Day: outubro 19, 2020

Webinar da Política Democrática impressa discute espaços de transformação urbana

Artur Rozestraten, Diogo Augusto Mondini Pereira, Gabriel Mazzola Poli de Figueiredo e Tuca Vieira participam de programação de lançamento da publicação

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Especialistas discutirão, nesta quarta-feira (21), a partir das 19h, perspectivas dos espaços de transformação urbana, no quarto encontro do ciclo de debates online A reinvenção das cidades, mesmo título da recém-lançada revista Política Democrática impressa, número 55. Resultado de parceria com a Tema Editorial, a publicação foi produzida, pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que vai fazer a transmissão do evento em seu site e em sua página no Facebook.

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Mediado pelo sociólogo e consultor do Senado Caetano Araújo, diretor da FAP, o debate terá participação de autores de análises sobre as cidades publicadas na revista. A jornalista Beth Cataldo, organizadora da revista, também tem participação permanente no ciclo de debates online, que integra a programação de lançamento da nova edição temática da revista Política Democrática impressa.

Confira o vídeo!



No grupo de debatedores, está confirmado o professor Artur Rozestraten, da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo). Na revista, ele escreve em coautoria com o arquiteto e urbanista Diogo Augusto Mondini Pereira e o engenheiro eletrônico Gabriel Mazzola Poli de Figueiredo, que também confirmaram participação no evento online.

Rozestraten, Pereira e Figueiredo integram o grupo de pesquisa RITe (Representações: Imaginário e Tecnologia) junto ao CRI2i (Centre de Recherches Internationales sur L’Imaginaire). Além deles, está confirmado para o debate o fotógrafo Tuca Vieira, mestre em arquitetura e urbanismo pela USP e autor do premiado Altas Fotográfico da cidade de São Paulo. Ele também produziu o livro Salto no escuro: leituras do espaço contemporâneo.

Os vídeos de todos os debates ficam disponíveis no site e na página da FAP no Facebook, para serem vistos pelo público, a qualquer momento, gratuitamente. Além disso, seus arquivos também são publicados no canal da FAP no Youtube.

Ficha técnica

Título: A reinvenção das cidades – Revista Política Democrática edição 55
Número de páginas: 282
Projeto gráfico e diagramação: Rosivan Pereira
Revisão textual: Mariana Ribeiro
Preço versão impressa: R$ 45,00
Publicação: Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Tema Editorial

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Cláudio de Oliveira: Eleições presidenciais nos Estados Unidos

Leio que Joe Biden, o candidato do Partido Democrata, está na frente da corrida presidencial nos Estados Unidos.

Ao que parece, a tática eleitoral dos democratas está mostrando eficácia ao atrair eleitores conservadores moderados para Joe Baden, isolando Donaldo Trump, que vai se restringindo aos eleitores conservadores mais radicais, sensíveis à polarização fabricada pela campanha republicana.

Joe Baden é da ala mais moderada do Partido Democrata, talvez um liberal-democrata centrista com viés social. Ele conseguiu o apoio das outras alas do partido, como aquela representada por Barack Obama, que seria um social-democrata de terceira como Tony Blair, e a do senador Bernie Sanders, um social-democrata clássico, mais à esquerda.

A união do Partido Democrata completou-se com a indicação da ex-procuradora e senadora democrata Kamala Harris, primeira mulher negra a disputar o cargo.

Joe Biden representa, assim, com apoio de diversos políticos do Partido Republicano, a Frente Ampla dos setores democráticos norte-americanos contra o populismo de direita. Trump tem colocado em xeque as instituições do país, ameaçando não reconhecer os resultados eleitorais e não entregar o poder ao vencedor.

*Cláudio de Oliveira é jornalista e cartunista e autor dos livros “Era uma vez em Praga – Um brasileiro na Revolução de Veludo” e “Lênin, Martov a Revolução Russa e o Brasil”, entre outros.


José Roberto Mendonça de Barros: Vamos bater no muro?

A percepção de que a situação fiscal se deteriorou muito é agora universal

Do ponto de vista econômico, a resposta brasileira ao coronavírus foi muito robusta, pois algo como 12% do PIB foi transferido para mais de 65 milhões de pessoas, um valor bastante concentrado a partir de junho. Isso provocou um grande salto na demanda das famílias, que ativou parte do comércio e da indústria. Como resultado, a queda do PIB deste ano será menor do que se projetava, ficando entre -4% e -5%.

Entretanto, boa parte do setor de serviços não viveu essa melhora. Falo aqui de viagens, de toda a cadeia de hospitalidade, da economia criativa e de tudo o que depende de aglomeração. Essa situação não mudará de forma substancial, uma vez que o número de novas mortes e de novos casos vem caindo de forma muito lenta, sem falar no risco de uma segunda onda, como a que ocorre atualmente na Europa.

Em consequência, o mercado de trabalho vem se recuperando com certa lentidão, até porque muitas empresas quebraram ou encolheram, reduzindo a oferta de empregos permanentes. Mais ainda: já dá para perceber que o grande salto do processo de digitalização e da automação que resulta da pandemia também está reduzindo o número de empregos permanentes, processo que se verifica no mundo inteiro. Isso mostra a dificuldade de uma recuperação em “V”. Para citar um único exemplo: pense em quantas agências bancárias se tornaram desnecessárias como resultado do inacreditável avanço do “home banking” e da digitalização dos meios de pagamento – isso sem falar no sucesso que fará o Pix. O mesmo raciocínio se aplica para inúmeros outros serviços, como venda de carros, assistência técnica, ensino etc.

