Day: junho 29, 2020

Marina Silva e Roberto Freire discutem sustentabilidade em webinar nesta sexta (3)

Biblioteca Salomão Malina realiza o evento online, que também terá participação de Bazileu Margarido, Sérgio Besserman, Guilherme Accioly e Maria Amélia Enríquez

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A Biblioteca Salomão Malina realiza, nesta sexta-feira (3), a partir das 18h30, terceiro webinar da série “O que virá depois?”, para discutir sustentabilidade no período pós-pandemia do coronavírus. Participam do evento online a ex-senadora Marina Silva (Rede); o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire; o coordenador Executivo Nacional da Rede Sustentabilidade, Bazileu Margarido; e os economistas Sérgio Besserman e Guilherme Accioly. A mediação será realizada pela economista e professora da UFPA (Universidade Federal do Pará) Maria Amélia Enríquez.

O Webinar “O que virá depois?” terá transmissão ao vivo no site e na página da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) no Facebook. A entidade mantém a biblioteca no Conic, importante centro cultural e comercial no centro de Brasília. Durante o webinar, os debatedores deverão abordar assuntos de grande relevância para a sustentabilidade e o meio ambiente, como é o caso da audiência  pública convocada, para os dias 21 e 22 de setembro, pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso, para discutir “a situação do quadro ambiental no Brasil”.

A decisão de agendar os encontros foi dada neste domingo (28), no andamento de ação apresentada pelos partidos PSB, PSOL, Rede e PT. As siglas apontam "atos comissivos e omissivos da União que comprometeriam o adequado funcionamento do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima) e o direito de todos os brasileiros a um meio ambiente saudável".

Em sua decisão, Barroso disse que o quadro apresentado pelos partidos na ação judicial "revela a existência de um estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental, a exigir providências de natureza estrutural". “A proteção ambiental não constitui uma opção política, mas um dever constitucional", afirmou o ministro.

Outros assuntos relacionados à sustentabilidade também deverão ser discutidos pelos debatedores, como a situação do avanço das queimadas e do avanço do desmatamento no Brasil, especialmente na Amazônia.

Veja outros vídeos da série “O que virá depois?”

Especialistas participam de webinar para debater economia após pandemia

“O que virá depois?” é tema de webinar da Biblioteca Salomão Malina


Lideranças estudantis e dos trabalhadores debatem a educação em tempos de pandemia

O Ciclo Diálogos, Vida e Democracia, uma série de videoconferências promovidas pelo Observatório da Democracia (OD), realizou nesta segunda-feria (29/6) a mesa Educação e Crise (Entidades). A série chegou hoje a sua 17ª edição. Coordenada pelo advogado Leocir Costa, diretor da Fundação Maurício Grabois e membro do Observatório da Democracia, o evento contou com a participação do reitor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e Presidente da Andifes – Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior João Carlos Salles Pires da Silva; o presidente da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) Heleno Araúj; o presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) Iago Montalvão e a presidenta da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) Rozana Barroso.

Os debate estão sendo transmitidos on-line e gratuitamente pelo canal no Youtube do Observatório (clique aqui). Em seu site, na sua página no Facebook e em seu canal no Youtube, a FAP fará a retransmissão da webconferência.

Confira o vídeo!

https://www.facebook.com/facefap/videos/893688377765425/?t=5

O que está acontecendo na educação pública brasileira de acordocom o olhar daqueles que vivem o dia-a-dia do setor. As representações de estudantes, professores e trabalhadores estarãoreunidas nesta mesa, com o objetivo de dar aos internautas uma visãode quais são as consequências da crise política, sanitária eeconômica que o Brasil está vivendo hoje especificamente para aeducação. Exclusão digital, perda de direitos, perda de espaço de socialização, incertezas e o futuro são alguns dos temas que serãoabordados por esta mesa imperdível.

O ciclo conta com a realização de diversas mesas temáticas feitas por videoconferências, sempre a partir das 14h30. As seguintes acontecerão dia 03/07 (sexta-feira) A Pandemia e a crise do ponto de vista das mulheres e dia 07/07 (terça-feira) A Pandemia e a crise do ponto de vista dos negros.

O Observatório da Democracia é formado pelas Fundação Perseu Abramo (PT), Fundação João Mangabeira (PSB),Fundação Mauricio Grabois (PCdoB), Fundação Lauro Campos e Marielle Franco (PSOL), Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (PDT), Fundação da Ordem Social (PROS) e Fundação Claudio Campos e Fundação Astrojildo Pereira (Cidadania).

Serviço

Ciclo Diálogos, Vida e Democracia – Videoconferências

Mesa 17: Educação e Crise (Entidades)

Data: 29/06 (segunda-feira)

Horário: 14h30

Onde: Acompanhe as videoconferências do ciclo Diálogos, Vida e Democracia, no Facebook, pelas páginas das fundações Astrojildo Pereira, Claudio Campos, Leonel Brizola-Alberto Pasqualini, Perseu Abramo, Lauro Campos e Marielle Franco, Mauricio Grabois e da Ordem Social e João Mangabeira.

Ou se inscreva no canal do Observatório da Democracia no youtube:https://www.youtube.com/c/observatóriodademocracia

A programação completa pode ser acessada aqui.

Veja vídeos de webconferências anteriores:

Ex-ministros e gestores avaliam a crise na Educação durante webconferência nesta quinta (25/6)

Videoconferência aborda a pandemia e saídas para a economia

Presidentes de partidos debatem Democracia e política em webconferência

O Mundo do Trabalho e a Pandemia é tema de webconferência

Webconferência discute o valor da C&T e da Inovação como política de Estado

Cultura em tempos de coronavírus é tema de webconferência

Webconferência debate defesa das instituições do Estado democrático

Jornalismo, comunicação e política nas redes sociais é tema de webconferência

Líderes partidários fazem webconferência para discutir o país

Especialistas debatem o coronavírus, isolamento social e saúde pública

Governadores debatem pacto federativo durante pandemia do coronavírus

Fundações partidárias debatem pandemia, recessão e saídas para a crise

Analistas discutem Brasil no contexto mundial da pandemia do coronavírus

Economistas debatem pandemia e alternativas em meio à crise do coronavírus


Carlos Pereira: Tea Party à brasileira

Perfil similar a movimento dos EUA garante sobrevivência política de Bolsonaro

Diante da avalanche de notícias e eventos ruins que o governo Bolsonaro tem acumulado nas últimas semanas, era de se esperar uma queda mais acentuada da popularidade do presidente e um crescimento mais vigoroso da avaliação negativa do desempenho de seu governo.

