César Felício: O poder da palavra

Para Doria, há a vacina; e para Bolsonaro, a economia.
Foto: Facebook/João Doria
Foto: Facebook/João Doria

Para Doria, há a vacina; e para Bolsonaro, a economia

As eleições de 2022 já começaram há muito tempo, talvez ainda antes da eleição do presidente Jair Bolsonaro há quatro anos, mas ganharam tração evidente com a conclusão da eleição municipal. Está presente desde então em cada um dos atos, palavras e omissões de Jair Bolsonaro, João Doria, Bruno Covas, Luiz Inácio Lula da Silva, Jaques Wagner, Ciro Gomes, Guilherme Boulos e Alexandre Kalil, entre outros.

Um exemplo, entre muitos, foi o anúncio feito ontem pelo governador João Doria de que “os brasileiros de São Paulo” começarão a ser vacinados contra covid-19 no mês que vem. Se ele realmente tem poder para fazer isso, ou se terá que ter o aval de outras instâncias, é algo ainda a ser esclarecido. A ocasião serviu, contudo, para o governador registrar a “ falta de compaixão com a vida dos brasileiros” do governo federal, que demonstra pouquíssima pressa em iniciar a vacinação, a despeito de todos os custos humanos, sociais, econômicos e políticos envolvidos nessa decisão.

A retórica e a prática anticientífica também são cálculo político de Bolsonaro. O presidente é um homem de redobrar as apostas, e já durante a campanha percebeu que o negacionismo mobiliza seus fiéis. Um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV, feito ainda em outubro, mostra que houve um grande volume no YouTube de vídeos negativos sobre vacinas em geral e da Coronavac em particular, coisa como 15 milhões de visualizações.

Com baixa inserção nacional e amplamente rejeitado nos grandes centros de São Paulo, o governador tucano pode virar o jogo se a vacina produzida no Butantã em parceria com os chineses se comprovar eficaz.

Bolsonaro tenta minar o adversário, mas vive o seu próprio desafio. Será um complicador para o presidente viabilizar a sua reeleição se uma percepção negativa em relação à economia predominar. Fim do auxílio emergencial, desemprego em alta e o repique da inflação não ajudam a diminuir essa percepção.

É preciso pelo menos dominar a narrativa, e nesse sentido a recuperação do PIB, com o crescimento trimestral do PIB de 7,7%, foi muitíssimo bem vinda. O resultado ficou abaixo das expectativas do mercado, mas foi festejado nas redes com hastags mencionando “Bolsonaro 2022”, “Bolsonaro até 2026” ou coisas assim. A consistência da recuperação é tema para debate, mas a sequência recessiva foi quebrada. Politicamente é o que basta, por ora.

A exceção

Em abril de 2018, a executiva do mercado financeiro Cristina Monteiro recebeu um e-mail do Novo fazendo um chamamento para que ela entrasse no processo seletivo da sigla para concorrer a deputada estadual em São Paulo. O partido estava com dificuldades de cumprir a cota de 30% de candidaturas de mulheres. Ela não teve muitas dúvidas em largar 30 anos de trabalho em bancos e consultorias americanas, que lhe proporcionaram um patrimônio declarado de R$ 18 milhões, para entrar na corrida eleitoral de modo improvisado. Pegou a quarta suplência e deixou de ser eleita por 4 mil votos. Foi a eleição mais “outsider” do Brasil.

Este ano, Cristina foi candidata a vereadora, com convicção absoluta não só de que ganharia como a de que haveria muito mais casos como o dela na Câmara paulistana. Não foi o que aconteceu. Ela foi eleita, mas com 19 mil votos, menos do que esperava. O Novo conseguiu apenas duas vagas e o Patriotas, que abriga integrantes do MBL, também de corte liberal e “outsider”, ficou com três.

Cristina contou com a retaguarda da Rede de Ação Política de Sustentabilidade (Raps), ONG de capacitação política que nasceu de uma iniciativa de empresários, há oito anos. O Raps viu 17 de seus integrantes se elegerem prefeitos e 40 se tornarem vereadores, mas a maioria deles já tinham estrada política. “O eleitor não rechaçou os políticos com bagagem. Privilegiou gestões que se mostraram referência em relação à covid, por exemplo”, comentou a diretora executiva da entidade, Mônica Sodré.

A vereadora do Novo tornou-se assim exceção, não tendência. Chega à Câmara procurando ser realista e pragmática. Não quer comprar briga com os caciques tradicionais da política paulistana que devem continuar dando as cartas no Legislativo local. “A gente tem que escolher as guerras que quer entrar e fazer a política da boa vizinhança”, comentou.

Rota de fuga

Crise econômica e social, por um lado, e possíveis mudanças em controles migratórios, por outro, podem consolidar a rota de fuga do Brasil para os Estados Unidos. Mesmo com Trump, há indícios claros de que cresceu o interesse da colônia brasileira naquele país em fincar raízes por lá. A pista está em levantamento de um escritório de advocacia americano especializado no tema, o AG, com base em dados do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos.

Em 2012, último ano do governo Obama e do Brasil sem crise social e econômica, 11.441 brasileiros nos Estados Unidos obtiveram o “green card”. Em 2019, o primeiro da era Bolsonaro e o último de um Trump em sua plenitude, foram 19.825. Quase o dobro. Outra ferramenta, a do TRAC, um centro de estudos da Universidade de Syracusa, sugere que o número de indocumentados também aumentou no período.

O número de procedimentos de deportação passou de 1.399 em 2012 para 15.939 em 2019. Um salto de mais de dez vezes. O número chama a atenção sobretudo em comparação com 2018, quando foram abertos 5.986 procedimentos. No primeiro ano das especialíssimas relações de Bolsonaro com o governo republicano, o contingente quase triplicou.

Houve mais disposição de Trump em deportar, mas também mais empenho de brasileiros em fazer a América.

Segundo um advogado da AG, o brasileiro Felipe Alexandre, morador em Los Angeles há 32 anos, a expectativa é de um trato muito mais suave de Joe Biden em relação tanto à deportação de imigrantes quanto a de concessão de vistos definitivos para quem está no país legalmente. O empecilho momentâneo para 2021 é o sanitário, uma vez que o acesso de brasileiros aos Estados Unidos está limitado pela covid-19.

Terminada a pandemia, com um governo democrata em Washington e o Brasil enfiado no desenredo que se encontra, tudo indica que o fluxo ganhará força.

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