Luiz Carlos Azedo: O cisne negro

A Operação Lava-Jato “coesiona” a base do governo e a política econômica reaproxima as elites empresarial e política, refazendo o pacto de governabilidade em favor de Temer
Foto: Beto Barata/PR
Foto: Beto Barata/PR

A Operação Lava-Jato “coesiona” a base do governo e a política econômica reaproxima as elites empresarial e política, refazendo o pacto de governabilidade em favor de Temer

O cientista político Marcus André Melo, num ensaio instigante intitulado “A malaise política no Brasil: causas reais e imaginárias” (Journal of Democracy, outubro de 2017), compara a crise brasileira a um cisne negro, resultado de uma rara conjugação: “Uma crise econômica de grande envergadura e um escândalo de corrupção de proporções ciclópicas”. A situação foi agravada pelo impacto fiscal das desonerações e subsídios do governo Dilma, pelo fato de que as Olimpíadas e a Copa do Mundo possibilitaram a expansão fiscal acelerada e devido à exposição da corrupção sem paralelo em regimes democráticos. A reeleição de Dilma, nesse contexto, para ele, foi um “estelionato eleitoral”.

Crise econômica e corrupção corroeram a popularidade do governo Dilma, o que levou a um inédito enfraquecimento do Executivo, em razão da mobilização das ruas e do esfacelamento da base de sustentação parlamentar do governo. Melo destaca esses elementos para contestar avaliações que ignoram o cisne negro, ou seja, a excepcionalidade da crise. Contesta avaliações de que o sistema político brasileiro entrou em falência. Para ele, “a fragilização inédita do Executivo e de autonomização das instituições de controle lato sensu”, no caso o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, jogaram um papel decisivo no impeachment de Dilma, que somente ocorreu porque houve um choque frontal entre o Executivo e o Congresso. “Não havia nada inexorável em jogo”, ressaltou.

O impeachment não foi resultado do colapso do presidencialismo de coalizão brasileiro, mas fruto da interação estratégica entre seus atores, sob condições extraordinárias. “A bomba atômica não era para ser usada: era só arma dissuasória — para atores como o PSDB — ou de extração de rendas — para o PMDB — em típica lógica hospedeiro-parasita. Mas a barganha não prosperou, entre outras razões, pela incapacidade do Executivo em oferecer promessas críveis de que podia conter a Lava-Jato.”

Resumo da ópera: Dilma foi à lona por causa da Lava-Jato, da recessão, do encolhimento eleitoral do PT na sua reeleição, do estelionato eleitoral e dos custos sociais de seu ajuste fiscal. Mas, sobretudo, da teimosia de Dilma Rousseff ao confrontar o PMDB, especialmente dois caciques que estavam mais alinhados entre si do que se imaginava: Eduardo Cunha, então presidente da Câmara, e Michel Temer, vice-presidente da República. O primeiro foi pego pela Lava-Jato e está preso; o segundo, porém, está na cadeira de presidente da República, apesar das duas denúncias contra ele, a segunda em vias de ser rejeitada pela Câmara.

As diferenças

Chegamos ao ponto que mais nos interessa. Michel Temer assumiu o governo com o país em recessão e seu governo acuado pela Lava-Jato, mas as circunstâncias do impeachment, que poderia ter sido evitado por Dilma, não se repetiram em sua gestão, apesar do mal-estar político que o país ainda vive. Há, pelo menos, duas grandes diferenças: a Operação Lava-Jato “coesiona” a base de seu governo; não provoca a sua completa desestruturação. A nova equipe econômica sob comando do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, reaproximou a elite econômica da elite política, refazendo o pacto de governabilidade. Essa é a razão da sobrevivência de Temer, o primeiro presidente da República a ser denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) no exercício do cargo, duas vezes.

Melo conclui que não houve um esgotamento do presidencialismo de coalizão. “É um truísmo”, dispara. Depois de resgatar os autores do conceito — Afonso Arinos, no pós-1945, com seu “presidencialismo de transação”; e Sérgio Abranches, que cunhou a nova expressão, após a Constituição de 1988) —, destaca que dois terços das atuais democracias do mundo são presidencialistas ou semipresidencialistas e governadas por coalizões multipartidárias. A diferença de uma situação para a outra, porém, é que a primeira não tinha uma instância de arbitragem entre o Legislativo e o Executivo, grande lacuna apontada por Arinos, um dos fatores das crises que desaguaram no golpe militar de 1964.

Ao contrário, agora, constata-se a emergência do Supremo Tribunal Federal (STF) como moderador dos conflitos entre o Executivo e o Legislativo e protagonista de uma mudança que pode realmente implodir a corrupção sistêmica, com os julgamentos da Operação Lava-Jato. Executivo e Legislativo, porém, se uniram para conter esse protagonismo, o que também corrobora a tese de que o presidencialismo de coalizão sobreviverá. Basta chegar ao pleito de 2018.

 

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