Política Democrática || Sérgio C. Buarque: Inflexão na trajetória econômica?

Com cerca de 12 milhões de desempregados (11,2% da População Economicamente Ativa) e 4,7 milhões de desalentados, ainda não é possível comemorar a recuperação da economia, iniciada em 2017.
Foto: Agência USP
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Com cerca de 12 milhões de desempregados (11,2% da População Economicamente Ativa) e 4,7 milhões de desalentados, ainda não é possível comemorar a recuperação da economia, iniciada em 2017

Depois da profunda recessão que afundou a economia brasileira, 2019 foi o terceiro ano consecutivo de crescimento econômico, bem modesto, é verdade, mas confirmando a recuperação iniciada em 2017. Dá para comemorar? Não, quando se consideram os quase 12 milhões de desempregados (11,2% da População Economicamente Ativa) e 4,7 milhões de desalentados. Houve pequeno declínio do desemprego em 2019, acompanhado, contudo, da expansão da informalidade e da precarização do mercado de trabalho. Além da persistência do alto nível de desemprego, a economia brasileira terminou 2019 ainda com elevada ociosidade e baixíssima taxa de investimento, apenas 15,5% do PIB (Produto Interno Bruto).

Entretanto, nesse ano de 2019, o Brasil pôde celebrar a queda acentuada da taxa de juros de referência (Selic) ao mais baixo patamar da história e, principalmente, a aprovação da reforma da
Previdência, que alivia a grave crise fiscal do país. A combinação dos dois eventos explica parte do crescimento da economia, embora seus efeitos ainda não tenham sido relevantes neste ano.
A redução da Selic para apenas 4,5% ao ano, com inflação de 3,27% ao final de 2019, deve provocar grande mudança na movimentação das aplicações financeiras, encerrando um longo período do chamado “rentismo”, que se beneficiava de alta rentabilidade no mercado financeiro aproveitando as altas taxas de juros ancoradas em títulos da dívida pública. Além de conter a expansão da dívida pública, uma vez que os títulos públicos lastreados pela Selic representam quase 40% do total, o declínio dos juros de referência leva a uma migração da poupança nacional para ativos reais, como imóveis, títulos de crédito privado, ações e outras aplicações de maior risco, que financiam as atividades produtivas. Ou mesmo para consumo e investimento.

A reforma da Previdência foi o mais importante fato político e econômico de 2019, pelo seu impacto na contenção da escalada explosiva das despesas primárias, que ameaçava provocar o desastre fiscal do Brasil. Se a redução dos juros de referência foi decisão isolada do Banco Central (mesmo considerando as condições macroeconômicas), a reforma da Previdência demandou emendas constitucionais que exigiam aceitação por 3/5 das duas Casas do Congresso, em duas votações, enfrentando a resistência de setores poderosos da sociedade. O presidente atrapalhou como pôde e ainda forçou concessões ao estamento militar, mas a capacidade de negociação do Ministério da Economia e a liderança competente e responsável do presidente da Câmara de Deputados conseguiram vencer a oposição das corporações.

Embora a reforma da Previdência não tenha exercido efeito imediato nas finanças públicas em 2019, o déficit primário da União no ano ficou bem abaixo do esperado, graças a uma série de medidas que permitiram arrecadação extra, como os recursos do leilão de petróleo da cessão onerosa e a receita sobre ganho de capital incidente nas operações de venda de subsidiárias de estatais. O plano de privatizações e concessões públicas foi apenas iniciado em 2019 e seus resultados na expansão dos investimentos privados ainda não foram percebidos no ano.

A economia mundial não ajudou muito na recuperação econômica do Brasil. O comércio internacional, em 2019, cresceu apenas pouco mais de 1,2%, reflexo da guerra comercial entre Estados Unidos e China, e a Argentina, terceiro maior parceiro comercial do Brasil, afundou em grave recessão econômica que travou as importações de produtos brasileiros. O saldo da balança comercial no ano passado alcançou US$ 46 bilhões, o menor resultado desde 2015 (estima-se que a crise da Argentina tenha reduzido em US$ 5,2 bilhões o saldo comercial brasileiro). E o próprio governo Bolsonaro atrapalhou como pôde, com medidas e declarações descabidas e irresponsáveis, que mancharam a imagem externa e as relações diplomáticas e comerciais do Brasil.

Os resultados econômicos, em 2019, constituem inflexão na trajetória da economia brasileira? Claro que não. O crescimento recente da economia será apenas um “voo de galinha” se não forem enfrentados alguns dos graves estrangulamentos econômicos, a começar pela reforma tributária e a desestatização em áreas estratégicas, de resultado rápido na melhoria do ambiente de negócios e nos investimentos no Brasil. Mas a grande virada histórica da economia brasileira será possível apenas quando o país decidir apostar todas as suas fichas na educação, na qualificação profissional e na inovação. Nestes segmentos, cabe ao Estado papel decisivo, o que depende da recuperação das finanças públicas e de sua capacidade de investimento. Apesar dos pesares, 2019 deu alguns passos à frente.

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