Afinal de contas, já são mais de 1,3 milhão de pessoas contaminadas pela covid-19 e mais de 57 mil mortes. Houve redução de aproximadamente 10% da atividade econômica e estima-se que a taxa de desemprego já esteja em torno de 16%.

Para completar a “maré de azar”, o ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro e também amigo de longa data do presidente, Fabrício Queiroz, foi preso enquanto escondido na casa do advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, sob acusação de ser o operador de um esquema de lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito e formação de quadrilha liderado pelo próprio filho do presidente.

Entretanto, os institutos de pesquisa têm mostrado que a popularidade de Bolsonaro se estabilizou em 30%, o que sugere grande resiliência política do presidente.

Quem seriam os eleitores que continuam apoiando o presidente, mesmo diante de eventos tão negativos?

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Figura 1: Expectativa de voto dos eleitores de Direita e Centro-Direita nas eleições à presidência de 2022. Foto: Reprodução

Em pesquisa de opinião desenvolvida com o apoio do Estadão, identificamos que os eleitores que se autodenominam de direita e de centro direita (27% da amostra de 7.020 respondentes) são majoritariamente homens (71%), brancos (73%), acima de 40 anos de idade (67%), possuem renda superior de 5 salários mínimos (70%), são profissionais liberais ou trabalham na iniciativa privada (51%) e dizem possuir alguma religião, notadamente judaica (39%), evangélica (38%) ou católica (33%). Apresentam perfil predominantemente conservador, baseado nos valores morais e da família, e preferem políticas econômicas liberais.

Esse perfil de eleitor brasileiro apresenta grande similaridade com o de eleitores que se identificam como pertencentes ao “Tea Party”, movimento surgido em 2009 nos Estados Unidos em oposição às iniciativas do governo de Barack Obama, especialmente à reforma do sistema de saúde (Obamacare) e ao plano de resgate econômico à crise de 2008. No livro The Tea Party and the Remaking of Republican Conservatism, Theda Scokpol e Vanessa Williamson mostram que os membros do Tea Party tendem a ser republicanos, conservadores, homens, brancos, ter mais de 45 anos, ser de classe média e protestantes evangélicos.

Analisamos como os eleitores brasileiros de direita e de centro direita, que apresentam características sociodemográficas e políticas semelhantes aos simpatizantes do Tea Party americano, se comportariam nas eleições presidenciais de 2022.

A grande maioria dos Tea Party à brasileira reelegeria Bolsonaro ou por forte identidade com o presidente (56%) ou para evitar a vitória de um candidato de esquerda (32%). Apenas uma pequena parcela desse grupo não votaria em Bolsonaro de jeito nenhum (12%). Por outro lado, uma proporção bem menor de eleitores que não compartilham características dos simpatizantes do Tea Party votaria com certeza em Bolsonaro (37%). Um contingente um pouco maior reelegeria o presidente para evitar a vitória da esquerda (41%) e uma parcela não desprezível de “Não Tea Party” não votaria em Bolsonaro de jeito nenhum (23%).

Pesquisa recente do Pew Research Center sugere que os eleitores que pertenceram ao movimento Tea Party apoiariam a reeleição de Donald Trump em 2020. Não seria difícil imaginar qual seria o candidato dos simpatizantes do Tea Party caso eles pudessem votar no Brasil. O inverso também seria de se esperar.


Marcelo Godoy: Moro ataca bolsonarismo ao criticar 'intervenção militar'

Em um País em que oficiais se fizeram intérpretes da Constituição, ex-magistrado tenta decifrar os militares e desagrada generais

Se Jair Bolsonaro decidiu que os militares podem dirigir quase tudo no governo - da construção de pontes à entrega de cartas, do combate à covid-19 às negociações com o Centrão –, os militares também terão de se acostumar com um novo fenômeno: nunca tantos civis interpretaram seus atos, gestos e silêncios. Mesmo o que é óbvio se torna polêmico. Quis o comandante do Exército, Edson Pujol, chamar a atenção do presidente ao lhe oferecer o cotovelo em vez da mão em um comprimento público? Qual a razão de o bolsonarismo pagar penduricalhos ao militares em meio à crise fiscal

Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras Foto: Marcos Corrêa/PR

A outra face desse fenômeno, com suas implicações institucionais, envolve a confusão entre Exército e Nação e o ressurgimento de um certo bacharelismo entre os militares. Ele tem como alvo o artigo 142 da Constituição Federal e os limites da ação de cada Poder. Muitos falam, mas poucos sabem do que se trata; e a velha confusão entre doxa e episteme, tão antiga quanto o Partenon, reaparece. Só o Comando até agora não falou. "Por dever de ofício", disse um general. Nas últimas semanas, o Exército se sentiu como um paciente em coma, ouvindo vozes ao redor. Em torno da cama, muitos passavam e se perguntavam se ele os poderia ouvir. O paciente se fingiria de morto, enquanto os doutores falavam...

Alguns vozes não passaram despercebidas. Uma delas foi a do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Ele escreveu um artigo na revista Crusoé com o título Honra e Fuzis. Se tantos militares se puseram a interpretar a Constituição, Moro se achou no direito de interpretar os militares. O ex-juiz começou confessando o desconforto com os grupos que usavam a Lava Jato para pregar um golpe de Estado em 2016, ano do impeachment de Dilma Rousseff. Revela que, discretamente, pediu, por meio de um bilhete, a manifestantes que carregavam uma faixa com os dizeres "intervenção militar constitucional" que a recolhessem para evitar a confusão entre a luta contra a corrupção e a pregação liberticida. Os turiferários atenderam ao magistrado.

 O ex-ministro diz que tinha receio de que a Lava Jato fosse identificada com a pauta antidemocrática, que seu objetivo não era criminalizar a política, mas a "punição de políticos corruptos". O homem, que foi o mais popular ministro de Bolsonaro entre os militares, concluiu:  "Democracia é o temos como melhor forma de governo e a única medida a fazer é melhorá-la, não acabar com ela." Em vez de se juntar aos amalucados, como fez Bolsonaro em frente ao quartel do Exército, em Brasília, o ex-magistrado quis mostrar juízo e responsabilidade, qualidades de quem sabe que não se defende a democracia em manifestação que busca matá-la.

