Day: dezembro 2, 2021

"Arquiteto depende da livre disposição da força de trabalho alheio”, diz livro

João Vitor*, da equipe FAP

Em sua obra O arquiteto: a máscara e a face, Paulo Bicca afirma que “o arquiteto depende da livre disposição da força de trabalho alheio”, isto é, da exploração e da dominação do operário da construção civil. Ele discutirá o assunto, nesta quinta-feira (02/12), a partir das 17 horas, em webinar sobre modernismo na arquitetura brasileira.

O evento online será realizado pela Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo (FAP), sediada em Brasília. O público poderá assistir ao vivo no canal da fundação no Youtube, na página da entidade no Facebook e na rede social da biblioteca. Além do próprio autor Paulo Bicca, a arquiteta Silke Kapp e o pesquisador e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Holanda confirmaram presença no debate.

Assista!



Com citações a Karl Marx, o livro Paulo Bicca aponta que “o fato de o arquiteto ser o suporte de um trabalho intelectual dividido do trabalho manual faz da sua existência algo de profundamente social e inevitavelmente comprometido com as contradições daí resultantes”.

Além do escritor alemão, a obra apresenta referências a Lúcio Costa sobre a comparação entre arquiteto e artista. “O artista se alimenta da própria criação, muito embora anseie pelo estímulo de repercussão e do aplauso como pelo ar que respira”, afirma um trecho do livro, em alusão ao pioneiro da arquitetura modernista no Brasil.

Arquiteto e urbanista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Paulo Bicca usa trecho de O Capital, de Karl Marx, para dizer que a profissão exercida é, antes de tudo, forma de sobrevivência e melhor posicionamento na divisão social.

Ele explica que a cooperação entre trabalhador e capital só começa no processo de trabalho: “Os trabalhadores são indivíduos isolados que entram em relação com o capital, mas não entre si”.

O autor defende que o profissional tem sua existência determinada por aquilo que é básico às sociedades divididas em classes. “Ele participa inexoravelmente, de modo mais ou menos consciente, pouco importa, da reprodução de uma sociedade estribada na propriedade e posse privadas dos bens materiais e dos homens”, afirma, no livro.

A obra de Paulo Bicca, que será discutida no webinar da FAP, tem 225 páginas e foi editada pela Projeto.

*Estagiário integrante do programa de estágios da FAP, sob supervisão do jornalista Cleomar Almeida

Ciclo de debates - O modernismo na arquitetura brasileira
Webinário sobre O arquiteto: a máscara e a face
Dia: 02/2021
Transmissão: a partir das 17h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira

CONFIRA EVENTOS ANTERIORES




Bruno Boghossian: O André Mendonça aprovado para o STF teria sido demitido por Bolsonaro

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

No governo, André Mendonça fez de tudo para conquistar Jair Bolsonaro. Tentou intimidar críticos do presidente, defendeu comemorações oficiais do golpe de 1964 e sustentou que "os verdadeiros cristãos estão dispostos a morrer" para manter templos religiosos abertos na pandemia. Tamanha sintonia garantiu a ele uma indicação ao STF.

Outro André Mendonça apareceu na sabatina do Senado. Ele disse que só acionou a Polícia Federal contra opositores do governo porque o presidente se sentiu ofendido, afirmou que não há espaço para retrocessos democráticos e se comprometeu com o Estado laico. Com a pirueta, conseguiu um apoio extra para garantir uma cadeira no tribunal.

O André Mendonça aprovado nesta quarta (1º) não teria sido indicado por Bolsonaro ao STF –teria sido demitido antes disso. O novo ministro tentou se descolar da imagem do presidente e reduzir o aspecto religioso de sua escolha. É difícil saber qual personagem vai aparecer na corte nos próximos 26 anos.


Plenário do Senado aprova André Mendonça para o STF. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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Plenário do Senado aprova André Mendonça para o STF. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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Plenário do Senado aprova André Mendonça para o STF. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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Plenário do Senado aprova André Mendonça para o STF. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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Plenário do Senado aprova André Mendonça para o STF. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Plenário do Senado aprova André Mendonça para o STF. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
Plenário do Senado aprova André Mendonça para o STF. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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Bolsonaro nunca escondeu que a religião de Mendonça era uma credencial para aquela indicação. Na sabatina, o escolhido se esquivou de temas espinhosos e disse que seguiria a Bíblia na vida, mas a Constituição no STF. Meses atrás, ele fez questão de levar a Bíblia ao Supremo: citou um versículo de Matheus para defender cultos religiosos nas fases críticas da pandemia.

Com o novo discurso, Mendonça acalmou alguns parlamentares. Ele adoçou o plenário com a promessa de não "criminalizar a política" e um pacto para manter o entendimento atual do STF contra a prisão em segunda instância. Completou, assim, uma aliança formada por bolsonaristas, opositores e o centrão.

O ministro chega ao tribunal com o mesmo roteiro que garantiu um segundo mandato a Augusto Aras. Naquela votação, os senadores engoliram um tom mais ameno, aceitaram uma oferta de defesa da classe política e acreditaram que ele deixaria de se alinhar a Bolsonaro. O trabalho do procurador-geral fala por si.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/12/o-andre-mendonca-aprovado-para-o-stf-teria-sido-demitido-por-bolsonaro.shtml


Maria Hermínia Tavares: Lula entre dois mundos

Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo

Aplaudido pelas principais lideranças da social-democracia europeia e recebido em Paris como chefe de Estado pelo presidente centrista Emmanuel Macron, Lula definiu em sua recente turnê uma agenda internacional para o país léguas à frente de seu próprio partido e de quaisquer que venham a ser seus adversários em 2022.

No Parlamento Europeu, foi irretocável ao associar o imperativo do combate à crise do clima à redução da pobreza e das desigualdades no mundo. Entrelaçando esses temas —que requerem renovada cooperação multilateral e compromisso com a justiça ambiental—, esboçou o que seria a contribuição específica do Brasil pós-Bolsonaro ao debate dos desafios globais. Ao fazê-lo, mostrou fina sintonia com as vozes do mundo, escandalosamente ausente da retórica governista.

Só que, no início da mesma sessão em que leu o discurso nota 10, improvisou uma defesa delirante do que seria o direito dos presidentes à reeleição ilimitada —perguntando por que a chanceler alemã Angela Merkel podia permanecer 16 anos no poder, enquanto ao então presidente boliviano, Evo Morales, não foi dado aspirar a um quarto mandato (vedado pela Constituição de seu país). Dias depois, tornou a bater na mesma tecla, ao citar ditador nicaraguense Daniel Ortega.

