Henrique Herkenhoff: O gato de botas

 Quase toda semana aparece a notícia de alguém morto por um tiro que errou o alvo. Torna-se particularmente simbólico quando se atinge uma criança, não apenas porque é mais comovente, mas também porque não é possível justificar de maneira alguma, então não cabem raciocínios escapatórios de nossa realidade.
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil/Arquivo/Abril_2015
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil/Arquivo/Abril_2015

Quase toda semana aparece a notícia de alguém morto por um tiro que errou o alvo. Torna-se particularmente simbólico quando se atinge uma criança, não apenas porque é mais comovente, mas também porque não é possível justificar de maneira alguma, então não cabem raciocínios escapatórios de nossa realidade.  Disparos de armas de fogo podem acertar quem não tinha nada a ver com a história, mas sempre havia um destinatário; vítimas de balas perdidas e criminosos mortos não são acontecimentos separáveis; então, se quisermos “brincar de faroeste”, devemos admitir também em que Alice nunca viveu no país das maravilhas.

Há duas questões bem diferentes envolvidas, e não podemos misturá-las: uma coisa são confrontos entre policiais e suspeitos, outra são disputas entre criminosos. No primeiro caso, pode haver um controle mais direto de nossos governantes, que podem escolher estratégias menos agressivas ou arriscadas para a população. Não que seja fácil, mas há um domínio direto por parte de quem toma as grandes decisões políticas. Já os duelos entre traficantes que disputam território ou acertam contas parecem – apenas parecem – fugir inteiramente à influência de nossas opções. No ES, felizmente, temos percorrido caminhos bem mais racionais e efetivos do que em outros estados e não é à toa que, embora muito longe do ideal, estamos melhorando sistematicamente nossa segurança.

De um lado, tem prevalecido o profissionalismo de nossas autoridades, e o número de vítimas da atividade policial, suspeitas ou não, vem sendo baixo. De outro, ainda que com muitas vozes contrárias, temos seguido de maneira consistente a máxima de que uma vida sempre vale… uma vida. Mais uma vez, é preciso chamar a atenção para a falsa oposição entre garantir direitos humanos ou dar tranquilidade à população. A única maneira de evitar que uma menininha seja apanhada numa troca de tiros entre traficantes é diminuir a quantidade desses combates urbanos. Ponto final. Ao mesmo tempo, se você não sabe aonde quer chegar, nenhum caminho serve.

Priorizar a preservação da vida, reprimir preventivamente o porte ilegal de armas, investigar a fundo os homicídios – cada um deles – e outras medidas semelhantes são o único caminho e têm claramente funcionado para os capixabas. Não há maneira de proteger só os “cidadãos de bem”; a violência aumenta ou diminui para todos, mocinhos e bandidos, xerifes e pistoleiros, crianças e adultos. E já que está dando certo, vamos seguir aquele velho ditado: não se mexe em time que está ganhando.

*Henrique Geaquinto Herkenhoff é professor do mestrado em segurança pública da UVV

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