Moro quis mais: desejou exibir conhecimento da liturgia que acompanha as autoridades que não se deixam levar por uma ralé composta por oportunistas rancorosos e extremistas ressentidos, todos incompetentes para obter reconhecimento social por seus próprios méritos, o que caracteriza os setores radicais do bolsonarismo. O ex-juiz procura distância de um governo que, até 15 dias atrás, flertava com o caos de uma ruptura institucional nas palavras do presidente ou nas notas oficiais dos generais-ministros. "Intervenção militar constitucional era algo totalmente estranho à Lava Jato. Nenhum dos agentes de lei envolvidos tratou desse tema ou defendeu medida dessa espécie."

Pode-se questionar o magistrado: se nenhum dos agentes da lei flertavam com grupos autoritários, por que não os desautorizou publicamente em vez de usar bilhetinhos? Por fim, Moro escreveu: "Não há lugar, porém, para uma inusitada 'intervenção militar constitucional' para resolução de conflito entre Poderes". Ou mesmo invocar uma tutela do Exército sobre a República. E conclui: "Os militares precisam ser honrados. A história mostra que fizeram jus à confiança neles depositada nas batalhas mais difíceis. (...) Na presente crise política, sanitária e econômica, precisamos dos militares, mas não dos seus fuzis e sim de exemplos costumeiros de honra e disciplina."

Moro precisa explicar para que, afinal, precisa de militares, mas não de seus fuzis, se é justamente a posse das armas que os caracteriza. O ex-ministro – como notou um general – parece incensar o soldado cidadão e a visão positivista de Benjamin Constant, tantas vezes presente em rebeliões e intervenções na República, causando instabilidade política e indisciplina na tropa. "Ele quer o soldado cidadão para impedir uma intervenção do soldado cidadão", disse um general. Não se vislumbra o ideal do soldado profissional e apartidário bem como a defesa da neutralidade de seus atos. Talvez o ex-magistrado conheça tanto os dilemas das relações entre o Poder Civil e o Militar quanto o general-ministro Heleno é um bom intérprete da Constituição.

O militar não deve servir de instrumento às conspirações do Planalto e às da Planície. Saiu-se, no Brasil, de um desconhecimento das questões ligadas à defesa nacional e aos militares para uma "verborragia sem fundamento", imprudente. Enquanto isso, "os profetas do artigo 142 ganham holofotes e produzem mais confusão".  O silêncio das últimas semanas recorda, para uns, a drôle de guerre, o período de relativa calma que antecedeu a grande ofensiva alemã de 1940. Para outros, ela seria uma détente?  Constatação de que a guerra entre os atores seria catastrófica, daí a necessidade de reduzir tensões e buscar a convivência entre os Poderes, como em uma Guerra Fria?

O general e deputado federal Roberto Peternelli (PSL-SP), expoente da bancada militar no Congresso, está otimista. Acredita que a tempestade passou, os gafanhotos não vieram e agronegócio vai redimir o País. A queda do ministro Abraham Weintraub é uma das razões de seu otimismo. Acredita que agora seja possível desembaraçar as ações de um ministério estratégico, como a Educação. Peternelli sempre foi assim: acreditava que tudo se resolveria. Mas, de fato, livrar-se de um ministro que mal sabia dançar ou escrever, mas se expunha ao ridículo por vaidade, em vez de lealdade ao chefe, foi um feito para este governo.

Bolsonaro sentou-se na cadeira presidencial como se fosse um tenente. Fez o memento de patrulha, o documento em que devem constar as informações necessárias à missão. O valentão escreveu ali que só precisava de faca e cantil como "meios disponíveis" para governar sem coalizão. E foi o que recebeu. Sem mapa, bússola, relógio, comida ou fuzil saiu com seus homens. Esgotada, a tropa quer voltar à base e se reforçar com o Centrão. Se ele e os que o acompanhavam confundiram o governo com uma aventura na selva, as instituições e a sociedade mostraram ao presidente que não se governa com uma lâmina e um pouco de água. E o pior: não há nada que garanta que, ao fim de tudo isso, haverá mais compreensão entre militares e civis.

*Marcelo Godoy é repórter especial. Jornalista formado em 1991, está no Estadão desde 1998. As relações entre o poder Civil e o poder Militar estão na ordem do dia desse repórter, desde que escreveu o livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015).


Sergio Lamucci: O derretimento da demanda privada

Garantir uma trajetória fiscal sustentável será essencial para manter os juros em níveis baixos, um trunfo decisivo para a retomada

O primeiro semestre chega ao fim com a certeza de que 2020 vai registrar o maior tombo do Produto Interno Bruto (PIB) da história brasileira, e com muitas dúvidas sobre as perspectivas de recuperação da atividade. Há grande incerteza sobre a reação de famílias e empresas, muitas das quais vão sair machucadas da crise, num cenário marcado pela resposta desastrosa do governo federal à pandemia da covid-19 e pelo relaxamento prematuro do isolamento social por vários Estados e municípios. Além disso, o cenário político segue outra fonte de incerteza.

As medidas para combater os efeitos da doença levarão a uma forte piora das contas públicas, necessária num quadro de forte retração da economia, mas que terá de ser enfrentada a partir do ano que vem. O déficit primário deve superar 10% do PIB, e a dívida bruta tende a encostar em 100% do PIB. Será preciso retomar o ajuste fiscal a partir de 2021, obviamente não de modo abrupto, mas de maneira a indicar a sustentabilidade das contas públicas. Com isso, os juros poderão continuar baixos, o que será essencial para estimular a demanda e facilitar a dinâmica do endividamento do setor público e do setor privado, como ressalta o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero.

Em suas análises, Montero tem afirmado que o baque na economia não decorre tanto da perda de rendas na pandemia que, “ao contrário, são mais que substituídas por despesas e transferências públicas financiadas com endividamento público”. Segundo ele, “foi a propensão ao gasto privado - o consumo e o investimento - que derreteu, antes que sua renda”. É claro que há muitos casos de perda de renda durante a crise, mas Montero avalia que o tamanho total da expansão de despesas e transferências é superior a essa queda. “Haverá aumento no endividamento líquido de parte da sociedade, que gastará mais que sua renda. Mas haverá outra parte que gastará menos.”

