Day: maio 18, 2021

El País: 8 anos e 12 quilos, a criança com malária e desnutrição que simboliza o descaso com os Yanomami

Beatriz Jucá, El País

Uma rede escura acomoda o corpo miúdo de uma criança Yanomami tão magra que é possível ver sua pele moldar as costelas. A fotografia de uma menina de oito anos que pesa apenas 12,5 quilos (o peso mínimo normal para a idade seria de 20 quilos), feita na aldeia Maimasi em Roraima, expõe um problema crônico de desassistência à saúde que os povos indígenas enfrentam no coração da Amazônia ―e que vem crescendo ano após ano. A criança estava acometida por malária, pneumonia, verminose e desnutrição, em uma região sem visitas regulares de equipes sanitárias e que fica a 11 horas a pé do polo de saúde mais próximo. Ela teve sua imagem capturada dias antes de ser transferida de avião a um hospital da capital Boa Vista no dia 23 de abril, onde já se recuperou da malária, mas segue em tratamento para os outros problemas. Virou símbolo do histórico descaso do Brasil com o povo Yanomami, que luta para sobreviver em meio a uma junção de graves crises: a escalada de violência por garimpeiros ilegais, os impactos ambientais que levam fome a algumas regiões e a fragilidade do acesso à atenção sanitária.

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“Na cultura Yanomami a gente não pode demonstrar imagem de criança, frágil, doente. Mas é muito importante [fazer isso] pela crise que estamos vivendo”, explica o líder indígena Dario Kopenawa, ao autorizar a publicação da fotografia nesta reportagem. Para esta etnia, a imagem da pessoa é parte importante dela e disseminá-la em uma situação de enfermidade pode enfraquecê-la ainda mais. Até quando se morre, é preciso queimar todas as lembranças de quem partiu para preservar seu espírito no mundo dos mortos. Mas a comunidade decidiu divulgar a fotografia enquanto a criança tenta se recuperar para denunciar aos napëpë ―como chamam os não indígenas― seu sofrimento diante da grave crise de saúde que os ameaça.

“Esta foto é uma resposta da violação de direitos dos povos indígenas”, resume Kopenawa. Enquanto a malária e a covid-19 avançam sobre as aldeias, lideranças narram que equipes de saúde foram reduzidas com profissionais afastados por covid-19 e outras doenças, postos de saúde foram fechados temporariamente e falta helicóptero para transporte de pacientes em áreas de difícil acesso. “A gente sofre há muito tempo sem estrutura boa, sem todos os profissionais completos pra dar assistência. Com a pandemia, piorou”, destaca Konepawa. O problema afeta especialmente as comunidades mais isoladas, que dependem de visitas esporádicas das equipes. “Tem locais que estão ainda sem vacinação contra a covid-19 porque não têm profissionais. São comunidades que ficam longe dos postos, não têm como chegar”, acrescenta Júnior Yanomami, membro do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), um órgão responsável pelo controle social das ações governamentais. No Brasil, os grupos indígenas são prioritários na fila de vacinação.

“A saúde Yanomami está abandonada. Falta tudo”

“A saúde Yanomami está abandonada. Falta tudo”, continua o líder indígena. Segundo ele, a aldeia Maimasi, que vive um surto de malária e onde várias crianças padecem com desnutrição e verminoses, não recebia visita de equipes de saúde havia seis meses, quando profissionais atenderam a criança da fotografia (divulgada por um missionário católico e publicada pela Folha de S. Paulo), no final de abril. A equipe não dispunha de medicamentos suficientes para todos os que precisavam, conta o indígena. A Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), responsável pela atenção aos povos originários, dá uma versão diferente: diz que o atendimento ocorreu dia19 de março, “mas a família não autorizou a remoção para uma unidade de saúde”. Também garante ter estoque suficiente de medicamentos e ter contratado profissionais de saúde, mas não esclarece qual é a frequência das visitas à aldeia. A Sesai tampouco informa ao EL PAÍS sobre a incidência de malária, desnutrição e mortalidade infantil para dar a dimensão do crescimento das doenças na região.

Esses problemas de saúde não são generalizados em todo o território Yanomami ―tão vasto quanto a área de um país como Portugal―, mas estão presentes em várias comunidades. Um estudo realizado por pesquisadores da Fiocruz em duas áreas do território ―Auaris e Maturaká― e divulgado no ano passado dá pistas sobre o tamanho do problema: 80% das crianças de até 5 anos apresentavam desnutrição crônica e 50% desnutrição aguda nestes locais. A situação está relacionada desde à escassez de água potável até a falta de acompanhamento nutricional e de pré-natal na gestação. Passa ainda pelos quadros de verminoses, malária e diarreia frequentes nas comunidades, sem ações preventivas de saúde fortes. “Desde 2019, relato as necessidades e pedimos socorro ao Governo”, diz Júnior Yanomami. “Agora está pior. Aumentou muito a desnutrição. Onde tem garimpo forte tem o problema da fome. E na pandemia aumentaram as invasões. Como eu vou explicar a fome dos Yanomami? Eles [os garimpeiros] sujam os rios, destroem a floresta, acabam a caça. Nós nos alimentamos da natureza”, explica o indígena.

Os moradores da Maimasi são descendentes de um dos grupos mais afetados pela abertura da estrada Perimetral Norte (BR-210) na década de 1970, durante a ditadura militar. Naquela época, parte significativa do grupo morreu diante de surtos de sarampo e outras doenças levadas pelos trabalhadores das obras. Há anos, eles cobram um posto de saúde, mas por enquanto seguem dependendo de visitas esporádicas da equipe de saúde à comunidade. A situação que já era difícil ficou pior especialmente a partir do ano passado. As visitas diminuíram enquanto cresceram as atividades de garimpeiros ilegais, aumentando a chance de doenças transmissíveis e a violência. E os casos de malária, enfrentados pelos indígenas há décadas e considerados “endêmicos” pela Sesai, seguem crescendo. Segundo Júnior Yanomami, só neste ano já foram identificados cerca de 10.000 casos, o que corresponde a pouco mais de um terço de toda a população yanomami, de cerca de 29.000 pessoas. “A criança na foto provavelmente expressa esse somatório de tragédias”, afirma uma nota da Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana.

“Nosso território está vulnerável com tantos problemas ao mesmo tempo”

Os vários problemas sanitários, ambientais e sociais enfrentados não estão dissociados. O desmatamento na Amazônia no último mês de abril foi o maior em seis anos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. O desmatamento tem crescido ano após ano, e o desequilíbrio ambiental interfere na alimentação dos povos da floresta, que se alimentam do que colhem, pescam e caçam nas comunidades mais isoladas. Em várias áreas, a presença de garimpeiros e madeireiros ilegais leva ainda à contaminação de rios com mercúrio, contribuindo para desnutrição, desidratação e diarreia. Com os recursos diminuindo na floresta e a fome à espreita, alguns indígenas acabam trabalhando com não indígenas e aderindo a uma alimentação industrializada e menos nutritiva. “Não dá para generalizar que as crianças estão morrendo desnutridas, com fome. Tem esse problema onde há presença dos garimpeiros. Onde não tem garimpo as crianças estão saudáveis, comendo bem e cuidando de suas atividades. O que falta é assistência de saúde”, defende Kopenawa.“A vida do povo Yanomami está em risco. Nosso território está vulnerável com tantos problemas ao mesmo tempo.”

