Ascânio Seleme: Maquiagem antivergonha

Para os partidos, mudar de nome só serve como última alternativa para refrescar sua imagem e sanitizar seu legado. O caso mais emblemático e histórico é o da Arena O tsunami de corrupção que atravessa o país de maneira sistemática ao longo de décadas, e de modo crescente desde o mensalão, tem feito partidos políticos e empresas pensarem em alternativas para sobreviver ao mar de lama. Criativos e engenhosos, partidos e empresas envolvidos em escândalos estão, vejam só, mudando de nome.
Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil

Para os partidos, mudar de nome só serve como última alternativa para refrescar sua imagem e sanitizar seu legado. O caso mais emblemático e histórico é o da Arena
O tsunami de corrupção que atravessa o país de maneira sistemática ao longo de décadas, e de modo crescente desde o mensalão, tem feito partidos políticos e empresas pensarem em alternativas para sobreviver ao mar de lama. Criativos e engenhosos, partidos e empresas envolvidos em escândalos estão, vejam só, mudando de nome. Algumas empresas mudaram suas cores, outras alteraram suas marcas, quase todas trocaram o nome. Em todos os casos, trata-se de simples maquiagem para esconder seus vínculos com esquemas de corrupção ou associações esquisitas.

Um estudo sobre este processo de maquiagem foi feito pelas advogadas Maria Pia Bastos-Tigre Buchheim e Stella Mouzinho, sócias em um escritório de advocacia. Elas veem uma tendência que deve ser repetida nos próximos meses por empresas que queiram se descolar de episódios negativos. Mesmo empresas que não se envolveram diretamente em falcatruas, mas têm sócios ou parcerias encrencadas, estão fazendo ou vão fazer este movimento. Com novo nome, o passado assombroso não desaparece, mas fica menos visível.

Vejam o caso de quatro empresas subsidiárias da Odebrecht, a principal empreiteira do escândalo PT/Petrobras. A Braskem, braço petroquímica da empresa, mudou sua identidade visual e trocou a cor predominante do vermelho para o azul. A Odebrecht Óleo e Gás mudou o nome para Ocyan. A Odebrecht Realizações Imobiliárias virou OR, e a Odebrecht Agroindustrial atende agora pelo nome de Atvos. É assim que caminha o processo de descontaminação da marca mãe, que pretende alcançar todo o grupo.

Outro nome bem conhecido dos brasileiros pelo seu envolvimento na Lava-Jato, a empreiteira Camargo Corrêa, mudou seu nome para Mover, tentando sepultar a velha fama e seguir adiante. Em seu site o grupo diz que mudou de nome com um “forte desejo de fazer diferente”. O Grupo Schahin, também investigado pela força tarefa de Sergio Moro, deixou um rombo de R$ 6 bilhões na praça, mas tenta seguir suas atividades agora sob o nome de Base Engenharia e Serviços de Petróleo e Gás.

Ainda no ramo do petróleo, a norueguesa Statoil está mudando seu nome para Equinor. Alega que se adapta a novos tempos, em que exploração de energia vai além do combustível fóssil, e que o nome Equinor significa igualdade (Equal) norueguesa (Nor). Pode ser, mas é fato também que a Statoil tem lama até o pescoço. Envolvida em casos de corrupção em Angola e outros países africanos, no Brasil se associou à manjada empreiteira Queiroz Galvão.

Duas outras empresas na lista das advogadas são a HRT Petróleo, que virou PetroRio, e a menos criativa de todas, a Engevix, que foi rebatizada de Nova Engevix. Pode ser que a palavra Nova empreste alguma sobriedade à empresa, mas o fato é que a velha Engevix foi apanhada no esquema de corrupção da Petrobras, e seu vice-presidente Gerson Almada acabou preso no mesmo processo que encarcerou o ex-ministro José Dirceu.

As antigas empresas de Eike Batista, que tinham sempre a letra X em sua nomenclatura, mudaram de donos e de nomes. A outrora famosa OGX virou Dommo Energia. A MPX mudou seu nome para Eneva. A LLX, empresa que opera o mega Porto de Açu, passou se chamar Prumo Logística. Todas elas fizeram a mudança para sair da sombra de Eike e da sua ruína.

Para os partidos políticos, mudar de nome só serve mesmo como última alternativa para refrescar sua imagem e sanitizar seu legado. O caso mais emblemático e histórico é o da Arena, partido que apoiou a ditadura e que com a redemocratização do país mudou seu nome para PFL, depois para DEM e hoje se chama Democratas. O partido de oposição ao regime militar, o MDB, passou a ser PMDB para se adaptar a uma mudança imposta pela lei eleitoral manipulada que obrigou partidos a ter um P em seu nome.

Hoje, décadas depois, o PMDB voltou a se chamar MDB, mas em nada se parece com o partido de Ulysses Guimarães e Tancredo Neves. O PTN, Partido Trabalhista Nacional, fundado para absorver a migração do velho trabalhismo getulista e brizolista, virou Podemos. Continua com os mesmos donos. O PEN, fundado como Partido Ecológico Nacional, hoje é o Patriota. O presidente do partido, evangélico da Assembleia de Deus e autodeclarado conservador, andou atrás de Bolsonaro, que o esnobou. O PTdoB, outro dissidente do trabalhismo, virou Avante.

E assim seguimos.

* Ascânio Seleme é jornalista

 

Privacy Preference Center