Montero considera que o aumento do déficit primário (não inclui gastos com juros) vai injetar mais dinheiro na economia do que a crise vai subtrair. Segundo ele, o déficit primário do setor público consolidado deverá sair de R$ 64 bilhões nos 12 meses até março para cerca de R$ 800 bilhões nos 12 meses até dezembro. “Isso comporta de abril a dezembro de 2020 uma piora de R$ 736 bilhões em relação a esses meses de 2019”, observa ele. “Esse é o adicional de gastos e transferências líquidas de rendas públicas no remanescente deste ano.” No mesmo período, o PIB nominal deverá cair R$ 373 bilhões. Com isso, a política fiscal injetará R$ 736 bilhões a mais de gastos e rendas líquidas nos três últimos trimestres de 2020 em relação a 2019, num PIB nominal que cairá algo como metade disso.

Para Montero, “a retração não é um problema primordialmente de oferta, que derruba a renda dos trabalhadores, levando consigo o seu consumo; fosse isso, os programas emergenciais resolveriam”. Economia, diz ele, é circulação. “No pós-pandemia, o que a política econômica precisa retomar é a propensão a gastar.”

Essa conjuntura não vai registrar apenas a maior queda histórica do PIB, mas também a maior e mais rápida piora fiscal, escreve Montero. “A combinação diz respeito a uma quebra na demanda privada interna a todas as luzes atroz. A economia vai demorar a recuperar essa demanda privada e, pior, precisará fazê-lo com a retirada desse fortíssimo estímulo fiscal.” Esse é o tamanho do desafio, que não pode prescindir do ajuste das contas públicas a partir de 2021, segundo Montero. “Mas é precisamente esse vento de frente, vindo da necessidade de ancorar o fiscal, que abre o espaço e a necessidade de continuar testando os limites da política monetária”, acrescenta. Ele vê espaço para os juros, hoje em 2,25% ao ano, caírem para 1,5%. E, para que as taxas sigam em níveis baixos, será preciso retirar os estímulos fiscais.

Na visão de Montero, o melhor retrato para o resultado primário está nas contas do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, cuja estimativa de um corte contratado de despesas em 2021, “em obediência ao teto de gastos, deve já alcançar os R$ 400 bilhões”. Para sair do buraco, serão necessárias políticas agressivas de juros e de crédito, assim como a retomada da agenda de reformas, avalia ele. “À medida que as âncoras fiscais se sustentem, o espaço e a necessidade para menos juros crescem muito”, diz Montero, reiterando que “a política monetária poderá não ser a condição suficiente, mas será absolutamente a condição necessária”. Para ele, estratégias alternativas de retomada que questionem essas âncoras fiscais, hoje resumidas especialmente no teto de gastos, precisariam compensar os impactos das incertezas sobre a curva de juros e o risco-país, o que exigiria “promessas de multiplicadores fiscais poderosíssimos, difíceis de enxergar”. Ou seja, aumentos de despesas públicas teriam que provocar um efeito muito forte sobre a economia para contrabalançar os impactos negativos sobre os juros futuros e os prêmios de risco.

A saída da crise será complicada, a começar pelo fato de a reabertura precoce da economia poder levar ao recrudescimento da doença, exigindo a adoção de novas medidas rigorosas de isolamento mais à frente. O desemprego deve subir com força e muitas empresas de menor porte tendem a quebrar, por não conseguir acesso ao crédito.

Tornar permanente o auxílio emergencial de R$ 600 por mês é insustentável, mas ele deve ser estendido por alguns meses com valores menores, e há discussões para a adoção de um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família, uma medida bem-vinda. Seria importante financiá-lo com o fim de subsídios e com a tributação maior da renda dos mais ricos, mas não é uma tarefa politicamente simples.

A política fiscal não terá como ser expansionista em 2021. O teto de gastos, que limita o crescimento das despesas da União, é um mecanismo que pode ser aperfeiçoado, mas mexer nele agora traz riscos que podem ser contraproducentes. O investimento público caiu para níveis muito baixos, que não cobrem nem a depreciação do estoque de capital do setor público. É importante encontrar espaço para aumentá-lo, enfrentando a rigidez dos gastos obrigatórios, como os de pessoal. Mas o investimento público não vai crescer com força de uma hora para outra, por causa da dificuldade de execução de projetos pelo setor público e dos limites do orçamento. Garantir uma trajetória sustentável para as contas públicas será essencial para manter os juros em níveis baixos, um trunfo decisivo para a retomada, ainda que não seja suficiente, como diz Montero.


Bruno Carazza: Os números estarão certos desta vez?

Temporada de pesquisas nos EUA favorece Biden

George Gallup chegou a Madison Avenue muito antes de Donald Drapper, o fictício publicitário da aclamada série Mad Men. Aos 31 anos ele foi contratado para ser diretor da agência Young and Rubicam, levando para o centro criativo da publicidade em Nova York o seu revolucionário método de aferir a opinião pública por meio de levantamentos por amostragem.

Gallup aplicava suas técnicas para medir a efetividade de anúncios e comerciais de produtos em jornais, revistas e rádio, mas naquele ano (1932) resolveu fazer um experimento familiar. Sua sogra, Ola Babcock Miller, iria se candidatar a um cargo em Iowa, e o estatístico começou a realizar algumas pesquisas de opinião para aferir suas chances. Ela acabou vencendo, pegando carona na onda democrata de Franklin Roosevelt, com suas propostas para tirar o país da Grande Depressão - e Gallup percebeu que estava diante de uma grande oportunidade de negócios.

Nas eleições presidenciais seguintes veio a sua consagração. Uma revista popular na época, a The Literary Digest, enviou 10 milhões de formulários para seus assinantes pedindo que eles respondessem em quem votariam: no presidente Roosevelt ou no republicano Alf Landon. 2,27 milhões responderam à enquete e, quatro dias antes da eleição, a revista anunciava que o desafiante Landon venceria com 57,1% dos votos.

George Gallup trilhou um caminho diferente. Sua equipe foi a campo e, consultando apenas 50.000 pessoas, chegou à conclusão de que Roosevelt seria reeleito. Ao abrirem as urnas, Gallup tinha razão: Roosevelt venceu, arrebatando 62% dos votos.

A façanha de Gallup ao prever o resultado das eleições presidenciais americanas tinha explicação. Apesar de se apoiar numa amostra muito grande, a pesquisa da Literary Digest sofria de dois problemas graves. O primeiro é que, ao se basear apenas nas respostas de seus assinantes, sua enquete deixava de fora o imenso contingente de desempregados da crise de 1929 - havia, portanto, um viés de seleção a favor de respondentes mais ricos. Mais do que isso, os respondentes tinham que se dirigir aos correios para enviar o formulário de volta à revista, somente aqueles mais motivados participaram e, assim, a amostra não era aleatória.

