Luiz Carlos AzedoDesemprego

Luiz Carlos Azedo: Verde, amarelo, branco, azul anil

“Crise sanitária, recessão econômica, crise fiscal, desemprego em massa e sinais da volta da inflação nos preços da cesta básica. Entretanto, Bolsonaro está cada vez mais populista”

Tivemos um inédito Dia da Independência sem desfiles militares, por causa da pandemia. O presidente Jair Bolsonaro desfilou em carro aberto, cercado de crianças, no velho Rolls-Royce presidencial, comprado pelo presidente Getúlio Vargas em 1952, em si uma atração à parte. A Esquadrilha da Fumaça, como sempre, riscou o céu de Brasília. Estamos a dois anos do Bicentenário da Independência. Quem tiver mais certezas do que dúvidas sobre o futuro estará errado. São tempos de mudanças vertiginosas em meio a grandes adversidades.

Olhando para metade do caminho percorrido, a década de 1920, houve um turbilhão de coisas que deixaram de pernas para o ar a chamada República Velha. O mundo saía da maior carnificina até então ocorrida na História, a I Guerra Mundial. Pode-se dizer que tudo o que ocorreu depois, no século passado, de alguma forma, foi marcado pelo conflito. Há 110 anos, havia uma grande inquietação cultural e artística, além da radicalização ideológica na qual se confrontaram o comunismo e o fascismo, como alternativas à social-democracia e ao liberalismo, respectivamente. A II Guerra Mundial foi quase uma consequência inevitável, cujo grande ensaio no teatro europeu foi a Guerra Civil espanhola.

No Brasil, havia uma profunda crise de identidade; as instituições republicanas, que constituíam um sistema federativo e a nossa democracia representativa, eram contestadas. Dizia-se que eram estruturas artificiais, não se coadunavam com a realidade social e cultural do país. A Semana de Arte Moderna questionaria os padrões culturais tradicionais, impostos por uma elite formada por ex-senhores de escravos e seus descendentes, propunha a busca de uma identidade nacional moderna, “digerindo” as novas correntes filosóficas e artísticas europeias para produzir uma cultura nacional autêntica. O tenentismo eclodiria com o heroísmo dos 18 do Forte Copacabana, questionando o coronelismo, as fraudes eleitorais, o sistema político. Na mesma época, surgia o Partido Comunista, formado por intelectuais e operários de origem anarquista, cristãos-novos do marxismo. Eram prenúncios de uma crise que iria desaguar na Revolução de 1930 e no Estado Novo.

Muitas incertezas
Olhando para o futuro, o que nos aguarda nos próximos dois anos? É difícil a resposta, já mergulhamos num turbilhão das incertezas. Qualquer análise precisa partir da constatação de que estamos vivendo uma crise múltipla, cuja origem difere de todas as anteriores, em razão da pandemia da covid-19: contabilizamos até ontem 126 mil óbitos e 4,137 milhões de casos desde o início da pandemia, com uma taxa de 60,5 mortos por 100 mil habitantes. Estado mais rico e mais populoso, com o melhor sistema de saúde, São Paulo registra 855.722 casos e 31.353 mortes, o que explica a profundidade da recessão econômica, com a queda na produção industrial de 17,7% no segundo trimestre, em relação a igual período de 2019. O único setor com resultado positivo foi o agronegócio, que cresceu 1,2% no trimestre passado, por causa da recuperação chinesa e do aumento do consumo de alimentos, cujos preços dispararam.

Ninguém sabe quanto tempo a pandemia permanecerá, pois há sinais de uma segunda onda na Itália e na Espanha, mas há esperança de que quatro das vacinas em desenvolvimento no mundo estejam liberadas para aplicação em massa até o final do ano: a americana, a inglesa, a russa e uma das chinesas. O Brasil corre atrás delas, mas é improvável que possamos imunizar a população em menos de um ano. Enquanto a vacina não vem, é melhor ter juízo e manter o isolamento social; porém, não é o que acontece no Brasil. O mau exemplo vem de cima. O presidente da República naturaliza a pandemia e mantém uma ocupação militar no Ministério da Saúde que entrará para os anais da nossa história sanitária, repetindo o triste papel que tiveram na epidemia de meningite, durante o regime militar.

Crise sanitária, recessão econômica, crise fiscal, desemprego em massa e sinais da volta da inflação nos preços da cesta básica. Entretanto, Bolsonaro está cada vez mais populista, para desespero da equipe econômica, que agora lida com uma anistia fiscal no valor de R$ 1 bilhão para as igrejas evangélicas, que o presidente da República quer sancionar. Ou seja, todos os contribuintes terão de pagar o calote dos pastores na Receita Federal. Na política, Bolsonaro só pensa na eleição; nos bastidores, trabalha para liquidar com a Operação Lava-Jato, moeda de troca para livrar os filhos das investigações sobre o caso Fabrício Queiroz. Com o ministro Luiz Fux na presidência do Supremo (tomará posse na quinta-feira), será muito difícil.