Por outro lado, a demanda de consumo deverá se reduzir no início do próximo ano. O fim do programa do coronavoucher deprimirá a renda disponível de muitas famílias, mesmo que a desejada expansão do Bolsa Família consiga ser operacionalizada, porque cairá drasticamente o número de beneficiários. Essa queda de renda, como já argumentado, não será compensada pela criação de novos empregos permanentes. Além disso, a forte elevação do custo da alimentação, que segue crescendo acima de 10%, reduz o poder de compra de muita gente. Apenas a entrada de uma nova safra, em 2021, reverterá essa tendência.

Em paralelo, não há atualmente qualquer indicação de elevação dos investimentos públicos ou privados. Ao contrário, continuamos a ver uma queda nos investimentos estrangeiros. Alguma surpresa? Basta pensar nos reveses sofridos pelo ambiente regulatório (como no caso da Linha Amarela, no Rio de Janeiro), nos atrasos em projetos que estão no Congresso (Lei do Gás) e nas privatizações que simplesmente não existem…

Tudo indica que o crescimento de 2021 ficará pouco acima de 2% e que a inflação será maior que a deste ano. Além da pressão no preço de alimentos, existem fortes altas em matérias-primas industriais básicas, químicas e metálicas, cujo repasse aguarda apenas alguma recuperação da demanda. Por baixo dessas pressões está a desvalorização do real que, dadas as incertezas atuais, tem pouca chance de ser revertida. A taxa de juros será elevada no próximo ano, ou mesmo antes.

A percepção de que a situação fiscal se deteriorou muito é agora universal. Isso mesmo sem os gastos adicionais que o Executivo e o chamado Centrão querem incluir na proposta orçamentária para o próximo ano. Como resultado, a rolagem da dívida pública agora se faz apenas com papéis mais curtos e as taxas mais longas já subiram no mercado quando comparadas a algumas semanas atrás.

Temos assim um impasse. De um lado, a situação fiscal exige uma resposta: apontar qual a trajetória que se objetiva uma vez passada a emergência do combate ao vírus. De outro, Brasília segue em festa como nos bons tempos, com óbvio apetite por elevar os gastos – e não falo apenas do Executivo, mas também de boa parte do Legislativo e do Judiciário (alguém aí pensou do novo Tribunal Regional Federal em Minas Gerais?).

No meio disso tudo, o Ministério da Economia, cada vez menor e sem rumo.

Daí a pergunta título: se o embate crescer, vamos bater no muro?

*Economista e sócio da MB Associados


Cacá Diegues: O projeto das redes

A questão é revelar o lado sombrio dessa nova conquista, para que possamos tomar providências e evitá-lo

Para cinéfilos e cineastas que implicam com o streaming, como uma forma contemporânea de ver um filme, lembro que é bem possível que, não existindo essa plataforma, não tivéssemos como ver títulos que estão arrasando no gosto do pessoal durante a pandemia. Estamos vendo, no streaming, filmes realizados por diretores consagrados, como “Roma”, “Destacamento Blood” ou “O irlandês”, mas também e sobretudo filmes que, de outro modo, talvez jamais víssemos. Como “Lindinhas” ou “O dilema das redes”, alguns dos mais comentados, citados e criticados (que produzem análises) na temporada.

“Lindinhas” (Mignonnes), filme francês dirigido pela estreante Maïmouna Doucouré, trata de adolescentes, em geral de famílias imigrantes, que vivem em subúrbios parisienses, correspondentes às nossas periferias urbanas miseráveis e marginais. Como a Netflix se recusa a fornecer os números de sua programação, ficaremos sem saber quantas pessoas já viram esse filme. Mas, por sua repercussão escrita e falada, podemos considerá-lo um dos grandes sucessos do cinema francês contemporâneo. Não é de hoje que a imigração africana e árabe, na França, tem sido tema de filmes locais de grande qualidade. Agora são os próprios imigrantes, e sobretudo seus filhos, já nascidos no país, que tomam a câmera para contar suas histórias, como em “Lindinhas”.

Fico pensando em quando o cinema brasileiro de moradores de favelas estiver consolidado, quantas descobertas temáticas e de talentos terão sido feitas. Esse tipo de produção, no Brasil, não tem se desenvolvido à altura da qualidade de quem a pratica, pelo simples motivo de que faltam recursos para fazê-lo e estruturas que garantam o curso da vida dos filmes.

É claro que, nesse caso, o principal responsável por tais recursos e estruturas deve ser o Estado. Mas nosso governo não está nem um pouco interessado em ajudar a alavancar o cinema brasileiro já consagrado, imagine aquele que tem que ser descoberto e revelado. Dez anos atrás, num esforço de caráter privado, realizadores que hoje trabalham regularmente em cinema e televisão, como Luciano Vidigal, Fernando Barcellos, Luciana Bezerra, Gustavo Melo, Rodrigo Felha, Manaira Carneiro, Cadu Barcelos e outros foram revelados por “5XFavela, agora por nós mesmos”, projeto construído pelos próprios cineastas moradores de favelas. É inacreditável que nunca mais a experiência tenha se repetido.

Outro filme bombando no streaming é “O dilema das redes” (“The social dilemma”), documentário americano de Jeff Orlowski, lançado pela Netflix no início de setembro e até hoje batendo recordes de acesso e visibilidade. Fruto do esforço de jovens gênios e gênias da cultura digital, dando entrevistas e palpites sobre o tema e o sentido do filme, esse documentário nos põe diante da maravilha tecnológica das redes sociais e dos danos que elas têm causado à sociedade, seja no controle do consumo, seja na condução de políticas nacionais.

A mais espantosa constatação de “O dilema das redes” é que o bem-sucedido apelo obsessivo de uma rede social não é nunca um efeito colateral, mas o próprio projeto e propósito de sua criação. Não é à toa, lembra um dos técnicos no filme, que “as duas únicas indústrias que chamam seus clientes de usuários (users) são a de drogas e a de software”. Entrevistando ex-funcionários do Facebook, Google, Twitter e Instagram, Orlowski nos faz imaginar, pelo que dizem os que estão arrependidos do inferno que criaram, o que devem estar pensando e planejando os que persistem na invasão de nossas mentes, produzida por pequenas e grandes redes sociais.

