Day: outubro 16, 2020

RPD || Benito Salomão: Cenários possíveis para 2021

Problemas econômicos do país seguem reais, apesar de terem saído do debate público como se tivessem deixado de existir, avalia Benito Salomão. Desemprego avança para 13,8% e a dívida pública chega a 88,72% do PIB

Benito Salomão*

No momento em que se caminha para o final do histórico ano de 2020, surge uma falsa e perigosa sensação de normalidade: a curva de infectados pelo novo coronavírus no Brasil finalmente cedeu, a economia apresenta alguns sinais de recuperação e a possibilidade de uma segunda onda parece ser uma realidade distante. Os problemas estruturais do Brasil parecem ter desaparecido do debate público como se tivessem deixado de existir. Aos poucos, lojas, bares, restaurantes e shoppings voltam a funcionar; as pessoas retornam às suas atividades, e a pandemia, que já deixou quase 150 mil mortos e continua seu cortejo macabro, passa a ocupar apenas a lembrança das pessoas.  

Os problemas econômicos, no entanto, seguem reais. Segundo o IBGE, o desemprego no semestre findado em julho avançou para 13,8% e já supera o pior momento da crise de 2014/17, com pico de 13,7% em março de 2017. Segundo os dados da Pnad Contínua, cerca de 13,1 milhões de brasileiros procuraram trabalho e não encontraram no trimestre findado em julho; outros 5,8 milhões estão no desalento. No que se refere ao PIB, parece haver alguma recuperação em curso. Entretanto, uma análise de indicadores antecedentes como o IBC-Br mostra que, até o presente momento, a recuperação não cobriu sequer a metade da perda verificada no primeiro semestre do ano.  

O único indicador no Brasil que cresce acima das projeções é o da dívida pública. Entre janeiro e agosto de 2020, a dívida bruta do governo brasileiro saltou de 76,18% para 88,72% do PIB, um avanço de 12,54% em apenas oito meses. Na crise anterior, já considerada por muitos como a maior da história até então, a dívida pública brasileira havia crescido de 51,79% para 71,01% do PIB, evolução de 19,22% entre março de 2014 e novembro de 2016, porém em um prazo muito mais dilatado, de 32 meses.  

Em meio a um cenário fiscal tão desolador, o governo brasileiro segue de braços cruzados; a reforma tributária parece ter saído de discussão; a reforma administrativa apresentada não tem condições de ser aprovada; e o governo aposta em trapaças contábeis para criar seu “Renda Cidadã”, fruto da obsessão pessoal do presidente da República, não uma política de mitigação da pobreza, da miséria ou da fome, mas sim como um mero instrumento de perpetuação no poder. O Renda Cidadã é o ponto de tangência entre o bolsonarismo e o petismo; ambos são capazes de lançar mão da sustentabilidade fiscal e da estabilidade macroeconômica do país em troca da formação de feudos eleitorais constituídos por programas de transferências de renda, que, se não fossem deturpados, poderiam ser importantes instrumentos de redução das desigualdades no Brasil.  

Ao paralisar reformas estruturais e insistir em teses econômicas inviáveis como o Renda Cidadã e a substituição da CPMF pela desoneração da folha de pagamentos, o Brasil está construindo um rápido atalho entre a crise atual e a próxima crise. Em janeiro de 2021, o decreto legislativo de calamidade pública irá expirar. Com ele, a PEC 10/20 do Orçamento de Guerra será sustado, e a política fiscal no Brasil voltará a se enquadrar no formato institucional padrão composto por Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), Teto de Gastos Públicos e Regra de Ouro. Quando isso acontecer, as despesas primárias do governo federal não poderão crescer acima de 2,13% que é a inflação findada em junho. O governo também não poderá seguir contraindo dívida para pagar despesas correntes. Um grande número de Estados e municípios que infringiram o teto legal de despesas com pessoal da LRF será obrigado a reconduzir o orçamento para os limites da Lei e vai, fatalmente, demandar socorro da União e dos Estados. Enfim, os problemas de sempre voltarão à baila.  

No front monetário, o governo brasileiro terá dificuldades de continuar financiando, via títulos, a expansão das despesas públicas. Com a sustação do orçamento de guerra, os papéis emitidos pelo Tesouro não mais poderão ser adquiridos pelo Banco Central e terão que ser absorvidos exclusivamente pelo mercado. É possível esperar a elevação das taxas de juros futuras. Além disso, uma provável segunda onda da pandemia na Europa pode voltar a derrubar os mercados financeiros e causar ainda mais volatilidade na taxa de câmbio e prejuízos ao comércio internacional. Se enganam os crentes em uma recuperação robusta em 2021; o cenário econômico deve prosseguir conturbado.  

* Mestre e Doutorando em Economia PPGE - UFU  


RPD || Alberto Aggio: A política em tempos de pandemia

Filtro político das recomendações para o combate à pandemia do novo coronavírus desnudou as perspectivas filosóficas dos governantes, suas concepções de civilização, sua visão do presente e do futuro, avalia Alberto Aggio

Alberto Aggio*

É uma verdade relativa a que se pode deduzir da expressão “o cidadão vive no município, não no Estado ou na Federação”. A vida mudou profundamente nos últimos tempos, tornando-se cada vez mais complexa e cosmopolita. Se as fronteiras entre os países se enfraqueceram, o que dizer então dos limites meramente administrativos das cidades? A pandemia da Covid-19, que já ceifou mais de 1 milhão de vidas no mundo, é mais uma evidência da mudança. Em meio a esses trágicos resultados, ou precisamente por conta deles, teríamos pelo menos um saldo positivo desse sofrimento todo se pudéssemos assimilar a nova forma de pensar a relação do cidadão com a Pólis e, em função dela, construir uma maneira contemporânea de pensar a política no nosso tempo.

A começar pelo reconhecimento de que sobreviver à pandemia só foi possível com a adoção de parâmetros de orientação científica que transcenderam qualquer dimensão municipal. O isolamento social, primeiro, e o distanciamento social, em seguida (uso de máscaras, periódica e meticulosa higiene das mãos etc.), foram as principais orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), para tentar estancar o alastramento do vírus. Mesmo que ambas tenham sido cumpridas de maneira bastante parcial no Brasil, nossas condutas, sociais e pessoais, assemelharam-se a de inúmeros países do globo.

A contestação a essas recomendações desnudou as perspectivas filosóficas dos governantes, suas concepções de civilização, sua visão do presente e do futuro. Em uma palavra, as recomendações dos especialistas foram filtradas, em toda parte, pelo crivo da política. Não poderia ser diferente. Viver ou morrer, no contexto da pandemia, estaria assim submetido a uma orientação global e se consubstanciaria em um plano político concreto em cada país, desde o nível regional até os entes locais do território. Nesse pacote estariam iniciativas referentes à montagem de hospitais, alocação e distribuição de medicamentos e de recursos financeiros e humanos etc.

