RPD || Lilia Lustosa: Cine Drive-in. O retorno?

A pandemia do coronavírus Covid-19 tem ressuscitado o cinema drive-in em várias regiões do Brasil e do mundo. Na Capital Federal, o único em funcionamento contínuo foi declarado patrimônio cultural e material do Distrito Federal em 2017.
Foto: Igor Estrela/Metrópoles
Foto: Igor Estrela/Metrópoles

A pandemia do coronavírus Covid-19 tem ressuscitado o cinema drive-in em várias regiões do Brasil e do mundo. Na Capital Federal, o único em funcionamento contínuo foi declarado patrimônio cultural e material do Distrito Federal em 2017

Em 2016, o site de viagens Tripadvisor anunciava o Cine Drive-in de Brasília como o último sobrevivente da categoria na América Latina, convertido assim em atração turística da capital brasileira. Seguiu sendo realidade até a inauguração do CineCar em Interlagos, São Paulo, no ano passado, que passa atualmente por verdadeira revolução desde a chegada da pandemia, quando o bom e velho Drive-in foi “ressuscitado” em quase todo o mundo. Mas será que essa modalidade de cinema, tão popular nos anos 50, 60 e 70 voltou mesmo para ficar ou estamos aqui diante de um paliativo para tempos pandêmicos? Será que depois que a vacina chegar os baby boomers estarão dispostos a trocar o conforto do sofá de casa ou de uma poltrona de Multiplex por um banco de carro com o único propósito de reviver a experiência de sua juventude? E as gerações X, Y e Z estarão prontas para embarcar nessa “nova” modalidade de cinema em que a imagem é vista através do para-brisa e o som, escutado pelas ondas do rádio?

Durante a pandemia, o sucesso do Drive-in já é fato. Desde que as cidades começaram a entrar em quarentena, essa modalidade de cinema tornou-se uma das poucas opções para os que desejavam assistir a um filme em tela grande e/ou de forma coletiva. Nos Estados Unidos, onde surgiu, mesmo durante a fase de isolamento, dos cerca de 300 Drive-ins ainda em funcionamento, 25 continuaram abertos, segundo a Drive-in Theatre Owners Association. E agora, com a retomada gradual das atividades em vários Estados, outros tantos se somaram à lista, como em vários países do mundo. No Brasil, os Drive-ins vêm ganhando cada vez mais espaço, a maioria em caráter provisório, implementados por empresas de organização de eventos, muitas vezes em parceria com os próprios exibidores, que veem nesta velha fórmula uma solução temporária para sua sobrevivência.

No Rio de Janeiro, o Jeunesse Arena e a Cidade das Artes criaram seus Drive-ins aproveitando os espaços de seus estacionamentos vazios. Em São Paulo, o Allianz Parque inaugurou o Arena Sessions, com uma super tela LED de alta definição; o Memorial da América Latina foi transformado em Drive-in por meio de uma parceria com o cinema Petra Belas Artes; e a rede Centerplex montou seu cinema no Centro de Tradições Nordestinas. Ainda na capital paulista, a Dream Factory anunciou a criação da rede Dream Parks, com atuação prevista em 8 Estados brasileiros por um período de 3 meses. E até mesmo Brasília, que já conta com seu Drive-in permanente desde 1973, viu parte do estacionamento do Aeroporto Juscelino Kubistchek ser transformado em palco para o Festival Drive-in, oferecendo de julho a agosto programação cultural que, além de filmes, inclui apresentação de orquestra sinfônica e shows stand-up.

Mas será que os grandes produtores e distribuidores de blockbusters estarão dispostos a lançar suas superproduções em cinemas desse tipo? Ou será que as telas a céu aberto continuarão sendo destinadas a filmes tipo B ou aos vintages, como nos últimos tempos? E qual será o destino dos dois únicos Drive-ins permanentes de nosso país? Continuarão a ser “atrações turísticas”? A tendência é que, depois de passada a pandemia, tudo volte a ser como antes e que os Drive-ins sigam sendo um programa exótico e pitoresco, atividade a ser realizada a cada tanto. O consolo para os proprietários desse tipo de estabelecimento é que este período está servindo, ao menos, para colocá-los de volta no mapa das opções de entretenimento, apresentando-o às novas gerações que, quiçá, se sintam interessadas e responsáveis por sua perpetuidade.

