Day: novembro 24, 2020

José Casado: A arte da mentira

Presidente tem compulsão para fantasiar

É inútil esperar coerência de Jair Bolsonaro. Afinal, ele atravessou as últimas 90 semanas sem se importar com os fatos ou a realidade. Seu compromisso é com a reeleição. E só.

Num encontro virtual de líderes do G-20, sábado, decretou a inexistência de racismo no Brasil. Repetia o cadete 531 da Aman em 1977. Àquela hora, enterrava-se João Alberto Silveira Freitas — “pessoa de cor”, definiu o vice Hamilton Mourão—, assassinado por vigilantes dentro do Carrefour em Porto Alegre. Bolsonaro encontrou nos protestos antirracistas os subversivos de sempre, que tentam “importar para o nosso território tensões alheias à nossa história”.

Viajou a Macapá, onde reluz nova obra da sua imprevidência administrativa: o apagão que inferniza a vida de 800 mil pessoas. Incendiaram-se dois transformadores, e o da reserva está há um ano “em manutenção”. Responsável pela segurança energética, o governo deixou nas trevas 143 mil quilômetros quadrados do território nacional.

Sob a luz do sol, Bolsonaro prometeu um futuro iluminado e abandonou o Amapá antes do breu noturno. Poderia ter esticado o passeio até São Paulo, onde a negligência governamental deixou encalhar quase sete milhões de testes para o novo coronavírus cuja validade vence nos próximos 40 dias, como revelou o repórter Mateus Vargas.

Voltou à cúpula do G-20 se autoelogiando na condução do “gigante pela própria natureza”. Proclamou: “Vamos continuar protegendo nossa Amazônia, nosso Pantanal e todos os nossos biomas”. Omitiu que, até 31 de agosto, o governo só gastou R$ 105,4 mil na execução da política ambiental. Nem falou do plano (PPA 20-23) em que transfere a quase totalidade dos R$ 140 bilhões do orçamento do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura.

Bolsonaro tem compulsão para fantasiar. Em 1988, o vício custou-lhe a exclusão da escola militar. Virou manchete no “Noticiário do Exército” (nº 7449) por “faltar com a verdade e macular a dignidade militar”. Na Presidência, mentiras são mais perigosas. Ocultam o pandemônio governamental, mortífero numa pandemia.


Carlos Andreazza: A torcida de Bolsonaro

O governo torce pela segunda onda

O governo de Jair Bolsonaro é muito ruim, do que deriva um país paralisado, anestesiado, suscetível a qualquer desvio-isca de atenção, de súbito chocado com a revelação, surpresa só na terra dos incautos, de que a tal moderação do vice-presidente — fã do torturador Ustra e para quem não haveria racismo no Brasil — nunca passou de cálculo político por meio do qual se distinguir do presidente e seduzir as manchetes.

Mourão, um descartável, carona de chapa a ser trocado por qualquer Kassab, é a frustração possível — a falsa — num país que vegeta e que, portanto, habituou-se a ver um general da ativa como cavalo para que o único ministro da Saúde possível a Bolsonaro exercesse o cargo: o próprio Bolsonaro.

Para que não se pense que o misto de submissão e incompetência de Pazuello seja exceção no forte apache, veja-se o caso do titular da Casa Civil, de loas tão cantadas por haver liderado uma intervenção federal no Rio de Janeiro cujas escolhas, por efeitos práticos para segurança, só resultaram em que as milícias tivessem tranquilidade para se expandir sobre territórios do tráfico enfraquecido.

Um país paralisado, que só agora descobre que a presença de militares no governo, pelo menos esses que lá estão, uma coleção de ajudantes de ordens de Sílvio Frota, jamais significou qualidade de gestão e compromisso com a democracia. Nada teremos aprendido com o general Villas Bôas e sua tentativa de intimidar o Supremo em 2018.

Este péssimo governo é eficientíssimo em promover a dilapidação das instituições republicanas — e que não pensem os do alto-comando que estarão livres as suas armas.

Um país paralisado por um governo muito ruim, que envelheceu rapidamente, que vai cansado antes mesmo da metade, e cuja política econômica, outrora ao menos voluntarista, nem mais chega a oferecer trombadas — o que pressuporia a ocorrência de algum movimento. Não há movimento. Só desculpa. Um país paralisado de todo. Condição em que já estava quando a peste baixou sobre nós.

