relator do projeto, deputado Filipe Barros (PSL-PR), protocolou nesta quarta-feira, 4, um novo parecer sobre a medida. A nova versão ganhou um dispositivo para reduzir o poder do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas investigações sobre processos de votação e outro para permitir que eleitores possam acompanhar a contagem manual dos votos na seção eleitoral. Há ainda uma alteração que, segundo especialistas, derruba a regra de que as mudanças só poderiam ocorrer um ano após aprovadas, ou seja, as mudanças teriam validade imediata e para as eleições de 2022

O novo texto tem previsão de ser analisado pela comissão especial nesta quinta-feira, 5. Caso seja aprovado, vai ao plenário da Casa onde, para seguir para o Senado, precisa do apoio, em dois turnos, de três quintos dos parlamentares (mínimo de 308 votos favoráveis). A movimentação do governo sobre o assunto ocorre no mesmo dia em que o presidente da Câmara, Arthur Lira, disse que confia no sistema atual das eleições, mas que há espaço para debater o assunto no Congresso, porque, segundo ele, uma parcela da população não teria a mesma avaliação

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As mudanças apresentadas por Filipe Barros também se dão no momento em que o presidente da República, Jair Bolsonaro, eleva o tom nas críticas ao presidente do TSE, ministro Luis Roberto Barroso, e nos ataques à democracia, instituições e autoridades, colocando em suspeição a realização das eleições no ano que vem caso a medida não seja implementada no Brasil. 

No novo texto, Barros determina que investigações sobre o processo de votação devem ser conduzidas de maneira “independente” da autoridade eleitoral e que esse trabalho tem que ficar a cargo da “Polícia Federal, sendo a Justiça Federal de primeira instância do local da investigação o foro competente para processamento e julgamento, vedado segredo de justiça”, diz o texto. Ao Estadão/Broadcast, o parlamentar afirmou que o dispositivo é “para garantir investigações céleres e isentas”. 

Barros também retirou um artigo da versão anterior que dizia que o TSE editaria normas e adotaria medidas necessárias para assegurar o sigilo do exercício do voto. O deputado fez ainda mudanças para garantir que qualquer pessoa possa acompanhar a apuração manual dos votos, apesar de não estar detalhado como isso ocorreria. 

“A apuração consiste na contagem dos votos colhidos na seção eleitoral, pela mesa receptora de votos, publicamente por meio da presença de eleitores e fiscais de partidos, imediatamente após o período de votação e gera documento que atesta o resultado daquela seção eleitoral”, diz o texto. “Apuração tem que ser pública. É ato administrativo. Apuração secreta só em ditaduras”, disse Barros. 

Anualidade

Atualmente, qualquer mudança no processo eleitoral só pode começar a valer se tiver sido aprovada até no máximo um ano antes das eleições. É a chamada regra da anualidade. Essa norma está prevista na Constituição em um trecho que diz: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.” 

Barros quer acrescentar um adendo a esse trecho: “A lei que verse sobre a execução e procedimentos dos processos de votação, assim como demais assuntos que não interfiram na paridade entre os candidatos, tem aplicação imediata”. 

Para técnicos legislativos, esse acréscimo pode flexibilizar a regra da anualidade e fazer com que qualquer mudança aprovada em cima da hora passe a valer. Barros discorda. “Estamos só deixando mais claro o entendimento do próprio STF e TSE, que aquilo que for relacionado a procedimento não precisa respeitar a anualidade e que essa regra só vale para o que puder gerar uma desigualdade entre os candidatos”, disse o deputado.

O texto prevê ainda que todos os programas de computador utilizados nos processos de votação devem estar com seus códigos permanentemente abertos para consulta pública na internet. 

Prevê ainda que o transporte dos registros impressos de voto até a sede das autoridades estaduais eleitorais ficará a cargo das forças de segurança pública ou das Forças Armadas e, após serem entregues, a responsabilidade pela custódia caberá à respectiva autoridade estadual eleitoral. Barros determina que os registros impressos de voto deverão ser preservados pelo prazo de cinco anos contado a partir do dia seguinte da proclamação do resultado. 