Antipetistas se apressaram a apontar o dedo para a cumplicidade de Lula com as ditaduras de Manágua e Caracas —e, por supuesto, Havana—— como prova cabal do descompromisso do líder e de seus liderados com os valores e as regras democráticas. Embora, nesse quesito, a sua conduta tenha sido impecável, não só nos 13 anos em que o PT esteve no poder, mas também durante o impeachment de Dilma Rousseff, na contestada prisão de seu padrinho e na disputa eleitoral de 2018.

É mais provável que a indesculpável conivência com ditaduras de esquerda na região venha de um comum e arraigado antiamericanismo —por efeito de uma certa visão do sistema internacional durante e depois da Guerra Fria.

Foi quando o Brasil tratou de afirmar autonomia externa, distanciando-se dos EUA e se aliando a seus opositores dentro e fora da América Latina. Pronunciado na esquerda, o antiamericanismo a ela não se circunscreve —é traço comum aos nacionalistas em geral. Persistiu no plano retórico mesmo quando as relações de Brasília com Washington amadureceram sob salutar pragmatismo.

Mais do que nunca, o antiamericanismo mal-ajambrado de nada serve para lidar com ameaças globais em um mundo onde a China é potência ascendente com forte presença econômica e comercial no país. Uma esquerda contemporânea não tem por que esposá-lo.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2021/12/lula-entre-dois-mundos.shtml


BC será mais importante para os planos de reeleição de Bolsonaro do que a Economia

Adriana Fernandes / O Estado de S. Paulo

Depois de o governo virar a página para a aprovação da PEC dos Precatórios, grande parte do mundo político de Brasília avalia que não terá nenhum grande projeto da agenda econômica para passar no Congresso, além da votação do Orçamento de 2022, que ficará para o ano que vem. 

Qual a grande batalha que sobrará para o governo defender a sua agenda? Fazer pequenas coisas na tentativa de gerar o máximo de credibilidade em curto tempo depois do desgaste das negociações da PEC, que abriu uma crise fiscal com custos para o Brasil.

Qualquer que seja o desfecho final na votação Câmara, a proposta provocou uma quebra na credibilidade fiscal, que o presidente do Banco CentralRoberto Campos Neto, tem chamado de “um preço muito caro para um desvio pequeno” das contas públicas.

Sem dúvida, o maior combate será o controle da inflação para que não afunde ainda mais o crescimento do PIB. Uma batalha para impor a credibilidade da política monetária, que ficou em xeque com o IPCA em dois dígitos e a piora das expectativas futuras.

Se pensarmos daqui para frente até o final de 2022, passado o dia da marmota, que a economia vive há mais de meses girando em torno do Auxílio Brasil e a PEC eleitoral do presidente Jair Bolsonaro, o trabalho de Campos Neto será mais importante para os planos de reeleição de Bolsonaro do que o da Economia.

Já tem tempo que lideranças governistas não escondem o desejo da saída de Paulo Guedes com a substituição por Campos Neto. Com mandato à frente do BC até 2024, ele já disse abertamente, porém, que não vai deixar o comando do banco e cumprirá o prazo que ganhou a mais com aprovação da autonomia da instituição. Ele brigou muito por ela, e sair agora passaria a percepção de desonestidade intelectual, o que não quer. 

Mais do que a posição dele (que os políticos insistem em não acreditar), fazer trocas que envolvam o BC seria neste momento muito inoportuno e perigoso para o próprio Bolsonaro, dado o desafio da inflação e o desgaste da área econômica no Congresso, de difícil recuperação em 2022. Isso não impedirá que Campos Neto seja peça-chave no programa (ou ideias) que Bolsonaro terá de apresentar na campanha. 

É claro que, para pensar em chegar a 2023, Bolsonaro precisa atravessar 2022 sem piorar a economia. Vai precisar que a economia reaja. O BC vai revisar a previsão de PIB para 2022, mas não ficará abaixo de 1% como apontam analistas do mercado (projeta-se até mesmo recessão). 

* REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,adriana-fernandes-banco-central-roberto-campos-neto-jair-bolsonaro-eleicoes-2022,70003913802


Eugênio Bucci: Inteligência, baratas e poder

Eugênio Bucci / O Estado de S. Paulo

 “Quem quer que já tenha tentado matar uma barata sabe que ela é inteligente.” Assim falou a professora Lucia Santaella. Titular da Cátedra Oscar Sala, no Instituto de Estudos Avançados da USP, a pensadora sabe o que diz. Baratas podem, sim, ser consideradas inteligentes. A seu modo, elas raciocinam, arquitetam táticas de fuga e, no mais das vezes, conseguem escapulir.

Em seu elogio ao tirocínio do esperto inseto que, além de tudo, “avoa”, Lucia Santaella não nos lança uma reles anedota com fins didáticos. Apoiada na semiótica do filósofo americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), ela nos traz mais do que uma boutade. Peirce escreveu que “o pensamento não está necessariamente conectado a um cérebro”. Para ele, haveria “pensamento”, igualmente, no “trabalho das abelhas e nos cristais”, isso para ficarmos apenas em poucos exemplos.

No texto de Peirce, o termo “pensamento” deve ser entendido como a capacidade de um organismo ou um sistema dar respostas calculadas, baseadas em alguma forma de memória e aprendizado, aos estímulos que recebe do mundo externo.

Atualmente, usamos para isso a palavra “inteligência” – e esta não precisa mesmo de um cérebro. Contam os pesquisadores que, se você arrancar a cabeça de uma barata, ela vai continuar andando normalmente, com perfeita coordenação corporal, e isso por um bom tempo.

Quem assiste a um documentário disponível na Netflix chamado Professor Polvo (Oscar de melhor documentário em 2021) acaba se convencendo de que os polvos também “pensam”, embora não tenham propriamente um cérebro no meio da cabeça. No caso deles, os neurônios, distribuídos pelos tentáculos, conseguem se comunicar uns com os outros, sem depender de comandos vindos de uma massa encefálica central.


Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
Foto: Wesllen Novaes/Fotos Públicas
Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação
Foto: Roque de Sá/Agência Senado
Foto: Sipa/USA
Foto: Roque de Sá/Agência Senado
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Foto: Guilherme Gandolfi/Fotos Públicas
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Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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Até as plantas têm uma forma de inteligência. O botânico italiano Stefano Mancuso vem dizendo exatamente isso há duas ou três décadas. “Um ser inteligente não é só aquele que possui cérebro”, garante o cientista. “É um organismo capaz de resolver problemas e aprender com as situações – e nisso as plantas têm sido craques.” Os estudos do botânico brasileiro Marcos Buckeridge comprovam a tese. “Não é nada exorbitante dizer que as plantas têm memória interna”, disse ele na palestra Cognição e inteligência em plantas, disponível no Youtube. Buckeridge, que é diretor do Instituto de Biociências da USP, sustenta que os vegetais aprendem e ordenam seu crescimento com inteligência. Entre outras coisas, isso significa que não é exato dizer que uma pessoa em coma esteja em “estado vegetativo”. Vegetais, senhoras e senhores, “pensam” ativamente.

Diante disso, não surpreende que existam sinais de alguma inteligência nos movimentos políticos do presidente da República. Agora mesmo, nesta semana, a cerimônia de sua filiação a um partido político revela a existência de algum tipo de cálculo nas entranhas do bolsonarismo. É impressionante. Mais do que o discernimento direcional das lesmas e das estalagmites, o tema vem intrigando observadores da cena política nacional.

O instinto adestrado de sobrevivência do governo que aí está – e está até hoje – assombra o ceticismo científico mais rigoroso. Em metamorfoses estratégicas mirabolantes, o organismo bolsonárico logrou se transformar no oposto do que era, sem jamais se descuidar de seu objetivo: conservar-se no poder. O chefe de Estado, que há poucos meses insultava os próceres do Centrão, encontrou meios de se entronizar como o líder máximo de todos eles. Nesse deslocamento, que envolveu operações de alta complexidade, o mitômano personagem escapou da ameaça de impeachment, reverteu ações penais que espreitavam seu círculo familiar (deixou-as todas processualmente rachadinhas) e, agora, se viabiliza para tentar a reeleição. Um prodígio, certamente.

Mas como pode? Haveria por lá algum estrategista de gênio? As hordas fanáticas (que las hay, las hay) acreditam fervorosamente que sim – ainda que nessa crença repouse, latente, uma ofensa gratuita às baratas. Outros dizem que não há inteligência nenhuma naquelas hostes, mas isso pouco importa. O fato é que o índice de sucesso do (des)governante desconcerta, humilha e oprime todo o seu entorno, próximo ou distante.

Nesta hora de desconforto moral, não podemos esquecer que a razão humana não se resume à faculdade da inteligência. Ao menos desde Aristóteles, a razão supõe, além do raciocínio, além da lógica instrumental, a dimensão ética e a dimensão estética, entre outras. Sujeitos com transtornos de personalidade também articulam atos e palavras, mas emperram no plano ético e não dispõem de recursos para a estesia e a empatia. A aptidão para conjugar pensamento crítico, sensibilidade estética e princípios éticos talvez sintetize a substância do espírito (Ralph Waldo Emerson dizia que o caráter está acima da inteligência).

Por tudo isso, a inteligência instalada no outro lado tem um aspecto bruto, demente, feio, selvagem e desumano. O fato de ela ter prosperado tanto, com tamanha desfaçatez, comprova que, do lado de cá, ainda grassa a estupidez.

*Jornalista, é professor da ECA-USP

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,inteligencia-baratas-e-poder,70003913772


Malu Gaspar: Moro é um candidato com pés de barro

Malu Gaspar / O Globo

A intensa movimentação no cenário político nas últimas semanas sugere que a entrada de Sergio Moro (Podemos) na corrida presidencial tem potencial para alterar a correlação de forças na eleição. Mas o crescente interesse pela candidatura também o colocou bem cedo diante da pergunta que o acompanhará enquanto tiver alguma chance no pleito: de que forma Moro lidará com o Congresso, caso seja eleito? Que tipo de negociação o ex-juiz da Lava-Jato pretende fazer com as lideranças de partidos que foram alvo da operação conduzida por ele?

Como pretende convencer os eleitores de que, se eleito, terá mais sucesso do que quando era ministro da Justiça na aprovação de seus projetos? Qual a garantia de que a relação conflituosa entre o ex-juiz e a classe política não paralisará um eventual governo seu (e o país) por mais quatro anos?

Sempre que confrontado com essas questões, Moro recorre a declarações de livro-texto. Numa reunião com investidores da corretora XP, em São Paulo, afirmou que é um “homem do diálogo” e que considera possível negociar em torno de projetos. De acordo com ele, o absoluto fracasso de Jair Bolsonaro em ter uma relação livre do fisiologismo e do toma lá dá cá com o Parlamento é fruto da falta de liderança do presidente.

Também disse que, embora não vá abandonar o combate à corrupção, tem consciência de que o papel de um presidente da República é garantir a governabilidade. Numa entrevista à Bloomberg, falou que “há pessoas boas no Centrão” e que “dentro de cada partido tem bons indivíduos que podem somar com projeto e diálogo republicano”.

Não há dúvidas de que um governo republicano e democrático pressupõe uma relação de respeito entre Legislativo, Executivo e Judiciário, nem de que não há nada de intrinsecamente errado em fazer coalizões políticas — desde que sejam limpas — para governar. Mas não deixa de ser irônico que um personagem que se fez popular combatendo o “sistema” agora tenha como uma de suas missões provar que poderá conviver harmonicamente com esse mesmo sistema em nome da governabilidade.


Foto: Podemos/Divulgação
Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Foto: Lula Marques / AGPT
Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
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Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Foto: Lula Marques / AGPT
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É verdade que o discurso antissistema perdeu o apelo e a credibilidade desde 2018. O momento histórico é outro. Bolsonaro, que se elegeu prometendo governar diretamente com o povo e dar uma banana ao “sistema”, foi fagocitado por ele e por seu orçamento secreto. Lula, por sua vez, conduziu seus governos do mensalão ao petrolão, e não consta que teria problemas em se relacionar com esse mesmo Congresso. O próprio Moro se viu acuado pelo caso Vaza-Jato, aderiu ao governo Bolsonaro e perdeu a aura de herói impoluto.

Nessa troca de pele de juiz para político, Moro diz que venderá um “sonho” ao país e se propõe a ser diferente dos principais competidores. Como ele pretende fazer isso, não se sabe. O que ele diz no livro que acaba de lançar, “Sergio Moro contra o sistema da corrupção”, não ajuda a dissipar as dúvidas.