A escalada da violência com garimpos ilegais

Às crises sanitária e ambiental, soma-se ainda uma escalada de violência em algumas regiões. É o caso da comunidade indígena Palimiu, em Roraima. Há uma semana, a aldeia enfrenta ataques de garimpeiros, com tiros, bombas e gás lacrimogêneo contra os indígenas. Na última terça, garimpeiros ilegais trocaram tiros com a Polícia Federal durante uma visita para averiguar as denúncias de ataques à aldeia. “Eu nunca tinha visto tantos tiros. Só em filme. Eles [garimpeiros] eram muitos e tinham armamento pesado”, conta Júnior Yanomami, que estava na comunidade naquele momento. No ano passado, os indígenas criaram uma barreira sanitária para evitar a passagem de garimpeiros e tentar frear a disseminação do coronavírus. Mas o rio Uraricoera, onde fica a barreira, é uma das principais rotas para a atividade. No dia 24 de abril, os Yanomami impediram a passagem de um grupo. Tentaram negociar para que não voltassem. A resposta, segundo Júnior Yanomami, veio meio hora depois, com tiros em direção à comunidade. Os indígenas revidaram com flechas e tiros de espingarda.

Os vários conflitos na última semana, segundo relatam os indígenas, deixaram três garimpeiros e um Yanomami feridos. Duas crianças teriam morrido afogadas enquanto fugiam dos tiros, segundo lideranças. O último ataque, dizem, foi na noite de domingo. “É uma coisa muita séria. Todos lá estão com muito medo. Eu também fiquei”, emenda Júnior Yanomami. “Tem Yanomami correndo risco. Tenho medo de acontecer um massacre a qualquer momento. O Governo Federal tem que se mexer”, clama.

Entidades indigenistas veem o posicionamento do presidente Bolsonaro, que já fez declarações contra a demarcação da terra indígena Yanomami e costuma defender a regularização do garimpo nos territórios, como um estímulo aos conflitos. Na última quarta-feira, o Exército até deslocou homens para a comunidade, mas os retirou horas depois. A 1ª Brigada em Boa Vista não respondeu à reportagem se reenviará os militares e o que motivou a retirada deles. A Polícia Federal, por sua vez, deve retornar para investigar o caso. Enquanto isso, os indígenas seguem em estado de alerta e medo, contam lideranças. Até que a situação se modifique, devem ficar também sem os serviços de saúde, já que a Sesai retirou os profissionais diante da gravidade da situação. “A unidade de atendimento será reaberta tão logo seja possível atuar em segurança”, afirma a secretaria, acrescentando que atendimentos de urgência serão realizados pontualmente no distrito sanitário indígena que fica fora do território. Já a Fundação Nacional do Índio não retornou os contatos da reportagem. “O clima é de medo. Muito medo. Agora só eles estão lá. Não tem PF, Exército nem Saúde. Estão sozinhos para defender a sua comunidade”, finaliza Júnior Yanomami.

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-17/8-anos-e-12-quilos-a-crianca-com-malaria-e-desnutricao-que-simboliza-o-descaso-com-os-yanomami-no-brasil.html


O Globo: Com vacinação lenta e isolamento baixo, cientistas preveem terceira onda de Covid-19 no país

Suzana Correa, O Globo

SÃO PAULO — O Brasil registrou queda de 19% na média móvel de mortes por Covid-19 nas duas últimas semanas. Em 18 das 27 unidades de federação, o índice está caindo, mostrou o boletim do consórcio da imprensa nesta segunda-feira. Apenas um estado está em viés de elevação na última quinzena, enquanto oito permaneceram em tendência estável (variação menor de 15% para mais ou para menos). Os números trazem esperança no combate à pandemia, mas projeções feitas por cientistas nos EUA e Brasil, no entanto, acenderam o alerta de especialistas sobre a possibilidade de uma terceira onda no país, com nova alta de óbitos.

Preocupação:  Fiocruz alerta que terceira onda pode representar crise sanitária ‘ainda mais grave’

— Evitá-la vai depender muito da vacinação, que já se mostra efetiva na redução de mortes e internações. Temos que vacinar 1,5 milhão de pessoas ao dia, idealmente 2 milhões. E ter cautela na flexibilização das medidas de isolamento — explica Ethel Maciel, professora da UFES e doutora pela Univesidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.

Sem o avanço na vacinação, o Instituto de Métricas de Saúde e Avaliação da Universidade de Washington, nos EUA, que tem se destacado por suas projeções certeiras desde o início da pandemia, indica que o país poderá chegar à trágica marca de 751 mil mortes por Covid-19 até 27 de agosto. E isso em cenário que inclui o uso de máscaras por 95% da população no país.

No pior cenário projetado pelos analistas americanos, em que a variante P.1, que emergiu em Manaus e já se espalhou por 16 países latino-americanos, continue se espalhando e vacinados abandonem o uso de máscara, o país pode voltar ao patamar de 3.300 mortes diárias em torno de 21 de julho e alcançaria 941 mil mortes em 21 setembro.

Os dados do Instituto de Métricas são usados em avaliações da pandemia pela Casa Branca e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), braço latino-americano da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Até agora, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa, o Brasil já perdeu 436.862 vidas para a Covid-19. E o aumento de mortes, frisam os especialistas da universidade americana, é esperado mesmo com a redução nas internações em UTIs e na média diária de óbitos, em comparação com abril, devido à previsão de aumento nas infecções e redução no uso de máscaras e distanciamento social.

Para evitar uma terceira onda devastadora, a aceleração na vacinação é uma das medidas centrais apontadas pelos especialistas. Segundo painel da Universidade de Oxford, o Brasil atingiu média diária de aplicação de 1,1 milhão de doses em 13 de abril, mas a quantidade foi caindo ao longo do mês e chegou a 429 mil doses no último dia 12 de maio. O país tem hoje cerca de 70 mil novos casos diários da doença, patamar considerado alto pelos especialistas, e apenas 9% de brasileiros vacinados com a segunda dose.

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Cláudio Struchiner, médico e professor de Matemática Aplicada da FGV, pondera que instituições brasileiras evitam realizar projeções de longo prazo como as realizadas pela Universidade de Washington devido à alta incerteza que permeia o cenário da pandemia no Brasil.

— Há muitas variáveis incertas: [ritmo de] vacinação, relação Brasil e China [fornecedora de insumos para as vacinas aplicadas aqui], novas cepas, incidentes com a vacina que interferem na sua aceitação, duração da imunidade, subnotificação, sazonalidade. Dito isso, o Instituto de Métricas é sério e experiente, e as projeções para o Brasil são, sim, plausíveis — afirma.

Outra projeção, da Rede Análise Covid-19, que conta com uma equipe multidisciplinar de pesquisadores pelo Brasil, alerta que o país apresenta tendência a picos de casos da doença — como os observados em julho de 2020 e início de 2021. Ao pico segue-se uma queda, estabilização e, em seguida, novo aumento. Os dados atuais, de acordo com a Rede Análise Covid-19, mostram justamente que o país está no momento às vésperas de um novo aumento de casos.