‘Corujão’

Antes da discussão sobre o voto impressão, a Câmara decidiu se debruçar sobre o sistema eleitoral. Os deputados marcaram para as 22h30 desta quarta-feira uma reunião na comissão especial que analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com a mudança do sistema proporcional, atualmente usado, para o Distritão. O horário da reunião é incomum. A proposta tem apoio de parlamentares da atual legislatura e costura-se um acordo de bastidores para a aprovação, mas caciques de partidos médios e grandes fazem pressão contra o modelo.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,novo-texto-do-voto-impresso-reduz-poder-do-tse-e-busca-efeito-imediato-de-mudancas,70003800358


Empresários e intelectuais lançam manifesto de apoio ao processo eleitoral

Documento diz que Brasil terá eleições e seus resultados serão respeitados; afirma ainda que sociedade não aceitará aventuras autoritárias

Sérgio Roxo/ O Globo

SÃO PAULO - Um grupo de mais de 200 empresários, economistas e intelectuais divulgará nesta quarta-feira uma manifesto de apoio ao processo eleitoral brasileiro em resposta aos ataques do presidente Jair Bolsonaro à urna eletrônica e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso.

O texto diz que o "Brasil terá eleições e os seus resultados serão respeitados". Afirma também que a  "sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias". Assinam o documento, entre outros, os empresários  Luiza Trajano (Magazine Luiza), Guilherme Leal (Natura) e Roberto Setúbal (Itaú); os economistas  Armínio Fraga, Pérsio Arida e André Lara Resende; os líderes religiosos Dom Odilo Sherer (cardeal arcebispo de São Paulo) e Monja Coen; os médicos Raul Cutait, Drauzio Varella e Margareth Dalcomo; os ex-ministros José Carlos Dias, Pedro Malan, Paulo Vanuchi e Nelson Jobim; e os professores universitários Luiz Felipe de Alencastro e Candidato Mendes de Almeida.

Leia mais: Novo texto do voto impresso enfraquece TSE e prevê adoção imediata do sistema

"Apesar do momento difícil, acreditamos no Brasil. Nossos mais de 200 milhões de habitantes têm sonhos, aspirações e capacidades para transformar nossa sociedade e construir um futuro mais próspero e justo. Esse futuro só será possível com base na estabilidade democrática", afirma o manifesto.

O texto ainda ressalta que "o princípio chave de uma democracia saudável é a realização de eleições e a aceitação de seus resultados por todos os envolvidos". "A Justiça Eleitoral brasileira é uma das mais modernas e respeitadas do mundo. Confiamos nela e no atual sistema de votação eletrônico", afirma.

Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV-Direito São Paulo e um dos idealizadores do manifesto, diz que o documento é uma resposta após a fala  de Bolsonaro na segunda-feira em que o presidente atacou o presidente do TSE e o acusou de prestar um desserviço ao país. Por meio de grupos de diálogo já existentes, os signatários decidiram pela elaboração do manifesto. 

— Queremos mostrar que a sociedade não considera normal o presidente atacar instituições que estão exercendo a sua função. É importante que os mais diferente setores estejam unidos na confiança na Justiça e no processo eleitoral.PUBLICIDADE

Leia também: Moraes inclui Bolsonaro no inquérito das fake news por ataques ao Supremo e notícias falsas sobre urna eletrônica

Sundfeld destaca que o signatários possuem diferentes visões políticas e são oriundos das mais diversas atividades profissionais.  O grupo, segundo ele, reconhece um risco para a democracia e está disposto a defendê-la.

Ainda de acordo com o professor, o manifesto é apenas o primeiro passo. A expectativa é que a Congresso enterre o projeto que institui o voto impresso, mas, se isso não ocorrer, uma das possibilidades debatidas é questionar a constitucionalidade do texto.


Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/apos-ataques-de-bolsonaro-empresarios-intelectuais-lancam-manifesto-de-apoio-ao-processo-eleitoral-25141289


Bolsonaro critica Moraes e ameaça com 'antídoto fora da Constituição'

Presidente fez declarações sobre a sua inclusão no inquérito das fake news em entrevista a rádio, após apelo por equilíbrio feito por novo ministro da Casa Civil

Ricardo Della Coletta / Folha de S. Paulo

Numa nova escalada na crise institucional aberta com o Judiciário, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reagiu nesta quarta-feira (4) à sua inclusão como investigado no inquérito das fake news e disse, em tom de ameaça, que o "antídoto" para a ação não está "dentro das quatro linhas da Constituição".

"Ainda mais um inquérito que nasce sem qualquer embasamento jurídico, não pode começar por ele [pelo Supremo Tribunal Federal]. Ele abre, apura e pune? Sem comentário. Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está, então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas da Constituição", disse Bolsonaro, em entrevista à rádio Jovem Pan.

A crítica de Bolsonaro se refere ao fato de o inquérito das fake news —e a sua inclusão nesta quarta como investigado— ter sido aberto de ofício, e não a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República).

