Pedro S. Malan: Sete semanas

Talvez nunca tenha sido tão importante o voto informado e consciente dos que não acreditam em messianismos salvacionistas, em voluntarismos extremados, tampouco em puros exercícios de “autoridade” como solução para problemas da complexidade dos nossos.
Foto: TSE
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Talvez nunca tenha sido tão importante o voto informado e consciente dos que não acreditam em messianismos salvacionistas, em voluntarismos extremados, tampouco em puros exercícios de “autoridade” como solução para problemas da complexidade dos nossos

“Este é um trabalho muito pouco analítico, mas com ambição exagerada. Pretende convencer intuitivamente o poder incumbente que será eleito em 2010 de que: a) o Estado brasileiro é o mais pesado entre os que têm PIB per capita semelhante; b) essa é uma das causas importantes do nosso baixo crescimento; e c) sem ‘bala de prata’ ou choques duvidosos, existem muitas trilhas viáveis para reduzir o problema e recolocar o Brasil no caminho do desenvolvimento acelerado. Isso dependerá de muita perseverança, de razoável paciência e de alguma inteligência.”

Essa é a abertura de A agenda fiscal, texto do ilustre ex-ministro Delfim Netto publicado em Brasil Pós-crise: Agenda para a Próxima Década, organizado por Fabio Giambiagi e Octavio de Barros (Campus 2009). O trabalho encontrou ouvidos moucos de parte do poder incumbente eleito em outubro de 2010 e – o marqueteiro João Santana fazendo o diabo a quatro – reeleito em outubro de 2014. Afinal, desde 2005 o mote do grupo em questão era o famoso “gasto é vida”.

Novamente às vésperas de eleições, o artigo de Delfim continua atual e relevante. Avançamos na compreensão da magnitude dos desafios, forçados pelas circunstâncias, especialmente após o fracasso da política econômica do governo Dilma, essa que já havia sido figura-chave do governo Lula, definida por este após cinco anos e meio de convivência estreita como “a melhor gerente deste país”. Eleita, Dilma teve mais cinco anos para pôr suas ideias em prática. Deu no que deu.

Delfim Netto é hoje mais sintético, mas não menos mordaz. “Talvez possamos ter sucesso se o eleito tiver condições de eliminar a ‘causa causans’ que nos assalta há três décadas: a despesa primária do governo cresce em torno de 5% ao ano, enquanto o PIB cresce a 2,4%. Todo o resto é chantili!” (Folha de S.Paulo 29/8).
Em exatas quatro semanas mais emergirão das urnas dois candidatos a se tornar o “poder incumbente”. Talvez nunca tenha sido tão importante o voto informado e consciente dos que não acreditam em messianismos salvacionistas, em voluntarismos extremados, tampouco em puros exercícios de “autoridade” como solução para problemas da complexidade dos nossos.

Nunca na nossa História recente o Brasil precisou tanto de um candidato reformista, de centro, aberto ao diálogo, honesto, experiente e que não tenha ou venda ilusões. Ao contrário, que conheça bem a situação das contas públicas do País, o drama secular da educação, a tragédia da corrupção e da violência urbana. Que tenha refletido, cercando-se de pessoas experientes, tecnicamente competentes e que sejam capazes de vislumbrar o País no mundo, e não fechado em seu labirinto. Os eleitores decidirão, espero que tendo presente a diferença entre disputar uma eleição e efetivamente governar, com o Congresso que sairá das urnas, um país complexo como o nosso.

O desafio das reformas que o novo governo enfrentará reside em quatro grandes áreas, que por sua vez se desdobram em três tempos: o restante deste crucial ano de 2018, o próximo quadriênio e o longo período pós-2022, aí incluído o resultado das eleições desse ano, que definirão, juntamente com os avanços que o próximo governo possa alcançar, e os retrocessos que consiga evitar, o resto da década e boa parte dos anos 2030.

As quatro áreas são a macroeconômica, a área “não macro”, a das reformas propriamente ditas (em particular a da Previdência, a tributária e a da reorganização do Estado) e a área-chave para a definição do nosso futuro como sociedade civilizada, que é a área social, a qual inclui as legítimas demandas pela redução de desigualdades na distribuição de renda e, especificamente, de oportunidades, por meio de reformas em nosso sistema educacional.

A área da política macroeconômica encerra a discussão de seus três regimes fundamentais: monetário, cambial e fiscal. Os dois primeiros estão definidos há quase 20 anos e vêm servindo bem ao País. Seria importante que os candidatos pudessem reafirmar a importância de sua consolidação, que por sua vez depende do equacionamento de nosso grave problema fiscal, como fica cada vez mais claro para a opinião pública menos desinformada. O equacionamento de nossos problemas fiscais não é um fim em si mesmo, mas condição necessária para alcançar objetivos mais importantes para a população.

A área “não macroeconômica” não é menos relevante. Ela diz respeito ao sistema de incentivos e desincentivos a decisões de investidores, poupadores e consumidores dados pelo sistema de preços relativos tal como afetados por decisões sobre preços administrados, desonerações fiscais e subsídios. Como vimos, o excesso de ativismo do governo pode levar a distorções na alocação de recursos e ao aumento de incertezas jurídicas, que afetam decisões de investimento. O contexto regulatório e a defesa da competição são cruciais, a reforma do Estado passa pela avaliação permanente da qualidade do gasto público e pela análise sistemática de custo/benefício da miríade de programas governamentais.

O próximo governo deverá ser “reformista” caso pretenda efetivamente governar o País e, principalmente, recolocá-lo no rumo do desenvolvimento econômico, político e social. O espaço para acertar é reduzido, e enorme aquele para erros – velhos e novos. O passado se foi e não pode mais ser alterado. O presente está constantemente a se transformar em passado.

Mas sempre haverá um futuro a ser construído – se sobre ele uma sociedade for capaz de formar certas ideias compartilhadas, algumas que sejam. Para tal é melhor que tenhamos uma boa ideia de onde estamos e de como chegamos à situação atual e seus desafios. Não será fácil – nunca o foi e nunca será. Mas o Brasil e os brasileiros não temos alternativa senão acreditar no poder da persistência, do diálogo, da não violência – e de alguma racionalidade em meio às paixões, os interesses e os conflitos da vida real.

* Pedro S. Malan é economista, foi ministro da Fazenda no Governo FHC

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