Ao relatar sua experiência no governo, Moro diz que mais de uma vez acreditou que Bolsonaro cumpriria a promessa de punir Flávio e Fabrício Queiroz, se fosse preciso. Enumera situações em que o presidente deu provas de que o compromisso com o combate à corrupção era tão fake quanto algumas das notícias que espalhou na campanha eleitoral. “Se não vai ajudar, não atrapalhe”, teria dito Bolsonaro quando Moro lhe pediu para ajudar a derrubar a liminar de Dias Toffoli que suspendeu todas as investigações do Coaf, incluindo as que flagraram a rachadinha de Flávio e Queiroz.

É o ex-juiz da Lava-Jato quem escreve: “Por uma questão pessoal, o presidente pedia a mim que ignorasse aquela séria ameaça ao sistema nacional de prevenção à lavagem de dinheiro”. Ainda assim, Moro ficou no governo, aguentando mais humilhações. Engoliu o abandono de Bolsonaro ao pacote anticrime, aceitou trocar um superintendente da Polícia Federal e só saiu quando o próprio presidente tornou sua permanência inviável.

Difícil acreditar que alguém que diz ter o couro grosso e está habituado a situações difíceis, como Moro, tenha realmente sido tão ingênuo com Bolsonaro como ele diz que foi. É ele mesmo quem admite que, enquanto pôde, ficou em silêncio. Hoje, diz que errou ao aceitar o convite de Bolsonaro. Não se pode saber o que mais o ex-ministro viu no governo que não contou, nem qual sua solução para lidar com o “sistema” sem confrontá-lo, como fez na Lava-Jato, ou se calar, como fez com Bolsonaro.

Mas é certo que, enquanto persistir a contradição entre o que Moro diz que fará e o que de fato fez no governo, ele continuará sendo um candidato a presidente com pés de barro.

Fonte: O Globo


Extrema direita troca Lula por Moro como principal alvo de ataques

Raphael Veleda / Metrópoles

A militância mais fiel do presidente Jair Bolsonaro (PL) vê no ex-“superministro” Sergio Moro (Podemos) uma ameaça de erosão da base eleitoral ao chefe do Executivo. Desde que Moro se lançou em pré-campanha à Presidência da República, o ex-juiz federal virou alvo preferencial dos principais influenciadores digitais da extrema direita, conhecidos por integrar o chamado “gabinete do ódio”, responsável por fustigar nas redes sociais os adversários políticos de Bolsonaro. Nesse movimento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não foi esquecido, mas perdeu a primazia como alvo dos ataques.

O sinal de alerta entre os bolsonaristas foi acendido de vez quando um comentarista político muito identificado com o grupo, o bacharel em Direito Caio Arruda Miranda, conhecido como Caio Coppolla, disse, no último dia 29/11, que pretende dar “o benefício da dúvida” à candidatura de Moro.

A declaração foi dada no programa Pânico, da rádio e TV Jovem Pan, e transformou o próprio Coppolla em alvo de muitos ataques virtuais, que respingaram até em uma das maiores aliadas de Bolsonaro, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que havia celebrado pouco antes a volta do influenciador a uma emissora de TV.

O esforço para desconstruir Moro e evitar que ele “roube” mais simpatizantes de Bolsonaro que estão balançados é liderado por pesos pesados da militância, como os filhos do presidente. Carlos Bolsonaro (Republicanos), por exemplo, tem dedicado boa parte de suas postagens a atacar Moro. Nessa quarta (1º/12), por exemplo, o vereador carioca usou a notícia de que Moro irá ganhar um salário de R$ 22 mil do Podemos.

Mais sobre o assunto

“Então surge o fundo partidário do bem”, provocou. “E quando era juiz, recebia auxílio-moradia tendo domicílio no mesmo estado que trabalhava”, complementou o filho 02 de Bolsonaro, antes de emendar com seu jeito cifrado de se comunicar: “E as diárias milionárias do seu time de quarto escuro? O silêncio é absoluto no reino animal! Imagine se fosse com outro”.

Em outra postagem, horas antes, Carlos reclamou que “nunca se vê um confronto direto entre Lula e Serginho” e avaliou que “ambos têm somente um alvo claro diariamente”, apesar de Moro e Lula serem adversários abertos e se criticarem constantemente, revivendo o embate ocorrido no julgamento de processos da Lava Jato.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que já foi fã declarado de Moro e chegou a entrevistá-lo em fevereiro de 2020 para um quadro em suas redes sociais chamado “O Brasil precisa saber”, também tem se esforçado para jogar o ex-ministro no colo da esquerda: “Um desarmamentista, que tem simpatia com a agenda globalista (aborto), apoiou lockdown, ficou inerte diante da prisão de mulheres inocentes na pandemia, aplaudiu prisão de ‘extremistas’ e etc, jamais combaterá o sistema – já é parte dele”, postou Eduardo, também nessa quarta, em uma resposta direta a Caio Coppolla, que havia dito ter “uma cabeça aberta para ser persuadido que, de repente, ele [Moro] é uma escolha boa para o país e vai enfrentar o sistema”.

Com a sinalização desses líderes da militância, outros influenciadores nas redes, além de membros de grupos bolsonaristas em aplicativos como WhatsApp e Telegram, têm centrado sua atenção em Moro. Veja exemplos colhidos pelo Metrópoles nesses meios digitais:


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Pressão das pesquisas

A militância bolsonarista teme que o ex-ministro Sergio Moro eroda o eleitorado do presidente ao se colocar como representante de bandeiras que ele defendia, mas das quais acabou se afastando, como a luta contra a corrupção e o “fim do toma lá, dá cá”. Com seu “casamento” com o Centrão, Bolsonaro deixa desconfortável parte de seus seguidores mais ideológicos.

O momento do presidente da República nas pesquisas de opinião e de intenção de voto não é bom. Na última pesquisa do Instituto Atlas, divulgada no último dia 30 de novembro, a intenção de voto em Bolsonaro caiu dos 34,5% registrados em setembro para 31,5%, enquanto Lula subiu de 40,6% para 42,8%.

Sergio Moro estreou em terceiro lugar no levantamento, com 13,7% das intenções de voto. Os pré-candidatos Ciro Gomes (PDT) e João Doria, que ficaram em quarto (6,1%) e quinto (1,7%) respectivamente no levantamento também registraram queda nas intenções de voto com a entrada de Moro no cenário, mostrando que o ex-juiz, por enquanto, só não tira eleitores de Lula.

Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/extrema-direita-troca-lula-por-moro-como-principal-alvo-de-ataques


Merval Pereira: A habilidade de Sergio Moro, presidenciável

Merval Pereira / O Globo

Não há mais a menor dúvida de que o surgimento de Sergio Moro como pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos provocou, no mínimo, um toque de alerta nos até agora favoritos, o ex- presidente Lula e o presidente Bolsonaro. Os dois se preparam para lutar entre si, cada um achando que o outro é o adversário mais fácil de ser derrotado.