Ao contrário da propaganda feiticeira liberal-guedista, que tenta imputar efeitos retroativos ao vírus, o Brasil já tinha travado quando a pandemia se impôs; daí por que, findo o estoque de iniciativas herdadas de Temer, até Rogério Marinho e seus tarcísios, os que ainda andavam, passaram a inaugurar qualquer meia dúzia de quilômetros de asfalto. O blá-blá-blá das reformas — que não avançam (desde 2019) porque projeto não há — sendo apenas a face mais visível de uma administração que vai perdida; e que tem como símbolo um Ministério da Economia inchado e engessado, entregue a um marqueteiro, notável palestrante, tão pretensioso quanto inexperiente em gestão pública, cuja credibilidade erodida se afere nos já inexpressivos impactos de suas bravatas.

É mirando o castelo de cera de Guedes, diante do qual o bolinho de areia de Braga Netto parecerá engenharia de estadista, que se capta o melhor retrato deste governo; o que tem, à frente da pasta em que se empilharam as maiores responsabilidades, um poderoso ex-ministro em atividade.

O governo Bolsonaro é hoje o auxílio emergencial. E só. Um programa de natureza provisória, que lhe caiu ao colo para se tornar ao mesmo tempo dependência e constituição; donde pouca dúvida deveria restar sobre a prorrogação da assistência para além de dezembro. Esta será a agenda, a que garante a existência do governo, daqui até o final do ano: assegurar a rolagem do auxílio adiante, até que se desembaracem as eleições na Câmara e no Senado, em seguida ao que teremos, ao custo do teto de gastos, e com CPMF, o novo Bolsa Família.

Tudo será mais fácil se houver a segunda onda do vírus entre nós — gatilho para a extensão do orçamento de guerra. Havendo dinheiro, serão mais dois anos de campanha eleitoral legitimada pelo combate à pandemia.

O governo Bolsonaro não tem corpo para a normalidade. É como a segurança institucional ofertada por general Heleno. Nem projeto nem competência para executar. Para existir, precisa do ambiente de exceção, gerado artificialmente pela forja de conflitos e teorias da conspiração, ou imposto por um evento como a pandemia. Precisa de crises. A peste foi um presente.

A circulação do vírus, o caráter imprevisível do bicho, sustenta este governo. Mantém agudas todas as condições para que Bolsonaro, golpista essencial, alimente-se como líder sectário e amarre ainda mais a parceria oportunista com o Centrão; a costura populista pelo único interesse do presidente: a reeleição. O governo torce pela segunda onda.

Seria o paraíso. A garantia do chão de instabilidade. Terreno para cultivar, por meio da pregação antidistanciamento, a batalha com governadores, ao mesmo tempo fato novo para lavar o discurso contra as vacinas e passar a admiti-las, e escada para camuflar a incapacidade de formular o tal Renda Cidadã e justificar a continuidade do auxílio, empurrando para amanhã — questão de tempo — a queda do teto de gastos.

Um país paralisado por um governo muito ruim — de um presidente, um populista-autoritário, que prospera no caos e tende a ser altamente competitivo em 2022. Governo ruim — muito ruim — não é governo morto.


Merval Pereira: Falta de gestão

O caso dos 6,86 milhões de testes para o diagnóstico da COVID-19 comprados pelo Ministério da Saúde que perderão a validade entre dezembro deste ano e janeiro de 2021, estocados num armazém do governo federal em Guarulhos e não distribuídos para a rede pública, é exemplar da falta de planejamento e desorganização da política de saúde pública, situação que agrava ainda mais a pandemia no país.

Comprados por gestões anteriores do atual ministro Eduardo Pazzuelo, os testes armazenados representam mais do que os já aplicados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos seis meses anteriores. Uma explicação para essa desídia pode ser a opinião do próprio ministro, um General da ativa que foi indicado para o ministério da Saúde por ser um especialista em logística, que considera que a testagem massiva não é a melhor maneira de atuar contra a pandemia.

Outra, a disputa entre presidente Bolsonaro e os governadores estaduais. O próprio presidente disse ontem que a culpa é dos governos, que sua responsabilidade é comprar os testes, caberia aos governos estaduais os requisitar. Uma postura passiva que não leva em conta a necessidade da testagem, mas apenas a burocracia estatal. Os governos estaduais dizem que os testes, quando solicitados, chegam incompletos e o ministerio da Saúde não tem condições de solucionar.

Esse é um exemplo atual de uma crise de gestão permanente do governo Bolsonaro, um dos aspectos que estão sendo analisados por diversos especialistas no livro “Bolsonarismo: teoria e prática”. (Rio de Janeiro: Gramma, 2020, 346 páginas), a ser lançado em dezembro. Os especialistas identificaram “a total falta de critério de planejamento, racionalidade, eficiência na gestão pública”.