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Já a plataforma de dados da USP e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) projeta que o total de casos no país deve passar de cerca de 15,4 milhões em 14 de maio para 16,1 no dia 23 de maio, também cravando curva ascendente.

O GLOBO questionou o Ministério da Saúde e perguntou quais projeções embasam as medidas da pasta, o que tem sido feito para evitar ou lidar com uma terceira onda no país, qual a posição sobre as projeções e se há previsão de reforço nos estoques de oxigênio e remédios para intubação durante essa possível terceira onda. O Ministério respondeu apenas que “não comenta sobre projeções”.

Gulnar Azevedo, pesquisadora do Instituto de Medicina Social da UERJ, diz que, apesar das quedas, “a média de mortes em cerca de 2 mil ainda é alta”.

— O vírus continua circulando, e entraremos no inverno, quando o tempo mais frio favorecerá o aumento de casos do vírus — diz Azevedo.

Novo pico

Boletim do Observatório da Covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz alertou, na última quinta-feira, justamente para a intensa circulação do vírus no país, apesar da “ligeira redução” nas taxas de mortalidade e na ocupação de leitos de UTI no país. “Uma terceira onda, agora, com taxas ainda tão elevadas, pode representar uma crise sanitária ainda mais grave”, informa o boletim.

Leonardo Bastos, estatístico da Fiocruz, avalia que o país reúne as condições necessárias para uma nova onda da doença, devido a combinação perigosa: alto patamar de infecções e hospitalizações, número alto de cidadãos que não contraíram a doença (e, portanto, não produziram anticorpos contra a infecção), ritmo lento da vacina, redução no uso de máscaras e abertura acelerada nos estados que haviam intensificado medidas de distanciamento. Ele alerta também para a chegada de novas variantes, como a indiana, e o surgimento de cepas que possam reinfectar vacinados.

Carlos Lula, secretário de Saúde do Maranhão e presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), vem cobrando o governo federal para tomar medidas de âmbito nacional a fim de conter a disseminação do vírus, a entrada de novas variantes e a continuidade da regulação do mercado de medicamentos nacionais:

— É indispensável entendermos o que aconteceu na segunda onda, com problemas no kit intubação, dificuldade de se prover oxigênio, medicação necessária e testagem insuficiente. É preciso solucionar esses entraves, intensificar as compras e já ter o estoque de precaução — diz.

*Estagiária, sob supervisão de Mauricio Xavier

Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/com-vacinacao-lenta-isolamento-baixo-cientistas-preveem-terceira-onda-de-covid-19-no-pais-25018581


Agência Brasil: Abuso sexual infantil – Como identificar, prevenir e combater

Claudia Felczac, Agência Brasil

Há exatos 48 anos, a pequena Araceli desapareceu em Vitória, no Espírito Santo. Só foi encontrada seis dias depois. Espancada, estuprada, drogada e morta. Seu corpo foi desfigurado com ácido. Os suspeitos foram absolvidos e o crime, arquivado. A data do assassinato ficou marcada e, no ano 2000, foi instituído o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, lembrado hoje (18). O assassinato brutal de Araceli é apenas a faceta de um crime que acontece diariamente dentro dos lares. Nem todos terão esses requintes de crueldade e nem todos serão cometidos por psicopatas ou pessoas fora da lei. A maioria deles vai ocorrer com quem já tem a confiança da criança. “Infelizmente o pedófilo, o abusador, ele está dentro de casa ou frequenta a casa ou faz parte do núcleo familiar em que aquele menor convive”, afirma Raquel de Andrade, presidente do Instituto Infância Protegida, organização não governamental (ONG) do Espírito Santo que dá amparo jurídico e psicológico a crianças, adolescentes e adultos vítimas de violência sexual.

Foi exatamente o que aconteceu com M.C, hoje com 31 anos. “Não sei ao certo em qual idade começaram os abusos, tenho alguns flashes de cenas aos 8 ou 9 anos. Um amigo do meu pai, devia ter seus 60 anos, alcoólatra e fumante (digo isso porque o cheiro dele não esqueço) me pegava em um canto, em churrascos nos finais de semana, onde todos os adultos estavam, sem condições de zelar pelo bem-estar das crianças. Fazia isso comigo e com a minha irmã ao mesmo tempo”, lembra. Infelizmente, esse não foi o único episódio de abuso pelo qual ela passou: “Pouco tempo depois, um professor particular me dava aulas de violão em casa. Eu com 11, ele com 35. Ele me disse, depois de uma aula, que eu era muito bonita, que tinha um estilo legal e me pediu um beijo”, relata.

Os abusos deixaram marcas. “Aos 11, eu me cortava e pensava bastante em suicídio”. Mesmo assim, seu pai não acreditou. Obrigou M.C. a conviver com o amigo abusador até que ele morresse. “Me levou ao velório, inclusive.”

Aos 13, mais uma vez, M.C. foi vítima de quem mais confiava. Dessa vez, uma amiga, com 25 anos, que a convidou para passar a semana em sua cidade. “Quando cheguei, ela me mostrou vídeos pornôs e prostitutas na rua, me explicou o que era sexo porque eu ainda não sabia bem. Me oferecia bebidas e drogas, fazia com que eu me sentisse descolada e importante. Tive relações com o seu irmão, foi a minha primeira vez. Chorei assim que acabou.”, lembra. Depois disso, a amiga a convenceu a manter relações com outras pessoas. Mesmo traumatizada, M.C. acreditava que tinha se tornado adulta e experiente. Só anos depois, percebeu que havia sido aliciada. “Sinto que um pedaço de mim, que me trazia inocência e vivacidade, foi roubado antes que eu tivesse consciência dele”, lamenta.

A presidente do Instituto Infância Protegida vai além quando diz que não existe perfil de abusador: embora a maioria seja do sexo masculino, mulheres também abusam, como babás, funcionárias de creche, mães, avós. “Um caso em especial que estamos cuidando é o de uma que mãe precisava trabalhar e deixou a criança com a avó. A avó estava abusando da criança”, conta.

Para se ter uma ideia do volume de abusos, de 2011 ao primeiro semestre de 2019, foram registradas mais de 200 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes, segundo dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, por meio do serviço Disque 100.

Como perceber 

 

Arte/Agência Brasil

De acordo com Elaine Amazonas, assistente social e gerente de projetos na Bahia da ONG Plan International, que promove os direitos das crianças, identificar os sinais de um abuso não é fácil pois, na grande maioria das vezes, o abusador não deixa sinais físicos. Segundo ela, é preciso estar atento às mudanças repentinas de comportamento: “Muitas vezes a criança se apresenta mais irritadiça, apresenta ansiedade, dores no corpo, na cabeça, barriga, sem uma explicação mais lógica. [Apresenta] alterações gastrointestinais. Raiva, rebeldia. Muitas crianças ficam mais introspectivas, não querem conversar, têm pesadelos constantes voltam a fazer xixi na cama, chupar dedos”, enumera.

