DW Brasil: Qual será o legado da presidência de Trump?

Os quatro anos de mandato do republicano deixarão marcas que devem ser sentidas por décadas, da economia e do Judiciário americanos à relação dos EUA com o mundo.
Foto: Tia Dufour/White House
Foto: Tia Dufour/White House

Os quatro anos de mandato do republicano deixarão marcas que devem ser sentidas por décadas, da economia e do Judiciário americanos à relação dos EUA com o mundo

Gerações futuras terão que se confrontar com o legado de Trump.

Após quatro tumultuosos anos, a presidência de Donald Trump chega ao fim nesta quarta-feira (20/01), deixando um legado misto, a ser estudado por décadas.

Desde que o magnata imobiliário e astro de reality TV adentrou a Casa Branca, seu governo esteve infestado por controvérsias e escândalos. A reação atrasada à pandemia de covid-19, seu papel no violento ataque ao Capitólio , em Washington, em 6 de janeiro, assim como o segundo impeachment, vão se sobrepor a qualquer coisa que ele haja implementado em seu mandato.

Talvez mais do que o de qualquer outro presidente dos Estados Unidos, o legado trumpista será visto por duas lentes fortemente contrastantes. Conservadores, a abastada classe empresarial e a direita religiosa o reverenciarão como um dos grandes presidentes de todos os tempos.

A maioria dos americanos, entretanto, o condenará com desprezo, como evidencia uma consulta popular do Pew Research Center, segundo a qual Trump deixa o cargo com apenas 29% de aprovação, a pior de toda a sua presidência.

Isso, porém, não impede adeptos e aliados de o louvarem por ter abalado as bases do establishment e implementado rapidamente parte das promessas de sua campanha eleitoral de 2016.

Onda conservadora no Judiciário

O impacto de Trump sobre o sistema judiciário federal certamente será seu legado mais duradouro, a ser sentido por gerações futuras. Ele nomeou três juízes para cargos vitalícios na Suprema Corte, cimentando o maior viés conservador do órgão, com repercussões que vão desde os direitos LGBTQ+ e de reprodução, até a assistência de saúde, imigração e políticas trabalhistas.

Além disso, Trump indicou mais de 200 juízes para os tribunais federais, os quais decidirão em favor dos republicanos e conservadores em suas magistraturas vitalícias.

“Esse foi o acerto que ele fez com a direita evangélica e com as elites do Partido Republicano, e colocou esses juízes”, afirma Michael Cornfield, professor associado e diretor de pesquisa do Centro Global de Gestão Política da Universidade George Washington.

De acordo com um relatório de 2019, um de cada quatro dos atuais juízes das circuit courts americanas foi nomeado por Trump, todos ferrenhos conservadores ideológicos, cumprindo uma promessa de campanha feita a seu eleitorado.

Gordos cortes tributários para os ricos

Trump terminou seu primeiro ano no cargo assinando uma lei que trouxe enormes e permanentes cortes dos tributos corporativos, de 35% para 21%. Também houve redução dos impostos das pessoas físicas, embora essas mudanças tenham sido temporárias e menos significativas.

Os cortes representaram uma bonança para os mais ricos dos EUA e os grandes conglomerados, muitos dos quais aplicaram o dinheiro extra na recompra de ações e em bônus para os executivos, em vez de aumentar os salários de seus empregados.

Tais medidas também poderão deixar em apuros os contribuintes: o apartidário Departamento Orçamentário Congressional estimou que eles acrescerão em US$ 1,9 trilhão o déficit americano nos próximos dez anos.

Além disso, os críticos do ainda presidente temem que os baixos assalariados e os mais vulneráveis é que vão pagar o pato, já que os conservadores consideram equilibrar o orçamento cortando programas de seguridade social.

Derrubar e renegociar acordos

Trump ascendeu ao poder, em parte, graças à promessa de derrubar e renegociar antigos acordos comerciais entre e os EUA e outros países. E cumpriu, embora muitas vezes de modo caótico, desencadeando guerras comerciais com a China e trazendo insegurança às empresas nacionais.

Por outro lado, Trump conseguiu anular um pacto comercial crucial, o Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio (Nafta, na sigla em inglês), que ele tachara de “pior acordo comercial do nosso país” e datava do governo Bill Clinton, substituindo-o por um acordo renegociado, que até mesmo seus críticos reconheceram ser melhor.

O substituto, denominado Acordo Estados Unidos-México-Canadá, inclui proteções trabalhistas mais modernas, assim como cláusulas ambientais e trabalhistas reivindicadas por muitos críticos de Trump no Congresso. Até mesmo alguns dos críticos mais severos do magnata – como a presidente da Câmara dos Representantes, democrata Nancy Pelosi – admitiram que o pacto renegociado é melhor que o Nafta.

“America first”, o circo

As conquistas da administração Trump não são sempre aferidas por suas medidas políticas, mas por terem alterado o modo como os americanos e o mundo veem Washington. A agenda “America first” era muitas vezes vaga, mas fez o resto do mundo prestar atenção.

Nos estágios iniciais da campanha eleitoral de 2016, Trump zombou das políticas exteriores e comerciais do governo Barack Obama. Num artigo de opinião em 2015, ele as condenou como “desorientadas e incompetentes”, assegurando que uma “administração Trump vai nos transformar novamente em vencedores”.

A partir daí, ele governaria de maneira anticonvencional e imprevisível. Na avaliação de Jason Grumet, presidente do Bipartisan Policy Center de Washington, o “presidente Trump antagonizou numerosas instituições” e “rompeu as normas de governos  anteriores”.

E ele levou esses métodos anticonvencionais até o palco internacional, abalando normas diplomáticas de longa data. Em 2017, retirou seu país do Acordo do Clima de Paris, acusando-o de ser “injusto no maior grau com os Estados Unidos”.

Além disso, detonou o Acordo Nuclear do Irã, transferiu arbitrariamente a embaixada americana em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, e tentou estabelecer laços diplomáticos com o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un.

“Tuiteiro-Chefe” e seu eleitorado dos despossuídos

Muito disso tudo Trump realizou através de sua conta do Twitter. Apesar de ela agora estar suspensa, ele teve impacto inegável sobre a forma como as redes sociais podem usadas para fazer campanha política e governar.

Ele usou as postagens para estabelecer sua marca política e, durante toda sua legislatura, atacar adversários políticos, demitir altos funcionários do governo e interagir diretamente com seus leais seguidores. Isso lhe valeu o apelido de “Tweeter-in-Chief” (“Tuiteiro-Chefe”).

“O presidente Obama utilizava as redes sociais de um jeito que era mais tradicional”, comenta Jason Mollica, diretor de currículo da escola de comunicação da American University: Trump “rompeu a forma como vemos a mídia social”.

Graças a sua abordagem bombástica e tiradas frequentes, passou a ser venerado por um bloco eleitoral composto por indivíduos majoritariamente brancos e evangélicos, que alegam ter sido despossuídos pelas assim chamadas “elites de Washington”. Isso trouxe novo reforço ao Partido Republicano.

“Politicamente, ele conseguiu reunir uma coalizão que eles [os republicanos] nunca haviam visto antes”, comentou à DW Laura Merrifield Wilson, professora assistente de ciência política da Universidade de Indianápolis. “Ele trouxe o seu próprio nicho de apoio.”

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