Não se trata de combater a importância das redes, seu potencial papel de encontro solidário de informação e conhecimento entre seres humanos, de um modo rápido e imediato, um modo mais eficiente. Trata-se de revelar o lado sombrio dessa nova conquista, para que possamos tomar providências e evitá-lo. “O dilema das redes” me faz pensar também no incrível documento de denúncia, escrito por Sophie Zhang, ex-funcionária do Facebook, que ela chamou de “Tenho sangue em minhas mãos”. Mas essa já é outra história.


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Roteiro para a recuperação da economia

Aumento brutal na necessidade de rolar a dívida em títulos está criando uma situação perigosa de solvência de curto prazo

Os últimos dados econômicos divulgados para o mês de setembro consolidam, de forma inquestionável, a recuperação da economia brasileira. Para efeito de ilustração desta afirmação vejam ao lado a evolução do índice IBC-Br que mimetiza por antecipação a evolução do PIB no Brasil. Mas não é apenas o IBC-Br que mostra uma recuperação em V com uma pequena inclinação, mas outros indicadores relevantes. Cito outros, como a evolução da arrecadação de impostos pela Receita Federal, consumo aparente de bens industriais monitorado pelo Ipea, vendas ao comércio restrito e ampliado e atividade na indústria que apontam que entraremos em 2021 com a economia de volta ao seu leito normal do ciclo econômico.

Estamos agora no início de um processo analítico de olhar para os estragos de longo prazo que vão aparecer nas economias nacionais, e mais importante ainda, de como supera-los para voltar a normalidade perdida com a pandemia. Neste sentido é muito bem-vindo o texto produzido por técnicos do FMI no “October 2020 Fiscal Monitor - Fiscal Policy for Unprecedented Crisis” sobre o que chamaram de “Road Map” para o futuro próximo. Nele seus autores defendem que a política anticíclica tomada pela grande maioria dos governos respondeu com eficiência aos desafios que a crise trouxe para as economias nacionais por eles analisadas. Citam entre elas as seguintes;

Medidas de saúde pública para conter a expansão da pandemia;

Benefícios extraordinários para os afetados pelo desemprego

Transferências de recursos dos Tesouros nacionais para indivíduos dos grupos de risco;

Suporte de liquidez para empresas mais atingidas pela recessão.

O trabalho menciona ainda a importância do apoio dado pelos bancos centrais das economias desenvolvidas, e em algumas poucas economias emergentes, via compra maciça de títulos públicos que criaram um espaço para juros muito baixos e para os governos aumentarem seu endividamento. Uma linguagem pouco comum para os que conhecem a história desta instituição de crédito. Em outras palavras, a política anticíclica no Brasil tem todo o apoio do FMI, aliás como mostrou também a presidente desta instituição em entrevista recente citada pelo jornalista Celso Ming em sua coluna no Estadão.

Os autores concluem suas reflexões com o que chamaram de “Um roteiro fiscal para a recuperação econômica” e do qual retirei as seguintes observações;

Para as economias em que o controle da pandemia (EUA e Europa por exemplo) ainda não chegou a seu final os governos não devem retirar muito cedo seu apoio fiscal;

Entretanto eles devem ser mais seletivos na escolha dos beneficiários de suas ações;

Mas nos países em que o desemprego ainda é muito relevante devem continuar a fortalecer as empresas mais vulneráveis em seu processo de reabertura.

O Brasil, pelos critérios dos autores deste trabalho, está à frente da grande maioria das outras economias em função da conjugação de uma ação fiscal eficiente do governo (Tesouro e Banco Central) e de governos estaduais e municipais na gestão do chamado isolamento social. Apesar de ao custo de um número de mortes ainda muito elevado, foi levado adiante o processo de normalização da atividade econômica com exceção de alguns setores do mercado de serviços.

Certamente antes da virada do ano a atividade econômica no Brasil já deve ter voltado ao nível anterior a pandemia, mas com sequelas importantes na infraestrutura econômica do país. A mais grave, e que já chegou ao dia a dia da economia, é o alto endividamento do governo criado pelo esforço fiscal brutal no combate aos efeitos da covid-19.

Neste aspecto, o Brasil talvez seja o caso mais crítico dado o tamanho do mercado interno de títulos públicos que o coloca como ponto fora da curva entre as economias emergentes. Em um primeiro instante esta característica foi fundamental para o sucesso das ações fiscais do governo, mas agora com o aumento brutal na necessidade de rolar sua dívida em títulos está criando uma situação perigosa de solvência de curto prazo.

Em função dos volumes de rolagem da dívida mobiliária, os investidores estão começando a exigir juros mais elevados alegando os riscos envolvidos pela dívida de curto prazo e superior a 100% do PIB. Embora outros países desenvolvidos tenham aumentado também o seu nível de endividamento, no caso de uma economia emergente como a brasileira, as tensões que este endividamento provoca sobre o mercado é de outra natureza.

Não acredito que no curto prazo possa ocorrer uma perda de funcionalidade do mercado de títulos públicos no Brasil, mas certamente o custo de rolagem da dívida criada adicionalmente em 2020 vai aumentar pela pressão dos intermediários na sua colocação junto a investidores. Como dizem os operadores financeiros, “isto é da regra do jogo” nos mercados financeiros. Mas o governo terá que mostrar uma agenda para tratar da estabilização desta dívida com um plano de ação adicional à já longeva promessa de reformas estruturais.