No caso do inquérito das fake news, a abertura ocorreu por decisão pelo então presidente do STF Dias Toffoli e posteriormente referendado pelo plenário da corte.

A inserção de Bolsonaro como alvo da investigação, por sua vez, ocorreu a pedido do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso.

A ameaça de agir fora dos limites constitucionais foi repetida em outras ocasiões na entrevista.

"O meu jogo é dentro das quatro linhas [da Constituição]. Se começar a chegar algo fora das quatro linhas, eu sou obrigado a sair das quatro linhas, é coisa que eu não quero. É como esse inquérito, do senhor Alexandre de Moraes. Ele investiga, pune e prende? É a mesma coisa".

Em outro momento, ele disse: "Estão se precipitando. Um presidente da República pode ser investigado? Pode. Num inquérito que comece no Ministério Público e não diretamente de alguém interessado; esse alguém vai abrir o inquérito, como abriu? Vai começar a catar provas e essa mesma pessoa vai julgar? Olha, eu jogo dentro das quatro linhas da Constituição. E jogo, se preciso for, com as armas do outro lado. Nós queremos paz, queremos tranquilidade. O que estamos fazendo aqui é fazer com que tenhamos umas eleições tranquilas ano que vem."

Bolsonaro concedeu a entrevista ao lado do deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que institui o voto impresso. O projeto é defendido por Bolsonaro, que tem lançado suspeitas e questionamentos sobre sistema eletrônico de votação.

O presidente tem afirmado, sem apresentar provas, que as últimas eleições presidenciais foram fraudadas. Ele também alega que as urnas eletrônicas são vulneráveis a adulterações —afirmações que o TSE rechaça.

Na entrevista desta quarta, Bolsonaro voltou a alimentar a tese falsa de que ele teria sido eleito em primeiro turno.

O presidente venceu o segundo turno das eleições de 2018, numa disputa com Fernando Haddad (PT). O resultado final foi 53,13% para o atual presidente contra 44,87% para o petista.

"Eu volto a dizer, pelo meu sentimento, pelas minhas andanças pelo Brasil, pelo que aconteceu: nós ganhamos disparado no primeiro turno", declarou.

Na entrevista, Barros apresentou o que ele diz ser um inquérito em que o próprio TSE teria reconhecido que um hacker invadiu o sistema interno do tribunal.

De acordo com Bolsonaro e o deputado, isso mostraria a fragilidade das urnas eletrônicas

Em uma rede social, o presidente da comissão especial que analisa a PEC do voto impresso, Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), afirmou que os documentos apresentados por Barros e por Bolsonaro "possuem conteúdo grave e a situação exige uma investigação séria". "É de interesse de todos que zelam pela democracia", escreveu.

Folha recebeu, na semana passada, o inquérito citado na entrevista e consultou diversos especialistas e uma pessoa envolvida na investigação, que foram unânimes: o inquérito não conclui que houve fraude no sistema eleitoral em 2018 ou que poderia ter havido adulteração dos resultados, ao contrário do que disse o mandatário.

Bolsonaro também desferiu novos ataques contra Barroso, a quem chamou de mentiroso.

TSE

Em nota à imprensa, na madrugada desta quinta (5), o TSE disse, em referência ao inquérito da Polícia Federal que apura ataque ao seu sistema interno em 2018, que o episódio foi divulgado na época em vários veículos de comunicação e não representou qualquer risco à integridade das eleições.

"Isso porque o código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu", afirma a nota.

O TSE diz também que o código-fonte é acessível aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. "Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado", diz o tribunal.

Na nota, o TSE reafirma que as urnas eletrônicas não entram na rede. "Por não serem conectadas à internet, não são passíveis de acesso remoto, o que impede qualquer tipo de interferência externa no processo de votação e de apuração".

"O próprio TSE encaminhou à Polícia Federal as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis. A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude", aponta o tribunal na nota à imprensa.

Segundo o TSE, de 2018 para cá novas camadas de proteção foram incluídas no cenário mundial de cybersegurança, o que aumenta a segurança dos sistemas informatizados.

"Por fim, e mais importante que tudo, o TSE informa que os sistemas usados nas eleições de 2018 estão disponíveis na sala-cofre para os interessados, que podem analisar tanto o código-fonte quanto os sistemas lacrados e constatar que tudo transcorreu com precisão e lisura", finaliza a nota.