O mesmo raciocínio pode ser usado em relação à vacina contra o novo coronavírus. A produção da vacina deriva do avanço da ciência e da especialização dos cientistas em nível global e, essencialmente, da troca de informações entre eles, além do grau de evolução e especialização da economia médico-farmacêutica de cada país. Da mesma maneira, o sucesso ou o fracasso no tratamento dos pacientes contaminados pelo vírus.

Em suma, a pandemia demonstrou, de forma cabal, que as cidades não são mundos encapsulados, que vivem para si mesmas – como se algum dia houvessem sido. Nos momentos mais agudos, elas se “fecharam” e restringiram o movimento dos seus cidadãos, mas se mantiveram conectadas com o que de mais importante se fazia ao redor do mundo no enfrentamento da pandemia.  

Contudo, as orientações dos especialistas não responderam de imediato às expectativas de contenção do vírus e, com o correr dos meses, foram alteradas, embora tenham sido mantidas como as referências mais seguras para enfrentar a emergência sanitária que se apresentava. Em uma palavra: elas eram insuficientes diante da complexa realidade que se instalava. Sabia-se do alcance, dos benefícios e dos limites do isolamento social confrontado com a realidade social e econômica. Se é verdade que a fala dos especialistas não poderia ser tomada de maneira absoluta, era rematada tolice vocalizar que a pandemia estava sendo politizada. Em suma, não havia sentido em pensar que as decisões quanto à pandemia estivessem fora da dimensão política.

Por ser assim, o comportamento dos principais dirigentes políticos do mundo esteve em causa no contexto pandêmico. O presidente Jair Bolsonaro notabilizou-se, dentro e fora do país, porque politizou a pandemia da forma mais equivocada possível. Desdenhou de suas consequências e principalmente dos mortos; recusou-se a colaborar com governadores e prefeitos no combate à pandemia, alegando falsamente suposta obstrução do STF; impediu a comunicação e a transparência a respeito do avanço e do combate à pandemia; e, por fim, buscou, a todo custo, “abater” politicamente seus supostos concorrentes às futuríssimas eleições presidências de 2022. Assim se comportou com dirigentes democraticamente eleitos e com ministros que ele próprio convocou como seus auxiliares.  

Governadores, prefeitos e todos os cidadão ficaram a mercê de orientações conflitantes e o resultado foi a desorientação total da população, com as consequências sabidas: mais de 150 mil mortos em pouco mais de seis meses. No essencial, em relação à pandemia, Bolsonaro entregou uma política truculenta e beligerante, eivada de incompreensão e de ausência de solidariedade, além da absoluta falta de empatia para com aqueles que perderam seus entes queridos.  

Se há algum saldo positivo a esperar é que os brasileiros, nas próximas eleições e nas vindouras, exerçam suas escolhas estabelecendo claramente a diferenciação entre lideranças e dirigentes políticos que se comprometeram em superar a crise e aqueles que se aproveitaram dela visando apenas seus interesses pessoais.


RPD || Reportagem especial: Destruição do Pantanal confirma desmonte de política ambiental no governo Bolsonaro

Discurso de ministros sobre boi bombeiro não sinaliza para qualquer medida eficaz de preservação do meio ambiente no país

Cleomar Almeida

Quase quatro milhões de hectares já foram destruídos por incêndios no Pantanal, a maior planície alagada do mundo, com 65% de seu território concentrados nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Além de deixar a vegetação em cinzas e o céu do país tomado por fumaça e fuligem, as queimadas são consideradas a maior da história pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o que, para especialistas, refletem o desmonte das políticas ambientais em menos de dois anos do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A dimensão exata da destruição da fauna e flora ainda é incerta diante da imensidão das queimadas que aumentam a área devastada a cada dia. A Polícia Federal suspeita que fazendeiros provocaram os incêndios criminosos para transformar a área em pasto, seguindo uma linha do próprio governo federal. Em audiência no Senado, no dia 9 deste mês, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o boi é o “bombeiro do Pantanal” e, segunda ela, as queimadas e o “desastre” na região poderiam ter sido menores se houvesse mais gado no bioma.

Tereza Cristina: “O boi é o bombeiro do Pantanal". Foto: Walter Campanato/Agência Brasil

“O boi é o bombeiro do Pantanal, porque é ele que come aquela massa do capim, seja ele o capim nativo ou o capim plantado, que foi feita a troca. É ele que come essa massa para não deixar como este ano nós tivemos. Com a seca, a água do subsolo também baixou os níveis. Essa massa virou um material altamente combustível", afirmou Tereza Cristina. Seu discurso foi criticado por especialistas e segue na linha do que já havia sido defendido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e por Bolsonaro.

A versão do governo não sinaliza, positivamente, para qualquer medida eficaz de preservação do meio ambiente no país. No Pantanal, animais foram carbonizados ou severamente feridos pelas chamas, que também jogaram inúmeras árvores chão abaixo e destruíram quase todo o Parque Estadual Encontro das Águas, refúgio de onças pintadas no Mato Grosso, e o famoso Ninho do Tuiuiú. Organizações não-governamentais (ONGs) e voluntários atuam para socorrer animais, enquanto brigadistas, bombeiros e integrantes da Marinha tentam combater os incêndios.

Até o dia 3 de outubro, 2.160.000 hectares já haviam sido destruídos no Pantanal mato-grossense e outros 1.817.000 hectares em Mato Grosso do Sul. O total de área devastada entre os dois estados é de 3.977.000 hectares, o que representa 26% de todo o Pantanal. Os dados são do levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) Prevfogo e do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgado no dia 6 deste mês, antes do fechamento desta edição. Toda essa área devastada equivale a quase 20 vezes o tamanho das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro juntas.

O Pantanal arde em chamas desde julho e, em menos de três meses, o Inpe identificou cerca de 16 mil focos de calor no bioma. É o maior número desde 2015, quando foram contabilizados 12.536 focos de calor. A região enfrenta a maior seca em 60 anos, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadene), e a longa estiagem faz os incêndios avançarem ainda mais. A falta de chuvas ajuda na propagação do fogo subterrâneo, o que, segundo o instituto, só poderiam ser controlados efetivamente por chuvas constantes.

Incêndio de grandes proporções atinge área do Pantanal. Foto: Mayke Toscano/Secom-MT

Com a estiagem, a navegabilidade também fica ainda mais prejudicada na região, que carece de estradas. Para ter uma ideia, o nível do Rio Paraguai já atingiu o marco zero em régua de porto em Mato Grosso do Sul, onde o governo federal decretou estado de emergência, assim como em Mato Grosso. No entanto, de acordo com o Observatório do Clima, o Ministério do Meio Ambiente não gastou nem 1% da verba de preservação.

Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram, ainda, que o Pantanal sofreu redução de 50% nos registros de chuva em relação à média histórica. De acordo com o órgão, um dos principais indicadores da forte estiagem é o Rio Paraguai, que, segundo levantamento oficial, também atingiu o nível mais baixo desde os anos 1960. Além disso, técnicos reforçam a suspeita de que a propagação dos incêndios pode ter relação com o uso do fogo para fins agropecuários, utilizando-o para limpeza ou renovação da pastagem do gado.

Os efeitos devastadores dos incêndios no Pantanal têm consequências em todo o país, que vem registrando aumento das temperaturas e baixa umidade do ar nos 26 Estados e no Distrito Federal. Em algumas regiões, como no Rio Grande do Sul, já houve chuva preta, consequência da grande quantidade de fumaça das queimadas na atmosfera.

A organização não-governamental Greenpeace, que atua em defesa do meio ambiente, lamentou a destruição do Pantanal e informou, em nota, que o argumento da ministra da Agricultura sobre boi bombeiro foi “equivocado”. Disse, ainda, que o governo promoveu um desmonte na gestão ambiental, o que, conforme acrescentou, provocou as queimadas descontroladas no bioma.

“Diante de um cenário já previsto de seca severa, com focos de calor muito superiores à média desde março de 2019, não foram tomadas medidas efetivas de combate e prevenção aos incêndios, necessárias desde o primeiro semestre. Se não tivesse ocorrido um desmonte da gestão ambiental no Brasil, a situação não teria chegado a este nível de gravidade”, afirmou o Greenpeace na nota. A Presidência da República e os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente não se pronunciaram.


Presidente recebeu críticas por conta do "boi-bombeiro". Foto: Alan Santos/PR

Comissão quer bioma no Conselho Nacional da Amazônia Legal

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) começou a ser pressionado para responder a um requerimento da comissão que acompanha ações contra as queimadas no Pantanal sobre a inclusão do bioma no Conselho Nacional da Amazônia Legal pelos próximos cinco anos. Assim como ele, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foram criticados por especialistas por deferem “mito do boi-bombeiro”.

Em relação ao requerimento da comissão, o colegiado quer que o governo federal assuma sua responsabilidade e garanta uma estrutura de enfrentamento a futuras queimadas no Pantanal. A medida inclui mais recursos financeiros e estrutura logística, com aparato de combate a incêndios, como helicópteros e apoio da Força Nacional e da Defesa Civil.

A ação da comissão também poderá fazer o governo repensar sua defesa sobre o “boi bombeiro” no pantanal, que, segundo ambientalistas, é um mito. Bolsonaro e seus ministros endossam uma tese do agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Evaristo de Miranda, que é chefe da Embrapa Territorial. Em entrevista à imprensa, Miranda culpou o declínio da pecuária no Pantanal e a criação de reservas ambientais na região pelo fogo.

“Quando a pecuária declina, por razões econômicas, de competitividade, quando se retira o boi, como se retirou de grandes reservas que se criaram na região, reservas ecológicas, a RPPN [Reserva Particular do Patrimônio Natural] do Sesc Pantanal, o que acontece nesses lugares, tirando o gado e cercando? O capim cresce muito e acumula muita massa vegetal. Na hora em que pega fogo, é um fogo muito intenso”, disse ele.

Bombeiros no combate aos incêndios no Pantanal. Foto: Christiano Antonucci/Secom – MT

Pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil afirmaram que o gado criado solto ajuda, de fato, a reduzir a quantidade de matéria prima disponível para queima, mas, segundo eles, não é a redução na pecuária que explica os incêndios deste ano. Essa falta de correlação também é apontada em dados da Pesquisa Pecuária Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre os rebanhos bovinos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul nas últimas décadas e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Além disso, o rebanho bovino no Pantanal tem aumentado nos últimos anos, ao invés de diminuir. De 1999 a 2019, segundo levantamento do projeto Mapbiomas, a cobertura de vegetação nativa no Pantanal caiu 7%, reduzindo de 13,1 milhões de hectares, para 12,2 milhões de hectares. “Já a área de pastagem exótica cresceu 64% sobre áreas naturais, passando de 1,4 milhões de hectares, para 2,3 milhões de hectares. Nesse mesmo período, o rebanho de bovinos no Pantanal aumentou 38%, de 6,9 milhões para 9,58 milhões de cabeças”, afirmou o coordenador de inteligência territorial do Instituto Centro de Vida (ICV), Vinícius Silgueiro, à BBC Brasil.


Foto: Christiano Antonucci / Secom – MT

Cinzas de animais deixa fauna enlutada

Animais mortos pelos incêndios no Pantanal têm suas amostras coletadas por força-tarefa que busca levantar o impacto das labaredas na fauna. Animais menores, como pequenos mamíferos e serpentes, foram carbonizados facilmente em razão de terem deslocamento curto e lento. Também já foram encontradas cinzas de jacarés, onças e antas.

O Pantanal tem cerca de 2 mil espécies de plantas, 580 de aves, 280 de peixes, 174 de mamíferos, 131 de répteis e 57 de anfíbios. O número de invertebrados é desconhecido. O bioma também é refúgio para espécies ameaçadas de extinção que vivem em outras regiões. Considerando levantamentos anteriores, o projeto Bichos do Pantanal estima que entre 30% e 35% das espécies de flora e cerca de 20% de mamíferos foram atingidos pelos atuais incêndios.

Os animais de maior porte têm maior chance de fugir. Se não forem cercados pelas chamas ou queimados nas patas pelo fogo que arde por baixo da vegetação, conseguem ir para áreas úmidas ou próximas aos rios. No entanto, em áreas em que há pouca água, praticamente nenhuma espécie consegue escapar.

Além de ter representantes do projeto Bichos do Pantanal, a força-tarefa conta com apoio da ONG Panthera, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e do Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal (INPP).

Também participam dos trabalhos profissionais do Instituto Homem Pantaneiro, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), entre outras instituições. A unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) do Pantanal tem atuado na elaboração dos protocolos e na análise dos dados coletados.


Luiz Carlos Azedo: O traficante e o senador

O julgamento do habeas corpus de André do Rap foi o assunto político da semana, mas acabou ofuscado pelo flagrante no senador Chico Rodrigues (DEM-RR), com R$ 37 mil na cueca

O Supremo Tribunal Federal(STF), por 9 a 1, confirmou a decisão do presidente da Corte, ministro Luiz Fux, que cassou a liminar que soltou o traficante André de Oliveira Macedo, o André do Rap, da lavra do ministro Marco Aurélio Mello. Um dos chefões do Primeiro Comando da Capital (PCC), o traficante fugiu para o exterior. A decisão era pedra cantada, assim como o bate-boca no final do julgamento entre os dois ministros. Novo decano, Marco Aurélio sustentou sua posição, embora tenha negado um habeas corpus de um comparsa do fugitivo, cujo advogado alegou as mesmas razões acolhidas no caso de André do Rap, para pedir sua libertação.