E para obter credibilidade terá que envolver a criação de novos impostos, a serem cobrados dos maiores beneficiários de seu esforça fiscal, mesmo que por um finito espaço de tempo, como aumento do IR da pessoa física e estender sua cobrança no pagamento de dividendos pelas empresas.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações


Sergio Lamucci: O cenário para 2021 está mais nublado

As indefinições não se limitam ao front fiscal; há também incertezas em relação à reforma tributária e na área ambiental

Os indicadores econômicos de agosto confirmaram uma retomada mais forte da economia brasileira no terceiro trimestre, com crescimento firme na indústria e no comércio e um desempenho mais modesto nos serviços. O PIB pode ter avançado 8% em relação ao segundo trimestre, de acordo com várias estimativas. Para 2020, a expectativa é de uma queda na casa de 5%, bem menos intensa que o tombo de 8% a 9% que chegou a ser projetado por algumas instituições. O auxílio emergencial teve grande peso para o melhor resultado do período de abril a junho.

As perspectivas para o fim deste ano e em especial para o ano que vem, porém, estão contaminadas por incertezas, principalmente em relação às contas públicas, elevando os juros futuros e mantendo o câmbio excessivamente desvalorizado. As indefinições, contudo, não se limitam ao front fiscal. Há incertezas quanto ao que vai ocorrer com as propostas de reforma tributária, o que também contribui para segurar investimentos, por falta de clareza sobre o sistema de impostos que vai prevalecer no país dos próximos anos. Além disso, a política ambiental do governo segue desastrosa, afastando parte do capital estrangeiro do Brasil.

Esses fatores nublam o cenário para 2021. O quadro para o mercado de trabalho não é animador e o auxílio emergencial, cujo valor já caiu à metade, deverá deixar de existir no ano que vem. Ainda que o governo coloque de pé um programa de transferência de renda amplo, os valores envolvidos e o número de beneficiários serão bem menores que os do auxílio. Para que a retomada da economia seja firme, é preciso reduzir essas incertezas, aumentando a segurança para o setor privado investir e tirando pressão dos juros futuros e do câmbio.

O Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) da Fundação Getulio Vargas (FGV) segue em nível elevado, apesar de estar em queda desde maio. Em abril, o índice atingiu o nível recorde de 210,5 pontos, devido ao choque produzido pela pandemia da covid-19. O IIE-Br tem recuado, mas a trajetória declinante perde força. Divulgada na semana passada, a prévia do indicador para outubro aponta para uma queda de 1,8 ponto no mês, para 144 pontos. Se confirmada, será a menor baixa desde maio, com o indicador permanecendo acima da máxima pré-pandemia, de 136,8 pontos, alcançado em setembro de 2015, quando a agência de classificação de risco Standard and Poor’s (S&P) tirou o grau de investimento do Brasil. Um nível elevado de incerteza afeta principalmente o investimento, que necessita de um horizonte previsível para se materializar.

A grande incógnita é o que vai ocorrer com as contas públicas a partir de 2021. Para combater os efeitos da pandemia, o governo elevou os gastos e viu as receitas caírem, como resultado da recessão. O problema é que o Brasil já partiu de uma situação fiscal pouco confortável, com uma dívida bruta de 75,8% do PIB no ano passado. O endividamento bruto deve fechar 2020 na casa de 95% do PIB, enquanto o déficit primário (excluindo gastos com juros) ficará próximo a 12% do PIB.

Para financiar um programa de transferência de renda mais amplo, o presidente Jair Bolsonaro não quer promover a fusão de programas sociais como o abono salarial, o seguro-defeso e o salário família com o Bolsa Família, o que não levaria ao rompimento do teto de gastos, mas exige medidas impopulares. Nesse cenário, surgem ideias para tentar driblar o mecanismo, como usar parte do dinheiro do pagamento de precatórios para bancar o Renda Cidadã.

A economia em 2021 deverá ter como vento contrário uma redução expressiva do estímulo fiscal, depois de um déficit primário superior a dois dígitos em 2020. Uma contração muito forte dos gastos tende a produzir efeitos negativos sobre a atividade, num quadro em que o investimento e o consumo das famílias não têm perspectivas favoráveis. A questão é que os indicadores fiscais são de fato preocupantes e o governo não dá mostras de que vai enfrentar o crescimento dos gastos obrigatórios. Um ajuste mais gradual no ano que vem precisaria ser comunicado com muito cuidado, reforçando o compromisso com medidas estruturais de contenção das despesas. O governo, contudo, caminha direção oposta. Há uma disputa entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, escancarando a falta de coesão na questão fiscal.

Com o panorama para as contas públicas incerto em 2021, o câmbio se desvaloriza e os juros futuros disparam - o dólar está acima de R$ 5,60, enquanto a taxa dos contratos de DI para janeiro de 2027 fechou na sexta-feira em 7,56% ao ano, muito acima dos 2% da Selic. Hoje, os índices ao consumidor mostram uma alta forte dos preços de alimentos, mas a expectativa é que esse movimento seja temporário, não levando a pressões inflacionárias mais disseminadas. Novas rodadas de depreciação do câmbio, contudo, podem mudar esse quadro, colocando em risco a Selic na mínima histórica.

Há dúvidas ainda quanto ao avanço de uma das propostas de reforma tributária hoje em discussão. O assunto não vai deslanchar antes das eleições. Qualquer progresso, se houver, ficará para 2021. O governo ainda não apresentou a segunda parte da sua proposta, que deve incluir um imposto sobre transações financeiras para bancar uma desoneração mais ampla da folha de pagamento. Em resumo, não se sabe se alguma das iniciativas em debate vai caminhar, e qual será a natureza da reforma. Uma redução da tributação das empresas - hoje mais alta no Brasil do que em muitos outros países -, acompanhada da taxação da distribuição de dividendos, seria bem vinda, mas não parece estar no radar. Com isso, há incertezas sobre qual será o desenho do sistema tributário nos próximos anos, o que também colabora para segurar os investimentos privados, num momento de enorme ociosidade de recursos na economia.