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/bolsonaro-acusa-inquerito-de-moraes-de-ilegal-e-ameaca-antidoto-fora-das-4-linhas-da-constituicao.shtml


Catarina Rochamonte: STF - Autoritarismo contra boçalidade

O deputado se excedeu em palavras e o ministro se excedeu em ato: tentou combater a boçalidade com autoritarismo.

A verborragia do deputado Daniel Silveira que deu azo ao mandado de prisão em flagrante expedido pelo ministro Alexandre de Moraes é de estarrecer pela sua vileza, violência, chulice e boçalidade. Essa boçalidade tem degradado a política brasileira, mas, convenhamos, ela não é exclusividade do deputado que serviu de boi de piranha para o Supremo mandar seu recado ao bolsonarismo.

Que a fala do deputado foi criminosa, parece consenso; todavia, a prisão em flagrante teve sua legalidade amplamente questionada no meio jurídico. O deputado se excedeu em palavras, e o ministro se excedeu em ato: tentou combater a boçalidade com autoritarismo e defender o Estado de Direito corroendo seus alicerces. A punição deveria ter sido pleiteada segundo o rigor das normas constitucionais.

O STF merece muitas críticas, que podem ser feitas sem excessos criminosos. Não apenas pode ser criticado como deve ser investigado, inclusive pela já de há muito proposta CPI da Lava Toga, que está barrada no Senado pelo acordo de impunidade entre os Três Poderes. CPI essa, aliás, que sofreu ativa resistência do senador Flávio Bolsonaro.

Mesmo sendo legalmente questionável, a prisão do deputado foi referendada pela unanimidade do STF e corroborada pela Câmara. O presidente Bolsonaro, por sua vez, silenciou, como já o fizera em relação às prisões de Sara Winter e Oswaldo Eustáquio. É que a turma radical não lhe é útil nesse momento: tornou-se um ruído a perturbar a paz que uniu Planalto, ala anti-Lava Jato do STF e políticos de rabo preso que não se podem indispor com o Supremo.

Se a Câmara optou por não oferecer resistência aos arroubos autoritários dos que se julgam intocáveis, cabe agora ao Senado fazê-lo, abrindo os processos de impeachment protocolados contra ministros do Supremo e instalando a CPI da Lava Toga. Se a independência e harmonia dos poderes é pilar do Estado de Direito, é preciso agora que o Senado exerça algum protagonismo republicano.


Vinicius Sassine: Os comandantes e o bolsonarismo

Próximos anos podem servir para novas reações à relação entre um comandante e o ex-capitão

No comando do Exército, o general Eduardo Villas Bôas agiu para pressionar o STF e para favorecer seu candidato à Presidência: Jair Bolsonaro. Um tuíte com verniz conspiratório, agora dissecado pelo próprio Villas Bôas, foi feito para interferir no julgamento de um habeas corpus do ex-presidente Lula, em 2018. A prisão do petista mudou a eleição.

As reações ao que ocorreu naquele momento-chave chegam com um atraso já habitual na democracia brasileira. Além de tardias, não passam de ruídos. E o mesmo deve ocorrer em relação à postura de um outro comandante, sucessor de Villas Bôas e atual líder do Exército brasileiro: o general Edson Leal Pujol.

Pujol não é Villas Bôas. Seu estilo é quase o oposto. Não há verborragia, redes sociais, pontes sólidas no mundo político ou ausência de sutilezas. Mas o comandante serve ao ideário bolsonarista, e sua conduta (ou a ausência dela) ajuda a compor as ofensivas mais danosas de Bolsonaro nesta primeira metade de mandato.

A permanência do general Eduardo Pazuello no cargo de ministro da Saúde e na ativa do Exército contou com aval de Pujol. Pazuello, hoje, é investigado por crimes e improbidade, suspeito de omissão diante de iminentes mortes por asfixia.

O laboratório do Exército produziu 3,2 milhões de comprimidos de cloroquina, droga sem efeito para Covid-19, porque não houve objeção do comandante. Pelo contrário: o Exército distribuiu o medicamento de Bolsonaro a estados e municípios.

E o armamento da população, com flexibilização de regras, passa diretamente pelo esvaziamento de atribuições do Exército. Mais uma vez, Pujol é condescendente.

O comandante justifica a postura com explicações genéricas. "O laboratório do Exército é executor, não decide sobre medicamentos." Ou: "A passagem do militar à inatividade não é decisão discricionária do comandante". Os próximos anos podem servir para novas reações à relação entre um comandante e o ex-capitão.