Raquel Andrade acredita que importantes formas de prevenção são a cumplicidade e o diálogo constante com os filhos: “Que os pais se esqueçam um pouco deles e se doem mais aos filhos. Tem pai que acha que é perder tempo sentar junto com o filho. Não é perder tempo, é qualidade de vida, é salvar o seu filho, é salvar a sua filha. Então senta, conversa, mostra os perigos que eles estão correndo. Quem sabe isso seja uma forma de evitar um mal pior”, diz. Ela orienta que, durante essas conversas, os pais expliquem às crianças que não é qualquer pessoa que pode tocar nelas, que não devem conversar com estranhos nem mesmo pela internet.

A presidente do Instituto Infância Protegida lembra que hoje já existem aplicativos para computadores e dispositivos móveis que podem rastrear tudo que a criança vê e com quem ela conversa: “Os pedófilos muitas vezes se escondem atrás da tela de um computador, de um celular, de um tablet achando que internet é terra de ninguém. Então, a prevenção é muito importante”.

Cartilha

A Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do governo federal atualizou a cartilha com informações sobre abuso sexual. Nela constam informações como os conceitos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, mitos e verdades sobre esses crimes, métodos do agressor e perfil das vítimas. “O conhecimento sobre a rede de proteção dos menores de idade também é muito importante para estabelecer o vínculo entre o Estado e a sociedade para o enfrentamento dos casos.”, diz o secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Maurício Cunha.

A iniciativa é uma das ações do Maio Laranja, criado exatamente para incentivar a realização de atividades que possam conscientizar, prevenir, orientar e combater o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes durante todo o mês de maio. Como parte das ações programadas, ontem (17) o governo lançou o Programa Nacional de Enfrentamento à Violência Contra Crianças e Adolescentes.

Tanto o Instituto Infância Protegida quanto a ONG Plan International estão com uma série de lives com profissionais para esclarecer os principais temas referentes ao abuso infantil.

Ajuda

Arte/Agência Brasil

O governo federal disponibiliza diversos de canais para atendimento às vítimas do abuso infantil. Entre eles está a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, que funciona por meio do serviço Disque 100 e que conta agora com números no WhatsApp e Telegram (basta apenas digitar Direitoshumanosbrasilbot no aplicativo). “São aplicativos onde se pode passar áudios, fotos e vídeos. A vítima pode gravar os abusos e passar por esses canais. É uma forma de denunciar e inibir a ocorrência de mais casos.”, afirma Maurício Cunha.

Outra forma de denunciar é buscar o conselho tutelar. Eduardo Rezende de Carvalho, conselheiro tutelar no Distrito Federal há cinco anos, conta como funciona o trâmite dessas denúncias. “A partir do registro, levamos ao conhecimento da autoridade policial para fazer o corpo de delito, depois identificamos o possível agressor, solicitamos ao Judiciário o afastamento como medida de proteção, caso se configure o fato, e encaminhamos ao programa de atendimento às vítimas”.

Segundo o secretário, o Brasil dispõe  de uma rede de proteção preparada e capaz de lidar com diversos graus de abusos e exploração sexual de meninos e meninas. “Desde o ano passado, 672 conselhos tutelares já receberam veículos zero quilômetro e equipamentos para a melhoria da infraestrutura no atendimento a crianças e adolescentes de todo o país. Os kits foram entregues pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) nas cinco regiões do país. O conjunto de equipamentos inclui, além dos automóveis, computadores, refrigerador, bebedouro, smart TV, ar condicionado portátil, cadeirinha para automóvel e impressora”, afirma.

De acordo com a gerente de Projetos da Plan International, toda criança e todo adolescente que sofreram violência sexual precisam receber um acompanhamento psicológico para ajudá-los a entender e ressignificar o que aconteceu. “A gente precisa lembrar o tempo todo que a vítima não é a culpada”, diz. Segundo ela, cada criança vai reagir de uma forma. Algumas terão o poder de se refazer, conseguindo deixar o trauma para trás, e outras vão apresentar problemas psiquiátricos, psicológicos, terão dificuldades em suas relações interpessoais. “Nenhuma criança ou adolescente passa por isso incólume”, diz.

 

Fonte:

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-05/abuso-sexual-infantil-como-identificar-prevenir-e-combater#


Agência Brasil: País comemora o Dia Internacional dos Museus com programação especial

Flávia Albuquerque, Agência Brasil

Programação especial para comemorar o Dia Internacional de Museus, celebrado hoje (18),  já está disponível para o público de todo o país. As atividades fazem parte da 19ª Semana Nacional de Museus, que conta com a mobilização de instituições museológicas de vários estados. O tema deste ano é O futuro dos museus: recuperar e reimaginar. As atrações prosseguem até o dia 23 de maio.

Serão realizadas, entre outras atividades, palestras, exibição de filmes, contação de histórias, oficinas, shows musicais e rodas de conversa.

“O tema propõe a reflexão sobre o futuro dos museus. Reimaginar um futuro para os museus significa não apenas dialogar com os avanços tecnológicos e os recursos e ferramentas deles advindos, mas também compreender como afetam a maneira de ser e de estar no mundo”, informou, em nota, o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram).

Informações sobre a 19ª Semana Nacional de Museus podem ser acessadas por meio do site do programa, por regiões, cidades e instituições participantes. Basta escolher a região e a cidade de interesse.

O formato busca rápida permite ao usuário encontrar atividades por estado, cidade, museu ou palavra-chave. Para esclarecer dúvidas também é possível escrever para o site.

Fonte:

Agência Brasil

https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-05/pais-comemora-o-dia-internacional-dos-museus-com-programacao-especial

 


Juan Arias: General da ativa com medo de declarar na CPI humilha o Exército

Nada mais humilhante para um militar da ativa ―e ainda mais para um general três estrelas como Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde― do que revelar medo e covardia. E o pior é que essa imagem de medo pode acabar afetando a imagem positiva que a instituição militar vinha tendo até agora. Ver um general como Pazuello incapaz de enfrentar uma CPI de peito aberto tem que humilhar até os simples soldados, que devem se sentir desconcertados.

Já pouco importa o que o general ex-ministro diga ou silencie. Seu comportamento de medo que o levou a se refugiar em um habeas corpus preventivo no Supremo para permanecer mudo ante as perguntas dos senadores já é uma demonstração de confissão de culpa.

Se, como já havia confessado Pazuello, ele se limitou a cumprir ordens do presidente Bolsonaro, considerado naquele momento seu superior hierárquico, bastava, como fizeram os ministros anteriores, pedir demissão e voltar ao Exército. Atribuir a atitude do general à sua personalidade difícil parece estranho para quem deveria dar exemplo, não apenas de uma pessoa que não teme a verdade, mas que também tem orgulho de aceitar que errou.

Ainda não sabemos como acabará a novela do general que pediu que permanecesse calado no Senado. Nem mesmo se ela acabará sendo escrita em sua testa por sua atitude de medo, a maior desonra para um militar ―ainda mais da sua categoria.

