“Sofri agressões físicas em batalhas de rap por parte de MC’s transfóbicos”

Travesti, que denuncia violência em disputa de rap, é uma das oito finalistas da batalha de poesias do Slam DéF
WhatsApp Image 2021-12-01 at 15.37.32

João Vitor*, da equipe da FAP

O desabafo é de uma travesti, de 33 anos, que também é poetisa e moradora da periferia do Distrito Federal (DF). “Sofri agressões físicas por parte de MCs transfóbicos”. Ela é uma das oito pessoas finalistas da batalha de poesias do Slam-DéF, palco de disputa de arte falada, poesia viva, encenação com muito carão e entonação de voz.

Apoiada pela Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, a final da batalha de poesias do Slam-DéF será realizada, às 19h30 do dia 2 de dezembro, com participação de artistas do DF e Rio de Janeiro, além de Minas Gerais. Durante o evento, eles usam a palavra para gritar contra toda forma de preconceito e discriminação.

ASSISTA!

Mel Mesquita, conhecida como Medro e que disse ter sofrido agressão de MCs transfóbicos, vai disputar o título ao lado de outros artistas na batalha, organizada pelo professor Will Júnio. Confirmam presença Andrê Gustavo Francisconi (Magenta), Ramon da Cunha (Monrá), Yandra Ramos Braga (Yra), William Tomaz (Mano Dáblio), Magno Asis, Jatobá e Zapatta.

Ser ouvida, respeitada e compreendida é o pedido da poetisa Medro. “Quando se deparar com uma pessoa trans, acolha essa pessoa. Ouça mais, fale menos, respeite, entenda e proteja”, diz. Ela conta que iniciou sua trajetória artística nas artes cênicas como atriz, diretora, palhaça e performer.

Depois, Medro passou a se engajar em outras linguagens artísticas, principalmente na música, com as bandas Cantigas Boleráveis e Culto das Malditas. “Foi o pontapé da minha escrita enquanto compositora. Passei a escrever rimas, poesias, músicas e a participar de batalhas de rap”, conta Medro.

No Slam, ela percebeu menos transfobia e passou a se sentir livre para brincar com as letras. “Para mim competição tem que ser muito bem definida como metodologia, e não objetivo, para todos que participam. Estar brincando de palavras e poéticas com várias pessoas incríveis num espaço sadio e não violento é o que vale mais pra mim”, diz a artista.

“Palavra em ação”

Magenta, de 22, por sua vez, diz que “a palavra só faz sentido quando vira ação”. “E, para agir, tem que aprender a ouvir. Ouçam as bixas, travas, boycetas, fanchas, gilettes e quem mais estiver gritando por aí”, ressalta ela, referindo-se a novas palavras usadas por grupos para definir gêneros.

Nascida em Foz do Iguaçu Magenta, Magenta estuda Artes Cênicas e conta que parte da família veio, na busca de melhores condições de vida, da Bahia e do Rio Grande do Sul. “Cresci em um lar cristão, mas me descobri bicha e tirei o ‘des’ do desviada”, brinca.

Magenta lembra de brincar com os sons e as palavras ainda quando criança. Costumava registrar as coisas que vivia em cadernos, blogs e folhas avulsas. Com o tempo, esses textos passaram a ser manchados pelas violências que sofreu. Hoje, usa a poesia como lugar possível para denúncias.

Foi no Slam DéF, ainda este ano, que ela batalhou pela primeira vez. “Me arrepiei com a atenção que ganhei quando recitava meus poemas”, conta, para acrescentar: “Estar na final me traz a sensação de conseguir encerrar um ciclo, que está mais para um começo, no lugar onde me expus enquanto poeta pela primeira vez, mas bate também certo nervosismo”, relata Magenta.

Expor-se como poeta é importante também para Monrá. É o apelido de infância do vencedor do Slam RJ 2021 e Slam RS 2020, o carioca Ramon da Cunha, morador do bairro da Lapa. “Espero que, para além de notas, possamos desabafar nossos sentimentos em nossas linhas”, assevera.

“Mundo precisa ouvir”

Os protestos dos participantes do evento são críticas a diversas formas de preconceito e discriminação na sociedade. “O sistema quer que você se cale, mas o mundo precisa ouvir o que você tem para dizer”, diz um trecho da letra de música de William Thomaz, conhecido como Mano Dáblio.