Basta ver que tanto petistas quanto bolsonaristas escolheram Moro como alvo principal da campanha que finge não ter começado ainda, mas está a pleno vapor, comendo etapas num processo acelerado. O PT começou um movimento para garantir a eleição de Lula no primeiro turno, igualando Moro a Bolsonaro, e aí mora o perigo.

Moro virou herói de milhões de brasileiros ao lutar contra a corrupção institucionalizada, enfrentando os poderosos da época, leia-se Lula e o PT. Para esses, Moro como juiz construiu sua reputação e realizou sua grande obra, a Operação Lava-Jato. Com a publicação de seu livro e as várias entrevistas que tem dado, Moro já se mostrou disposto a encarar o grande desafio de enfrentar a campanha de desmoralização que foi armada contra ele, “com Supremo, com tudo”, como pregava o ex-líder de todos os governos Romero Jucá.

Como mostram também as pesquisas de opinião, há um grande contingente de eleitores que não compraram a narrativa de que houve injustiça contra o ex-presidente Lula e de que o então juiz Moro foi parcial nos julgamentos. A campanha se encarregará de relembrar os acontecimentos. Caberá a ele confirmar a fidelidade desses que empolgou como juiz e agora busca cativar como candidato. Há uma grande variedade, entretanto, nesse nicho em que Moro terá de buscar votos.

Há os que estão desenganados pela atuação de Bolsonaro, que recuou em todos os compromissos assumidos de combate à corrupção; há os que votaram contra o PT, e não a favor de Bolsonaro, e hoje estão abertos a uma alternativa que veste bem em Moro; há as viúvas do PSDB original, sem alternativa a esta altura, que levam em consideração até mesmo votar em Lula contra Bolsonaro; e há os que gostariam de ver em Moro um Bolsonaro 2.0, a versão original do justiceiro que elegeram em 2018 e depois se entregou ao Centrão.


Foto: Podemos/Divulgação
Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
Foto: Lula Marques / AGPT
Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
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Há ainda eleitores que sempre votaram no PSDB porque não havia alternativa eleitoralmente viável mais à direita, liberal-conservadora, e preferem votar em Bolsonaro a apoiar um candidato simpático a ideias que consideram de esquerda, como as políticas identitárias. Mas nunca confiaram realmente nos tucanos como adversários do petismo e, como o ministro Paulo Guedes diz, os consideram sociais-democratas da mesma linhagem dos petistas.

“Será que, como político, veremos a mesma coragem e coerência do juiz?”, perguntam-se alguns. Muitos não veem em Moro a capacidade política de enfrentar em vantagem Lula e o PT, ficam em dúvida ao constatar o que classificam de “timidez” diante daqueles que, no Supremo e na Procuradoria-Geral da República, trabalharam para desfazer sua obra e conspurcar sua biografia.

Para esse grupo, se o candidato Moro espera efetivamente conquistar um espaço político na centro-direita capaz de lhe alçar ao segundo turno, terá de demonstrar, com ênfase, sua indignação contra os que envergonharam a Justiça brasileira. As manifestações do 7 de Setembro, que acobertaram uma clara tentativa de golpe autoritário contra o Supremo, que se contrapunha à distribuição em massa de fake news e aos avanços de grupos autoritários sobre a democracia instigados por Bolsonaro, tinham como bandeiras principais, na definição desse nicho direitista, a defesa da liberdade de expressão e críticas a ações que consideravam eticamente vexaminosas e autoritárias do Supremo.

Se o candidato Moro se dispuser a vestir a fantasia de Bolsonaro 2.0, poderá tirar eleitores do presidente, mas pode também se confundir com os extremistas. Para avançar no campo da centro-direita, terá de se contrapor ao Bolsonaro de 2022 e reafirmar compromissos que foram abandonados por ele em 2018. Terá de trilhar esse caminho delicado com o cuidado de um equilibrista. Coisa de quem tira a meia sem tirar o sapato, como se diz de políticos hábeis.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/habilidade-de-moro.html


“Sofri agressões físicas em batalhas de rap por parte de MC’s transfóbicos"

João Vitor*, da equipe da FAP

O desabafo é de uma travesti, de 33 anos, que também é poetisa e moradora da periferia do Distrito Federal (DF). “Sofri agressões físicas por parte de MCs transfóbicos”. Ela é uma das oito pessoas finalistas da batalha de poesias do Slam-DéF, palco de disputa de arte falada, poesia viva, encenação com muito carão e entonação de voz.

Apoiada pela Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, a final da batalha de poesias do Slam-DéF será realizada, às 19h30 do dia 2 de dezembro, com participação de artistas do DF e Rio de Janeiro, além de Minas Gerais. Durante o evento, eles usam a palavra para gritar contra toda forma de preconceito e discriminação.

ASSISTA!



Mel Mesquita, conhecida como Medro e que disse ter sofrido agressão de MCs transfóbicos, vai disputar o título ao lado de outros artistas na batalha, organizada pelo professor Will Júnio. Confirmam presença Andrê Gustavo Francisconi (Magenta), Ramon da Cunha (Monrá), Yandra Ramos Braga (Yra), William Tomaz (Mano Dáblio), Magno Asis, Jatobá e Zapatta.

Ser ouvida, respeitada e compreendida é o pedido da poetisa Medro. “Quando se deparar com uma pessoa trans, acolha essa pessoa. Ouça mais, fale menos, respeite, entenda e proteja”, diz. Ela conta que iniciou sua trajetória artística nas artes cênicas como atriz, diretora, palhaça e performer.

Depois, Medro passou a se engajar em outras linguagens artísticas, principalmente na música, com as bandas Cantigas Boleráveis e Culto das Malditas. “Foi o pontapé da minha escrita enquanto compositora. Passei a escrever rimas, poesias, músicas e a participar de batalhas de rap”, conta Medro.

No Slam, ela percebeu menos transfobia e passou a se sentir livre para brincar com as letras. “Para mim competição tem que ser muito bem definida como metodologia, e não objetivo, para todos que participam. Estar brincando de palavras e poéticas com várias pessoas incríveis num espaço sadio e não violento é o que vale mais pra mim”, diz a artista.

“Palavra em ação”

Magenta, de 22, por sua vez, diz que “a palavra só faz sentido quando vira ação”. “E, para agir, tem que aprender a ouvir. Ouçam as bixas, travas, boycetas, fanchas, gilettes e quem mais estiver gritando por aí”, ressalta ela, referindo-se a novas palavras usadas por grupos para definir gêneros.