Há ainda a política ambiental. Além do retrocesso em si, a imagem do governo Bolsonaro nessa área é péssima, o que atrapalha a ratificação do acordo comercial fechado entre o Mercosul e a União Europeia (UE) e afugenta parte dos investidores estrangeiros do país. É mais obstáculo para o investimento, assim como a condução da crise sanitária pelo governo federal.

Esse conjunto de incertezas dificulta a retomada em 2021. O consenso de mercado indica por enquanto um crescimento de 3,5% no ano que vem, mas alguns analistas já projetam um resultado mais fraco, na casa de 2%, o que seria muito ruim para um país com 14 milhões de desempregados.


Bruno Carazza: Siga o dinheiro

Caso do senador devia deixar legado para combate à corrupção

A cada escândalo nós atualizamos as medidas. Em 2005, José Adalberto Viera da Silva, então assessor do deputado José Guimarães (PT-CE) foi preso em flagrante no aeroporto de Congonhas com US$ 100,5 mil acondicionados na cueca e mais R$ 209 mil transportados numa sacola. Doze anos depois, a Polícia Federal precisou de sete máquinas e um dia inteiro de trabalho para contabilizar os R$ 51 milhões, em cédulas de dólares e reais, guardados em malas e caixas de papelão guardadas num dos apartamentos da família do ex-deputado Geddel Vieira Lima (DEM-BA).

Na Lava Jato, o executivo Hilberto Silva, responsável pelo setor de pagamentos do departamento de “Operações Estruturadas” da Odebrecht, acondicionava R$ 500 mil em mochilas que eram distribuídas em hotéis e flats a emissários de políticos dos mais variados partidos. Fernando Migliaccio, seu subordinado, chegou a distribuir R$ 35 milhões dessa forma num único dia. “Foi o meu recorde”, confessou ao Ministério Público Federal. Para comprovar a medida de capacidade pecuniária das bagagens, era de justamente meio milhão o valor contido na mala de rodinhas recebida pelo ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR) em nome de Michel Temer, no episódio da JBS que decretou, na prática, o fim do seu governo. E tudo isso aconteceu numa época em que a maior nota brasileira era a garoupa, e não o lobo guará.

Os R$ 33.150 encontrados na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) foram motivo de piadas e chacotas, além de ter provocado mal estar na base de apoio de Bolsonaro, de quem era vice-líder. Mas eles representam, sobretudo, nossa incapacidade de aprender com os erros e evitar que eles se repitam.

Traficantes de drogas e armas, terroristas, sonegadores, corruptos e corruptores, entre outros, se valem de pagamentos em espécie para “reciclar” capitais obtidos ilicitamente e tornar mais difícil sua rastreabilidade caso sejam investigados. É por essa razão que organismos internacionais como a Força Tarefa de Ação Financeira (FATF, na sigla em inglês), criada pelos países do G-7 em 1989 para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo, recomendam que transações financeiras envolvendo valores elevados sejam comunicadas aos órgãos de controle para, se for o caso, serem monitoradas mais de perto.

No Brasil, o Conselho de Controle e Atividades Financeiras (Coaf) foi criado em 1998 justamente para cumprir o objetivo de examinar atividades dessa natureza. Desde a aprovação da Lei nº 9.613/1998, instituições financeiras, casas de câmbio, cartórios, joalherias, imobiliárias, concessionárias de veículos e outros estabelecimentos que transacionam bens de luxo devem comunicar ao Coaf operações realizadas por “pessoas expostas politicamente” ou por qualquer cidadão, desde que efetuadas em espécie, em montante acima de R$ 30 mil.

A se julgar pelos casos de corrupção que periodicamente sacodem o país, essas determinações legais não têm sido suficientes. Pouco antes da descoberta de cédulas no cofrinho do senador, a própria família presidencial já vinha sendo assombrada por investigações conduzidas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro a respeito de diversas transações imobiliárias realizadas em dinheiro vivo que supostamente teriam origem ilícita, seja nas rachadinhas na Assembleia Legislativa fluminense ou talvez em algo até mais grave.

O mais lamentável é que, ao longo de décadas e mais décadas de escândalos de corrupção, avançamos bem menos do que seria necessário para fechar o cerco contra políticos e outros criminosos que se valem de pagamentos em espécie para requentar e ocultar patrimônio obtido de forma ilegal. Ao politizarmos operações como o Mensalão e a Lava-Jato, perdemos a oportunidade de pressionarmos por mudanças legais e institucionais que poderiam tornar mais efetivo o combate a desvios de recursos públicos no país.

E não é por falta de iniciativas legislativas que não tornamos mais efetivo o combate ao “branqueamento de capitais” no Brasil. Ainda em 2011, o PL nº 2.847, do ex-deputado Carlos Manato (PDT-ES), previa a proibição de pagamentos em cash de operações acima de R$ 1.500,00. Já na esteira da Lava-Jato, o PL nº 7.877/2017, do parlamentar paulista Gilberto Nascimento (PSC) atribuía ao Conselho Monetário Nacional a competência para definir um limite a partir do qual só seriam concretizadas transações por meio eletrônico. Mais recentemente, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) acatou uma das “Novas Medidas contra a Corrupção”, elaboradas por um grupo de especialistas a pedido da Transparência Internacional, e apresentou o PL nº 75/2019, que veda o uso de dinheiro vivo para o pagamento de boletos e faturas acima de R$ 5 mil e outras operações superiores a R$ 10 mil.

