Day: fevereiro 29, 2020

Tutorial Publishing to some Text File

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Adriana Fernandes: Uma ‘pedalada social’?

O represamento das filas é um problema orçamentário de grande complexidade

Mais de 5 milhões é o número de brasileiros que aguardam na fila de pedidos para ter acesso aos programas sociais do governo e benefícios previdenciários. São 1,379 milhão de pessoas nos bancos do INSS e 3,621 milhões esperando por uma resposta do programa Bolsa Família.

A crise do represamento das concessões é um problema social de extensa gravidade e com enorme consequência para o País. Não só no curto prazo. As crianças mais novas, os idosos e as pessoas com deficiência de baixa renda, aquelas mais miseráveis, são os mais atingidos pelo colapso no gerenciamento da fila.

Era de se esperar, portanto, que as autoridades brasileiras estivessem mobilizadas num gabinete de crise para encaminhar uma solução para mitigar o problema diante das cobranças do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União.

Ao contrário, não se vê nenhuma autoridade empenhada verdadeiramente em assumir a liderança da condução do processo. Há 44 dias (é isso mesmo), o governo anunciou que iria contratar até 7 mil militares da reserva das Forças Armadas para auxiliar no atendimento das agências do INSS.

Em acordo fechado com TCU há algumas semanas, o governo anunciou que iria estender a contratação temporária para servidores aposentados do INSS. O fato é que o tempo passou e, até agora, nada da edição de medida provisória (MP) pelo presidente.

No Bolsa Família, a espera também continua. O novo ministro da Cidadania, Onxy Lorezzoni, prepara o redesenho do programa sem antes dar transparência aos dados sobre o seu enxugamento. A falta de transparência nos números é inaceitável.

O governo mente sobre os dados do programa. A resposta do novo ministro tem sido a de que o governo quer fazer do Bolsa uma importante ferramenta de construção de cidadania “com larga porta de entrada e mais larga porta de saída”.

Há a promessa de entregar mais de 200 mil concessões. Especialistas, porém, alertam que essa entrega resulta somente de um processo administrativo de cancelamentos expressivos, porem esporádicos. E que, portanto, não atenua o problema.

O governo teve de remanejar recursos do Orçamento para pagar o 13.º salário do Bolsa Família em dezembro – promessa eleitoral do presidente. A promessa foi cumprida à custa do represamento das novas concessões.

Como a fila do INSS continua, há uma “economia” temporária com o pagamento de muitos benefícios que já deveriam estar sendo feitos. Isso permite, no curto prazo, o remanejamento de recursos para financiar gastos de outras áreas. Uma hora essa conta vai aparecer. É uma bola de neve. A pergunta que fica: o governo está preparado para esse aumento de gasto mais à frente?

Os críticos do governo apontam que se trata de uma “pedalada social”. Técnicos do governo rebatem, porém, que não há conexão nenhuma com as famosas “pedaladas fiscais” da ex-presidente Dilma Rousseff.

Até agora, é certo que além de social, o represamento da fila é um problema orçamentário de grande complexidade.

O gargalo tem gerado um princípio de colapso na rede de assistência social de municípios, sobretudo os pequenos e médios. Sem o dinheiro do Bolsa Família, a população se vê forçada a bater à porta das prefeituras em busca de comida e outros auxílios. São os chamados benefícios eventuais, demandas que sobrecarregam as combalidas finanças das prefeituras.

Os eleitores nos locais mais precários do País muitas vezes não sabem que o problema parte de Brasília, do governo federal. Para eles, a culpa é do governo mais próximo. Em ano de eleições, seria essa uma estratégia meio tosca para mudar o mapa dos municípios e varrer os opositores?

Enquanto a crise da fila se agrava, governo e Congresso travam uma disputa sangrenta pelo dinheiro do Orçamento que compromete as solução dos problemas mais urgentes.


Julianna Sofia: Sob escombros

Em crise com Legislativo e com reformas travadas, Bolsonaro pede pressa para carteira de motorista de 10 anos

Desdobramentos da crise fabricada pelo Palácio do Planalto na briga com o Congresso por R$ 30 bilhões do Orçamento impositivo são esperados para os próximos dias com a volta da cúpula legislativa do feriadão de Carnaval. Há dúvidas se resta algo sob os escombros do acordo costurado entre as partes, depois de ter sido dinamitado pela fala vazada do general Augusto Heleno (GSI) sobre o que chamou de chantagem parlamentar.