Nascida em Foz do Iguaçu Magenta, Magenta estuda Artes Cênicas e conta que parte da família veio, na busca de melhores condições de vida, da Bahia e do Rio Grande do Sul. “Cresci em um lar cristão, mas me descobri bicha e tirei o ‘des’ do desviada”, brinca.

Magenta lembra de brincar com os sons e as palavras ainda quando criança. Costumava registrar as coisas que vivia em cadernos, blogs e folhas avulsas. Com o tempo, esses textos passaram a ser manchados pelas violências que sofreu. Hoje, usa a poesia como lugar possível para denúncias.

Foi no Slam DéF, ainda este ano, que ela batalhou pela primeira vez. “Me arrepiei com a atenção que ganhei quando recitava meus poemas”, conta, para acrescentar: “Estar na final me traz a sensação de conseguir encerrar um ciclo, que está mais para um começo, no lugar onde me expus enquanto poeta pela primeira vez, mas bate também certo nervosismo”, relata Magenta.

Expor-se como poeta é importante também para Monrá. É o apelido de infância do vencedor do Slam RJ 2021 e Slam RS 2020, o carioca Ramon da Cunha, morador do bairro da Lapa. “Espero que, para além de notas, possamos desabafar nossos sentimentos em nossas linhas”, assevera.

“Mundo precisa ouvir”

Os protestos dos participantes do evento são críticas a diversas formas de preconceito e discriminação na sociedade. “O sistema quer que você se cale, mas o mundo precisa ouvir o que você tem para dizer”, diz um trecho da letra de música de William Thomaz, conhecido como Mano Dáblio.

O poeta começou a gostar de poesia ao ver a irmã e as amigas trocando papel de carta. Logo, conheceu o rap e, no orfanato, onde passou grande parte da infância, desenvolveu sua arte. “Mesmo atuando, demorei 17 anos pra gravar ou publicar algo” revela mano Dáblio.

Ele se autodeclara “atleta da poesia” que busca aprender, trocar, se divertir e representar sua “quebrada” com muito trabalho, empenho e preparo.

“Quem não aproveita o evento pode estar lá em corpo, mas, para

sentir, precisa estar presente”, afirma. “Todos os momentos marcam, mas ir representando o Slam-DéF no Distrital é incrível”, aponta Mano Dáblio.

“Rap entrou na minha vida”

Do rap para a poesia também é a mesma trajetória traçada pelo estudante e finalista do Slam-DéF Raulf Henrique Gomes Jatobá, de 18, mais conhecido como Jatobá. “Em 2017, quando o rap entrou na minha vida, me transformou completamente”, lembra.

Ele diz ter conhecido a “poesia marginalizada”, em 2019, em evento artístico de sua escola. “Em 2020, entrei de cabeça, mas veio a pandemia. Só que também houve o cenário online, o que me possibilitou participar de muitos Slams, e, em 2021, participei de muito mais ainda”, conta.

Jatobá diz que ser ouvido é o seu principal objetivo. Ele aponta a dificuldade que enfrenta para ser artista independente e, assim como os demais finalistas, almeja a premiação em dinheiro da competição. 

Yandra Ramos Braga, nascida em Montolvânia (MG) de 22, popularmente conhecida como Yra, conta que, no ano passado, em plena pandemia da covid-19, conseguiu publicar seu primeiro livro. A obra reúne suas poesias produzidas de 2015 a 2020.

Aos 16 anos de idade, ela viu os negócios de seu pai irem à falência. A família passou a morar nas periferias do DF. Suas mães Milene Ramos da Rocha e Paula Rejane ensinaram o gosto pela leitura. Atualmente, Yandra estuda licenciatura em artes visuais e trabalha com grafite. Aos 19 participou de seu primeiro Sarau no Recanto das Emas.

“O que me levou a escrever poesias foi a música e minha falta de talento para fazer melodias. Ainda não tive um momento de destaque no Slam-DéF, mas está chegando minha hora de brilhar, me aguardem”, diz Yandra.

Outro finalista, o candango Magno Jose Soares Junior, de 31, afirma que usa a poesia como “terapia, um reflexo do cotidiano, em forma de autocuidado, autoconhecimento e amor próprio”.

 “Cada evento traz enormes aprendizados. Estar ao lado de pessoas e artistas que admiro já é uma vitória, pela troca de informação, de ideias e pontos de vista”, diz o poeta.

O coordenador do projeto Slam DéF destaca a sobrevivência da cultura na pandemia. “Mesmo que online, isso, para mim, é fenomenal”, afirma Will Júnio, de 30. Ele é morador do município de Novo Gama (GO), professor de Língua Portuguesa, organizador e apresentador do Slam-DéF, artista, compositor e poeta.

Will trabalha com a cultura desde 2012. Foi representante do DF no Slam-BR e da Festa Literária das Periferias, em 2015, assim como jurado do Duelo Nacional de MC’s, em 2017, em Belo Horizonte.

A perspectiva de Will para a final é boa, pois a batalha conseguiu integrar participantes de outros estados. “Então, vai ser uma disputa muito linda. Que vença o melhor”, destaca Will.

O vencedor receberá prêmio de R$ 1 mil em dinheiro. O segundo lugar, R$ 600, e o terceiro, R$ 400.

*Estagiário integrante do programa de estágios da FAP, sob supervisão do jornalista Cleomar Almeida

Batalha de Poesias Slam-DéF
Dia: 2/12/2021
Horário da transmissão: 19h30
Onde: portal da FAP, redes sociais da entidade (Youtube e Facebook) e página da Biblioteca Salomão Malina no Facebook.
Realização: Slam-DéF, em parceria com Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP)


William Waack: Os caciques e o efeito Moro

William Waack / O Estado de S. Paulo

Os fatos se adiantaram aos cálculos dos operadores políticos e eles tiveram de correr devido ao “efeito Moro”. Previam a largada para as eleições do ano que vem apenas em abril. O “grid” estará completo, porém, ainda antes do Natal – quase meio ano de antecipação, uma enormidade de tempo na política.

O “efeito Moro” se define pela velocidade e abrangência com que um dos competidores alcançou projeção especialmente nos grupos de formadores de opinião. O alarme entre os concorrentes soou devido a um fato do qual já se fala há tempos, mas que esse “efeito” tornou ainda mais evidente.

