Day: outubro 28, 2020

Luiz Carlos Azedo: O cobertor curto

Indefinição em relação às reformas e impasse no Congresso para instalação da Comissão de Orçamento aumentam a insegurança Dos investidores na nossa economia

O Ministério da Economia anunciou que não pretende pagar o 13º. Bolsa Família neste ano, ao contrário do que aconteceu em 2019, por decisão do presidente Jair Bolsonaro, talvez o primeiro sinal de que não se sente confortável com o programa social criado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, carro-chefe da sua reeleição, em 2006. O cobertor está muito curto e a prorrogação do auxílio emergencial até dezembro, que virou a principal ação social de enfrentamento da pandemia de Covid-19, já está deixando o governo de língua de fora.

O Bolsa Família é um auxílio para as famílias de baixa renda, que beneficia àquelas consideradas (1) extremamente pobres: com renda mensal de até R$ 89 por pessoa; e (2) pobres: com renda mensal de até R$ 178 por pessoa, mas que incluam gestantes ou crianças e adolescentes de até 18 anos. No valor de R$ 89 mensais, pode ter parcelas adicionais de R$ 41 para crianças, adolescentes e gestantes; e R$ 48 para adolescentes de 16 ou de 17 anos. O valor total não pode ultrapassar R$ 372 por família, mas a média está em R$ 190, portanto, bem, abaixo dos R$ 300 do auxílio emergencial previsto para este último trimestre do ano.

Se pudesse, Bolsonaro trocaria o Bolsa-Família pelo Renda Brasil (ou outro nome que o governo resolva dar), já a partir de janeiro, mas não tem recursos em caixa para garantir o benefício sem romper a Lei do Teto de Gastos. Entre idas e vindas, o presidente da República acabou cedendo às preocupações do ministro da Economia, Paulo Guedes, que tenta conter os gastos do governo para evitar um descontrole total da economia. O cenário para o próximo ano é preocupante. O governo está tendo dificuldades para financiar a dívida pública, que deve chegar a 100% do PIB até o final do ano. Em setembro, a dívida aumentou 2,6% e chegou a R$ 4,5 trilhão.

Para financiar essa dívida, o Banco Central vende títulos da União, porém, está pagando juros anuais de 7,6% para os títulos com vencimento em dez anos, portanto, muito acima da taxa Selic, que está em 2%. Para reduzir essa diferença, reduziu o prazo de resgate para dois anos, obtendo taxa de juros de 4,57%, o que continua sendo muita coisa, ainda mais tendo que pagar esses títulos em 24 meses. Os juros no mercado futuro são pressionados pela alta do dólar, que ontem fechou a R$ 5,71, com impacto também nos preços ao consumidor. O IPCA acumulado nos últimos 12 meses está em 3, 14%, acima da meta de inflação, que é de 2,5%. Nesse rumo, o Banco Central terá que aumentar a taxa Selic para conter a inflação.

Orçamento

A economia mundial sofre o impacto da pandemia, mas aqui no Brasil a indefinição do governo em relação às reformas e o impasse no Congresso para instalação da Comissão de Orçamento da União colaboram para aumentar a insegurança. Além disso, a desastrada atuação do governo na questão ambiental afugenta investimentos. É um um quadro muito preocupante, porque o governo não tem como financiar a dívida pública de curto prazo sem uma política fiscal mais rigorosa.

Há uma certa esperteza do presidente do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-RJ), ao não convocar a reunião da Comissão de Orçamento, pois empurra o ajuste fiscal para depois das eleições municipais. Aproveita o impasse criado pela queda de braços entre o líder do PP, Artur Lira (AL), e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pela presidência da comissão, para a qual o Centrão indicou a deputada Flávia Arruda (PL-DF). O candidato de Maia é o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). A disputa é uma espécie de preliminar para o embate que haverá na eleição da Câmara. Lira pretende suceder Maia, com apoio do Palácio do Planalto, mas o atual presidente da Câmara apoia o líder do MDB, Baleia Rossi (SP).

A criação da Renda Brasil passa pela Comissão de Orçamento, cujo relator é o senador Marcio Bittar (MDB-AC), que tentou antecipar a criação do programa. Não conseguiu por causa das divergências entre a equipe econômica – que quer extinguir outros programas sociais – e o próprio presidente da República, além de algumas impropriedades jurídicas, como a utilização de recursos destinados ao pagamento de precatórios. Quando a Comissão de Orçamento for instalada, a discussão sobre o novo programa social será retomada, mas pode enfrentar mais dificuldades ainda, por causa dos impactos da pandemia na economia.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/o-cobertor-curto/?fbclid=IwAR2vu8WWtQAm5fJXFaS6AHWfKsVvknTBzdshdBDSyS1SEvVBmQUe0angK4g

Monica De Bolle: Sequelas, sequelas, sequelas

Como vamos ajudar as pessoas que foram impactadas de forma desigual pelo vírus?