Pasmem! A anulação da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silvia, que ontem fez um pronunciamento nas redes sociais com pompa de estadista e cara de candidato, para emular com o de Bolsonaro em cadeia de radio e tevê, passou a ser vista com bons olhos pelos estrategistas do Palácio do Planalto. Já consideram os petistas fregueses de carteirinha e sonham com uma polarização com o petista Lula para reeleger Bolsonaro, sem risco de ter de enfrentar uma candidatura de centro no segundo turno. Até o Bicentenário da Independência, teremos dois anos emocionantes. Oremos!

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Luiz Carlos Azedo: candidato dos violentos

É cultura política arraigada, fingir que a violência não é um problema do presidente da República, é agenda de governador. Era, não é mais

De onde vem a resiliência do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que lidera as pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República com Lula fora da disputa? Com toda certeza, vem da violência presente no cotidiano da população, que tem raízes profundas na sociedade brasileira, por causa do nosso passado escravocrata, mas ganhou contornos de guerra civil não declarada em razão do tráfico de drogas e da explosiva situação dos presídios brasileiros.

Há outras causas para o enraizamento popular de sua candidatura, como o desemprego escandaloso, que atinge 13 milhões de trabalhadores, e a desestruturação da família unicelular patriarcal em decorrência da revolução dos costumes, mas são temas em disputa eleitoral que não foram monopolizados por Bolsonaro. O tema da violência, não, é dele e ninguém tasca, porque Bolsonaro tem uma proposta de tratamento de choque para o problema: a pena de morte. Ou seja, tratar os criminosos com intensidade igual ou superior à natureza de suas ações, em todos os casos. Música para os violentos.

Ironicamente, o maior legado que o presidente Michel Temer deixará para os seus sucessores é a organização do Sistema Unificado de Segurança Pública (SUSP), recentemente criado, cuja implantação está a cargo do ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann. Pela primeira vez na história, o governo federal assumirá responsabilidade em relação ao problema em caráter nacional e permanente. Desde a Constituição de 1924, era assunto dos estados, fazia parte da política de conciliação do poder central com as oligarquias regionais.

O combate à violência era uma das bandeiras de Temer para tentar a reeleição, mas o presidente da República foi engolido pelas duas denúncias do ex-procurador-geral Rodrigo Janot e por investigações em curso da Operação Lava-Jato, sob orientação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Barroso. A economia não cresceu como se esperava e a intervenção federal no Rio de Janeiro, ato de grande repercussão, não deu os resultados que o governo esperava.

A mudança que Temer promoveu foi estrutural e terá resultados a longo prazo, com a criação de um fundo de financiamento do sistema, uma escola de segurança e inteligência e um sistema integrado de dados. Como a abertura comercial feita pelo ex-presidente Collor de Mello, que renunciou ao mandato para evitar o impeachment, somente com o tempo a mudança será sentida pela população. Mas estarão dadas condições efetivas para que o futuro governo lidere o combate à violência e ao crime organizado, que se tornou um problema de segurança nacional.

Acontece que nenhum candidato, com exceção de Bolsonaro, pretende tratar desse assunto como prioridade. É cultura política arraigada, fingir que a violência não é um problema do presidente da República, é agenda de governador. Era, não é mais. Vejam o caso do governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB). Em 2010, deixou o governo com uma crise nos presídios que arranhou sua imagem de político comprometido com os direitos humanos e a questão social. Agora, encerra o terceiro mandato sem condições de disputar a reeleição, desgastado em razão da crise do sistema de segurança pública capixaba, cujo ápice foi a greve dos policiais militares.

Classes perigosas

Um dos intérpretes do Brasil, o alagoano Alberto Passos Guimarães (1908-1993), autor de Quatro séculos de latifúndio, foi um dos primeiros a estudar o fenômeno da criminalidade (ou da criminalização, como preferem estudiosos do tema) e da violência nos grandes centros urbanos brasileiros, no rastro dos seus estudos sobre a questão agrária e a urbanização do país.

Na obra As classes perigosas — banditismo urbano e rural (Editora UERJ), publicada em 1982, fez um diagnóstico preciso do problema: “À violência dos criminosos se junta à violência das próprias vítimas e, a essas duas, uma terceira se vem juntar: a violência dos órgãos policiais, que, pouco fazendo para prevenir o crime, querem compensar sua ineficácia tentando inútil e injustificadamente eliminar o crime aumentando o grau de ferocidade da repressão”.

A “via prussiana” de modernização do país, durante o regime militar, gerou um contingente populacional “excedente”, que fora expulso do campo pela mecanização da agricultura, e despreparado para ser absorvido nos marcos da urbanização. Houve desestruturação de grande número de famílias, cuja pauperização, pela concentração da propriedade da terra e pelo desemprego, foi o caldo de cultura para o banditismo tal como conhecemos hoje.

O Brasil entrou num novo ciclo de ampliação das desigualdades na crise do governo de Dilma Rousseff. Apesar da retórica petista e dos programas de transferência de renda do governo, a recessão ampliou os desequilíbrios demográficos e sociais. Além disso, a crise ética mudou o comportamento social das camadas urbanas, que utilizam códigos ou símbolos morais diferentes para entender e resolver seus problemas. O entendimento do direito à propriedade já não é o mesmo. Os que têm o maior interesse em resguardá-lo não o fazem. E o respeito sagrado inoculado na consciência das classes pobres foi profundamente desgastado, como já advertia Guimarães.

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