É a existência ou não de uma mistura (a proporção de combustível e ar no mundo dos motores) pronta para ser incendiada. Trata-se do potencial de voto em busca de quem não seja Lula ou Bolsonaro. A presença dessa larga camada é sabida há meses, e o mérito do “efeito Moro” até aqui foi demonstrar que, aparentemente, essa mistura está mais próxima de reagir à faísca do que se pensava.


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Coletiva de imprensa de Sergio Moro. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
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Os operadores de várias forças políticas reagiram rápido ao “efeito Moro”, fato que reconhecem em público, mas não acham que seja necessário alterar outro cálculo: o de que decisiva mesmo nas próximas eleições é a formação de grandes bancadas. É o que explica movimentos de fusão (como PSL e DEM) e a relativa facilidade com que o Legislativo driblou o STF e convergiu com o Planalto para aprovar matérias que garantem a irrigação de emendas, com transparência ou não, e fundos eleitorais. Grandes bancadas dependem de grandes verbas.

Essa postura das raposas da política é uma útil lição para se entender o fundamental dos cenários pós-eleições. Emendas do relator e orçamento secreto não são outra coisa senão a expressão do avanço do Legislativo em suas prerrogativas – leia-se poder de fato. Traduz um progressivo enfraquecimento da autoridade do presidente da República no uso de ferramentas como alocação de recursos via orçamento, iniciada com a incompetência política de Dilma Rousseff (competência que Temer demonstrou ao escapar de duas denúncias) e acelerada pela incompetência política de Bolsonaro.

Está longe ainda do grande público a ideia de que o presidente que for eleito no ano que vem terá menos poderes frente aos parlamentares do que o presidente eleito em 2018. Embalado pelo próprio “efeito” inicial, Moro tem repetido que a aliança entre forças aparentemente antagônicas (PSDB e PFL) nos idos de FHC é a fórmula de sucesso que ele acha possível reeditar. É bom lembrar que FHC mandava mais, e do lado de lá tinha só um grande cacique.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,os-caciques-e-o-efeito-moro,70003913883


Luiz Carlos Azedo: Mendonça julgará os réus com um olho na lei e o outro no Criador

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Ex-ministro da Justiça e ex-advogado-geral da União, o pastor da Igreja Presbiteriana Esperança André Mendonça teve o seu nome aprovado, ontem, para uma vaga do Supremo Tribunal Federal (STF), que estava aberta desde a aposentadoria do ex-ministro Marco Aurélio Mello. Em votação secreta, obteve apoio de 47 senadores, seis a mais do que o necessário, contra 32, que votaram contra sua indicação. Mendonça fora sabatinado durante oito horas na Comissão de Constituição e Justiça, que o considerou tecnicamente apto ao cargo por 18 votos a 9.

Relatora da indicação, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), evangélica como Mendonça, mas figura de destaque na oposição, teve papel decisivo para aprovação. Ela foi escolhida relatora pelo presidente da CCJ, o senador Davi Alcolumbre, que havia engavetado a indicação por quatro meses, em razão de uma insatisfação com o presidente Jair Bolsonaro. O ex-ministro da Justiça cavou a indicação por Bolsonaro à moda Pazuello (“ele manda, eu obedeço”).

Quando seu nome chegou à mesa de Alcolumbre, era “terrivelmente” evangélico; ontem, na CCJ, pautou-se pela moderação: “Ainda que eu seja genuinamente evangélico, entendo não haver espaço para manifestação pública religiosa durante as sessões do Supremo Tribunal. A Constituição é e deve ser o fundamento para qualquer decisão por parte de um ministro do Supremo, como tenho dito quanto a mim mesmo: na vida, a Bíblia; no Supremo, a Constituição”, disse Mendonça.

Ninguém se iluda, Mendonça altera a correlação de forças no Supremo Tribunal Federal (STF) a favor dos chamados garantistas e será um aliado de Bolsonaro, que manteve sua indicação apesar de todas as pressões, principalmente nas pautas associadas aos costumes e aos privilégios das instituições religiosas, sobretudo evangélicas, que fizeram fortíssimo lobby pela aprovação de seu nome.

Laicidade e conflito

A secularização da cultura e a defesa da laicidade do Estado no Judiciário não são homogêneas. Para muitos magistrados, a identidade entre delito e pecado, uma herança medieval, ainda persiste. A maioria da magistratura é confessionalista, como Mendonça, mas procura respeitar o caráter laico do Estado. Entretanto, há os que realmente misturam as estações com sentenças desta ordem:

Em agosto de 2008, o juiz Éder Jorge, da 4ª Vara Criminal de Goiânia, recomendou a Vânia Martins que frequentasse “entidades religiosas de formação cristã” durante o gozo de liberdade condicional que lhe concedera.

Ela havia sido condenada a 15 anos e 9 meses de prisão pelo sequestro de dois bebês, falsidade ideológica, parto suposto e estelionato. Como havia cumprido um terço da pena, com bom comportamento, ela teve direito à liberdade condicional. “Fizemos a recomendação baseada no fato de que a esmagadora maioria da população brasileira é cristã”, justificou.

Em 2014, o Ministério Público Federal pediu à Justiça que mandasse retirar do YouTube 15 vídeos postados pela Igreja Universal do Reino de Deus, considerados ofensivos às religiões afrobrasileiras. O juiz Eugênio Rosa de Araújo, da 17ª Vara de Fazenda Federal, negou o pedido. Alegou que a umbanda e o candomblé não teriam uma estrutura hierárquica, um Deus a ser venerado e um texto-base, como a Bíblia ou o Corão.

Em abril de 2018, Marcelo Bretas, juiz do Tribunal Regional Federal no Rio de Janeiro, frequentador da Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, destacou-se por citar a Bíblia na dissertação de mestrado e nas suas sentenças, apoiou no Twitter a postagem do “seu irmão em Cristo” Deltan Dallagnol.

O então procurador da República no Estado do Paraná, famoso por causa da Operação Lava-Jato, frequentador de Igreja Batista em Curitiba, no domingo de Páscoa daquele ano, havia anunciado, em rede social, que estaria fazendo jejum, em oração, rogando pela rejeição do pedido de habeas corpus em favor de um acusado pelo STF.