Dez meses após os primeiros registros da doença hoje conhecida como covid-19, a grande preocupação de cientistas e de gestores de saúde pública mundo afora são os chamados “long-haulers”, ou aqueles que ainda sofrem sintomas ou apresentam sequelas meses depois de terem se “recuperado” do vírus. Artigos sobre as sequelas publicados nos principais periódicos científicos do mundo abundam, relatos clínicos também. A chamada “segunda onda” na Europa tem provocado grande alarme entre as autoridades de vários países devido aos efeitos de um duplo impacto sobre o sistema de saúde: o número de novos infectados que podem a vir a precisar de hospitalização somado ao número de pessoas que desenvolvem sequelas e acabam retornando aos hospitais.

Aqui nos Estados Unidos não é diferente, ainda que Trump siga negando a gravidade da doença, mesmo depois de ter sido hospitalizado e de ter recebido tratamentos de ponta que não estão disponíveis para o restante da população. O Brasil continua fechando os olhos para o óbvio, com mais de 160 mil óbitos e muitas pessoas hospitalizadas em razão das sequelas.

Tenho escrito com frequência nesse espaço sobre as sequelas. Não é incomum que infecções virais causem problemas diversos. Há vasta documentação de sequelas em sobreviventes de Sars e Mers, duas doenças respiratórias mais letais do que a covid-19 e também causadas por coronavírus. O próprio vírus da gripe pode causar problemas pulmonares e neurológicos, entre outros. A diferença no caso da covid-19 é que seu vírus causador, o Sars-CoV-2, pode provocar um enorme desarranjo no sistema imunológico, levando a quadros que se assemelham ao de doenças autoimunes. Tais pacientes não precisam necessariamente ter desenvolvido uma manifestação grave ou severa da doença, já que há evidências do problema também entre pacientes que apresentaram casos leves ou moderados de covid-19.

Entre os diversos desafios que a pandemia trouxe, o mais recente e urgente, sobretudo com o surgimento de novas ondas da epidemia, é identificar quantas pessoas já sofrem de sequelas e quantas mais poderão vir a apresentar problemas. E há problemas de todo tipo: respiratórios, renais, hematológicos, vasculares, cardiológicos, neurológicos. Há pessoas que desenvolvem quadros de hiperglicemia, hipertensão, disfunções da tiroide.

Com a alta do número de infecções no mundo e sua provável elevação daqui a alguns meses no Brasil – defasagens importam e o vírus não deixou de circular –, é razoável supor que a quantidade de gente com sequelas haverá de aumentar. Isso representa não apenas um risco de sobrecarga do sistema de saúde no curto prazo, mas também um ônus considerável de longo prazo.

Governos e gestores de política pública precisam se preparar desde já para esse legado da pandemia, pois esses são elementos suficientes para vislumbrarmos desde já que, mesmo em um futuro que ainda não conseguimos enxergar – aquele em que a vida terá algum semblante do que antes considerávamos ser a normalidade –, os sistemas de saúde não serão os mesmos, muitas pessoas não serão as mesmas, e as economias haverão de refletir essa realidade. Não temos ainda um cálculo para o custo econômico das sequelas, mas não é exagero dizer que ele provavelmente será elevado.

No caso do Brasil, como tenho escrito quase toda semana nesse espaço, um grande desafio será o que fazer para dar ao SUS condições de enfrentamento desse quadro. Já há relatos de hospitais públicos no país onde leitos de UTI estão sendo ocupados por pessoas com sequelas. Esse é um problema não só para a distribuição dos recursos médico-hospitalares do SUS, mas também um enorme desafio para a economia.

Quantas dessas pessoas as terão de forma permanente? Quantas ficarão impossibilitadas de retornar ao mercado de trabalho? Quantas terão de receber algum tipo de assistência do Estado para sobreviver? E os dependentes dessas pessoas, como haverão de sobreviver? Já sabemos que a covid-19 aflige de forma desproporcional pessoas de renda mais baixa, pessoas mais vulneráveis. Como vamos ajudar essas pessoas, impactadas de forma desigual pelo vírus e pelo seu legado?

Todas essas perguntas aguardam respostas. Não apenas do governo federal, mas também dos governos estaduais e, sobretudo, dos governos municipais. As eleições estão aí. Onde estão as respostas?

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University


Otávio Santana do Rêgo Barros: Memento mori

''A população, como árbitro supremo da atividade política, será obrigada a demarcar um rio Rubicão cuja ilegal transposição por um governante piromaníaco será rigorosamente punida pela sociedade''

Legiões acampadas. Entusiasmo nas centúrias extasiadas pela vitória. Estandartes tomados aos inimigos são alçados ao vento, troféus das épicas conquistas. O general romano atravessa o lendário rio Rubicão. Aproxima-se calmamente das portas da Cidade Eterna. Vai ao encontro dos aplausos da plebe rude e ignara, e do reconhecimento dos nobres no Senado. Faz-se acompanhar apenas de uma pequena guarda e de escravos cuja missão é sussurrar incessantemente aos seus ouvidos vitoriosos: “Memento Mori!” — lembra-te que és mortal!