O Cine Drive-in de Brasília goza de uma situação privilegiada, tendo – pelo menos, por enquanto – sua existência assegurada. Depois de quase ter sido fechado em 2014, foi declarado patrimônio cultural e material do Distrito Federal em 2017, de acordo com a lei n° 6.055, proposta pela deputada distrital Luzia de Paula. O espaço, que conta com uma tela de 312m² (a maior do Brasil), ficou fechado por 40 dias no início da pandemia, mas retomou às atividades no fim de abril, com um público cada vez maior. Segundo a proprietária, Marta Fagundes, o público triplicou depois da reabertura, apesar das adaptações feitas para se adequar aos protocolos de segurança que a época exige: redução de 50% da capacidade (de 400 para 200 carros), distanciamento de 1,5m entre os veículos, compras dos ingressos apenas online, uso dos banheiros por uma pessoa a cada vez, uso obrigatório de máscara e fechamento da lanchonete.
Segundo Marta, que está à frente do empreendimento há mais de 40 anos e é uma apaixonada defensora dos Drive-ins, a vantagem desse tipo de cinema é a liberdade oferecida ao espectador. Pode levar lanche, falar ao celular, discutir o filme, levar cachorro… quase tudo é permitido, menos acender os faróis do carro, para não atrapalhar a qualidade da projeção.

Para quem nunca viveu a experiência e quer ter uma ideia de como funciona um Drive-in, uma excelente dica é o longa O Último Cine Drive-in (2015), de Iberê Carvalho. Um filme extremamente sensível que mostra uma relação complicada entre pai e filho, tendo como “tela de fundo” a história da decadência de um Drive-in em tempos de Multiplex. Ou seria o contrário? O protagonismo desse cinema é tão grande que mais correto seria dizer que o conflito familiar é que é a “tela de fundo” da história. O filme presta também linda homenagem aos amantes da sétima arte e aos demais guerreiros donos de Drive-ins ou de salas de cinema de rua, que sofrem com a invasão dos grandes conglomerados de exibidores. Com um cenário repleto de cartazes envelhecidos de filmes, projetores antigos (35mm) e um certo Marlonbrando (Breno Nina), filho do Seu Almeida (Othon Bastos), dono do Drive-in, o filme funciona ainda como um grito de alerta para o estado complicado pelo qual passa a sétima arte no nosso Brasil. A mãe de Marlonbrando, Fátima (Rita Assemy), agonizando no hospital público da capital, bem pode ser a metáfora perfeita para nossa arte tão necessitada de cuidados intensivos.

Com uma fotografia belíssima que explora o vasto horizonte da capital brasileira, retratada por uma paleta de cores em que predominam os tons amarronzados e alaranjados, o filme reflete a terra batida, a grama seca e o concreto que dão corpo e asas a essa cidade-uma-vez-sonho. O céu-mar e a luz forte e intensa, tão característicos da jovem senhora Brasília, tampouco são deixados de lado, ocupando boa parte do campo e dando ainda mais força e personalidade ao também jovem cinema brasiliense. Iberê Carvalho orgulha sua terra e faz jus aos versos do mestre Vladimir Carvalho, cineasta paraibano que adotou Brasília como sua cidade-musa, já tendo feito vários filmes sobre a história e a cultura de nossa capital: “Brasília, Claro Enigma, luz incandescente batendo na lente!”[1].

[1] Verso incrustado no jardim do Cinememória, museu do cinema localizado em Brasília, criado por Vladimir Carvalho.

* Lilia Lustosa é crítica de cinema.

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