O general, hoje preso em sua narrativa nebulosa de comportamento, teria apenas uma forma de resgatar sua dignidade humilhada. Seria, ao chegar ao Senado, aceitar todas as perguntas que pudessem ser feitas, respondendo com lealdade militar, embora para isto precisasse revelar verdades durante seu período à frente do Ministério da Saúde, correspondente ao maior número de mortos por covid-19, mesmo que elas pudessem comprometer gravemente a imagem do presidente. Uma imagem já mais do que desgastada de um chefe de Estado que acaba de ser visto, internacionalmente, como um dos que pior geriram a pandemia entre os 14 líderes políticos mais importantes do mundo.

Bolsonaro e sua procissão de seguidores fanáticos com instintos de morte passarão, e o Brasil recuperará sua normalidade democrática depois do hiato tenebroso ao qual foi arrastado por um capitão frustrado do Exército. Ele sairá de cena, como indicam as últimas pesquisas, enquanto a instituição das Forças Armadas continuará sendo vital na defesa dos valores democráticos e da Constituição, como foi nos últimos 20 anos com Governos de diferentes tendências políticas.PUBLICIDADE

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O Brasil só pode desejar que a hierarquia do Exército ajude seu general, hoje questionado, a demonstrar que o medo não existe no dicionário militar. A responsabilidade de um desastre ou de uma conduta ditada pelo medo do general na CPI poderia acabar prejudicando gravemente a credibilidade do Exército. O resultado da conduta do ex-ministro em sua convocação à CPI poderá ter consequências inesperadas para o futuro deste país, hoje visto como um fracasso mundial de governo. Não por acaso, faltando 18 meses para as eleições presidenciais, a imprensa mundial continua atenta e preocupada com seu possível resultado e temendo que o bolsonarismo destruidor possa continuar no poder, o que traria problemas não só no cenário já turbulento da América Latina, mas no mundo. De fato, o Brasil é visto como um elemento-chave não apenas na economia, como potência mundial que é, mas também no cenário de descrédito da democracia, com o crescimento dos movimentos negacionistas e nazifascistas nos cinco continentes.

O Brasil ―mais especificamente, a CPI da Pandemia― poderia levar à saída de Bolsonaro do Governo, que revolucionaria as eleições do próximo ano. O país vive momentos difíceis, que poderiam ter repercussões negativas para várias gerações. Sabemos como as guerras tradicionais começam, mas não como terminam. O mesmo acontece com as crises políticas. E não é nenhum segredo que no Brasil, governado hoje por um presidente considerado o pior e mais imprevisível de sua história, a responsabilidade do Exército seja crucial, pois do seu apoio ou não ao capitão com vocação de ditador poderá depender o futuro deste país.

Nem vale a desculpa para os militares do medo do comunismo, já que hoje qualquer cidadão minimamente informado sabe que nem o PT nem Lula representaram, nem representam hoje, o comunismo. Basta lembrar as boas relações de Lula em seus Governos com o mundo empresarial e os bancos, que nunca ganharam tanto quanto com ele. Sem contar suas relações estreitas com os partidos conservadores e de direita, que chegaram a preocupar o grupo mais progressista e sindicalista do partido.

O temor da volta de Lula, hoje mais conservador que ontem, não deveria justificar a defesa e o apoio ao capitão agora rechaçado pela maioria da população, que apoia um impeachment do presidente. O Exército pode hoje apoiar candidatos conservadores de direita, que podem governar tranquilos, sem o perigo de uma involução do Brasil para uma aventura como a venezuelana pela ânsia patológica de Bolsonaro, que já deu provas irrefutáveis de incapacidade profissional e psíquica para governar o quinto maior país do mundo.

O Exército brasileiro está em uma encruzilhada histórica, da qual depende sua credibilidade. Seu comportamento diante da tão esperada conduta do general Pazuello na CPI da Pandemia poderá arrastar as Forças Armadas para uma grave crise no já obscuro panorama político e econômico deste país.

Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como Madalena, Jesus esse Grande Desconhecido, José Saramago: o Amor Possível, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-05-17/general-da-ativa-com-medo-de-declarar-na-cpi-da-covid-humilha-o-exercito.html


Gaudêncio Torquato: O desmonte da ciência

É crise puxando crise. Mais uma agora ameaça jogar a ciência brasileira ou seus entulhos no fundo do poço. As instituições de ensino superior e técnico estão recebendo apenas 2,22% dos recursos anuais a que têm direito, deixando perplexos reitores de universidades federais e o alunado que recebe bolsas, comprometendo a assistência estudantil, frustrando pesquisadores, enterrando descobertas da ciência em profundo fosso.

Um desmonte nunca visto, daí a pergunta: qual o nome do ministro da Educação? E tudo isso ocorre em paralelo ao negacionismo dos gestores públicos, a partir do presidente da República, na administração da pandemia da Covid 19.

Impactos podem ser sentidos nos próprios campi, como o da Universidade Federal do Rio de Janeiro, antes um centro de excelência, entre os melhores do mundo. Hoje quase em ruína. Saudosos tempos da Universidade do Brasil. O que diriam alguns de seus reitores do passado, como Benjamin Franklin Ramiz Galvão, primeiro reitor e ex-membro da Academia Brasileira de Letras (ABL); o médico Raul Leitão da Cunha, o ex-ministro da Educação e Saúde Pedro Calmon e outros tantos deste naipe? Teriam vergonha do Brasil. Mas o feio retrato se vê em todo o País.

Alegam cortes para viabilizar o chamado “teto de gastos”. Isso justifica o desmanche brutal? A imagem é necessária: para salvar a vida de uma pessoa, ao invés de amputar um dedo, um braço, extirpam-se as veias. Claro que não haverá salvamento. Assim agem os burocratas. Ora, a educação é a base de uma Nação. Sem ela não há processo civilizatório, progresso, vida saudável. E um território deixa de ser Nação para virar só um pedaço de terra.

Sem educação emerge aquela moldura descrita pelo filósofo argentino José Ingenieros: “em certos períodos, a nação adormece dentro do país. O organismo vegeta; o espírito se amodorra. Os apetites acossam os ideais, tornando-os dominadores e agressivos. Não há astros no horizonte, nem auriflamas nos campanários. Não se percebe clamor algum do povo; não ressoa o eco de grandes vozes animadoras. Todos se apinham em torno dos mantos oficiais, para conseguir alguma migalha da merenda. É o clima da mediocridade… O culto da verdade entra na penumbra, bem como o afã de admiração, a fé em crenças firmes, a exaltação de ideais, o desinteresse, a abnegação — tudo o que está no caminho da virtude e da dignidade.”

E onde está a política no meio dessa mediocridade? Preocupada com outras coisitas que lhe rendem recompensas, como votos. Verbas para comprar tratores, inserir emendas no Orçamento, participar de foros com visibilidade midiática. Assim é a vida da representação parlamentar. Será que suas excelências não devem nada à educação que impulsionou suas vidas? Preferem a balança do pragmatismo: o que pode ser melhor para mim nesse momento?

E a ciência, mesmo sob loas e aplausos de alguns, acaba sacrificada por “outras prioridades”. O que diz o MEC? Os recursos, infelizmente, estão “condicionados”. Ou seja, condicionaram a educação. A esta altura, alguém sabe responder à pergunta acima: como é mesmo o nome do ministro da Educação?