Limitar o uso de pagamentos em espécie, a princípio, não traria nenhum prejuízo ao brasileiro comum - de um lado, os não bancarizados não dispõem de renda para compras de elevado valor, e de outro as classes média e alta já se habituaram a utilizar cartões de crédito e débito, DOCs, TEDs e transferência bancárias em seu dia-a-dia. A restrição legal só não avança por falta de pressão sobre justamente as “pessoas politicamente expostas” que se beneficiam do sistema atual ou têm conexões com a criminalidade.

Com o advento do Pix e das novas formas de pagamentos eletrônicos, não haveria motivos para o Brasil não aderir a uma tendência internacional que já inclui China, Índia, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Portugal e Itália. Todos esses países, em alguma medida, já adotaram ações para restringir transações em dinheiro vivo com o intuito de combater a corrupção, a criminalidade e o terrorismo.

O caso dos reais nas partes íntimas do senador Chico Rodrigues talvez não dê em nada - com muita sorte, levará à sua cassação ou a uma condenação judicial. Melhor seria se deixasse como legado alguma mudança efetiva na legislação para tornar mais fácil investigações no estilo “follow the money” - mesmo que as buscas conduzam, ao final, a um lugar sujo e mal-cheiroso.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Ruy Castro: Perguntas à queima-roupa

Ver os repórteres em ação nas eleições americanas é um espetáculo instrutivo

A sucessão presidencial nos EUA tem oferecido um espetáculo instrutivo: ver repórteres americanos em ação. Ao entrevistar os candidatos ou assessores, eles não vacilam —um de cada vez, disparam à queima-roupa uma pergunta de, se tanto, dez palavras. O entrevistado não tem tempo para pensar. O ritmo da pergunta determina o ritmo da resposta. E esta nem sempre é a que o entrevistado pensava dar.

Entre nós, com respeitáveis exceções, é diferente. Nenhuma pergunta leva menos de um minuto. É precedida de um introito que esmiúça a questão, estende-se nos prolegômenos e sugere alternativas. O entrevistado escuta com a maior atenção. Quando a pergunta parece estar chegando à sua formatação final, com o esperado ponto de interrogação —“O que o senhor diria disso ou daquilo?”—, o repórter, para arredondar, envolve-a com duas ou três outras, que ele próprio responde, e só então cede a palavra ao entrevistado. O qual já teve tempo para burilar seu discurso e adequá-lo ao que sabe ser a forma ideal: falar sem dizer nada.

Bem, essa é só uma variação. Há outra, não menos comum: a das duas ou três perguntas feitas em sequência, cada qual sobre um assunto. Esse é o formato favorito de todo entrevistado —permite-lhe responder apenas a última pergunta ou a que lhe for mais conveniente. E, quando isso acontece, raramente se ouve uma insatisfação com a resposta ou um repique. Fica por isso mesmo, como se o importante não fosse a resposta, mas a pergunta.

Alguns entrevistados se dão ao trabalho de tentar responder a essa série de perguntas, indo ao fundo da memória para se lembrar de qual tinha sido mesmo a primeira, depois a segunda, a terceira etc. Mas só porque sabem que isso lhes garantirá mais tempo de câmera.

Os repórteres americanos podem aceitar como resposta um simples “Sim” ou “Não”. É o que basta para, às vezes, até derrubar um presidente.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


Celso Rocha de Barros: A antipolítica matou a renovação política?

Será bom se o número de partidos cair, mas não é irrelevante saber quais sobreviverão

Na coluna passada, argumentei que o fortalecimento do centrão pode estar se dando em um momento decisivo para a democracia brasileira: a provável redução do número de partidos causada pela proibição de coligações em eleições proporcionais.

Os partidos fisiológicos podem estar mais fortes justamente no momento em que a sobrevivência de cada legenda deve depender mais de seu tamanho atual.

Matéria de João Pedro Pitombo e Guilherme Garcia publicada na Folha de sexta-feira mostrou que o risco disso acontecer é real.

Segundo a análise de Pitombo e Garcia, as migrações de vereadores eleitos em 2016 para outros partidos em 2020 mostram que os candidatos já estão fazendo escolhas na nova estrutura de incentivos. Isto é, escolheram candidatar-se por partidos maiores, com perspectivas melhores de sobreviverem à cláusula de barreira e conquistar fatias maiores do financiamento eleitoral.

Era exatamente isso que os cientistas políticos esperavam que acontecesse. As coligações partidárias em eleições proporcionais sempre foram vistas como uma das causas do grande número de partidos existente no Brasil. Partidos pequenos podiam se aproveitar da votação dos partidos maiores para eleger deputados.

As consequências disso podem ter sido importantes: imaginem o que teriam sido os governos do PSDB e do PT se suas bancadas fossem maiores e a necessidade de cooptar aliados fisiológicos fosse menor.

A reforma da legislação aprovada pelo Congresso foi portanto, inequivocamente, uma boa ideia.

Mas ela pode ter menos efeitos positivos, ou pode demorar mais do que se esperava para gerar efeitos positivos, porque as outras ideias que venceram na política brasileira nos últimos cinco anos foram todas muito ruins.

Nos últimos anos, a onda antipolítica causou grandes perdas para os partidos mais consistentes —que aceitam passar longos períodos na oposição, sem acesso à máquina pública— como o PT e o PSDB. Eles chegam nesse início de processo de consolidação fracos.

Nos dados da matéria da Folha, vê-se que o PT se manteve estável desde 2016, mas 2016 foi sua pior eleição em muitos anos. O PSDB perdeu 11% de seus vereadores desde as últimas eleições. A única exceção entre os grandes partidos é o DEM, que cresceu 52%, um número muito expressivo.

Mas alguns dos partidos que mais receberam novos candidatos a vereador foram, segundo a reportagem, os partidos de centro-direita que sempre venderam seu apoio a qualquer governo.

