Marco Aurélio Nogueira: Brincando com coisa séria

Não é compreensível o vaivém na questão da eficácia das vacinas. A competição é outra.
Foto: Secom/Governo de São Paulo
Foto: Secom/Governo de São Paulo

Não é compreensível o vaivém na questão da eficácia das vacinas. A competição é outra

A cena assemelha-se a uma competição de adolescentes para saber quem atira a pedra mais longe ou que repica mais vezes na água do lago. Só que os personagens são adultos e a brincadeira está mexendo com coisa séria, afeta diretamente a vida de milhões de pessoas.

Se você começar a vacinação no dia 25, eu começo a minha antes, no dia 20. E se você passar para dia 20, eu empurro a minha para o dia 19. E assim segue a valsa, em tom de disputa de fundo de quintal. Triste demais.

O fato é que o País está sem um plano de vacinação pronto e acabado, ao qual o sistema SUS possa se acoplar e funcionar, juntamente com coordenadores estaduais, municipais e federais, de modo a recobrir o território nacional e toda a população, em um prazo de tempo razoável.

Mais importante do que saber quando será dada a primeira dose é saber o cronograma, a disponibilidade das vacinas e a logística. Aí a mula manca. É um silêncio que machuca.

Também não é compreensível, para os leigos sobretudo, o vaivém na questão da eficácia da Coronavac, que já está em fase avançadíssima de aprovação. O governo de São Paulo diz ter passado todos os dados (10 mil páginas) para a Anvisa que, por sua vez, diz ter recebido somente parte deles. A Sinovac e o Butantan afirmam uma eficácia de 78% para casos leves e de 100% para casos graves, o que significaria que a vacina evita a morte. Mas não foram divulgados os dados globais e outras informações importantes. Faltam números do desfecho primário do imunizante, nos quais estão incluídos os recortes populacionais e as faixas etárias, sem os quais a avaliação fica imperfeita. Também não se divulgou a eficácia em idosos.

Tudo indica que a vacina do Butantan será fundamental em termos de proteção e de neutralização das formas mais severas da doença. A briga para definir se sua eficácia é de 78% ou de 65% é completamente irrelevante, mas os gestores parecem acreditar que os números são essenciais em termos de concorrência e mercado. Uma competição esdrúxula, suicida. O que a move é outra coisa. Não é ciência e pesquisa.

A secretaria estadual de Saúde informa que divulgará tudo numa entrevista coletiva convocada para amanhã, dia 12. Isso sugere que ela já tem os dados à mão. Por que então não os apresenta logo e termina com a ansiedade geral da nação? Quem está escondendo o jogo, a Sinovac, o Butantan ou o governo paulista? Ou tudo não passa de problemas com a Anvisa, e seu diretor bolsonarista?

Tudo isso pega muito mal, gera insegurança e desconfiança, mostra falta de pulso e sugere que há mais “política” e malandragem do que seria correto. Politizar nesse grau uma questão tão vital quanto vacinas e vacinação mostra bem o nível a que chegamos

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