Ao conduzir sua pesquisa com técnicas modernas de amostragem, Gallup provou que era possível obter resultados muito mais confiáveis a um custo consideravelmente menor - bastava desenhar corretamente uma amostra que refletisse a composição da população em relação às suas principais características de distribuição geográfica, renda, idade e assim por diante.

A partir de então o instituto Gallup reinou absoluto por muitas décadas, expandindo seus negócios para diversos países. Essa trajetória, porém, também teve seus fracassos retumbantes.

No pleito de 1948, Gallup aferiu 45 dias antes da eleição que o presidente Harry Truman seria derrotado pelo republicano Thomas Dewey por uma diferença de 46,5% a 38%. Baseando-se na experiência passada de que os eleitores decidem seus votos logo após as primárias e as convenções dos partidos, Gallup descartou a possibilidade de uma virada no placar às vésperas da votação.

Fiando-se na opinião de Gallup e de outros analistas políticos, o jornal pró-republicano Chicago Daily Tribune chegou a estampar na primeira página, no dia seguinte à eleição, a manchete “Dewey derrota Truman”. Contados os votos, Truman venceu por 49,6% a 45,1% - e sua foto sorridente, segurando a capa do jornal que anunciou equivocadamente a sua derrota, entrou para a história das eleições americanas.

E então chegamos a 2016. Ainda há controvérsia sobre as razões do fracasso dos institutos de pesquisas em prever a vitória de Trump. Algumas hipóteses são quase consensuais. A primeira delas é que, como em 1948, muitos eleitores decidiram seu voto na última hora, e os levantamentos não conseguiram captar esse movimento.

Também contribuiu para o erro uma taxa de comparecimento à votação mais alta do que a média histórica entre os republicanos, ao mesmo tempo em que aconteceu o contrário entre os apoiadores de Hillary Clinton - é sempre bom lembrar que as eleições nos EUA são voluntárias e ocorrem em dias úteis. Por fim, os institutos falharam ao não ajustar suas amostras para levar em conta as diferenças de escolaridade do eleitorado, uma clivagem que foi muito mais acentuada em 2016.

A praticamente quatro meses das eleições, está aberta a temporada de pesquisas para tentar descobrir quem ocupará a Casa Branca a partir de 20 de janeiro de 2021. Na última semana, o jornal NYTimes publicou seus primeiros resultados, mostrando uma expressiva liderança de 14 pontos percentuais entre Joe Biden (com 50% das intenções de voto) e o presidente Trump (36%).

Além de ter ampliado a margem de apoio em redutos tradicionalmente dominados pelos democratas (como negros, latinos e jovens), Biden parece estar roubando importantes fatias de eleitores que foram decisivos para a vitória de Trump em 2016, como brancos com baixa escolaridade, idosos e moradores dos chamados swing states - aqueles sem uma inclinação partidária definida e que, no último pleito, fecharam com Trump por uma pequena margem, como Michigan, Flórida, Pensilvânia, Wisconsin, Arizona e Carolina do Norte.

A revista inglesa The Economist, por sua vez, divulgou um modelo que combina levantamentos de intenção de votos e diversos indicadores econômicos para estimar as probabilidades de vitória de cada candidato. Com dados atualizados diariamente, a publicação concluiu que o apoio a Biden começou a subir em meados de março e hoje atinge uma surpreendente taxa de 90% de chance de derrotar Trump em 04 de novembro. Os dados deixam claro que a gestão da crise da covid-19 e a reação aos protestos contra a discriminação após o assassinato de George Floyd têm pesado bastante na popularidade de Trump.

Há poucos meses ninguém poderia imaginar que o mundo viraria de ponta a cabeça por causa de um vírus; extrapolar esses resultados para novembro, portanto, seria uma temeridade. Mas, como Gallup diria, quando um político analisa os resultados de pesquisa, ele está ouvindo as visões das pessoas. E, neste momento, a maioria dos americanos parece estar se afastando de Donald Trump.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Mathias Alencastro: Ecologia é o grande ausente do debate progressista no Brasil

Discussões para fazer emergir Frente Ampla deixaram de lado a urgência climática

A ecologia está em todo lado. Os partidos verdes triunfaram nas eleições municipais deste domingo (28) na França, ganhando força em cidades disputadas pelo partido de Emmanuel Macron.

Prestes a anunciar uma nova leva de ministros, o presidente francês deve inaugurar a última fase do seu mandato com uma virada ecológica.

Seguindo o caminho de Áustria e Irlanda, que formaram as primeiras coalizões europeias entre verdes, centristas e conservadores, a Alemanha olha para o ambientalista Robert Habeck como ator-chave no processo de sucessão de Angela Merkel.

Os ecologistas são vistos em todo o lado como o antídoto à ascensão do populismo.

Nos Estados Unidos, Joseph Biden abraçou a bandeira da luta contra a mudança climática para mobilizar o eleitorado mais jovem e progressista.

O Green New Deal, até ontem uma utopia da popular Alexandria Ocasio-Cortez, virou um dos pilares do programa do Partido Democrata. Pela primeira vez na história, é possível imaginar governos comandados por ecologistas nas principais potências do Atlântico Norte já no próximo ciclo eleitoral.

A ecologia está em todo lado, menos no Brasil. As discussões políticas durante o confinamento, que tanto contribuem para fazer emergir a Frente Ampla, deixaram praticamente de lado a urgência climática.

Notícias como o superaquecimento do Ártico passaram batidas nas frenéticas redes sociais das lideranças progressistas.

Se praticamente todos os intervenientes concordam sobre a importância do regresso do Estado, poucos mencionam a necessidade de um programa de reorganização industrial e financeira adaptado ao desafio ecológico, tema central da nova economia política dos países desenvolvidos.

Questões estratégicas e tradições políticas ajudam a entender esse fenômeno. Conferir protagonismo à luta contra o aquecimento global pode afastar do jogo das alianças a turma mais conservadora do agronegócio, locomotiva da economia brasileira na era pós-pandemia.

Talvez por essa razão, progressistas concentram seus ataques em temas consensuais como o desmatamento descontrolado e a abominável gestão de Ricardo Salles.

Todavia, tem de se reconhecer que o campo progressista nunca iniciou a sua metamorfose.

Ostensivamente ignorada nas presidenciais de 2018, a agenda da mudança climática ainda procura o seu lugar na matriz dos principais partidos brasileiros.