P.S. O clamor foi tão intenso que o governo acabou dando um pouco mais de recursos às Universidades.

Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político

Fonte:

Metrópoles/Blog do Noblat

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/o-desmonte-da-ciencia-por-gaudencio-torquato


Pedro Fernando Nery: Salário dos militares do governo pode chegar a R$ 80 mil com teto duplex

Militares não se aposentam. Foi assim que sempre argumentaram as Forças Armadas para se livrar da equiparação das regras previdenciárias com civis.

Militares se aposentam: e os ministros militares do governo são aposentados. É o que buscou a Defesa para se livrar do limite remuneratório (conhecido como teto). Argumenta-se que esses generais devem poder receber acima do limite/teto acumulando “aposentadoria” e o salário de ministro.

Estariam, assim, incluídos nas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) que permitem – excepcionalmente nesses casos – que o teto remuneratório seja dobrado, aplicado separadamente a cada um dos pagamentos, e não à soma deles (aposentadoria+salário).

Deixa de valer, assim, o limite de R$ 39,2 mil, o salário de ministros do Supremo que é a remuneração máxima no serviço público. Com a dobra do limite feita, o chamado “teto duplex” iria para quase R$ 80 mil. É 70 vezes o soldo dos recrutas. A mudança decorre de uma portaria do Ministério da Economia (que, aliás, não diz como vai pagar, violando a Lei de Responsabilidade Fiscal).

Militares da reserva com cargos no governo serão beneficiados, porque até então o acúmulo de salário e aposentadoria esbarrava no teto. Agora, o limite será o teto dobrado. Haverá aumentos para o presidente, mas principalmente para os generais. Segundo jornais, o vice Mourão receberia mais de R$ 63 mil mensais a partir de agora, os ministros Braga Netto, da Defesa, R$ 62 mil; Heleno, da Segurança Institucional, R$ 63 mil; e Ramos, da Casa Civil, R$ 66 mil.

A alegação para a portaria seria o cumprimento de uma decisão do STF, que permitiu que o limite remuneratório de R$ 39,2 mil seja observado separadamente para aposentadoria e para salário. Seria, assim, um limite para cada vínculo. Mas militar na reserva perde o vínculo?

A Constituição prevê que a aposentadoria afasta o vínculo com o empregador, seja na iniciativa privada ou no governo. Só que militares sempre justificaram que não se aposentam, que há apenas uma “transferência para a reserva remunerada”, que seguem à disposição do Estado e que podem ser convocados.

O TCU também havia decidido em anos recentes que, “na hipótese de acumulação de aposentadoria com a remuneração decorrente de cargo em comissão, considera-se, para fins de incidência do teto constitucional, cada rendimento isoladamente”. A expressão usada é aposentadoria, o que não se aplicaria aos generais.

Mesmo no STF, a discussão no julgamento da questão não parece ter levado em conta os militares. Por exemplo, o ministro Lewandowski, para quem o teto de R$ 39,2 mil sobre aposentadoria+salário violaria a dignidade da pessoa humana, observou que a aposentadoria é contraprestação por décadas de contribuição.

Mas militares não contribuem para a transferência para a reserva (ou “aposentadoria”), porque esta não seria um benefício (já que ainda estão à disposição etc.). Não é exagero do colunista: nenhum dos generais na reserva contribuiu sequer com um centavo em qualquer mês da carreira militar para o que agora querem considerar uma aposentadoria.

O argumento de que militar não se aposenta foi usado historicamente para evitar a imposição de idades mínimas para aposentadoria (90% sai da ativa com menos de 55 anos, 50% antes de 49), de contribuições de aposentados (como no serviço público civil) e de cálculo de aposentadoria com base na média salarial (como no INSS). Militares ainda têm a integralidade: vão para a reserva com 100% do maior salário. “Os militares nunca tiveram e não têm um regime previdenciário” escreveu Mourão em 2017 no texto “Por que os militares não devem estar na reforma da Previdência?”. O vice prometeu doar o dinheiro.

Agora, para pegar carona nas decisões do TCU e do STF autorizando o limite duplo para aposentados que recebem salário, o governo editou portaria estendendo o limite duplo para “militares na reserva”. As decisões não trataram desses casos, que exigiriam uma emenda à Constituição – já que é controverso o status dos militares da reserva. Qual o limite dos generais?

*Doutor em economia

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,salario-dos-militares-do-governo-pode-chegar-a-r-80-mil-com-teto-duplex,70003718273

 


O Estado de S. Paulo: Ramos assinou projeto que criou orçamento secreto do governo Bolsonaro

Felipe Frazão e Breno Pires, O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – O atual ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, participou diretamente da articulação e criação do orçamento secreto para favorecer políticos aliados do governo, o chamado “tratoraço”. Braço direito de Jair Bolsonaro, Ramos era chefe da Secretaria de Governo quando reformulou uma proposta antes barrada pelo presidente para criar uma emenda de relator-geral usada pela equipe para distribuir R$ 3 bilhões e conquistar o controle do Congresso.


Conteúdo Completo


Em sua sala no quarto andar do Palácio do Planalto, um nível acima do gabinete do presidente, Ramos resgatou um mecanismo incluído pelo Congresso na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas que havia sido vetado por Bolsonaro. Assim, em 3 de dezembro de 2019, o ministro assinou sozinho o projeto de lei que criou a emenda chamada RP9. É um caso atípico, pois propostas sobre orçamento costumam passar pelo crivo do Ministério da Economia.

Desde que o Estadão revelou o orçamento secreto, Bolsonaro tem negado a existência do esquema. O presidente chegou a chamar os jornalistas do Estadão de “idiotas” e “jumentos” por noticiar o caso, batizado de “tratoraço” nas redes sociais por envolver compras de máquinas a preços até 259% acima da tabela de referência do governo. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, sustenta que “é de conhecimento de qualquer jornalista que acompanhe minimamente o noticiário em Brasília que a RP9 foi iniciativa do Congresso”. Os documentos contradizem essa versão.

A operação de Ramos ocorreu três semanas após Bolsonaro vetar a tentativa do Congresso de criar a RP9. A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, tinha convencido o presidente de que a nova emenda engessaria o governo, pois impactava o cálculo do resultado primário, afetando a meta fiscal. Mas, quando Ramos ressuscitou a proposta, Bolsonaro trocou as justificativas técnicas que usou para barrar a medida pela criação de um orçamento que lhe permitira escolher quais parlamentares seriam beneficiados com bilhões de reais.

No mesmo projeto enviado ao Congresso, o general da reserva chegou a incluir no texto um artigo, o 64-A, que dava ao Congresso o direito de indicar o que deveria ser feito com o dinheiro. Nesse caso, porém, Bolsonaro novamente impediu a iniciativa por contrariar o “interesse público” e “fomentar o cunho personalístico” das indicações. O Congresso não derrubou esse veto. Dessa forma, tornou irregular o toma lá, dá cá que veio a fazer mais tarde.

Agora na Casa Civil, Ramos é o homem forte do governo no Planalto e mantém influência na articulação política. Em fevereiro, com o orçamento secreto, ele garantiu as vitórias dos aliados Arthur Lira (Progressistas-AL), na Câmara, e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no Senado.