O estudo é fruto de uma ação conjunta entre o Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas sobre a Democracia (Cebrad) , da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), fundado pelo cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, e o Laboratório de Alternativas Institucionais (LAI) da Universidade Federal Fluminense (UFF), dirigido pelo cientista Político Carlos Sávio Teixeira. O livro, composto por 24 pesquisadores, é dedicado à análise do bolsonarismo como ideologia e movimento político, uma ampla radiografia deste neopopulismo de direita e seu impacto nas práticas políticas e nas políticas públicas, como define Tadeu Monteiro.

Bolsonaro encontra na pauta conservadora dos líderes das igrejas seu nicho eleitoral, mas o livro analisa outras vertentes do movimento bolsonarista, entre elas a guerra cultural, patrocinada pelos movimentos direitistas de ativistas digitais, lançando mão de vários tipos de fake news. Esse “lado obscuro do bolsonarismo”, como define o livro, esteve recentemente em evidência com os ataques cibernéticos contra o sistema de apuração eleitoral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Seu presidente, ministro Luis Roberto Barroso, voltou ontem a insistir em que eles representaram “um esforço de desacreditar o processo eleitoral”.

Este movimento, define Tadeu Monteiro, é, na verdade, uma nebulosa, que se compõe de “ativistas digitais, olavistas, terraplanistas, lideranças religiosas, parcelas do alto empresariado, políticos de direita, lavajatistas e militares (forças armadas, policias militares e civis, bombeiros)”. O que os mantém unidos é a pessoa de Jair Bolsonaro. Os bolsonaristas seguem a liderança de Bolsonaro, esteja ele radicalizando ou sendo moderado em suas posições. “Trata-se de um clássico tipo de movimento político atrelado a uma liderança carismática, esta mesma liderança que convoca militantes para manifestações de rua, que faz "lives" frequentemente para mantê-los municiados de argumentos e mobilizados”.

Foram analisados ainda sua prática política no relacionamento com os demais poderes, suas políticas públicas e, em especial a política de saúde em relação à Covid. “O bolsonarismo, fundando-se num processo permanente de mobilização social e política, caminha para um plebiscitarismo permanente”, analisa Geraldo Tadeu Monteiro.


Qual o segredo de série dinamarquesa que atrai brasileiros? Henrique Brandão explica

Em artigo publicado na Política Democrática Online de novembro, jornalista analisa Borgen e cita diferenças dos dois países

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Borgen (Castelo) é uma série televisiva escandinava que tem feito sucesso no mundo inteiro não tem detetives, nem mafiosos e tampouco navegadores vikings como tema, mas tem conquistado os brasileiros. A análise é do jornalista Henrique Brandão, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de novembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade.

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“Mas qual é o segredo da série entre os brasileiros?”, questiona o Brandão, para, em seguida, explicar. Antes, porém, o jornalista lembra que a série é um drama político contemporâneo, que mostra os jogos de interesses que se desenvolvem na política dinamarquesa. Chama-se. O nome vem da forma como se referem ao Palácio de Christianborg, local que abriga as três esferas do poder dinamarquês.

“A série foi exibida na Dinamarca entre 2010 e 2013, o que deu nova dimensão ao folhetim foi o fato de a Netflix tê-la comprado e incluído as três temporadas (10 episódios cada) na programação. O êxito foi tanto que a gigante do streaming pensa em nova leva de episódios”, afirma o autor.

Na avaliação de Brandão, a série atrai os brasileiros porque, segundo ele, mostra com naturalidade a forma como a política é encarada na Dinamarca. “Ocupar altos cargos na administração pública ou nas esferas de base da estrutura partidária não é encarado como algo proveitoso, do qual se deve tirar vantagens, mas como parte da vida coletiva”, acentua.

Por isso, de acordo com o autor do artigo publicado na revista Política Democrática Online, brasileiros veem na série a futura primeira-ministra indo de bicicleta para o Parlamento, assim como vários de seus pares, e surpreendem com o fato de como a liturgia inerente ao cargo soa pouco pomposa por lá. 

“Para além da indiscutível qualidade artística, é na comparação entre as realidades dos dois países que a série se impôs por aqui”, diz o jornalista. “A diferença entre as sociedades – a nossa comparada com a deles – é enorme”, acrescenta. Para se ter uma ideia, ele lembra, em 2011, a Dinamarca foi considerada, segundo o índice de Gini, o país com o menor grau de desigualdade social do mundo.