O pacto previa uma saída salomônica na divisão do dinheiro, permitindo que o Executivo retomasse o manejo de R$ 11 bilhões. Trata-se de ínfima parte do bolo orçamentário —que hoje tem 97% dos recursos carimbados como obrigatórios—, numa disputa reveladora da progressiva hipertrofia do Legislativo frente a um Executivo que perde poder.

Diante da inépcia governista para a negociação política, o presidente Jair Bolsonaro apostou (mais uma vez) no conflito entre os Poderes ao compartilhar vídeos estimulando um protesto contra o Congresso. Em um cenário normal, os panos quentes adotados pelo Planalto após a reação negativa em cadeia --com fagulhas de impedimento--, além da resposta comedida do presidente Rodrigo Maia (Câmara) e da inação do colega Davi Alcolumbre (Senado), sugeririam a reconstrução dos pilares de um acordo.

Mas normalidade tornou-se palavra em desuso em Brasília. A instabilidade política derivada das polêmicas estéreis do bolsonarismo enfileira crise atrás de crise, numa confluência de más notícias: PMs amotinados, pânico mundial pelo surto de coronavírus, registro do primeiro caso no Brasil e PIB em desaceleração, o que deve reduzir as receitas federais e ocasionar bloqueio orçamentário maior que o esperado.

Para a equipe econômica, a fricção entre os Poderes pode prejudicar o ritmo de avanço da agenda reformista no Congresso. Para Bolsonaro, mais importa que parlamentares se debrucem com presteza sobre sua proposta que amplia o prazo de validade da carteira de motorista.


Hélio Schwartsman: Ciência contra a epidemia

Torçamos para que os terraplanistas do governo continuem longe do Ministério da Saúde

A essa altura, parecem inúteis os esforços para manter o vírus que causa a covid-19 fora de fronteiras nacionais. A progressão da epidemia pelo mundo mostra que a doença, por provocar muito mais quadros leves do que graves, se espalha com facilidade e não será contida por quarentenas.

E o fato de o risco que cada indivíduo corre de morrer por causa da covid-19 ser baixo não significa que ela não vá causar estragos coletivos. No plano sanitário, o que preocupa é a pressão sobre os sistemas de saúde. O objetivo central das autoridades a partir de agora deve ser o de impedir que a curva de novas infecções suba muito rapidamente. Se conseguirmos espaçar o ritmo de contágio, será menor o pico de demanda sobre os hospitais, o que poderá evitar mortes por falta de ventiladores, por exemplo.

E como se faz isso? É preciso conquistar a confiança da população, que terá de ser convencida a mudar comportamentos. É importante, por exemplo, que as pessoas evitem correr para o hospital devido a quadros respiratórios leves. Também devem reforçar a lavagem de mãos e alterar a etiqueta de cumprimentos. Se a situação ficar ruim, deve-se cogitar de medidas mais drásticas como suspender aulas, eventos esportivos e culturais e adotar o trabalho remoto.

O problema é que há muita coisa sobre a biologia do vírus que ignoramos. Ele se espalha com menos eficiência no verão? Pacientes assintomáticos são bons transmissores? Quem já teve a doença se torna imune? Por quanto tempo? Cada resposta pode fazer muita diferença na hora de definir políticas públicas. Se uma infecção prévia não confere imunidade (ou só o faz de forma muito transitória), o modelo epidemiológico a orientar as ações muda substancialmente.

São questões a ser abordadas pela ciência e não pela ideologia. Resta torcer para que o núcleo terraplanista do governo continue com as garras longe do Ministério da Saúde.


Bolívar Lamounier: No limiar de um terceiro erro

Estes dois componentes estão aí bem à mostra, como os pés de barro do gigante que queríamos (ou queremos) ser

Qualquer que seja nossa avaliação sobre o momento atual, parece-me fora de dúvida de que estamos no limiar de importantes transformações em nossa identidade nacional — ou seja, na maneira pela qual nos vemos como povo.

Nessa linha de raciocínio, podemos dizer que nossa identidade nacional já passou por duas fases — duas versões, duas ilusões — e dois erros colossais, que nos deixaram no limiar de um possível terceiro grande erro. A primeira versão foi a ideia do “brasileiro pacífico”, da conciliação entre as elites políticas, da “cordialidade” entre as pessoas comuns e da inexistência de racismo. No essencial, essa “narrativa” tinha um claro sentido de bajulação ao ditador Getúlio Vargas, exaltado como fundador da nacionalidade, culminando numa concepção do poder central como um Estado poderoso, bondoso e paternalista.