Hélio Schwartsman: O golpe dos militares

Esforço para convencer de que a ditadura era coisa do passado não passou de propaganda enganosa

Por algum tempo eu acreditei que as Forças Armadas brasileiras haviam se profissionalizado, abandonando de vez a ingerência política e buscando o aprimoramento técnico. Eu estava errado.

Especialmente nos anos 1990 e na primeira década deste século, os militares brasileiros empreenderam um grande esforço de relações públicas para nos convencer de que a ditadura era coisa do passado e que as Forças Armadas estavam comprometidas com a democracia e preocupadas com a eficiência.

É claro que os militares ainda torciam o nariz para iniciativas como a Comissão da Verdade e, de vez em quando, algum deles, em geral um general de pijama, vinha com um discurso com ares de recaída autoritária. Nada que preocupasse muito. Bastaram, porém, alguns anos com a perspectiva de exercer mais poder, para constatarmos que tudo não passava de propaganda enganosa.

É complicado julgar uma instituição por alguns de seus membros, mas, se a performance dos militares no governo é representativa das Forças Armadas, a competência passa longe dos quarteis. O caso mais gritante é o do general Eduardo Pazuello, perdido no Ministério da Saúde, mas não é o único. Nunca um governo teve tantos militares em seus quadros e nunca vimos uma administração tão ineficaz quanto esta.

O compromisso com a democracia também não era firme. O famoso tuíte de 2018 em que o general Eduardo Villas Bôas fez ameaça velada ao STF até poderia, com boa vontade, ser classificado como estupidez individual. Agora que ficamos sabemos que a mensagem resultou de uma trama envolvendo toda a cúpula do Exército, o caso ganha outra dimensão.

Num país mais decente, os generais que participaram da reunião e ainda estão na ativa seriam postos na reserva e se abriria uma investigação para apurar sedição. Mas estamos no Brasil. Não precisam se preocupar com isso. Tolo sou eu que acreditei no golpe de marketing castrense.


Bernardo Mello Franco: Gilmar e Fachin no baile de máscaras do Supremo

O carnaval foi cancelado, mas o Supremo manteve viva a tradição do baile de máscaras. Na terça-feira gorda, o ministro Gilmar Mendes voltou a se exibir em nova fantasia. Ex-integrante do Bloco da Lava-Jato, ele agora desfila na ala dos críticos da operação.

Em entrevista à BBC News Brasil, Gilmar disse que a força-tarefa de Curitiba virou “movimento político” e “tinha candidato” na última eleição presidencial. Faz sentido, mas parece que ele demorou a notar.

Por muito tempo, o ministro elogiou os métodos de Moro, Dallagnol & cia. Em setembro de 2015, ele disse que a operação salvou o Brasil de virar uma “cleptocracia”. “A Lava-Jato estragou tudo”, comemorou.

Seis meses depois, Gilmar barrou a nomeação de Lula para a Casa Civil com base num grampo divulgado ilegalmente por Moro. A liminar invadiu atribuição do Executivo e deu o empurrão final para o impeachment.

Consumada a queda de Dilma Rousseff, o ministro passou a enxergar abusos na Lava-Jato. Em entrevista recente, ele apontou um “jogo de promiscuidade” entre juiz e procuradores. Curiosamente, não viu problema em seus 43 telefonemas com Aécio Neves quando o tucano era investigado por corrupção.

Com a fantasia de garantista, Gilmar reciclou a imagem e virou herói de setores da esquerda. A amnésia faz parte da folia, mas a Lava-Jato é a mesma de outros carnavais. Quem mudou foi o supremo ministro.

Na segunda-feira, Edson Fachin brilhou como destaque no baile de máscaras. Em nota, ele afirmou que a pressão de militares sobre o Supremo é “intolerável e inaceitável”. O ministro tem razão, mas está atrasado.

Quando o general Villas Bôas emparedou o tribunal com uma ameaça de golpe, às vésperas da eleição de 2018, Fachin silenciou. Quase três anos depois, desperta para a interferência “gravíssima” dos quartéis.