O PP cresceu 30%, o PSD de Kassab também cresceu, o MDB permaneceu estável mesmo depois do desempenho ridículo de 2018. É impossível, inclusive, descartar a hipótese de que o DEM tenha crescido, em parte, porque voltou a se aproximar do perfil centrão.

No geral, isso não era o que torcíamos que acontecesse quando o número de partidos caísse.

Queríamos que PT e PSDB não precisassem mais comprar o PP, ou que PT e PSDB fossem substituídos por partidos melhores. Não queríamos que o PP substituísse o PT ou o PSDB como grande legenda.

Será bom se o número de partidos cair. Mas não é irrelevante saber quais deles sobreviverão. Se a tendência atual persistir, restarão de pé justamente os que tiveram mais disposição para se vender. A antipolítica pode ter matado a renovação que a política tradicional poderia ter trazido.

*Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Marcus André Melo: A pandemia beneficiou os atuais prefeitos e vereadores?

Ao contrário de 2018, a eleição atual não produzirá surpresas

Há nas nossas eleições municipais uma característica singular —que não é exclusividade do nosso país— já investigada a fundo por pesquisadores, conhecida como “desvantagem do incumbente”.

O efeito é contraintuitivo pois o ocupante de um cargo pode utilizar os recursos diversos que dispõe —desde assessores à própria máquina pública— na disputa eleitoral. Isto explicaria as “taxas soviéticas” de reeleição para muitos cargos eletivos: em 2018, na Câmara dos Deputados nos EUA, a taxa de reeleição alcançou 96,7% (e ainda mais alta no nível local).

São múltiplos os fatores que explicariam as desvantagens para os incumbentes: nas democracias novas os que alcançaram o cargo sob o antigo regime gradativamente perdem poder; há muitas necessidades insatisfeitas; os partidos fracos são pouco informativos, convertendo a performance individual dos políticos na principal pista para o voto etc.

Nas eleições municipais deste ano, 3.082 prefeitos tentam a reeleição (55,3% do total), e só podem fazê-lo uma vez. Em 2016, 2.708 tentaram e pouco menos da metade —1.270, ou 46,8%— tiveram sucesso. Para os vereadores o quadro é mais vantajoso: 2/3 lograram reeleger-se.

Neste ano o quadro pode mudar: podemos esperar excepcional vantagem pró ocupantes do cargo. Sim, este é mais um dos efeitos da pandemia.

São várias as razões: o efeito “união de todos contra a emergência” beneficia quem já está no poder; os atuais incumbentes desfrutam de enorme exposição na mídia; lockdowns são obstáculos para os desafiantes; a campanha será mais curta.

Há também fatores negativos: situações de calamidade funcionam como lente de aumento sobre os ocupantes do poder executivo (não vereadores).

A maior vigilância se traduz em maior punição ao mau desempenho e mais premiação ao bom: os resultados dependerão do contexto.

O resultado líquido dessas forças contraditórias será que provavelmente os incumbentes terão mais vantagens que desvantagens, revertendo a tendência contrária.

Há no entanto uma variável nova na atual eleição cujo efeito é difícil de estabelecer: a proibição das coligações proporcionais. Ele já pode ser observado na redução de partidos na disputa eleitoral. O número médio de partidos passou de 14 para 7, como mostrou Guilherme Russo (FGV).

Por outro lado, o número de candidatos aumentou em 10% na média, e muito mais que isso nos municípios grandes, porque agora os partidos têm que alcançar o quociente eleitoral sozinhos, sem coligar-se.

A mudança já produziu também expressiva migração dos pequenos para os grandes partidos. Ao contrário de 2018, trata-se de reacomodação profunda, mas sem rupturas.

*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).


Carlos Pereira: Contorcionismo interpretativo

Restrições do sistema político são responsáveis por mudanças de comportamento de Bolsonaro

Assim como é possível a algumas pessoas fazer acrobacias que envolvem flexões e contorções extremas no corpo, também é possível observar contorcionismos interpretativos de fenômenos políticos.

É surpreendente que, mesmo quando os atores políticos passam a se comportar de acordo com as expectativas geradas pelos incentivos e restrições institucionais, muitos analistas ainda têm imensas dificuldades de reconhecer as virtudes do sistema político brasileiro. Preferem, por exemplo, creditar aos supostos “defeitos” do sistema o enquadramento comportamental do presidente Jair Bolsonaro. Fazem contorcionismo interpretativo ao anunciar a fragilização das organizações de controle como decorrente de supostos “acordos”, como se estas fossem indefesas ou passivas às ações dos políticos.

Inebriado pela vitória surpreendente e pelos compromissos antissistema de sua campanha à Presidência, Bolsonaro inaugurou seu governo nadando contra a corrente das regras do jogo político. Ignorou as restrições institucionais do presidencialismo multipartidário e se negou a montar uma coalizão, preferindo governar na condição de minoria.

Baseado em extensa pesquisa empírica produzida pela ciência política brasileira, era esperado que essa estratégia governativa gerasse problemas crescentes de governabilidade. Não deu outra! O governo colheu derrotas sucessivas tanto no Legislativo como no Judiciário. Além do mais, acirrou animosidades e se engajou em conflitos abertos com outros Poderes.

Os custos decorrentes dessa estratégia adversarial de governar tornaram-se proibitivos para Bolsonaro, que viu sua popularidade derreter e aumentarem os riscos de interrupção precoce de seu governo. Independentemente das motivações do presidente (sobreviver, proteger seus filhos de investigações, obter sucesso no Legislativo e no Judiciário etc.), o governo fez, mesmo que tardiamente, consideráveis ajustes e inflexões em seu comportamento.

Ainda sem formar uma coalizão claramente majoritária e estável, bem como sem explicitar quais os termos de troca dessas alianças, Bolsonaro decidiu jogar o jogo do presidencialismo multipartidário. O presidente vem se aproximando dos partidos do Centrão, que têm conferido estabilidade e previsibilidade à democracia brasileira ao participar de quase todas as coalizões dos governos pós-redemocratização.