Apesar do resultado dilatado, a sessão de ontem foi tensa. Todos ressaltaram a necessidade de o presidente da Corte respeitar as liminares dos ministros, e trataram o caso de André do Rap como excepcionalidade. O ministro Ricardo Lewandowski chegou a criticar Fux por ter sustado uma de suas liminares, durante um plantão, quando era vice-presidente do Supremo. Houve críticas dos ministros à proposta de mudanças no sistema de distribuição de processos por ato administrativo feita por Fux.

O ministro Gilmar Mendes destacou as falhas no caso de André do Rap, uma vez que a liminar concedida por Marco Aurélio foi dada após o advogado do traficante ter peticionado pela segunda vez; antes, havia retirado outro pedido de habeas corpus, que fora distribuído para a ministra Rosa Weber. Também criticou a omissão do juiz de primeira instância, que deveria ter se pronunciado no prazo de 90 dias, e o Ministério Público Federal (MPF), que somente recorreu da decisão no sábado passado, o que também facilitou a fuga do traficante, que não foi devidamente monitorado pela polícia.

O julgamento do habeas corpus de André do Rap foi o assunto político da semana, mas acabou ofuscado pela operação de busca e apreensão da Polícia Federal que flagrou o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), vice-líder do governo no Senado, tentando esconder R$ 37 mil dentro da cueca. O delegado que comandava a operação desconfiou do volume do calção do pijama que o senador usava em sua casa e resolveu fazer uma revista íntima no parlamentar. O vexame foi notícia no mundo inteiro e virou meme nas redes sociais. O ministro Luís Roberto Barroso, que determinou a operação, depois do flagrante, decidiu afastar Chico Rodrigues do mandato por 90 dias, mas não concedeu o pedido de prisão feito pela Polícia Federal. Os vídeos que registram o momento do flagrante não foram divulgados e estão trancados num cofre da PF.

Dinheiro da Saúde

Com lugar agora garantido no folclore político da pior maneira possível, Chico Rodrigues criou grande constrangimento para o presidente Jair Bolsonaro, de quem era amigo desde os tempos em que ambos foram deputados na Câmara. Por recomendação do Palácio do Planalto, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, aconselhou o parlamentar a renunciar ao cargo de vice-líder do governo, o que foi feito ontem mesmo. O senador está sendo pressionado pela cúpula do DEM, inclusive o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), a renunciar ao mandato, mas resiste. Não quer perder a imunidade parlamentar, com medo de ser preso imediatamente.

GuesChico Rodrigues, segundo as investigações, articulou a remessa de recursos federais destinados ao combate à covid-19 em Roraima, sob condição de que fosse contratada a empresa Quantum Empreendimento em Saúde, controlada por Jean Frank Padilha Lobato, apontado como seu operador. Segundo relatórios da CGU, a empresa assinou um contrato de R$ 3,2 milhões com o governo de Roraima, para fornecimento de kits de testes de covid-19, com superfaturamentos da ordem de R$ 956,8 mil. O senador chegou a solicitar um avião da FAB para transportar materiais da Quantum, o que está sendo investigado, pois o ônus do transporte deveria caber à empresa e não ao Ministério da Defesa.

Com acesso direto ao presidente Jair Bolsonaro, Chico Rodrigues era muito influente, com vários apadrinhados indicados para órgãos federais em Roraima. Integraria um esquema que desviou mais de R$ 20 milhões em emendas parlamentares, que seriam destinadas ao combate da covid-19 no estado. Roraima já recebeu, em 2020, cerca de R$ 171 milhões repassados pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS). Desse valor, R$ 55 milhões eram especificamente para combate à covid-19.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/o-traficante-e-o-senador/

Humberto Saccomandi: O que pode mudar na economia com Biden?

Democrata tem plano de US$ 2 trilhões em investimentos verdes

Se as pesquisas estiverem corretas, um grande “se”, o democrata Joe Biden será eleito em 3 de novembro presidente dos EUA. O que isso significa para a economia dos EUA e mundial? Há algumas certezas e muitas dúvidas ainda. A indefinição principal é com a continuidade, e em que medida, da guerra econômica com a China, que tem efeitos em cadeia por toda a economia global. O Brasil precisa atentar aos riscos e se preparar para oportunidades.

As pesquisas recentes indicam vantagem nacional expressiva do candidato democrata e uma vantagem mais apertada nos Estados decisivos, aqueles que definem a eleição presidencial nos EUA. Mas a dinâmica favorece Biden: a epidemia voltou a avançar, a economia perdeu força e a votação antecipada está muito alta. Há a possibilidade ainda de os democratas, que devem manter a maioria na Câmara, conquistarem a maioria no Senado. Isso seria vital para Biden aprovar suas propostas.

Uma vitória democrata por ampla margem parece ser o cenário mais favorável para os mercados, apesar de o setor financeiro ser tradicionalmente mais simpático aos republicanos. Isso porque a vitória democrata incontestável é provavelmente o único cenário possível em que não haveria judicialização da eleição, com meses de incerteza, e nem a paralisia do Congresso que marcou os últimos anos.

A economia ficou à margem do debate na campanha eleitoral. Os democratas estão focando no desastre que foi a reação do governo Trump à epidemia de covid-19 e, mais genericamente, na incapacidade de Trump para liderar o país. Já o presidente busca se colocar como o defensor da lei e da ordem contra a ameaça da extrema-esquerda democrata. Os enormes desafios dos próximos anos, na esteira da destruição econômica causada pela epidemia, não tornam o debate econômico atraente para nenhum dos candidatos.

No plano interno, Biden promete aumentar impostos e adotar um amplo programa de gastos públicos, para tentar tirar a economia americana da sua maior crise em quase cem anos. O PIB americano deve recuar 4,3% neste ano e crescer 3,1% em 2021, segundo as projeções do FMI. Isso significa que, ao fim de 2021, a produção ainda estará menor do que no fim de 2019. Após cair no meio do ano, o desemprego voltou a subir. O avanço da epidemia nos últimos meses, freou a retomada da economia.

O ponto central do programa econômico de Biden é um plano de investimentos verdes de US$ 2 trilhões ao longo de quatro anos, voltado principalmente para a transição para as energias renováveis. O democrata ainda promete retomar um programa de saúde similar ao Obamacare (que ampliou o acesso a serviços de saúde), a um custo ainda incerto, além de investimentos em educação e infraestrutura e centenas de bilhões em ajuda às empresas dos EUA para pesquisa. O Congresso deve aprovar ainda um novo pacote trilionário de estímulo à economia, no fim deste ano ou no início de 2021, com mais ajuda financeira às empresas e aos trabalhadores.

Para financiar esses gastos, Biden pretende ampliar a arrecadação. Para isso, ele reverteria os cortes de impostos aprovados por Trump e pelos republicanos em 2017. Os impostos aumentariam para os mais ricos e para as empresas. A alíquota de IR das empresas, que era de 35% e caiu para 21%, iria para 28%. Há ainda planos de elevar a taxação sobre ganhos de capital e herança.

