Luiz Carlos Azedo: candidato dos violentos

É cultura política arraigada, fingir que a violência não é um problema do presidente da República, é agenda de governador. Era, não é mais.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

É cultura política arraigada, fingir que a violência não é um problema do presidente da República, é agenda de governador. Era, não é mais

De onde vem a resiliência do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que lidera as pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República com Lula fora da disputa? Com toda certeza, vem da violência presente no cotidiano da população, que tem raízes profundas na sociedade brasileira, por causa do nosso passado escravocrata, mas ganhou contornos de guerra civil não declarada em razão do tráfico de drogas e da explosiva situação dos presídios brasileiros.

Há outras causas para o enraizamento popular de sua candidatura, como o desemprego escandaloso, que atinge 13 milhões de trabalhadores, e a desestruturação da família unicelular patriarcal em decorrência da revolução dos costumes, mas são temas em disputa eleitoral que não foram monopolizados por Bolsonaro. O tema da violência, não, é dele e ninguém tasca, porque Bolsonaro tem uma proposta de tratamento de choque para o problema: a pena de morte. Ou seja, tratar os criminosos com intensidade igual ou superior à natureza de suas ações, em todos os casos. Música para os violentos.

Ironicamente, o maior legado que o presidente Michel Temer deixará para os seus sucessores é a organização do Sistema Unificado de Segurança Pública (SUSP), recentemente criado, cuja implantação está a cargo do ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann. Pela primeira vez na história, o governo federal assumirá responsabilidade em relação ao problema em caráter nacional e permanente. Desde a Constituição de 1924, era assunto dos estados, fazia parte da política de conciliação do poder central com as oligarquias regionais.

O combate à violência era uma das bandeiras de Temer para tentar a reeleição, mas o presidente da República foi engolido pelas duas denúncias do ex-procurador-geral Rodrigo Janot e por investigações em curso da Operação Lava-Jato, sob orientação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Barroso. A economia não cresceu como se esperava e a intervenção federal no Rio de Janeiro, ato de grande repercussão, não deu os resultados que o governo esperava.

A mudança que Temer promoveu foi estrutural e terá resultados a longo prazo, com a criação de um fundo de financiamento do sistema, uma escola de segurança e inteligência e um sistema integrado de dados. Como a abertura comercial feita pelo ex-presidente Collor de Mello, que renunciou ao mandato para evitar o impeachment, somente com o tempo a mudança será sentida pela população. Mas estarão dadas condições efetivas para que o futuro governo lidere o combate à violência e ao crime organizado, que se tornou um problema de segurança nacional.

Acontece que nenhum candidato, com exceção de Bolsonaro, pretende tratar desse assunto como prioridade. É cultura política arraigada, fingir que a violência não é um problema do presidente da República, é agenda de governador. Era, não é mais. Vejam o caso do governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB). Em 2010, deixou o governo com uma crise nos presídios que arranhou sua imagem de político comprometido com os direitos humanos e a questão social. Agora, encerra o terceiro mandato sem condições de disputar a reeleição, desgastado em razão da crise do sistema de segurança pública capixaba, cujo ápice foi a greve dos policiais militares.

Classes perigosas

Um dos intérpretes do Brasil, o alagoano Alberto Passos Guimarães (1908-1993), autor de Quatro séculos de latifúndio, foi um dos primeiros a estudar o fenômeno da criminalidade (ou da criminalização, como preferem estudiosos do tema) e da violência nos grandes centros urbanos brasileiros, no rastro dos seus estudos sobre a questão agrária e a urbanização do país.

Na obra As classes perigosas — banditismo urbano e rural (Editora UERJ), publicada em 1982, fez um diagnóstico preciso do problema: “À violência dos criminosos se junta à violência das próprias vítimas e, a essas duas, uma terceira se vem juntar: a violência dos órgãos policiais, que, pouco fazendo para prevenir o crime, querem compensar sua ineficácia tentando inútil e injustificadamente eliminar o crime aumentando o grau de ferocidade da repressão”.

A “via prussiana” de modernização do país, durante o regime militar, gerou um contingente populacional “excedente”, que fora expulso do campo pela mecanização da agricultura, e despreparado para ser absorvido nos marcos da urbanização. Houve desestruturação de grande número de famílias, cuja pauperização, pela concentração da propriedade da terra e pelo desemprego, foi o caldo de cultura para o banditismo tal como conhecemos hoje.

O Brasil entrou num novo ciclo de ampliação das desigualdades na crise do governo de Dilma Rousseff. Apesar da retórica petista e dos programas de transferência de renda do governo, a recessão ampliou os desequilíbrios demográficos e sociais. Além disso, a crise ética mudou o comportamento social das camadas urbanas, que utilizam códigos ou símbolos morais diferentes para entender e resolver seus problemas. O entendimento do direito à propriedade já não é o mesmo. Os que têm o maior interesse em resguardá-lo não o fazem. E o respeito sagrado inoculado na consciência das classes pobres foi profundamente desgastado, como já advertia Guimarães.

Nas entrelinhas: O candidato dos violentos

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