Entretanto, tanto o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quanto o Supremo Tribunal Federal (STF) têm se destacado pela defesa do Estado laico em várias decisões, do aborto em caso de estupro ao casamento homoafetivo.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-mendonca-julgara-os-reus-com-um-olho-na-lei-e-o-outro-no-criador/

Maria Cristina Fernandes: Terrivelmente derrotados

Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico

Com a tramitação mais longa da história das indicações para o Supremo Tribunal Federal, em relação à qual o presidente da República lavou as mãos, André Mendonça assumirá uma cadeira na Corte com uma dívida já bem amortizada com Jair Bolsonaro. O presidente, por óbvio, vai tentar faturar a aprovação junto a seu eleitorado evangélico, mas pouco fez para obtê-la e ninguém mais do que o novo ministro sabe disso.

Na lista de derrotados com a aprovação de Mendonça, o presidente só perde para o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que só o recebeu horas antes da sabatina. Na segunda-feira, o presidente da CCJ do Senado ligou para um senador do MDB, que se recuperava de uma intervenção cirúrgica, sondando se sua saúde permitiria deslocamento.

Em seguida, o senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ) repetiu o gesto. A preocupação dos senadores com o esforço que o colega faria para estar presente chegou aos ouvidos do ex-advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça, que, em seguida, ligou para o filho do presidente cobrando-lhe o gesto. Ao avistar o senador emedebista na CCJ no início da sabatina Mendonça não deixou passar a oportunidade de saudar sua presença.

A saudação inopinada, que só foi entendida por meia dúzia naquela sala, além da tímida defesa pública que lhe fez Flávio Bolsonaro revelaram o grau de tensão que precedeu a sessão. O filho do presidente chegou a dizer que o apoio do ex-procurador Deltan Dallagnol deu a Mendonça teria selado sua derrota.

A tensão se reproduziu no placar mais apertado da história das sabatinas (19x8) e o mais estreito no plenário do Senado dos últimos 20 anos.

Ao longo dos 141 dias durante dos quais o nome do ex-AGU ficou congelado, os sinais da política se embaralharam tanto que nem as tentativas do sabatinado de acender velas a deuses e demônios lhe fizeram concorrência.


Plenário do Senado aprova André Mendonça para o STF. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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Da indicação de Mendonça para cá, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) virou ministro da Casa Civil e Bolsonaro filiou-se ao PL de Valdemar Costa Neto. Na cerimônia de filiação o presidente enfiou até os cotovelos na pia. Ao nomeá-lo, honrou compromisso com a bancada evangélica, mas deixou claro que sua aprovação caberia ao Senado.

Acenou, dessa forma, ao Centrão, que preferia o procurador-geral da República, Augusto Aras, sobre quem não pesam suspeitas de lavajatismo. Bolsonaro fez dobradinha com Arthur Lira ao mencionar, na cerimônia de filiação ao PL, que “alguns” extrapolam na Praça dos Três Poderes e devem ser enquadrados por aqueles que “têm votos” e são responsáveis por conduzir o país.

Mais do que fazer um ministro do Supremo, Bolsonaro se moveu por dubiedades que visaram a não desagradar seus novos aliados. O sobrenome “terrivelmente evangélico” que impôs a Mendonça acabou por aumentar a resistência a seu nome, bem como a proximidade pessoal que o presidente alardeou ter com seu escolhido.

Se o presidente fingia que apoiava Mendonça, o Congresso também fez de conta que resistia ao bolsonarismo com o argumento de que um mandatário que pretende fechar a Corte não merecia escolher um ministro.

Imaginou-se até mesmo que a indicação poderia ficar congelada até o próximo presidente, como o fez o lendário senador republicano Mitch McConnell com a indicação do atual procurador-geral da República nos Estados Unidos, Merrick Garland, à Suprema Corte pelo ex-presidente Barack Obama. Depois de nove meses a indicação caducou e a vaga acabou preenchida pelo ex-presidente Donald Trump.

Mais do que a Bolsonaro, a operação-tartaruga foi uma afronta ao próprio Supremo. O tom do Congresso subiu ainda mais com a aprovação de um projeto de resolução que desobedece decisão do plenário da Corte, por 8 votos a 2, contra as emendas de relator.

O que se decidiu não foi a indicação de um representante da igreja presbiteriana mas a correlação de forças entre os Poderes da República e, internamente, no Supremo. O Senado sabatinou Mendonça num momento em que o presidente da Câmara dá curso a um projeto que visa a reverter a PEC da Bengala para abreviar o mandato da ministra que liderou o embate das emendas de relator.

A oposição do Centrão e do presidente, além da demora na indicação, que desprezou as contingências de uma Corte com um integrante a menos ao longo de metade de seu ano útil, acabou unindo os ministros ou, no mínimo, minimizando a oposição que ainda havia a Mendonça por parte daqueles que preferiam ver Aras na vaga.

O ministro que mais trabalhou por Mendonça foi seu ex-chefe na AGU, Dias Toffoli, mas Kassio Nunes Marques aderiu, nas últimas semanas, à campanha. Com a provável ida de Mendonça para a Segunda Turma, presidida por Nunes Marques, o ministro parece ter apostado na condição de credor do novo integrante da Corte.


Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Anderson Riedel/PR
André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Secom/PR
André Mendonça. Foto: Secom/PR
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André Mendonça. Foto: Pablo Jacob
Sabatina de André Mendonça na CCj do Senado. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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André Mendonça e Jair Bolsonaro. Foto: Secom/PR
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Ainda que os ministros mantenham posicionamentos mais próximos dos presidentes que os indicaram no início de seus mandatos, tendem a se desgarrar para assumir posições no jogo de forças no tribunal. E esse jogo envolve concessões de lado a lado e composições que muitas vezes se sobrepõem à pressão do Executivo. Pelo desgaste, a lua-de-mel de Mendonça com Bolsonaro pode ser ainda mais breve.

Ao longo da tramitação de Mendonça, foram tantos os obstáculos erguidos que sua rejeição passou a ser um imperativo para parlamentares como Alcolumbre que temiam represália de um futuro ministro do Supremo.

Essas tensões ficaram contidas às entrelinhas da sabatina. A civilidade pública do presidente da CCJ foi inversamente proporcional à humilhação à qual submeteu Mendonça. Com um tom de pastor presbiteriano, tentou desmontar a resistência mais pela humildade do que pela consistência de seus argumentos.

Comprometeu-se com o respeito à união civil do mesmo sexo, criticou a criminalização da política e chegou até mesmo a pedir desculpas por ter dito que a luta pela democracia não custou vidas. Voltou atrás, mas na nominata de lutas com vítimas entrou até o voto feminino mas não a ditadura militar.

Foi escolhido porque o conluio entre Alcolumbre e Bolsonaro se esgotou. Terá 26 anos para depurar os 141 dias em que foi largado na chuva.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/terrivelmente-derrotados.ghtml