Bolsonaro também diminuiu o tom do seu discurso belicoso e autoritário que alimentava as conexões identitárias com seu eleitorado mais reacionário. As instituições políticas e de controle, portanto, têm sido capazes de constranger as ações do governo ao ponto do discurso confrontacional de Bolsonaro perder autenticidade. Ou seja, o presidente, ao se domesticar, se rendeu à “política tradicional”. A democracia venceu!

O Brasil, em termos relativos, tem vivido o período mais pacífico, longevo e estável da história de sua democracia. Atores políticos e agentes econômicos que apresentam comportamento desviante têm sido objeto de investigações e sofrido punições judiciais expressivas. Como exemplo, o ex-vice-líder do governo no Senado, senador Chico Rodrigues, acaba de ser flagrado pela Polícia Federal com dinheiro escondido na cueca e teve seu mandato suspenso por 90 dias pelo Supremo Tribunal Federal.

O viés de pessimismo decorrente do comportamento inicial de Bolsonaro parece ser a raiz do mal-estar que, a despeito das virtudes do presidencialismo multipartidário, tem atormentado a maioria das análises políticas sobre a capacidade das instituições brasileiras de constrangê-lo.

*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE)


Fernando Gabeira: Dinheiro nas nádegas, a pátria no coração

Subiu ao poder um novo e caseiro método de desviar dinheiro público

Convivi cordialmente com Chico Rodrigues na Câmara. Assim como convivi com Bolsonaro e o próprio Severino Cavalcanti, inclusive depois de sua derrubada.

Uso pouco a expressão “baixo clero” ou mesmo “vale dos caídos” para designar aquelas fileiras numa zona de sombra no final do plenário.

Aprendi na cadeia, como se não bastassem outras experiências, a conviver sob o mesmo teto com pessoas que não escolhi. E aprendi também que alguns deputados simples e discretos tinham muito a me ensinar, como era o caso do piauiense Mussa Demes, que sabia tudo sobre política fiscal.

Bolsonaro nunca foi genuinamente contra a corrupção. Ele integrava o partido em que Paulo Maluf era um dos expoentes. Sua luta era basicamente contra a esquerda, e a corrupção só se tornou interessante para ele quando a percebeu como o ponto fraco do governo petista.

Chico Rodrigues de uma certa forma sabia disso. Num encontro com Bolsonaro, ele declara que o presidente soube encarnar o espírito do tempo, preencher essa lacuna de liderança, defender a família, dar exemplos para a juventude.

Traduzindo o discurso de Chico, ele estava dizendo para Bolsonaro: “Vamos nessa, irmão, é por aí que devemos seguir”.

O resultado não custou a aparecer. Chico era um grande companheiro. Elogiava Bolsonaro, empregou em seu gabinete o primo e amigo de Carlos e ganhou o cargo de vice-líder.

Quando o condecorou, Bolsonaro teve a preocupação de lembrar que Chico estudou num colégio militar. Ambos sabem que existe uma aura de seriedade em torno dos militares e querem tirar todo o proveito dela.

Bolsonaro e Chico são o novo poder. No passado, havia dólares na cueca; agora, a moeda na roupa íntima é o real.

Não sei se seria correto invocar Freud para explicar tanto dinheiro nas nádegas. De fato, o sábio austríaco associava o dinheiro a pulsões anais, mas o fazia de uma forma sofisticada. Freud tentava explicar relações obscuras, apontar as bases essenciais de relações que as aparências escondiam.

No caso de Chico Rodrigues, o exemplo é grosseiro e, por que não admitir?, até malcheiroso. Não se trata de uma substituição simbólica do dinheiro pelas fezes, mas sim de uma fusão concreta de uma equivalência metafórica.

O resultado é que Bolsonaro ficou com a retaguarda descoberta. Já estava após a prisão de Fabrício Queiroz. Fica cada vez mais evidente que subiu ao poder apenas um novo e caseiro método de desviar dinheiro público.

O episódio acontece uma semana depois que Bolsonaro afirmou que acabara com a Lava-Jato porque não há corrupção no seu governo. Na semana em que André do Rap foge para o Paraguai montado numa lei que Bolsonaro sancionou, apesar de, na campanha política, ter se declarado o único comprometido com a segurança pública.

A lei parte de boas intenções, mas foi elaborada pelos políticos, pensando apenas neles, sobretudo em ter um horizonte temporal de prisão preventiva para não caírem na tentação de delatar seus esquemas.

Disse que o André do Rap está no Paraguai porque é um lugar para refletir sobre o Brasil. Projetamos uma carga negativa sobre o Paraguai; uísque e cigarros falsificados, até os cavalos que disparam na largada e param subitamente chamamos de cavalos paraguaios.

Os deputados fizeram uma lei imprecisa, o presidente sancionou, um ministro do Supremo a aplicou cegamente, juízes deixaram de opinar, e a própria polícia, diante da libertação de um preso importante, não soube monitorar.

Esse episódio em si já bastaria para que se tivesse uma visão crítica do Brasil, a partir do Paraguai, que tanto subestimamos.

O que surgiu depois, para completar a semana, é chocante: um nobre senador, literalmente, enchendo o rabo de dinheiro.

Seria engraçado se o dinheiro não fosse destinado a atender às vítimas da Covid-19 e se este governo metido a sério não estivesse destruindo nossos recursos naturais num ritmo alucinante.

Isso só reforça o que escrevi há algum tempo: não há nada mais importante para todos do que combater Bolsonaro. Não estou propondo amar uns aos outros. Vamos sair dessa, depois conversamos, ou brigamos, se preferirem.