A esta altura, o protesto não tem qualquer efeito prático. Só serve como tentativa de retocar a biografia do ministro. Ainda assim, ele virou alvo de novo deboche do general


El País: Supremo manda prender deputado Daniel Silveira, e Lira tem primeiro teste institucional na Câmara

Deputado divulgou vídeo com ataques à Corte e foi detido em flagrante no inquérito das ‘fake news’, após ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes. Câmara decide se o manterá preso e presidente da Casa diz que irá se guiar pela Constituição

Rodolfo Borges, El País

A batalha entre os Poderes em Brasília ganhou um novo front nesta quarta-feira. Quase no início da madrugada, o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) recebeu uma visita da Polícia Federal em sua casa, por instrução do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. “Polícia Federal na minha casa neste momento cumprindo ordem de prisão, ilegal, do ministro Alexandre de Moraes”, publicou em suas redes sociais o deputado, dando início a uma série de vídeos em que divulgaria os passos de sua detenção. Horas antes, o parlamentar havia publicado outro vídeo com duras críticas e ataques aos ministros do Supremo que foram consideradas por Moraes como parte das “condutas criminosas” de Silveira. O vídeo, de acordo com o ministro, configurou ”flagrante delito”, o que justificou a ordem de prisão inafiançável do deputado no âmbito do polêmico inquérito das fake news, aberto pelo próprio STF, sem pedido da Procuradoria Geral da República, para investigar ameaças à Corte Suprema. Silvera é um dos investigados. Caberá à Câmara, contudo, a última palavra sobre a prisão. Os deputados podem decidir soltar o colega após uma votação com maioria absoluta ―257 dos 513 votos da Casa.

O recém-empossado presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou convocação de reunião extraordinária da Mesa para as 13h desta quarta-feira. Na sequência, ocorre encontro do Colégio de Líderes. “Vamos, em conjunto, avaliar e discutir a prisão do deputado Daniel Silveira.” Na madrugada, ele já havia comentado via redes sociais que “a Câmara não deve refletir a vontade ou a posição de um indivíduo, mas do coletivo de seus colegiados, de suas instâncias e de sua vontade soberana, o Plenário”. “Nesta hora de grande apreensão, quero tranquilizar a todos e reiterar que irei conduzir o atual episódio com serenidade e consciência de minhas responsabilidades para com a Instituição e a Democracia”, escreveu Lira, que chegou ao comando da Casa legislativa com o apoio do presidente Jair Bolsonaro. “Para isso, irei me guiar pela única bússola legítima no regime democrático, a Constituição. E pelo único meio civilizado de exercício da Democracia, o diálogo e o respeito à opinião majoritária da Instituição que represento”, finalizou.

No vídeo que desencadeou a reação de Alexandre de Moraes, Silveira, que ficou mais conhecido no país após quebrar uma placa em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco, diz que por várias vezes já imaginou o ministro Luiz Edson Fachin “levando uma surra”. “Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte aí. Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra. O que você vai falar? Que eu  fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime”, diz o deputado em um trecho da gravação, que Moraes mandou o Facebook tirar do ar. “Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime”, completa Silveira, ainda em referência a Fachin.

O fio desse novelo de fim desconhecido começou a ser puxado em 2018, quando o então comandante do Exército Eduardo Villas-Bôas comentou nas redes sociais o julgamento de um pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Villas-Bôas escreveu em seu perfil no Twitter que o Exército brasileiro compartilhava do “anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, numa mensagem que foi interpretada como manifestação indevida de um chefe militar, ainda que não mencionasse diretamente o caso de Lula, que seria julgado pelo STF naquele mesmo dia. Villas-Bôas comenta esse episódio em livro recém-lançado, no qual detalha que aquela manifestação foi discutida previamente com o Alto Comando do Exército.

O ministro Fachin divulgou nota nesta terça-feira para dizer, à luz do que o general detalhou em seu livro, que a manifestação de Villas-Bôas foi uma “intolerável e inaceitável” pressão das Forças Armadas no Judiciário. Foi contra esse comentário de Fachin que o deputado Daniel Silveira se insurgiu. “Vá lá, prende Villas-Bôas”, provocou o deputado no vídeo, sempre se dirigindo a Fachin. “Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas-Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas-Bôas. Fala pro Alexandre de Moraes, o homenzão, o fodão, vai lá e manda ele prender o Villas-Bôas. Vai lá e prende um general do Exército. Eu quero ver, Fachin. Você, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, o que solta os bandidos o tempo todo. Toda hora dá um habeas corpus, vende um habeas corpus, vende sentenças”, acusa o deputado na gravação, incluindo outros ministros do STF em seus ataques.