O escravo que se coloca ao lado do galardoado chefe, o faz recordar-se de sua natureza humana. A ovação de autoridades, de gente crédula e de muitos aduladores, poderá toldar-lhe o senso de realidade. Infelizmente, nos deparamos hoje com posturas que ofendem àqueles costumes romanos. Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião.

É doloroso perceber que os projetos apresentados nas campanhas eleitorais, com vistas a convencer-nos a depositar nosso voto nas urnas eletrônicas, são meras peças publicitárias, talhadas para aquele momento. Valem tanto quanto uma nota de sete reais.

Tão logo o mandato se inicia, aqueles planos são paulatinamente esquecidos diante das dificuldades políticas por implementá-los ou mesmo por outros mesquinhos interesses. Os assessores leais — escravos modernos — que sussurram os conselhos de humildade e bom senso aos eleitos chegam a ficar roucos.

Alguns deixam de ser respeitados. Outros, abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas. O restante, por sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses, seguidores subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal.

Entendam a discordância leal, um conceito vigente em forças armadas profissionais, como a ação verbal bem pensada e bem-intencionada, às vezes contrária aos pensamentos em voga, para ajudar um líder a cumprir sua missão com sucesso.

A autoridade muito rapidamente incorpora a crença de ter sido alçada ao olimpo por decisão divina, razão pela qual não precisa e não quer escutar as vaias. Não aceita ser contradita. Basta-se a si mesmo. Sua audição seletiva acolhe apenas as palmas. A soberba lhe cai como veste. Vê-se sempre como o vencedor na batalha de Zama, nunca como o derrotado na batalha de Canas.

Infelizmente, o poder inebria, corrompe e destrói! E se não há mais escravos discordantes leais a cochichar: “Lembra-te que és mortal”, a estabilidade política do império está sob risco.

As demais instituições dessa república — parte da tríade do poder — precisarão, então, blindar-se contra os atos indecorosos, desalinhados dos interesses da sociedade, que advirão como decisões do “imperador imortal”. Deverão ser firmes, não recuar diante de pressões. A imprensa, sempre ela, deverá fortalecer-se na ética para o cumprimento de seu papel de informar, esclarecendo à população os pontos de fragilidade e os de potencialidade nos atos do César.

A população, como árbitro supremo da atividade política, será obrigada a demarcar um rio Rubicão cuja ilegal transposição por um governante piromaníaco será rigorosamente punida pela sociedade. Por fim, assumindo o papel de escravo romano, ela deverá sussurrar aos ouvidos dos políticos que lhes mereceram seu voto: — “Lembra-te da próxima eleição!”

Paz e bem!

* General de Divisão do Exército Brasileiro. Doutor em ciências militares, foi o porta-voz da Presidência da República, nomeado pelo governo Jair Bolsonaro 


‘Renda Cidadã é ponto de tangência entre bolsonarismo e petismo’, afirma Benito Salomão

Economista critica governo brasileiro, que, segundo ele, segue de ‘braços cruzados’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Uma provável segunda onda da pandemia do coronavírus na Europa pode voltar a derrubar os mercados financeiros e causar ainda mais volatilidade na taxa de câmbio e prejuízos ao comércio internacional, de acordo com o economista Benito Salomão. “Se enganam os crentes em uma recuperação robusta em 2021, o cenário econômico deve prosseguir conturbado”, afirma ele, em entrevista na revista Política Democrática Online de outubro.

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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos, gratuitamente, em seu site. O economista observa que, em meio a um cenário fiscal tão desolador, o governo brasileiro segue de braços cruzados, a reforma tributária parece ter saído de discussão, a reforma administrativa apresentada não tem condições de ser aprovada, e o governo aposta em trapaças contábeis para criar seu “Renda Cidadã”.

De acordo com o autor do artigo, a proposta do programa de distribuição de renda é “fruto da obsessão pessoal do Presidente da República, não como uma política de mitigação da pobreza, da miséria, ou da fome, mas sim como um mero instrumento de perpetuação no poder”. “Renda Cidadã é o ponto de tangência entre o bolsonarismo e o petismo. Ambos são capazes de lançar mão da sustentabilidade fiscal e da estabilidade macroeconômica do país, em troca da formação de feudos eleitorais constituídos por programas de transferências de renda, que, se não fossem deturpados, poderiam ser importantes instrumentos de redução das desigualdades no Brasil”, analisa.

Ao paralisar reformas estruturais e insistir em teses econômicas inviáveis, como o Renda Cidadã e a substituição da CPMF pela desoneração da folha de pagamentos, o Brasil está construindo rápido atalho entre a crise atual e a próxima crise, segundo o economista. “Em janeiro de 2021, o decreto legislativo de calamidade pública irá expirar”, diz.

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