Antes mesmo da pandemia já havia dúvidas sobre como financiar os gastos prometidos por Biden e pelos democratas. O aumento da arrecadação não cobriria a alta de despesas. Agora, com os EUA beirando um déficit fiscal de 16% neste ano, o maior em tempos de paz, a dificuldade só cresceu. Provavelmente Biden teria de manter o déficit elevado por muitos anos, com aumento significativo da dívida pública dos EUA, que vai superar 100% do PIB neste ano pela primeira vez desde a Segunda Guerra.

Mas, com o crescente consenso, apoiado nesta semana pelo FMI, de que os países ricos precisam gastar mais (e melhor) para sair da crise, isso não deverá ser um problema para Biden, desde que a inflação e os juros se mantenham baixos por vários anos, o que é o cenário base hoje, mas não é uma certeza. Se tiver maioria no Congresso, o democrata não terá problemas para aprovar mais déficit.

No plano externo, a grande decisão de Biden, que terá maior repercussão global, é sobre a continuidade da guerra econômica com a China, que é parte da tentativa americana de conter a ascensão da potência asiática. Biden parece endossar o consenso anti-China que se instalou em Washington, mas deverá adotar estratégias diferentes das de Trump.

A expectativa é que ele reorganize o bloco ocidental sob a liderança dos EUA (encerrando os conflitos comerciais com a União Europeia) e busque soluções multilaterais para lidar com o desafio da China. Isso passa, por exemplo, pela reforma da OMC, para que o comércio mundial possa lidar melhor com o capitalismo de Estado chinês.

Mas é provável que o processo de separação das economias dos EUA e da China continue, com a transferência para fora da China de parte da produção voltada para o Ocidente. Como observou o ex-embaixador americano no Brasil Thomas Shannon, em entrevista nesta semana ao Valor, esse processo pode trazer oportunidades para o Brasil, ainda que mais para o México, que está mais perto e integrado à cadeia produtiva dos EUA.

Assim, Biden manteria, por exemplo, a pressão para que a empresa chinesa Huawei seja banida das redes 5G dos países aliados dos EUA. Essa será uma decisão difícil para o Brasil, que tem na China seu maior parceiro comercial. Pequim já sinalizou que barrar a Huawei afetaria as relações entre os dois países.

Com Biden, os EUA apoiariam as negociações na OCDE para elevar a taxação de empresas digitais (o que traria mais receita aos governos). O país voltaria ao acordo de Paris, com mais pressão para a descarbonização da economia global e a proteção do meio ambiente - Biden falou em ajudar o Brasil na preservação das florestas, mas ameaçou com sanções se isso não for feito.

É provável também que os EUA retornem, em algum momento, à Parceria Transpacífica (TPP), o acordo comercial negociado pelo governo Obama e que inclui diversas economias da região do Pacífico, mas não a China. Trump deixou a TPP, que é uma iniciativa importante para conter a China comercialmente. O plano da UE de impor uma taxa de carbono a produtos de países poluidores tem a simpatia dos democratas.


Claudia Safatle: Em busca de respostas

Afinal, o que é, para quem é e quanto custa o Renda Brasil?

A área econômica do governo já reduziu as expectativas de aprovação de temas importantes no Congresso para este ano. Passadas as eleições municipais, considera que será possível se institucionalizar o Renda Brasil no Orçamento da União para 2021, que deve ser aprovado até o fim de dezembro. As demais reformas constitucionais, seja a tributária, seja a do pacto federativo, seja a administrativa, ficarão para depois da eleição dos integrantes das mesas diretoras da Câmara e do Senado, responsáveis pela gestão dos trabalhos legislativos, em 1º de fevereiro. Esses são assuntos complexos sobre os quais não há acordo para serem votados, segundo avaliação política de assessores da pasta da Economia.

O ano de 2021 terá uma “janela” de oportunidades para o aprofundamento dos debates e dos entendimentos políticos para se levar esses temas à votação no Congresso. Caso contrário, não haverá mais espaço na agenda do governo para tratar de assuntos polêmicos em 2022, ano da sucessão presidencial - para onde os olhos de Jair Bolsonaro miram desde já.

Na ótica desses assessores, não haverá grandes embates para a aprovação de um programa de renda básica que “todos estão de acordo”.

Há, porém, um grande desconhecimento do que realmente se trata esse programa de transferência de renda. Fontes oficiais explicam que ele será um “upgrade” do Bolsa Família, mas não se sabe a extensão nem quais são os critérios para a inclusão de parte dos mais de 60 milhões de “invisíveis” que estão, hoje, sob o abrigo do auxílio emergencial.

Permanece indefinida, também, a fonte de financiamento do Renda Brasil (ou Renda Cidadã) e há quem se pergunte se é hora de lançar uma nova e ambiciosa iniciativa de transferência de renda dadas as frágeis condições fiscais do país. A economia está em pleno aquecimento e com decisões corretas do ponto de vista fiscal, haverá mais investimentos e geração de empregos.

O valor dos benefícios do Bolsa Família varia conforme a situação de pobreza ou de extrema pobreza das famílias que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes de zero a 15 anos. O valor de cada benefício é de R$ 41 e cada família pode acumular até cinco por mês, chegando a R$ 205. Com o “upgrade”, a cifra chegaria a R$ 300.

No governo há o entendimento de que foi o auxílio emergencial a grande âncora de sustentação da atividade econômica que está permitindo uma recuperação em “V” (que representa uma saída rápida do fundo do poço para uma situação de crescimento), além de impulsionar a popularidade de Bolsonaro. O auxílio começou com três parcelas de R$ 600 prorrogadas por mais dois meses e que foram reduzidas para R$ 300 a serem pagas nos últimos quatro meses do ano. Retirar simplesmente essa renda das mãos de milhões de brasileiros a partir de janeiro do próximo ano poderia produzir, além de um problema social, um baque no nível de atividade, sustentam assessores.

A expectativa é de que o número de inscritos no programa caia substancialmente por força da retomada de postos de trabalho ou mesmo dos serviços informais.

Como não há clareza sobre o que é o Renda Brasil, teme-se que ele poderá simplesmente detonar o Bolsa Família tal como concebido e bem avaliado internacionalmente.

Também não está claro para os economistas do governo o quanto que a nova economia pós-pandemia gerará de empregos. Receia-se que seja pouco para abrigar o universo de desempregados durante a crise da covid-19.

E será menor ainda se o governo não olhar com mais cuidado sobre o que pretende para 2021. Enquanto os técnicos se debruçam sobre a discussão do Renda Brasil, o tempo vai se encurtando para a área econômica se posicionar sobre políticas de expansão de investimentos e empregos.

E, tão ou mais importante, sobre como será a gestão da política fiscal em 2021.

Se o teto do gasto será mantido, será preciso esclarecer como incluir o Renda Brasil e quais serão as metas de retorno da política de austeridade fiscal. Afinal, neste ano, por força da pandemia, houve uma explosão de gastos públicos de quase R$ 1 trilhão que, ao menos em tese, não se propagam para o próximo exercício.