“Em tempos de enfrentamentos toscos e baixarias vis, acompanhar a trajetória de Birgitte Nyborg é um bálsamo. A série acabou atraindo desde comunistas convictos até o mais empertigado dos liberais. Um feito e tanto”, avalia.

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Luiz Carlos Azedo: A competência à prova

Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis na Esplanada dos Ministérios

Desde a criação do Dasp, em 1938, no Estado Novo, por Getúlio Vargas, no auge de seu período ditatorial, houve um grande esforço no Brasil para a criação e a manutenção de uma burocracia capaz de garantir a “racionalidade” e neutralizar a “irracionalidade” da política na administração federal. A ideia era formar um quadro de servidores civis capazes de operar uma máquina pública moderna, num país que iniciava a sua transição do agrarismo para a industrialização e que, consequentemente, ingressava num processo de urbanização acelerada.

Mesmo durante o regime militar, essa preocupação foi mantida, consolidando alguns centros de excelência que se formaram ao longo dos anos, como o Itamaraty, a Receita Federal, o Banco Central, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); e alguns órgãos de pesquisas científicas, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), além de empresas estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil. Sem desconsiderar outras áreas técnicas do governo, esses exemplos ilustram o raciocínio.

Obviamente, as Forças Armadas fazem parte desse universo dos centros de excelência, sobretudo após o governo do general Ernesto Geisel, que acabou com a bagunça na hierarquia militar, implantando efetivamente regras que haviam sido concebidas já no governo do general Castelo Branco, o que possibilitou a efetiva profissionalização e renovação da carreira militar. Foi o desfecho de uma disputa com seu ministro do Exército, Sílvio Frota, exonerado do cargo por liderar a “linha dura” contrária à “abertura política” e tentar impor sua candidatura à Presidência, como o fizera o general Costa e Silva com Castelo Branco.

Esses setores radicais viriam, mais tarde, a praticar atentados terroristas contra civis, no governo do general João Batista Figueiredo, como foram os casos dos atentados contra a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que matou a secretária da instituição, Lida Monteiro da Silva, e o frustrado atentado do Rio Centro, cuja bomba explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu, e feriu gravemente o capitão Wilson Luís Chaves Machado, lotados no DOI-Code do I Exército. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi afastado da tropa por indisciplina, suspeito de planejar atentados contra quartéis na Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao), em 1987.

Disfunções
Para profissionalizar as Forças Armadas e entregar o poder de volta aos civis, era fundamental a existência de uma burocracia concursada, capacitada e eficiente. Com a redemocratização, as regras do jogo foram estabelecidas pela Constituição de 1988: os militares voltaram para os quartéis, dedicando-se às suas atribuições constitucionais; os políticos voltaram a exercer o poder; e a burocracia de carreira ficou encarregada de zelar pela legitimidade dos meios por eles utilizados para alcançar seus fins. Quando o trem descarrilou no Executivo, o Congresso entrou em ação (impeachment dos presidentes Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff) e o Judiciário acionou os órgãos de controle do Estado (Mensalão e Lava-Jato).

De certa forma, a eleição do presidente Jair Bolsonaro fez parte desse processo de correção de rumos, pelo voto popular, mas não exatamente na direção em que está indo na Presidência. Político sem compromisso partidário nem quadros técnicos para ocupar o poder, recorreu aos militares para administrar o país, nomeando-os para postos-chave no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios e em dezenas de órgãos federais e nas estatais. Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis. Despreparados para as novas funções que exercem, mesmo assim trocaram as rodas da administração federal com o carro em movimento; porém, não entendem de mecânica para resolver os problemas quando a engrenagem administrativa enguiça.

Também não estão livres das disfunções da burocracia: “incapacidade treinada”, a transposição mecânica de rotinas; “psicose ocupacional”, as preferências e antipatias pessoais; e “deformação profissional”, a obediência incondicional, em detrimento da ética da responsabilidade. Trocando em miúdos, a competência dos militares está sendo posta à prova num governo errático, como nos ministérios da Saúde, onde milhões de testes da covid-19 estocados estão em vias de serem jogados fora, por vencimento do prazo de validade; e de Minas e Energia, devido ao espantoso “apagão” no Amapá, que já vai para a terceira semana. São pastas comandadas, respectivamente, por um especialista em logística, o general de divisão Eduardo Pazuello, e o ex-diretor do audacioso e bem-sucedido programa nuclear da Marinha almirante de esquadra Bento Albuquerque.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/a-competencia-a-prova/