Procurado pelo Estadão, o ministro desconsiderou ter assinado o projeto e repetiu que “a iniciativa da criação da RP9 foi da Comissão de Orçamento do Congresso”. Toda negociação dos parlamentares para divisão do dinheiro da RP9 foi feita no gabinete da Secretaria de Governo, pasta que Ramos comandava quando assinou o texto.

Riscos

Em ao menos duas reuniões no gabinete do general, no fim de 2019, técnicos previram que o esquema para aumentar a base de apoio de Bolsonaro poderia resultar no primeiro grande escândalo do seu mandato. Na ocasião, tentaram dissuadir o Planalto de vetar a possibilidade de os congressistas imporem os bilhões da emenda RP9.

Segundo um dos presentes, o braço direito do ministro, Jonathas Assunção de Castro, foi alertado de que as negociações para divisão do dinheiro já estavam em curso e o veto tornaria essa operação ilegal. Nessa queda de braço, porém, quem ganhou foi a equipe econômica, para quem dar ao Congresso o direito de também definir como aplicar R$ 20 bilhões de RP9 transformaria Bolsonaro em “rainha da Inglaterra”.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União investiga se, ao ignorar seu veto, Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade por “atentar contra a lei orçamentária, nos termos do art. 85, inciso VI, da Constituição Federal”.

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Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ramos-assinou-projeto-que-criou-orcamento-secreto,70003718280


Merval Pereira: Sem legenda

O presidente Bolsonaro, cujos atos estrambóticos levaram o país à desmoralização internacional, é o tipo político que chega ao governo central do país como consequência de uma disfunção eventual da democracia. Como tal, não tem a compreensão do que seja o presidencialismo de coalizão, que reduz a uma troca de favores entre quem manda e quem obedece.

Não lhe passa na cabeça que é possível montar uma base parlamentar sobre interesses republicanos, sem repetir expedientes como o mensalão, o petrolão e que tais. Mas também não sabia que, sozinho, não teria como governar.

Do radicalismo inicial, em que montou um governo com pessoas da sua linha de pensamento, que, como ele, sabiam o que queriam destruir, mas não o que colocar no lugar, teve que se aproximar do Centrão e aprovar um “orçamento secreto” para tentar garantir que não será votado o impeachment. O único que sabia o que queria, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não sabia que precisaria do apoio do Congresso para aprovar as reformas e queria mais do que Bolsonaro aceitava, como ficou demonstrado.

Porque tem uma visão política de baixa extração, de onde montou sua estrutura eleitoral que se limitava a um nicho suficiente para elegê-los todos e, como consequência, formar a fortuna da família à base de “rachadinhas” e ligações com interesses de forças militares oficiais e paralelas, Bolsonaro achou que podia tudo e descobriu que pode muito, mas não tudo. Não tem moderação nem discernimento para usufruir o poder que tem, por isso não conseguiu ficar na legenda que o elegeu, o PSL, nem montar uma própria, muito menos encontra outra para abrigar seus sonhos megalomaníacos.

Não há dúvida de que o PSL cresceu nas eleições de 2018, tornando-se o segundo maior partido da Câmara, devido à onda bolsonarista. Mas, transformado em uma potência mais econômica do que política devido aos fundos partidário e eleitoral, transformou também seus “donos” em felizardos descobridores de uma mina de ouro, de cujo controle não querem abrir mão.

A desorganização de seu grupo político ficou demonstrada na tentativa de criar uma legenda própria, a Aliança pelo Brasil, que acabou abandonado antes de nascer por impossibilidade de conseguir as assinaturas necessárias. Em busca de um partido para disputar a reeleição em 2022, o presidente Jair Bolsonaro, que já foi de nove partidos diferentes, não consegue encontrar sua décima legenda.

Quando fazia parte do baixo clero, podia pular de legenda em legenda com a garantia de uma votação acima da média. Hoje, quer controlar o partido que o receber e, até agora, teve rejeitados todos os seus desejos. Acontece que, no Brasil, não há partidos programáticos, mas com “donos” controladores. Controlar um partido é negócio grande, o que ganha menos ganhou na recente eleição R$ 1,5 milhão do fundo eleitoral, mesmo sem ter cumprido as cláusulas de barreira.

Os que conseguiram cumprir as exigências novas da legislação eleitoral, além de tempo de televisão, ganham também os Fundo Partidário e o Eleitoral, que deram cerca de R$ 359 milhões ao PSL pelo resultado da eleição de 2018. O PRTB — Partido Renovador Trabalhista Brasileiro —, em que o vice-presidente Hamilton Mourão está inscrito, não cumpriu as cláusulas de barreira e ficou sem tempo de televisão e fundo partidário, mas, mesmo assim, a família de Levy Fidelix, que controla o partido com a morte de seu patriarca, não aceitou a condição de Bolsonaro de controlar suas finanças.

Quem hoje preside a legenda é a viúva Aldinea Fidelix, e um dos seus três filhos, Levy Fidelix Filho, é o secretário-geral. Um negócio familiar de que não desejam abrir mão, mesmo com a possibilidade de ter o presidente Bolsonaro como candidato à reeleição. Bolsonaro teria pedido carta branca, o que significa que, além dos fundos de financiamento, os Bolsonaros poderiam alterar o comando de diretórios estaduais e controlar as decisões da Executiva Nacional.

Não será por falta de partido que Bolsonaro deixará de disputar a eleição presidencial de 2022, mas a dificuldade para encontrar uma legenda demonstra também que já foi o tempo em que sua vitória era considerada favas contadas.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/sem-legenda.html


Ernesto Araújo nega ter atacado a China e é confrontado pelo presidente da CPI

Julia Chaib e Renato Machado, Folha de S. Paulo

Em depoimento à CPI da Covid, o ex-chanceler Ernesto Araújo afirmou que nunca deu declarações que podem ser consideradas como “anti-chinesas”.

Em seguida, no entanto, foi confrontado pelo presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), que relembrou algumas frases do ex-chanceler e apontou que ele estava “faltando com a verdade”.

“Não vejo nenhuma declaração que eu tenha feito como ‘anti-chinesa’. Em notas oficiais, nos queixamos do comportamento da embaixada da China mas não houve nenhuma declaração que se possa classificar como anti-chinesa. Logo, não há nenhum impacto de algo que não existiu”, respondeu, em referência ao possível impacto negativo de suas declarações na aquisição de insumos.



Aziz então relembrou que Ernesto escreveu um artigo, no qual fez menção ao “Comunavírus”.

“Na minha análise pessoal, vossa excelência está faltando com a verdade. Não faça isso”, respondeu o presidente da comissão.

“Se vossa excelência acha que isso não é se indispor com um país, eu não entendo mais como se faz relações internacionais. Desmerecer o que já indicou e dizer que o senhor nunca se indispôs com a China, o senhor está faltando com a verdade”.

Ernesto tentou se justificar afirmando que seu artigo não era sobre a China. O ex-chanceler disse que termo “comunavírus” foi cunhado por autor de livro sobre o qual ele se referia no texto e por isso usou “esse termo jocoso”.