“Fachin, um conselho pra você. Vai lá e prende o Villas-Bôas rapidão, só pra gente ver um negocinho”, provoca Silveira em outra passagem do vídeo, quando também inclui provocações ao ministro Luís Roberto Barroso.. “Se tu não tem coragem, porque tu não tem culhão pra isso, principalmente o Barroso que não tem mesmo. Na verdade ele gosta do culhão roxo. Gilmar Mendes... Barroso, o que é que ele gosta: culhão roxo. Mas não tem culhão roxo. Fachin, covarde. Gilmar Mendes... [esfrega os dedos no sinal de dinheiro] é isso que tu gosta né Gilmarzão? A gente sabe.” Em outro trecho, o ataque fica mais generalizado: “Eu sei que vocês vão querer armar uma pra mim pra poder falar ‘o que é que esse cara falou no vídeo sobre mim, desrespeitou a Supremo Corte’. Suprema Corte é o cacete. Na minha opinião, vocês já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de onze novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereceram. Vocês são intragáveis”.

A prisão de Silveira pôde ser acompanhada por seus seguidores por meio do Facebook. No último vídeo que divulgou, o deputado aparece no Instituto Médico Legal (IML) batendo boca com uma agente sobre a obrigação de usar máscara para evitar a disseminação do novo coronavírus. Após resistir, Silveira acaba colocando uma máscara. Seus perfis nas redes sociais seguem sendo abastecidos após a detenção. “Aos esquerdistas que estão comemorando, relaxem, tenho imunidade material. Só vou dormir fora de casa e provar para o Brasil quem são os ministros dessa suprema Corte. Ser preso sob estas circunstâncias, é motivo de orgulho”, diz uma das mensagens.

O PSL, partido do parlamentar, afirmou em nota que o parlamentar deve ser afastado do partido, e informou que “repudia com veemência os ataques proferidos pelo deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) a ministros do Supremo Tribunal Federal”. A direção nacional da legenda pela qual o presidente Jair Bolsonaro foi eleito ―mas do qual ele saiu em novembro de 2019 para fundar um partido próprio, ainda não consolidado― também defendeu o STF, que classificou como “guardião da Constituição Federal e, como tal, um dos pilares do Estado Democrático de Direito”. A nota de repúdio do PSL é uma explícita tentativa de afastar o partido do viés golpista das mensagens divulgadas pelo parlamentar. “A Executiva Nacional do partido está tomando todas as medidas jurídicas cabíveis para a afastamento em definitivo do deputado dos quadros partidários.”

Resta saber como a Câmara, enquanto instituição, irá se manifestar. “Foi uma fala gravíssima contra a ordem democrática e contra a autonomia dos Poderes, e [o deputado] deve ser duramente reprimido. Mas para ser preso não basta que ele tenha cometido um crime”, comentou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), 1º vice-presidente da Câmara, em entrevista ao programa Sua Excelência, o Fato, dos jornalistas Luis Costa Pinto e Eumano Silva. “Se a Câmara tivesse dado exemplo desde o primeiro caso [de ataques ao STF], não estaríamos passando por este momento. Se não tivesse sido leniente com outras declarações, não estaríamos nisto”, comentou.


Pedro Dória: Prisão de deputado bolsonarista põe Arthur Lira em xeque

Com a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), já no fim da noite de terça-feira, o Supremo colocou o presidente da Câmara, Arthur Lira, em xeque. E, simultaneamente, enviou um forte aviso ao Exército Brasileiro e ao Palácio do Planalto. A situação toda é muito delicada.

Para Lira, o problema é simples: Silveira foi preso por ameaçar o Supremo. Por ele ser deputado, o plenário da Câmara precisa confirmar a prisão — ou negá-la. Se nega, o Legislativo manda ao Judiciário uma mensagem. Considera normal que parlamentares ameacem outro Poder. Aquilo que o presidente Jair Bolsonaro passou o primeiro semestre de 2020 fazendo — ameaçar o Supremo — passa a ser prerrogativa também dos deputados. Se, porém, permite a prisão, Lira entra em conflito com o próprio Planalto e a base ideológica do presidente.

O centrão, do qual Lira é líder, tem duas características. Uma é de que troca favores no Parlamento por espaço no Executivo e verbas para os deputados. Outra é que é ideologicamente amorfo e evita se definir. O gesto de Silveira — em seu vídeo o deputado essencialmente desafiou o Supremo a prendê-lo — obriga o centrão a se posicionar para defender um discurso bolsonarista radical. Ou, então, se afastar.

Ocorre que o Planalto ainda não liberou as verbas e mal distribuiu cargos no ministério. O acerto de contas para ser feito pela eleição de Lira ao comando da Câmara não ocorreu. É cedo para ter este desgaste na relação — mas o centrão vai ter de se posicionar. E não é simples. Muitos deputados precisam estar nas graças do STF. Como precisam estar nas graças do Planalto.