O poeta começou a gostar de poesia ao ver a irmã e as amigas trocando papel de carta. Logo, conheceu o rap e, no orfanato, onde passou grande parte da infância, desenvolveu sua arte. “Mesmo atuando, demorei 17 anos pra gravar ou publicar algo” revela mano Dáblio.

Ele se autodeclara “atleta da poesia” que busca aprender, trocar, se divertir e representar sua “quebrada” com muito trabalho, empenho e preparo.

“Quem não aproveita o evento pode estar lá em corpo, mas, para

sentir, precisa estar presente”, afirma. “Todos os momentos marcam, mas ir representando o Slam-DéF no Distrital é incrível”, aponta Mano Dáblio.

“Rap entrou na minha vida”

Do rap para a poesia também é a mesma trajetória traçada pelo estudante e finalista do Slam-DéF Raulf Henrique Gomes Jatobá, de 18, mais conhecido como Jatobá. “Em 2017, quando o rap entrou na minha vida, me transformou completamente”, lembra.

Ele diz ter conhecido a “poesia marginalizada”, em 2019, em evento artístico de sua escola. “Em 2020, entrei de cabeça, mas veio a pandemia. Só que também houve o cenário online, o que me possibilitou participar de muitos Slams, e, em 2021, participei de muito mais ainda”, conta.

Jatobá diz que ser ouvido é o seu principal objetivo. Ele aponta a dificuldade que enfrenta para ser artista independente e, assim como os demais finalistas, almeja a premiação em dinheiro da competição. 

Yandra Ramos Braga, nascida em Montolvânia (MG) de 22, popularmente conhecida como Yra, conta que, no ano passado, em plena pandemia da covid-19, conseguiu publicar seu primeiro livro. A obra reúne suas poesias produzidas de 2015 a 2020.

Aos 16 anos de idade, ela viu os negócios de seu pai irem à falência. A família passou a morar nas periferias do DF. Suas mães Milene Ramos da Rocha e Paula Rejane ensinaram o gosto pela leitura. Atualmente, Yandra estuda licenciatura em artes visuais e trabalha com grafite. Aos 19 participou de seu primeiro Sarau no Recanto das Emas.

“O que me levou a escrever poesias foi a música e minha falta de talento para fazer melodias. Ainda não tive um momento de destaque no Slam-DéF, mas está chegando minha hora de brilhar, me aguardem”, diz Yandra.

Outro finalista, o candango Magno Jose Soares Junior, de 31, afirma que usa a poesia como “terapia, um reflexo do cotidiano, em forma de autocuidado, autoconhecimento e amor próprio”.

 “Cada evento traz enormes aprendizados. Estar ao lado de pessoas e artistas que admiro já é uma vitória, pela troca de informação, de ideias e pontos de vista”, diz o poeta.

O coordenador do projeto Slam DéF destaca a sobrevivência da cultura na pandemia. “Mesmo que online, isso, para mim, é fenomenal”, afirma Will Júnio, de 30. Ele é morador do município de Novo Gama (GO), professor de Língua Portuguesa, organizador e apresentador do Slam-DéF, artista, compositor e poeta.

Will trabalha com a cultura desde 2012. Foi representante do DF no Slam-BR e da Festa Literária das Periferias, em 2015, assim como jurado do Duelo Nacional de MC’s, em 2017, em Belo Horizonte.

A perspectiva de Will para a final é boa, pois a batalha conseguiu integrar participantes de outros estados. “Então, vai ser uma disputa muito linda. Que vença o melhor”, destaca Will.

O vencedor receberá prêmio de R$ 1 mil em dinheiro. O segundo lugar, R$ 600, e o terceiro, R$ 400.

*Estagiário integrante do programa de estágios da FAP, sob supervisão do jornalista Cleomar Almeida

Batalha de Poesias Slam-DéF
Dia: 2/12/2021
Horário da transmissão: 19h30
Onde: portal da FAP, redes sociais da entidade (Youtube e Facebook) e página da Biblioteca Salomão Malina no Facebook.
Realização: Slam-DéF, em parceria com Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP)

Privacy Preference Center