 

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://aovivo.folha.uol.com.br/poder/2021/05/18/5989-ex-chanceler-ernesto-araujo-fala-agora-a-cpi-da-covid-acompanhe.shtml#post408261

 


Carlos Andreazza: Uma aposta fatal

Não se podia esperar que o representante da Pfizer — um comerciante — dissesse à CPI ser desnecessária a lei que, segundo a versão do cliente, permitiu a assinatura do contrato por meio do qual o governo brasileiro adquiriria milhões de doses do imunizante daquela farmacêutica.

A lei não era necessária. Mas isso é problema nosso. Não de Carlos Murillo. O interesse do executivo era vender. Ontem. Hoje. Ou amanhã. Tinha um bom produto; e o objetivo, legítimo, de comerciá-lo com o mercado do Brasil. E teria comerciado, em agosto de 2020, com a legislação disponível, se assim quisesse Bolsonaro. (E teria, imediatamente, entrado com a demanda por registro emergencial junto à Anvisa; para que tivéssemos — era possível — como vacinar os nossos ainda no ano passado.) O governo não quis. E desapareceria por dois meses, ignorando carta — de setembro de 2020 — do CEO da Pfizer.

O tempo passava. E então falaram a Murillo que a tal lei resolveria o impasse forjado pelo comprador; e o homem queria vender. Vendeu. Por que contrariaria — exporia — um cliente, tanto mais numa CPI? Já havia fechado o negócio. A lei lhe servira. Esvaziara o governo de desculpas. Ele falou a verdade à comissão.

Quem deveria querer vacina em 2020 era o Brasil. Não quis. De sua parte, o laboratório continuaria a nos ofertar seu produto; com a diferença — decisiva para nós —de que, mês a mês, perdíamos lugar na fila. Poderíamos ter doses do imunizante da Pfizer —reforce-se — em dezembro de 2020. Tivemos em abril de 2021.

Repito: a lei não era necessária. Conforme escrevi em 4 de maio: “Uma aquisição pública emergencial de vacinas, em meio a uma pandemia e sob a natureza calamitosa do período, ajusta-se às especificidades do que é, afinal, um mercado internacional, ademais tocado em circunstâncias excepcionais; de modo que caberia ao governo justificar a admissão da cláusula considerada excessiva como condição para transitar competitivamente, em nome do interesse do cidadão, no comércio mundial de imunizantes. Seria a Constituição Federal a se sobrepor. O próprio direito à saúde. Um direito fundamental cuja imposição — acima da existência de qualquer lei —deriva diretamente do texto constitucional”.

Admitamos, porém, o preciosismo. E consideremos que houvesse ali, no palácio, alguém preocupado mesmo com segurança jurídica. Poderia ter preparado um projeto em regime de urgência. Poderia ter recorrido a uma medida provisória. Foi por meio de uma que se abriu o crédito de R$ 20 bilhões para a compra de imunizantes.

Aliás, lembrou o senador Randolfe Rodrigues que o governo concebera, em dezembro de 2020, uma medida provisória, a de número 1.026, em cuja minuta constava dispositivo autorizando a União a tomar os riscos relativos à responsabilidade civil sobre eventuais efeitos adversos decorrentes da aplicação de vacinas. Minuta avalizada por AGU e CGU, mas cuja versão final remetida ao Congresso excluía aquela parte. O senador, então, propôs emenda para recompor o texto original — emenda que seria rejeitada por recomendação do Planalto.

À CPI, Murillo informou que alguém do governo só lhe falaria sobre a necessidade de ajustes legislativos — para que o contrato fosse celebrado — em novembro de 2020. Conversa; mas sem providências. De agosto a novembro, período em que as propostas do laboratório não tiveram respostas, as desculpas foram outras. Lembremos o que relatou Fabio Wajngarten — passagem confirmada pelo executivo. Que, ao receber o telefonema de Murillo, dirigiu-se ao gabinete de Bolsonaro, com o interlocutor na linha, para lhe comunicar da tratativa — e que o presidente lhe teria passado um papelucho com a condicionante para que se avançasse: Anvisa. Nenhuma palavra sobre entrave jurídico.

(Aqui, outra mentira bolsonarista — aplicada seletivamente — já desmontada: que o governo não poderia assinar contrato com o laboratório antes da aprovação do imunizante pela agência reguladora.)

Na última sexta, O GLOBO publicou matéria que considero iluminar o intervalo — último trimestre de 2020 — em que o governo negligenciou a importância, a urgência, de fechar contratos para aquisição de vacinas. O texto dá conta da justificativa do Ministério da Economia para não haver previsto recursos ao enfrentamento da pandemia no Orçamento de 2021.

Fica documentado, como confissão de incompetência (mas não somente), o que já estava claro havia meses: que Bolsonaro, Paulo Guedes e turma — delirantemente, para ser generoso — acreditaram, contra todos os alertas, que o vírus perdia força e entraria cadente em 2021; daí por que não apenas não priorizaram robustecer a carteira de fornecedores de vacinas, como deixaram morrer o auxílio emergencial em dezembro. Uma aposta fatal.

Guedes em outubro de 2020: “A doença está descendo. A economia está voltando. Está voltando em V. A criação de empregos está se dando em ritmo bastante impressionante”. E em novembro: “A doença desceu. É um fato. Alguns dizem agora: ‘Não, mas está voltando, segunda onda’. Espera aí. Nós tínhamos 1.300 mortes por dia, 1.200, 1.000, 900, 700, 500, 300… E agora parece que está havendo um repique. Mas vamos observar. São ciclos”.

Essa é a cabeça do governo; que — óbvio está — não precisaria de aconselhamento paralelo para fazer suas escolhas criminosas. E esse “vamos observar” — combinado àquele “espera aí” — parece-me a senha para nossa tragédia.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/carlos-andreazza/post/uma-aposta-fatal.html


Ricardo Noblat: Governo sonega informação pedida pela CPI da Covid-19

Quantas vezes, e com quem, Bolsonaro passeou por Brasília durante a pandemia provocando aglomerações e desrespeitando normas de isolamento?

É possível que as atividades do presidente da República não sejam acompanhadas de perto e devidamente registradas por setores do governo que lhe dão suporte e zelam por sua segurança?

O senador Eduardo Girão, membro da CPI da Covid-19, pediu ao governo uma planilha com os registros de datas, locais e autoridades envolvidas nos passeios de Bolsonaro em Brasília.

Resposta do Palácio do Planalto: não há registros oficiais das saídas do presidente do seu gabinete. Ora, bastaria pesquisar nas redes sociais para descobrir que, ali, está tudo registrado.

O pedido de Girão mirou os deslocamentos de Bolsonaro desde o início da pandemia que provocaram aglomerações, contrariando recomendações médicas de isolamento.

No último dia 5, durante discurso no Palácio do Planalto, Bolsonaro antecipou a resposta que daria ao pedido de Girão aprovado pelo plenário da CPI:

– Eu sempre estive no meio do povo, estarei sempre no meio do povo. Não interessa onde eu estava. Respeito a CPI. Estive no meio do povo, tenho que dar exemplo.

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/governo-sonega-informacao-pedida-pela-cpi-da-covid-19