Projeto de Lei que muda licenciamento ambiental representa o ‘desmonte da regulação ambiental’ e ameaça intensificar poluição e perda de biodiversidade, aponta Paulo Lyra
Comunicação FAP
Brasília – O Projeto de Lei (PL) 2159/2021, que propõe alterações significativas no licenciamento ambiental brasileiro e tramita no Congresso Nacional, gera confronto entre “uma visão desenvolvimentista de curto prazo e a negação de riscos que podem acontecer se esse tipo de legislação for implementada”. Essa análise é do conselheiro consultivo da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ligada ao Cidadania 23, jornalista Paulo Lyra, que alertou para os riscos da proposta, nesta quinta-feira (5/6), Dia Mundial do Meio Ambiente. Segundo ele, a principal consequência da aprovação da proposta é o “desmonte da regulação ambiental no Brasil”.
Especialista em meio ambiente e saúde, com ampla atuação no Brasil e no mundo, Lyra disse que os riscos do PL 2159 são “muito grandes” para as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade e o impacto humano direto, incluindo poluição e catástrofes ambientais como a de Brumadinho. “A porteira está aberta com esse novo projeto de lei”, criticou. Nos últimos 25 anos, ele atuou nos escritórios da ONG ambientalista WWF e da OPAS, ambos em Washington (EUA), contribuindo para respostas contra desmatamento, mudanças climáticas, epidemias de HIV e COVID-19, além de emergências globais de saúde na América Latina e na Ásia.


































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Grandes retrocessos
Lyra considera alguns aspectos do projeto como grandes retrocessos. Um deles é a “licença de adesão e compromisso”, pela qual o próprio empresário ou agricultor declara que sua atividade não apresenta problemas e garante que está tudo certo, eximindo-se da necessidade de apresentar Estudos de Impacto Ambiental (EIA) ou Relatórios de Impacto Ambiental (RIMA). Estudos iniciais indicam que até 90% dos projetos de pequeno e médio porte, inclusive na mineração, poderiam ser aprovados por essa nova licença, bastando que o empresário assegure o cumprimento da legislação e o mínimo impacto.
Outro ponto de preocupação é a “licença ambiental especial”. Segundo Lyra, trata-se de uma licença “política” que permitiria a um presidente da República, em determinadas circunstâncias, aprovar um projeto de infraestrutura de grande porte, como a exploração de petróleo na margem equatorial, sem a aprovação obrigatória do órgão ambiental.
O projeto de lei também inclui várias cláusulas menores que flexibilizam a legislação, principalmente para o agronegócio. Lyra ressalta que, apesar de o agronegócio ser fundamental para alimentar a população brasileira, o país é o campeão mundial no uso de pesticidas, com impactos graves em comunidades, especialmente na Amazônia, necessitando de um caminho mais sustentável.
“Drástica regulação”
Além disso, embora não signifique o “fim de um licenciamento ambiental”, o PL 2159 é considerado por Lyra uma “drástica regulação, uma drástica redução dos instrumentos de licenciamento ambiental”. Ele reconhece que há espaço para alguma flexibilização e modernização dos instrumentos de licenciamento, que são mais antigos, incorporando a evolução da ciência e da transparência, buscando maior integração entre as esferas federal, estadual e municipal e considerando lições aprendidas.
No entanto, o especialista adverte contra a debilitação desses instrumentos a ponto de praticamente deixarem de existir. Um risco adicional é que o projeto transfere, em alguns casos, a responsabilidade do licenciamento para municípios que, muitas vezes, não possuem a capacidade técnica para analisar, gerir e acompanhar grandes projetos agropecuários e de mineração.
Consequências práticas
Para a população em geral, na avaliação de Lyra, a aprovação do PL pode significar, na prática, a “ameaça intensificar a poluição, o desmatamento, o aumento das emissões de gás de efeito estufa, a redução ou a perda da biodiversidade e, também, intensificar as desigualdades sociais”.
Lyra destaca que o meio ambiente é um desafio de longo prazo e coletivo, o que dificulta a compreensão da opinião pública. Embora a consciência sobre as mudanças climáticas tenha evoluído, mesmo em setores mais conservadores, essa mesma percepção ainda não existe para outros fatores, como a perda de biodiversidade. O Brasil, país com a maior biodiversidade do mundo e biomas como Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica, é especialmente vulnerável.
Lyra aponta que o PL enfraquece “muito a proteção da Mata Atlântica”, com uma cláusula específica no texto. Ele acredita que o que mais afeta os brasileiros no dia a dia é a poluição, a contaminação dos rios. “É, por exemplo, um desastre ambiental, como ocorreu em brumadinho, Minas Gerais”, eventos que podem se tornar mais frequentes com a flexibilização.
Em sua avaliação, apesar dos problemas, o Brasil ainda possui uma grande área conservada e protegida. O principal desafio, para além do PL, seria “manejar esses recursos de uma maneira inteligente”, explorando o potencial de florestas nacionais para produção sustentável, concessões florestais e projetos de agricultura compatíveis com a manutenção dos biomas.
Lyra reconhece que existia uma “chance real” de o projeto ser aprovado como está. No entanto, ele percebe que, “finalmente, a opinião pública, nacional e também internacional, começa a se levantar contra o projeto”. Isso pode levar a algum tipo de alteração no texto. Apesar disso, ele manifesta dúvidas sobre a capacidade do governo de realizar vetos significativos caso o projeto seja aprovado, pois estes poderiam ser derrubados pelo Congresso.