RPD | Andrei Meireles: A Lava Jato é dura na queda

Sérgio Moro e a Lava Jato viraram obstáculos ao projeto de reeleição de Bolsonaro. O Palácio do Planalto avalia que o jogo vai ficar mais duro depois da posse, em setembro, de Luiz Fux na Presidência do STF. Augusto Aras, de olho em uma vaga no STF, também tem pressa de mostrar serviço contra o ex-juiz e a força-tarefa.
Foto Lula Marques
Foto Lula Marques

Sérgio Moro e a Lava Jato viraram obstáculos ao projeto de reeleição de Bolsonaro. O Palácio do Planalto avalia que o jogo vai ficar mais duro depois da posse, em setembro, de Luiz Fux na Presidência do STF. Augusto Aras, de olho em uma vaga no STF, também tem pressa de mostrar serviço contra o ex-juiz e a força-tarefa

Faz tempo que a Lava Jato, depois de sua bem-sucedida trajetória de caçadora de corruptos, virou troféu de caça de políticos dos mais variados naipes, como o PT de Lula, o MDB de Renan Calheiros e Romero Jucá, o Centrão e os tucanos, sob a batuta de Aécio Neves. Esse movimento ganhou corpo ano passado com a adesão do presidente Jair Bolsonaro que, mesmo tendo Sérgio Moro como ministro da Justiça e Segurança Pública, criou a expectativa de conseguir apoio em outros poderes para livrar seu clã das investigações na Justiça. Moro nunca lhe deu essa garantia.

Foi então costurado um acordão tácito, com o apoio dos ministros do STF Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que, desde o ano passado, vem obtendo vitórias parciais. Nesse caldeirão, foi gerado o recuo pelo Supremo Tribunal Federal da autorização do cumprimento de penas, inclusive da pena de prisão a partir da condenação em segunda instância. Foi também ali que se tentou acabar com o Coaf, um órgão de inteligência financeira que produz relatórios técnicos sobre o caminho do dinheiro movimentado pelas mais diversas organizações criminosas e é o responsável, por exemplo, em seguir a lavagem de dinheiro, do PCC aos grandes esquemas de corrupção.

Na tríplice parceria entre Toffoli, a cúpula do Congresso e Bolsonaro, o Coaf passou de mão em mão e simplesmente foi paralisado. Foi ressuscitado pelo plenário do Supremo. Mas a guerra seguiu em frente. Bolsonaro trocou Moro pelo Centrão. Se sentiu à vontade para dar as cartas, atropelou a lista tríplice do Ministério Público e escalou Augusto Aras como procurador-geral da República. Interferiu também na Polícia Federal, o outro grande braço das investigações sobre a corrupção do colarinho branco no país.

Enquanto estava no governo, Sérgio Moro até tentou segurar as pontas. Caiu fora quando foi atropelado por Bolsonaro que, em uma reunião ministerial, em abril, anunciou seu propósito de montar um sistema de inteligência para atender a seus interesses. É o que vem acontecendo desde lá. Até um sistema no Ministério da Justiça, criado para acompanhar o crime organizado, passou a bisbilhotar supostos adversários do governo, de policiais antifascistas a alguns reconhecidos intelectuais. Um deles, Paulo Sérgio Pinheiro, ex-secretário nacional dos Direitos Humanos, hoje um curinga da ONU para relatar grandes encrencas mundo afora.

Essa obscura ofensiva contra opositores coincide com a urgência em ganhar terreno nesse final de mandato do aliado Dias Toffoli –- uma invenção do PT – na Presidência do Supremo Tribunal Federal. A avaliação é de que Sérgio Moro e a Lava Jato viraram obstáculos ao projeto de reeleição de Bolsonaro. E, no Palácio do Planalto, de que o jogo vai ficar mais duro depois da posse, em setembro, do ministro Luiz Fux na Presidência do Tribunal. Daí a pressa também do procurador Augusto Aras, de olho em uma vaga no STF, de mostrar logo serviço contra Sérgio Moro e a Lava Jato.

“Na tríplice parceria entre Toffoli, a cúpula do Congresso e Bolsonaro, o Coaf passou de mão em mão e simplesmente foi paralisado. Foi ressuscitado pelo plenário do Supremo. Mas a guerra seguiu em frente. Bolsonaro trocou Moro pelo Centrão”

Em dobradinha com Toffoli, Augusto Aras conseguiu aval para transferir todos os bancos de dados de anos e anos de grandes investigações da Operação Lava Jato em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo para a Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Como era previsível, tão logo acabaram as férias de julho da Justiça (outra anomalia), o ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF, revogou essa decisão absurda. Mas algum estrago já estava feito. Há verdadeira rebelião contra Aras em todas as instâncias do Ministério Público. Essa postura dele, digamos, de quinta coluna, reduziu seu apoio inclusive entre seus poucos aliados.

O procurador Augusto Aras sentiu o tranco. Demitiu seu secretário-geral, o procurador aposentado Eitel Santiago – um bolsonarista assumido e o mais agressivo crítico da Lava Jato –, baixou o tom depois do bate-boca com colegas no Conselho Superior do Ministério Público Federal e não compareceu ao ato organizado por Toffoli e o governo, para reduzir o papel do Ministério Público nos acordos de leniência de empresas envolvidas em corrupção. Aras havia participado dessa negociação, mas nessa nova fase, antes de botar seu jamegão, resolveu consultar quem entende do ramo no próprio Ministério Público.

Esse aparente recuo de Aras não significa que desistiu do combate à Lava Jato. Só pisou no freio por avaliar que pode ser atropelado no caminho. Ele sabe que a caneta de Toffoli ficará sem tinta daqui a pouco. A turma da Lava Jato também sabe disso. Confia em Luiz Fux para uma volta à normalidade e uma revisão da ofensiva contra as investigações sobre corrupção.

Se há erros cometidos pela Operação Lava Jato – com certeza, os há – eles devem ser corrigidos com a perspectiva de melhorar a Justiça, para que não se repitam. E não para criar brechas para a corrupção que, com esses sinais trocados, continua a pleno vapor país afora. Basta ver o que estão roubando em nome do combate à pandemia do novo coronavírus. Esvaziar o poder de investigação dos órgãos estatais encarregados de combater o desvio do dinheiro público é uma espécie de cumplicidade com o crime.

*Andrei Meireles é jornalista

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