Com a exceção honrosa de Marina Silva, raros são os políticos nacionais que associam a sua imagem à causa. Uma curiosidade, se considerarmos o número de velhos lobos da política mundial que, seguindo os passos de Al Gore, relançaram suas carreiras graças a redescobertas oportunas da militância ecologista.

A pressão internacional deve mudar esse quadro. Para reconstruir a credibilidade do Brasil no exterior e evitar constrangimentos como a suspensão do acordo União Europeia-Mercosul, a Frente Ampla não se pode contentar em interromper o desgaste provocado pelo governo Bolsonaro.

A construção da monstruosidade da barragem hidroelétrica de Belo Monte, orgulhosamente inaugurada por Dilma Rousseff em um dos seus últimos atos como presidente, jamais teria resistido ao escrutínio da nova geração de ativistas.

Não existe alternativa: a ação climática deve formar o tripé da nova plataforma progressista, junto ao combate ao racismo estrutural e à instituição da renda básica universal.

*Mathias Alencastro, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Leandro Colon: Isolado, Bolsonaro adota o 'paz e amor' por conveniência

Bolsonaro age para blindar os filhos e porque foi aconselhado por aliados

Surgiu um Jair Bolsonaro "paz e amor" nos últimos dias. Fez acenos de pacificação aos Poderes, prestou homenagem às vitimas do Covid-19, e escolheu um ministro da Educação fora do nocivo "olavismo", que afundou o MEC até agora.

O presidente tem ainda buscado um distanciamento dos extremistas que pedem intervenção militar e estimulam a crise com o STF.

Teria caído a sua ficha sobre o desastroso governo que conduz até aqui? Provavelmente, não.

Bolsonaro age para blindar os filhos e também porque foi aconselhado por aliados a baixar a temperatura diante dos recentes embates.

O entorno do presidente sabe do seu isolamento, hoje pendurado na estabilidade da aprovação por 32% da população.

Mas os sinais de enfraquecimento são evidentes, como diz a própria pesquisa: o apoio cai para 15% entre os que avaliam que ele sabia do esconderijo de Fabricio Queiroz.

Bolsonaro flerta com um armistício, faz gestos neste sentido, mas nada que leve a crer que suas convicções tenham mudado.

O presidente não diz publicamente, mas deve estar fora dos 75% dos brasileiros que, segundo registra o Datafolha, consideram a democracia o regime mais adequado.

Também não parece integrar os 68% que consideram uma ameaça à democracia os atos pelo fechamento do Congresso e do Supremo.

O mesmo Bolsonaro que pediu, em sua live semanal, Ave Maria na sanfona para lembrar as vítimas da pandemia promoveu aglomeração em uma cidade mineira dois dias depois.

Sem máscara, ignorou os protocolos sanitários, abraçou crianças e novamente deu um péssimo exemplo como chefe da República.

Ele protagonizou as cenas enquanto o Ministério da Saúde anunciava a boa notícia sobre o acordo para desenvolver uma vacina que pode chegar a 100 milhões de doses contra a Covid-19.

Não à toa, 54% dos brasileiros, diz o Datafolha, consideram o presidente um sujeito "pouco inteligente".


Cacá Diegues: Direita volver

A sorte dos democratas é que certos métodos servem para eleger um candidato, mas não garantem um bom governo

Em política, quando não se tem um projeto claro e preciso para o futuro, o ativista rodopia em torno de um vazio que ele mesmo não consegue admitir. Nada mais angustiante para o ativista do que não poder dizer pelo que luta, para o que serve seu empenho. Aos olhos dele, o conformista é um aliado da desgraça, o esperto finge que não a vê, o homem de ação tenta vencê-la a qualquer preço. E o combatente deve contornar o infortúnio sem descanso, até encontrar o buraco por onde abordar o verdadeiro sentido das coisas, no momento oportuno, avançando mais um passo, mesmo que mínimo, em direção ao paraíso.

Os Bolsonaro têm um projeto. Eles são responsáveis pelo primeiro projeto clara e inapelavelmente de direita neste país. O presidente está à frente de alguma coisa que, mesmo que nem sempre o confesse, corresponde a uma transformação radical de nossas estruturas públicas e até psíquicas. Não se trata de uma mudança, trata-se de uma transformação.

Nunca vi, no Brasil, defesa tão clara da direita como essa dos Bolsonaro e seus aliados. E, para glória deles, nunca vi tanta gente, importante ou não, botando a cabeça de fora para anunciar-se, desde sempre ou convencida por eles, de direita. É como se a chegada de pastores inesperados encontrasse um bando de ovelhas malocadas, adeptos mudos de ideias secretas, novos convertidos ou libertos de longo silêncio culpado. Todos doidos para anunciar o que, até aqui, não tinham coragem de confessar, por falta de convicção e apoio público. Os mais radicais se diziam em luta contra a esquerda corrupta e, claro, contra os comunistas de sempre. Foi essa a desculpa, às vezes sincera, daqueles que fizeram o golpe de estado de 1964.

Hoje, graças aos Bolsonaro, os que se declaram de direita se multiplicam, reforçando o campo ideológico e popular ao qual, antes, não tinham coragem de aderir sem meias palavras. A direita agora tem um projeto e um plano para executá-lo. Mesmo que, de vez em quando, necessite recuar, trocando a imposição do regime por avanços pontuais e discretos, em nome de uma democracia da qual ainda precisa. E, como estamos mesmo num regime democrático e não convém dividir o país (mais do que ele já está dividido), a direita, às vezes, aceita recuar da imposição de suas ideias, para se fortalecer e voltar mais tarde com os mesmos desmandos.

O surgimento de uma direita concebida com certos valores e inteligência pode colaborar com o crescimento do espaço de justa representação política, fortalecendo e enriquecendo as alternativas de uma democracia possível. Ela pode ser até bem-vinda. Mas, no mundo inteiro, essa nova direita ressurge imperial, populista, autoritária e eufórica com suas vitórias nos Estados Unidos, na Itália, na Hungria, no Reino Unido, na Índia, em Israel, na América Latina e no mundo árabe. Além de submissa a circunstâncias incontroláveis em países da África e sobretudo da Ásia. É como se, através de eleições democráticas, a direita estivesse recuperando prestígio junto a povos cansados de tanta desgraça e promessas vãs. Como se lhes faltasse apenas essa opção para experimentar finalmente um pouco de felicidade social.