Segundo dados do Monitor Fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI), recém-divulgado, o déficit primário no país sobe para 12% do PIB neste ano e a dívida bruta deve bater em 101,4% do PIB, a segunda mais alta de um grupo de 40 países emergentes, atrás somente de Angola, com dívida equivalente a 120,3% do PIB. Ainda há quem não veja necessidade ou não queira tratar do desempenho das contas públicas e tente buscar maneiras de superar as restrições fiscais, seja prorrogando o decreto de calamidade para 2021, seja inventando algum outro procedimento.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, redimensionou os efeitos da reforma administrativa de uns R$ 300 bilhões para algo como R$ 450 bilhões nos próximos dez anos. Isso pode ser um sinal em direção ao fim do teto de gastos no futuro ou uma cifra tão crível quanto a de R$ 1 trilhão em privatizações e concessões.

Aliás, a se proliferar decisões como a do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, no mês passado, determinou a suspensão das liminares que impediam a encampação do serviço de pedágio da Linha Amarela, no Rio de Janeiro, não haverá mais concessões por ausência de empresas interessadas.

A batalha judicial entre a empresa Lamsa, que administra a via, e a prefeitura do Rio começou no ano passado, em torno do valor do pedágio cobrado. Na ocasião a prefeitura desautorizou a empresa, abriu as cancelas e destruiu as cabines de cobranças.

O momento do país não é ruim. A economia se aquece, não há problemas nas contas externas, a taxa de câmbio está bastante competitiva, a inflação está comportada e os juros internos são os menores da série histórica.

É preciso, no entanto, retomar um padrão de solvência na trajetória da dívida e estabelecer condições de segurança para a expansão dos investimentos privados e, consequentemente, da oferta de empregos.


Foto: Beto Barata\PR

Rogério L. Furquim Werneck: Um pé em cada canoa

Diante de tamanha incerteza sobre a gestão das contas públicas, não é surpreendente que o risco fiscal esteja em ascensão

O Planalto pode até não ter percebido ainda, mas está, ou deveria estar, em desenfreada corrida contra o tempo. O ano legislativo está chegando ao fim. E, com os parlamentares mobilizados com as eleições municipais até pelo menos 15/11, sobrarão pouco mais de 30 dias para o governo extrair do Congresso uma saída razoável para o entalo fiscal em que se meteu.

Há um Orçamento a ser aprovado, mas nem mesmo foi instalada a comissão mista que deverá apreciá-lo. E, na proposta orçamentária submetida ao Congresso, faltam programas vultosos que o Planalto considera prioritários, como o que deverá substituir o Auxílio Emergencial, a ser extinto em 31/12, quando chegar ao fim o período de vigência do estado de calamidade decretado em decorrência da pandemia.

O governo não sabe ainda de onde virão os recursos que, sem violar o teto de gastos, financiarão o novo programa. A solução mais óbvia, proposta por um grupo de especialistas ligados ao Centro de Debates de Política Pública (CDPP), seria racionalizar programas sociais mal focados, como o abono salarial e o seguro-defeso, para liberar os recursos que se fazem necessários. Foi lamentável que tal solução tenha sido torpedeada de chofre pelo próprio Bolsonaro, que, mal assessorado, se apressou a declarar que não faria sentido tirar de pobres para dar a paupérrimos.

Tampouco será possível contar com recursos que poderiam ter vindo da prometida redução da rigidez orçamentária, que decorreria dos esforços de desindexação, desvinculação e desobrigação alardeados por Paulo Guedes. Pouco ou nada foi feito nessa linha. E é improvável que as medidas requeridas possam ser aprovadas a toque de caixa, ainda em 2020.

Diante de tamanha incerteza sobre a problemática gestão das contas públicas, não é surpreendente que o risco fiscal esteja em franca e preocupante ascensão, como bem sabe o secretário do Tesouro Nacional. O que, sim, surpreende é que Bolsonaro permaneça tão alheio ao entalo com que se defronta o governo.

Não há sinais de que o presidente vá abandonar a postura ambígua que vem mantendo. Ao mesmo tempo que resiste a contrariar todo e qualquer interesse que poderia ser afetado por cortes de gastos e, pior, em que estimula queixas da ala “desenvolvimentista” do governo contra o “fiscalismo” de Paulo Guedes, o presidente dispensa afagos periódicos ao ministro da Economia, para se assegurar de que ele continuará a bordo.

Tudo indica que Bolsonaro pretende atravessar este atribulado final de ano descendo a corredeira com um pé em cada canoa, certo de que não há melhor maneira de deixar que as águas o conduzam à reeleição.

É bem possível que a tranquilidade do Planalto advenha da percepção de que, em último caso, o governo pode simplesmente prorrogar o estado de calamidade e, com isso, abrir espaço para que o Auxílio Emergencial continue a ser pago, com recursos extrateto, em 2021.

Parece fácil, mas não é. A prorrogação seria até defensável, houvesse sério e inequívoco recrudescimento da pandemia no País. Como, por ora, não há como arguir nada parecido, o mais provável é que uma prorrogação nessas circunstâncias venha a ser percebida como deveria ser: mero estratagema de um governo que, não tendo conseguido viabilizar a reversão do aumento de gastos ensejado pela pandemia, não pôde dar por findo o regime de exceção que permitia gastos de emergência extrateto. Só com muito autoengano poderia alguém achar que tal prorrogação não seria percebida como canhestro rompimento do teto.

Fazendo uso do direito de autoplágio, repito a seguir, por oportuno, o parágrafo final do artigo que aqui publiquei em 21/8: “Foi sob a sombra do teto de gastos que se pôde montar o espetáculo fenomenal de uma economia com inflação ineditamente baixa, taxa real de juros próxima de zero e contas fiscais escancaradamente insustentáveis. O que ainda não se sabe é com que rapidez tal espetáculo será inviabilizado, quando se disseminar a percepção de que a prometida preservação do teto se mostrou fantasiosa”.

*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio


Celso Ming: Hora de reconstruir

Cenário pós-pandemia exige um novo Bretton Woods, diz a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional

Tempo de reconstrução. No pronunciamento desta quinta-feira, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), a búlgara Kristalina Georgieva, pediu que a comunidade internacional encare os problemas da hora com o espírito da Conferência de Bretton Woods.

Esse foi o grande acordo costurado em 1946 nessa minúscula localidade do Estado de New Hampshire, nos Estados Unidos, em que 44 representantes dos principais países liderados pelos Estados Unidos definiram as bases econômicas da reconstrução.

Em 1944, a economia mundial estava prostrada em consequência de duas enormes devastações: a da Grande Depressão dos anos 1930 e a da 2.ª Grande Guerra, de 1939 a 1945.