De sua parte, o STF agiu claramente dentro da lei para efetuar a prisão. O ataque foi a Edson Fachin, o relator da Lava-Jato, num momento em que a operação está sob fogo cerrado. E, indiretamente, mostra uma resposta da Corte à pressão que sofreu em 2018, só agora se sabe, não apenas do então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas. Mas de todo o Alto Comando da Arma. Afinal, quando atacou o Tribunal no vídeo que motivou sua prisão, Silveira desafiava os ministros a prenderem Villas Bôas — ou se abaixar perante a pressão. Com seu gesto, ofereceu à Corte uma terceira saída. Prendê-lo e assim mostrar um gesto forte.


Hélio Schwartsman: Estupro jurisdicional

É fácil ver que o caminho escolhido por Alexandre de Moraes, no caso das fake news, não passa no teste kantiano da universalização da regra

É preocupante a pretensão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de fazer com que suas decisões no chamado inquérito das fake news valham não apenas para a operação brasileira de empresas como Facebook e Twitter mas também para a internacional. Aqui, o ministro extrapola sua jurisdição e o faz com um viés autoritário.

É fácil ver que o caminho escolhido por Moraes não passa no teste kantiano da universalização da regra.

Em vários países da África e do Oriente Médio, a homossexualidade é crime. Se juízes dessas nações podem estender sua jurisdição para aplicativos sediados no exterior, então teríamos de aceitar como legítima a ordem de um magistrado da Arábia Saudita para derrubar sites americanos de pornografia e de encontros. A moral prevalecente na internet seria a da mais retrógrada das nações.

Obviamente, esse raciocínio não vale apenas para questões relativas a sexo, aplicando-se também a opiniões políticas, estudos científicos, peças artísticas etc. Se é o Taleban que está no poder no Afeganistão, então até o site do Louvre poderia ser censurado, já que traz imagens de estátuas que, na interpretação das autoridades judiciais daquele país, seriam ilegais.

Não há dúvida de que certas fake news e radicalismos, incluindo falas de bolsonaristas, são socialmente nocivos. Por vezes, constituem crimes, que podem e devem ser combatidos. Se a ofensa for séria o suficiente, será um ilícito em qualquer nação, abrindo caminho para a cooperação judicial entre países.

Caso contrário, acabarão prevalecendo as normas das nações mais liberais, pois é nelas que as empresas globais de internet tendem a estabelecer-se. E esse é um dos milagres da rede. Ela cria uma espécie de concorrência entre legislações nacionais capaz de gerar um círculo virtuoso de promoção da liberdade e do cosmopolitismo. A pretensão de Moraes de enquadrar o Facebook é a negação disso.


Hélio Schwartsman: Estamos, afinal, numa República

Determinação de Alexandre de Moares impõe um veto prévio a mensagens independentemente do conteúdo

A pedidos, escrevo sobre o bloqueio de contas de bolsonaristas em redes sociais determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Evitei o assunto até aqui por considerá-lo desimportante. Sei que é uma idiossincrasia minha, mas, na condição de alguém que não participa de nenhuma rede social, o banimento do WhatsApp não me emociona.

Moraes exagerou. Não dá para afirmar que ele tenha silenciado os bolsonaristas, já que estes seguem livres para dizer o que quiserem por qualquer outro meio que não as plataformas citadas no despacho. Mas a determinação do magistrado é ampla demais, pois impõe um veto prévio a mensagens independentemente de seu conteúdo.

Pior do que isso é a própria existência do chamado inquérito das fake news, em que o STF atua ao mesmo tempo como vítima, autoridade policial e juiz. É a definição mesma de teratogenia judiciária. Mas, como na democracia quem tem sempre a última palavra em questões legais é o STF, não nos resta senão aceitar suas decisões mesmo que delas discordemos.

Quanto ao mérito, sempre advoguei por uma versão forte da liberdade de expressão. Filosoficamente, considero a abordagem dos norte-americanos, que aceitam até manifestações nazistas, racistas, homofóbicas, mais consistente do que a noção de democracia militante dos alemães, que se dispõem a criminalizar tudo o que soe como um ataque às instituições. Não vejo como distinguir ataques verbais de críticas contundentes, das quais as democracias precisam para aprimorar-se.

Daí não decorre, é claro, que o STF ou qualquer outra parte deva aceitar passivamente as agressões promovidas pelo gabinete do ódio. Até por serem burros e descuidados, bolsonaristas frequentemente incidem em crimes como os de ameaça e calúnia. É a esses tipos, na forma em que podem ser acionados por qualquer cidadão, que os ministros deveriam recorrer. Estamos, afinal, numa República.