Quem produz os eleitores medianos da direita, bem longe das chamadas classes desfavorecidas, é o próprio capitalismo financeiro ocidental. Zonzo desde que comemorou o fim da História com a queda do muro de Berlim, e sem ter mais a quem enfrentar como alternativa a si próprio, ele dormiu nos louros e não se importou com o número cada vez maior de cidadãos médios, que não vivem apenas do consumo básico. Um fenômeno social que gerou grossa barriga obesa bem no meio da clássica pirâmide social.

Os populismos de direita, pelo mundo afora, foram beneficiados por tecnologias novas, cujo papel eles foram mais rápidos em descobrir e usar. Seus líderes vêm sendo eleitos graças à internet e, sobretudo, graças à difusão de mentiras organizadas através dela, embolando o meio de campo da politica tradicional. Não estou me referindo apenas às famosas fake news, mas também à forma com que aquelas forças organizam suas campanhas eleitorais. Como disse Steve Bannon, o ideólogo máximo desses novos procedimentos, fato ou ideia difundidos através da internet podem chegar apenas aos eleitores para os quais foram gerados, sem serem checados pela imprensa, a televisão ou o público em geral. Segundo eles, a eficiência dessa milícia digital é protegida pelo anonimato das redes e pelo princípio da liberdade de expressão, base de toda democracia.

A sorte dos democratas é que esses métodos servem para eleger um candidato, mas não garantem um bom governo. Entre os vitoriosos, nesses 20 anos do século XXI, os únicos políticos e partidos que mantêm seu poder sobre a sociedade são aqueles que usam a força para controlar as oposições e a própria população. A questão não se coloca mais entre esquerda e direita, no fundo meio parecidas, resquícios do iluminismo racionalista do século XVIII. Mas na escolha decisiva entre Civilização e Barbárie, onde só existe a trajetória que faremos no caminho que escolhermos, com esperança em nossa felicidade.


Black Lives Matter: Racismo aprofunda desigualdade, mostra reportagem

Edição de junho da revista Política Democrática Online mostra força de mobilização contra o crime na sociedade

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Casos de assassinatos do adolescente João Pedro Mattos, de 14 anos, e do norte-americano George Floyd, de 46, reforçam na sociedade mobilizações contra racismo, como Black Lives Matter, que lutam contra o crime que impõe diversos obstáculos para essa parcela da população. É o que destaca a reportagem especial da 20ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília.

Acesse aqui a 20ª edição da revista Política Democrática Online!

A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Negros assassinados por policiais, João Pedro e George Floyd também não conseguiram resistir à perversidade do crime que tem dizimado essa população diariamente e que se manifesta de diversas formas.

No Brasil e nos Estados Unidos, conforme mostra a reportagem, a violência é uma das faces desse crime, que se propaga em vários outros. “Negros são os que mais morrem em ações policiais e também lideram o ranking das vítimas de coronavírus. Têm menos acesso à saúde, grau de escolaridade e oportunidade de emprego, em comparação com pessoas brancas”, diz o texto.

No total, no Brasil, negros são 56% da população e 75% dos mortos por policiais. Nos Estados Unidos, representam 13% das pessoas e 24% das vítimas assassinadas pela polícia. Livres da escravidão, abolida há 132 anos no território nacional, pessoas negras e toda a sociedade precisam se mobilizar contra o racismo, que, na avaliação de especialistas, tem se institucionalizado cada vez mais e de forma acelerada na força estatal.

Além da violência e de morrerem três vezes mais do que brancos por Covid-19 nos Estados Unidos e de serem mais de metade das vítimas da doença no Brasil, negros enfrentam abismos de desigualdade no acesso à educação, a oportunidades de emprego, à cultura e a cargos eletivos. No labirinto da discriminação, precisam encontrar o caminho da sobrevivência.

Reflexo da falta de acesso a serviços de saúde e alimentação que garanta boa qualidade de vida, mais da metade dos negros que se internaram no Brasil no período da pandemia morreu por contaminação de coronavírus em hospitais no país. Pesquisadores do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro analisaram 29.933 casos encerrados de Covid-19 (com óbito ou recuperação). Dos 8.963 pacientes negros internados, 54,8% morreram nos hospitais. Entre os 9.988 brancos, a taxa de letalidade foi de 37,9%.

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Fernando Gabeira: A morte e a morte da democracia

Ela é comida pelas beiradas, como vírus que invade, gradativamente, seu pulmão até que pare de respirar

É preciso retomar o tema da democracia ameaçada. A prisão de Fabrício Queiroz conteve o avanço da extrema direita. Muitos interpretam o perigo de golpe apenas como um blefe de Bolsonaro, um delírio que agora se dissolve.

São pessoas sensatas que me perguntaram quando soei o alarme se eu não estava exagerando.

De uma certa forma, abordei este tema num artigo de fim de semana. Lembrei a tensão nas democracias europeias dos anos 30 e as pequenas pausas que surgiam entre elas. Muitos as interpretavam como o fim dos problemas, um novo período de paz.

Não tenho nenhuma intenção de comparar a extrema direita brasileira com a Alemanha nazista. Isto serviria apenas para reforçar a ideia de que exagero. Minha preocupação é apenas analisar a pausa. Ela pode ser aproveitada para se avançar na defesa da democracia ou pode ser considerada como o fim de um período de hostilidades.

Muitos imaginam o golpe de estado clássico: tanques saindo dos quartéis e ocupando pontos estratégicos, Congresso e STF fechados. É uma espécie de tiro no coração da democracia. Acontece que, nos últimos anos, cresce o consenso de que a democracia é comida pelas beiradas, como um vírus que invade, gradativamente, seu pulmão até que pare de respirar.
Essa lenta e sistemática derrubada da democracia brasileira está em curso. Não há tanques na rua, nem censores dentro dos jornais.

Mas a informação de qualidade está sob intenso fogo. O IBGE teve contestado seus dados sobre desemprego; a Fiocruz, invalidada uma pesquisa sobre consumo de drogas; o Inpe, decapitado por seus informes sobre o desmatamento na Amazônia. O próprio Bolsonaro tentou, mas não conseguiu, suspender a Lei de Acesso à Informação.

É como se as luzes de um edifício fossem sendo apagadas gradativamente. Na Fundação Palmares já não é possível contestar o racismo. O governo já não defende a diversidade cultural. Somos todos filhos de um mesmo Deus. Nas palavras do Weintraub: “Odeio a expressão povos indígenas.”