Bretton Woods restabeleceu a ordem monetária global, ainda baseada no padrão ouro. Também criou o Fundo Monetário Internacional, para socorrer os países nos casos de incapacidade de pagamento no mercado internacional, e o Banco Mundial, para ajudar a financiar o desenvolvimento econômico dos países pobres.

O momento, disse Georgieva, é de um novo Bretton Woods. E ela enumera os estragos de um ano de pandemia: “Mais de 1 milhão de mortos, encolhimento de 4,4% no PIB global e nova queda de US$ 11 trilhões na produção no ano que vem”. E acrescenta que, neste ano, a pobreza aumentou pela primeira vez em décadas.

Apesar das proporções do desastre, as tarefas de reconstrução são incomensuravelmente menores do que as que existiam na segunda metade dos anos 1940, quando grande extensão da infraestrutura e da capacidade de produção foi destruída pelos bombardeios na Europa e na Ásia.

Não dá para dizer que vem faltando ajuda. A própria Georgieva comemora a injeção de US$ 12 trilhões em recursos fiscais por parte dos Tesouros nacionais e de mais US$ 7,5 trilhões pelos grandes bancos centrais.

Se o momento é de ampla reconstrução, não vai ser preciso reerguer fábricas, portos, ferrovias e estradas e recuperar tantos campos devastados. Mas é preciso mais investimento, cuja função será ajudar a aumentar a produção de riquezas e a criar postos de trabalho.

Se o momento é de um novo Bretton Woods, também é o de uma mensagem, que na ocasião foi proferida pelo maior economista do século 20, John Maynard Keynes. Em 1944, ele pediu um grande esforço de cooperação global, capaz de assentar as bases para uma nova irmandade entre os povos.

Um dos campos que podem alavancar os novos tempos é o encaminhamento de projetos de substituição de energia fóssil por energia renovável. O mundo enfrenta hoje um desastre econômico de natureza ambiental da ordem de US$ 1,3 trilhão. Mas “podemos chegar a 2050 com zero de emissões de gás carbônico e ajudar a criar milhões de empregos”, sugere Georgieva.

As maiores limitações estão no campo fiscal. Em 2021, os países avançados terão uma dívida acumulada de 125% do PIB e os países emergentes, de 65% do PIB. A dívida bruta do Brasil se encaminha rapidamente para os 100% do PIB. Mas é preciso enfrentar esses apertos não como problema incontornável, mas como obstáculos adicionais a superar. O tempo dirá se esses apelos encontram algum eco.


Vinicius Torres Freire: Roubança do coronavírus expõe crise política maior no país

Cinco governadores estão ameaçados, mas corrupção é apenas parte do problema

A história repugnante do dinheiro sujo do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) e o fato de essa criatura ser amiga de Jair Bolsonaro ofuscaram um outro fato. O político é acusado de desviar recursos para o combate à Covid, que teria destinado a empresas de parentes e agregados.

Acusações de roubança de dinheiro reservado para atenuar a epidemia ameaçam o mandato de pelo menos cinco governadores, três deles da “nova política”. A cúpula de pelo menos nove governos estaduais é investigada, além de dezenas de prefeituras. Além do problema do roubo, em si, essas crises político-policiais explicitam mais uma vez quão longe do fim está a ruína brasileira.

Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, foi afastado, deve ser deposto e provavelmente preso. Foi surfista eleitoral do bolsonarismo e é do PSC, partido religioso agregado do governo.

O impeachment quase certo de Carlos Moisés, de Santa Catarina, deve ser votado na quarta-feira que vem. É do PSL que elegeu Bolsonaro, partido ora cortado ao meio feito uma laranja.

Um processo de impeachment contra Wilson Lima, do PSL do Amazonas, foi arquivado pelo voto de deputados estaduais, mas o governador é investigado pela Polícia Federal, que uma vez pediu sua prisão, negada pelo STJ. Sua secretária de Saúde passou um tempo na cadeia.

Ibaneis Rocha, do Distrito Federal e do MDB, toureia a Câmara Legislativa (a Assembleia distrital) a fim de evitar a CPI da Pandemia e abanar fumaças de impeachment. Seu secretário de Saúde foi preso. Sim, rolos nos negócios da Covid.
Embora não se saiba a dimensão dos desvios, roubou-se de tudo um pouco na pandemia, em vilarejo e em capital de estado: na compra de máscaras, aventais, fraldas para pacientes, testes, vários fajutos, e de respiradores, alguns imprestáveis. Roubou-se, diz a polícia, na contratação de leitos de hospitais particulares, de hospitais de campanha e de organizações sociais privadas que deveriam gerir a saúde de modo mais eficiente. Hum.

A súbita fartura de dinheiro e as contratações emergenciais facilitaram a lambança, embora não a expliquem. Os seis anos de lavajatismo não passaram o país a limpo, claro, e a administração pública continua uma zorra mesmo quando não se rouba, vide o caso de tanto estado criminosamente falido.

A roubança, por si só, não explica a derrubada de governadores. O farisaísmo e a demagogia moralista ajudaram a levar ao poder gente sem articulação social e política, sem conexões com quadros administrativos e intelectuais relevantes, quando não evidentemente lunática. Para dar um exemplo mesquinho de horro, 2% mais de habilidade política do que Witzel foi o bastante para manter Marcelo Crivella (Republicanos, bolsonaristas) na cadeira de prefeito do Rio.

O desmonte ruinoso da política e das instituições já dura faz sete anos e, como dizia o clichê jornalístico sobre festas de Carnaval, não tem hora para acabar, vide a degradação sem fim do Supremo. Bárbaros da “nova política” e o patriciado cafona da “velha política” são candidatos a tomar as prefeituras em novembro.

Cruzadas moralistas não dão conta de reconstruir a administração pública ou de vaciná-la contra bucaneiros privados. Menos ainda são capazes de abrir o sistema político para gente nova e de repensar um Estado que gasta muito, mal e agasalha interesse privado grosso, escândalos muito maiores, em qualquer aspecto, do que a corrupção


Maria Cristina Fernandes: ‘União estável’ com senador tem fim abrupto

Senador empregou parente dos filhos de Bolsonaro e controlava distrito sanitário especial indígena

O ex-vice-líder do governo Bolsonaro no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com dinheiro grotescamente escondido e afastado do cargo pelo STF, foi o responsável pela indicação de Vitor Pacarat para o Distrito Sanitário Especial Indígena Leste, em Roraima, vinculado ao Ministério da Saúde. Lá, por meio de empresas de aliados, Rodrigues passou a fornecer equipamentos superfaturados.

A proximidade com o governo lhe valeu presença na viagem do presidente a Israel, em 2019, e na visita do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a Roraima. Em vídeo, ainda na campanha, Bolsonaro diz ter com Rodrigues “quase uma união estável”, que ainda garantiu a um primo dos filhos do presidente, Leonardo Rodrigues, um emprego no gabinete do senador.

Em entrevista na manhã de ontem, à saída do Palácio do Alvorada, o presidente da República, Jair Bolsonaro, disse que a operação de busca e apreensão da Polícia Federal na casa do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) é uma demonstração de que seu governo não tem corrupção. Na tentativa de se descolar do vice-líder do seu governo no Senado flagrado com dinheiro grotescamente escondido, o presidente disse que seu governo, na verdade “combate a corrupção”.

Coube ao senador, porém, a indicação, em 2019, de Vitor Pacarat como coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Leste, em Roraima, um dos 34 DSEIs do país. Os distritos, responsáveis pelas comunidades indígenas, estão sob o chapéu do Ministério da Saúde. As etnias sob a supervisão do DSEI Leste tinham um outro candidato para o cargo e ocuparam as instalações do órgão em protesto.

As investigações da Polícia Federal mostram que, com o advento da covid-19, o senador, por meio de empresas comandadas por familiares e aliados, passou a fornecer equipamentos de proteção individual superfaturados ao DSEI. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) aponta este distrito como um dos recordistas em casos de covid-19 entre as comunidades indígenas do país. O DSEI Leste é responsável pela saúde de 51 mil indígenas de 325 comunidades.

A aproximação entre Chico Rodrigues e o governo também ficou patente quando o senador acompanhou o chanceler Ernesto Araújo na recepção ao secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, em Roraima. O secretário fez da visita um palanque para um discurso ameaçador ao presidente venezuelano Nicolás Maduro na reta final da campanha eleitoral americana. A adesão de Chico Rodrigues aos princípios da política externa bolsonarista também motivou o convite para que integrasse a comitiva do presidente na viagem a Israel, em 2019.

Em vídeo, ainda na campanha eleitoral, Bolsonaro diz que tem, com o senador, seu colega na Câmara dos Deputados por cinco mandatos, “quase uma união estável”. A proximidade também foi retribuída com o emprego, no gabinete do senador, do primo dos filhos do presidente, Leonardo Rodrigues, mais conhecido como “Leo Índio”.

Menor colégio eleitoral do país, com 331 mil eleitores, Roraima costuma ficar de fora das rotas dos candidatos a presidente em campanha. Não foi o caso de Jair Bolsonaro, que lá teve uma de suas mais expressivas vitórias. Alcançou 78,6% dos votos no segundo turno, patamar só batido pelo Acre (82%).

Fez campanha no Estado com um discurso em defesa da mineração em terras indígenas e contra a “exportação” de refugiados pela Venezuela.

Eleito com apoio do presidente, o governador Antonio Donarium (PSL) foi um dos sete a não assinar a carta dos governadores que, no início da pandemia, protestou contra as ameaças do presidente da República às instituições. Foi em Roraima também que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi buscar o empresário e ex-deputado federal Airton Cascavel para o cargo de assessor especial do ministério.


Ruy Castro: Todos os fãs de Bolsonaro

Se você gosta dele e acha que a corrupção acabou, veja se se enquadra em alguma categoria

Iludem-se os que acreditam que Jair Bolsonaro só tem adeptos entre a meia dúzia que vai vê-lo quando ele sai do Alvorada para, digamos, trabalhar. Bolsonaro tem seguidores em muitas categorias. Eis algumas.

Pecuaristas, madeireiros, garimpeiros, grileiros e incendiários infiltrados na Amazônia, no Pantanal, na mata atlântica, nos manguezais, restingas, dunas, terras indígenas e quaisquer santuários que possam ser destruídos e enriquecer amigos. Ex-cupinchas da Velha Política, sempre prontos a ser comprados.

Profissionais das bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Assessores de gabinete dispostos a ceder 80% de seus salários pagos com dinheiro público, lavá-los e depositá-los nas contas de seus familiares. Formadores de quadrilha, praticantes de peculato e operadores de esquemas, investigados, denunciados ou réus em ações judiciais. Juízes complacentes e advogados corruptos. Lobistas diversos, íntimos dos 01, 02 e 03.

Militares ideológicos, fãs confessos de torturadores, ou apenas oportunistas, a fim de cargos no governo. PMs expulsos, delegados venais, chefes de milícias e matadores de aluguel, presos ou foragidos. Fabricantes de armas e "colecionadores" das ditas. Pastores evangélicos, animadores de televisão, cantores sertanejos e promotores de rodeios, todos felizes beneficiários das novas mamatas.

Negacionistas, homófobos, terraplanistas, camelôs de cloroquina, disparadores de fake news, linchadores virtuais, incineradores de livros, fascistas assumidos e odiadores por atacado. E uma próspera alcateia de bolsonaros, composta de filhos, mulheres, ex-mulheres, mães, noras e aliados do presidente, dedicados a vultosas transações com dinheiro vivo e sem explicação contábil, às vezes transportado entre as nádegas.

Bolsonaro tem também seguidores bem intencionados, que não se veem nas categorias acima e acham que, com ele, a corrupção acabou.

*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.


Hélio Schwartsman: Bolsonaro e a corrupção

Há uma semana, ele declarou que não havia corrupção em seu governo

Os deuses sabem ser irônicos. Poucas horas depois de Jair Bolsonaro ter afirmado que daria uma voadora no pescoço de quem praticasse corrupção em sua gestão, a Polícia Federal flagrou o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), vice-líder do governo, com cerca de R$ 100 mil em sua residência, dos quais R$ 30 mil se encontravam em sua cueca, algumas notas "entre as nádegas", como fizeram questão de publicar, por pudicícia, alguns veículos.

A operação policial que apanhou o repleto senador é parte de uma investigação sobre desvio de verbas destinadas ao combate à Covid-19. Uma semana antes dessa pilhéria divina, o presidente declarara que não havia corrupção em seu governo e que por isso ele acabara com a Lava Jato.

Embora Bolsonaro tenha no passado dito que tinha "quase uma união estável" com Rodrigues, esse não é o caso controverso mais próximo do presidente.

Abstraídos os vários rolos de ministros, dois de seus filhos são investigados por desvio de verbas nas famosas "rachadinhas", um nome mais simpático para peculato. Contra o primogênito, o senador Flávio, já há um impressionante acervo de provas. Até a primeira-dama recebeu cheques, cuja soma chega a R$ 89 mil, do arquissuspeito Fabrício Queiroz e de sua fiel esposa.

OK, tecnicamente a família não faz parte do governo, o que, se desobriga o presidente de dar-lhes voadoras no pescoço, não o dispensaria de oferecer explicações à sociedade.

Para quem já atingiu a ataraxia, é possível divertir-se com esse pregar de peças do destino. Mas é preciso reconhecer que, no fundo, a culpa é nossa. Como já escrevi aqui, o Brasil merece Bolsonaro. Ele não apenas foi eleito democraticamente —apesar dos sinais prévios inequívocos de que não era confiável— como sua popularidade vem crescendo —apesar do desastre que é sua administração e da pilha de mais de 150 mil mortos pela Covid-19. Democracia tem consequências.