Três mil militares ocuparam a administração civil. No Ministério da Saúde desalojaram técnicos num momento em que se luta, e se perde, contra uma pandemia que já levou mais de 50 mil vidas. As armas são vendidas em maior escala, na medida em que cai o controle do Exército.

Na preservação ambiental, as luzes já se apagaram há muito. Na escuridão, crescem o desmatamento, o garimpo ilegal, a grilagem. Não se respeitam as leis, e os funcionários que tentam aplicá-las são demitidos.

O avanço de um golpe clássico foi contido pelo STF. Mas ele foi propagado em faixas que pediam intervenção militar com Bolsonaro na Presidência. Frequentaram essas manifestações, além do presidente, generais no governo e o ministro da Defesa.

Foi preciso prender extremistas e investigar as contas de deputados que financiam as manifestações. O Congresso não se manifesta. Está escondido atrás das togas dos ministros, esperando que canalizem sozinhos a agressividade digital bolsonarista.

Um Congresso que tem medo de tuítes sairia correndo ao ver o primeiro fuzil. Mas é preciso contar com ele.

Felizmente, a sociedade começou a acordar. Manifestos surgiram em vários setores. Esboços de frentes vão se formando aqui e ali. Há sempre quem se ache o rei da cocada e não aceita certos parceiros. Mas o rumo geral é de união.

Apesar da pandemia, surgiram as primeiras manifestações de rua. De um modo geral, pacíficas, um ou outro choque com a polícia, uma solitária faixa pedindo ditadura do proletariado, rompendo o tom.

Seria importante interpretar a pausa apenas como um tempo que se ganha para se organizar, não relaxar, achando que as coisas se resolvem sem nossa intervenção. Uma semana depois da prisão de Queiroz, o TJ do Rio já concedeu foro especial a Flávio Bolsonaro e pode anular não só a prisão, como trazer o processo à estaca zero.

Daqui a pouco, volta toda a onda agressiva e vamos nos perguntar o que fizemos na pausa. As democracias europeias vacilaram inúmeras vezes, mas acabaram vencendo no final. Mas os analistas sempre se perguntam se a vitória não poderia ter vindo mais cedo, poupado mais vidas.

Mesmo em dimensões desarmadas, o preço da vitória depende da maneira como interpretamos as relativas calmarias, se alimentamos ilusões conciliatórias ou compreendemos que, cedo ou tarde, a batalha se dará.


Demétrio Magnoli: A esquerda no espelho da epidemia

O vírus tem lado ideológico

A crise ensina. A emergência sanitária do coronavírus evidenciou o negacionismo criminoso de Jair Bolsonaro, desmoralizando seu governo aos olhos de todos que não sucumbiram ao fanatismo ideológico da extrema direita. Contudo, de um modo menos óbvio, ela também lançou um penetrante jato de luz sobre a esquerda, expondo suas vísceras. A imagem resultante não é bonita.

Capítulo um: hipocrisia.

A esquerda ocupou a linha de frente do exército que clamava pela imposição de lockdown. Na Itália, na Espanha e na França, rígidas medidas de lockdown travaram o avanço dos contágios, circunscrevendo regionalmente as epidemias. Lockdown não é, porém, um ato de pura vontade. O congelamento geral da vida econômica e social exige uma ditadura totalitária (China) ou a conjunção de dois fatores inexistentes na paisagem brasileira: consenso político e coesão social.

Não se faz lockdown sob um governo central em campanha permanente contra o distanciamento social. Não se faz lockdown com vastas parcelas das populações metropolitanas carentes de renda e redes de proteção social, que se concentram em cinturões periféricos e favelas desassistidas. A esquerda que ignora essas realidades escolheu dialogar exclusivamente com as classes médias.

Semanas atrás, deputados do PT de São Paulo recorreram, sem sucesso, aos tribunais para impor ao governador Doria a execução de um lockdown. No Rio, um clamor similar emanou de lideranças do PT e do PSOL. Um eventual lockdown nas duas metrópoles demandaria massiva mobilização de forças policiais nas periferias e favelas. As PMs patrulhariam as ruas onde vivem os pobres e ocupariam favelas controladas por milícias e facções. Os partidos de esquerda ofereceriam apoio às inevitáveis implicações repressivas do lockdown?

Capítulo dois: oportunismo.

Quarentenas têm limites temporais, definidos pelo esgotamento da resistência econômica e psicossocial da população. Nenhum país do mundo manteve quarentenas por mais de três meses. As reaberturas conduzidas pelos governos estaduais não são exemplos de planejamento, eficiência ou lógica. A esquerda, porém, escolheu criticar as próprias reaberturas, não suas inúmeras deficiências, aderindo a um iracundo fundamentalismo epidemiológico. A finalidade é disputar as eleições municipais acusando governadores e prefeitos de subordinar vidas a negócios.

Capítulo três: corporativismo.

As escolas estão, em geral, fechadas desde março. Na Europa, com exceção de raros países, a reabertura escolar foi medida prioritária na etapa de relaxamento das quarentenas. Os governos europeus concluíram que crianças são fracos transmissores do vírus — e a experiência comprovou que isso é verdade. Na França, de 40 mil escolas reabertas, surgiram focos de infecção em meras 70. O Brasil, porém, enxerga o ensino público como a mais dispensável das chamadas “atividades não essenciais” — e cogita-se retomar aulas presenciais apenas nas calendas de setembro.

As crianças pobres carregarão para a vida adulta os prejuízos cognitivos e de sociabilização causados pela interrupção escolar de sete meses. Mesmo assim, sindicatos de professores dirigidos por lideranças de esquerda resistem à reabertura em setembro, declarando-a “prematura” e ensaiando movimentos grevistas. Médicos, enfermeiros, comerciários, motoristas, operários e incontáveis outras categorias podem trabalhar presencialmente durante a epidemia. Professores, jamais, na opinião dos sindicatos.

Capítulo quatro: duplicidade moral.

Lá atrás, as manifestações públicas da militância bolsonarista foram qualificadas pela esquerda como atos criminais de difusão de contágios. A esquerda criticou menos o conteúdo antidemocrático delas que a produção de perigosas aglomerações. Há pouco, porém, setores da esquerda voltaram às ruas, em protestos contra Bolsonaro. Nesse caso, as aglomerações não geraram escândalo.

O vírus tem lado ideológico: as manifestações deles provocam infecções, potencializam a epidemia, causam mortes em massa; as nossas são belas, justas e higiênicas. A esquerda que emerge da Covid nada aprendeu.