Era um apelo à convergência num país fadado a se transformar profundamente assim que a democracia fosse restabelecida,os conflitos políticos se acirrassem, e sofrêssemos os impactos externos da guerra fria. Uma sociedade concebida pela maioria como quase estática, invulnerável a abalos de monta e avessa a movimentos de mobilização política contrários ao governo.

Precocemente envelhecida, a cultura da cordialidade cedeu lugar ao chamado nacional-desenvolvimentismo, um projeto lastreado materialmente na industrialização substitutiva de importações e ideologicamente no nacionalismo. Essa nova fórmula também fez certo sentido enquanto o modelo de crescimento induzido pelo Estado permaneceu crível. O golpe de misericórdia que a inviabilizou em definitivo foi a tentativa do governo Geisel de acelerar a industrialização com base num enorme endividamento externo, opção liquidada entre 1973 e 1979 pelos choques do petróleo e a abrupta elevação das taxas de juros às quais a dívida fora indexada.

A nação “cordial” e o “nacional-desenvolvimentismo” tinham dois pontos importantes em comum. Primeiro, imaginavam ser possível o desenvolvimento de uma nação que em nenhum momento pôs em prática um projeto vigoroso de educação básica e de capacitação técnica da mão de obra. Segundo, aferraram-se a um doentio anti-liberalismo, à ideia do Estado empreendedor, a uma hostilidade ao mercado e, não menos importante, ao autarcismo, quero dizer, à opção por uma economia fechada.

Estes dois componentes estão aí bem à mostra, como os pés de barro do gigante que queríamos (ou queremos) ser.


Míriam Leitão: A crise política do Orçamento

Crise política nasceu de um mal-entendido, mas foi alimentada por quem não quer entender a necessidade de negociar a saída

Por trás da crise institucional que estourou no carnaval está um mal-entendido. É o que se ouve no Congresso e nas áreas do governo que não estão dedicadas ao incêndio político. “É preciso se acalmar e conversar”, sugere um integrante graduado do Executivo. O relator do Orçamento, deputado Domingos Neto (PSD-CE), também diz que é um grande mal-entendido e justifica. “É assunto técnico, às vezes converso com ministros e vejo que há muita desinformação.” Na semana que vem o parlamento deve derrubar os vetos do presidente Bolsonaro, e o melhor é fazer isso de forma negociada, diz o relator.

Há quem no governo queira a crise. O grande problema é que nesse lado está o próprio presidente Bolsonaro e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. O nome do cargo já diz que o general Heleno deveria ser o primeiro a querer a segurança das instituições. O seu áudio foi divulgado depois de já ter sido feito o acordo que resolvia a questão orçamentária. Em vez de as palavras do general serem esvaziadas, viraram combustível para mais incêndio.

O Orçamento agora é impositivo. Isso é incontornável. Já está aprovado. Significa que o governo manda o projeto, o Congresso aprova, e aí o governo tem que cumprir. E isso retira atribuições do executivo?

— Isso não tem nada de parlamentarismo. É assim em todas as democracias sólidas. O presidencialismo americano é forte, mas o orçamento é impositivo. O presidente Trump tem muito poder, mas o Congresso também. Ele quer fazer o muro dele, mas não consegue, porque ainda não convenceu os parlamentares de que é melhor gastar com o muro do que em outras áreas. Aqui no Brasil o orçamento era autorizativo, e com uma portaria o executivo podia mudar o que o Congresso havia decidido — diz o deputado.

O Orçamento tinha reservado R$ 30 bilhões de despesas para gastos que seriam decididos pelos deputados e senadores. Pelo acordo já negociado, mas agora suspenso, metade disso voltaria para o governo, para que cada ministro decida como gastar. A outra metade seria composta de repasses para estados e municípios, e nesses haveria indicação dos parlamentares.

— São ações de saúde, saneamento, educação, obras do Minha Casa, Minha Vida, manutenção de rodovias, tudo do interesse da sociedade. Sempre houve indicação de parlamentares para o destino de parte do dinheiro. Mas era informalmente, agora será feito de maneira formal. Inclusive isso diminui o toma lá, dá cá — diz Domingos Neto.

A Comissão de Orçamento estudou as despesas e verificou que por vários anos alguns setores tinham baixa execução. Eram itens orçamentários como subvenções e reservas. Começavam o ano com previsões de despesas bilionárias e depois o governo retirava recursos dessas áreas para as que queria reforçar. O Congresso decidiu fazer ele mesmo o remanejamento. Houve outras mudanças nas estimativas de receitas e despesas. Uma delas, por exemplo, foi a de considerar o ganho que haverá se for aprovada a PEC emergencial:

— O acordo era assim: as receitas que nós conseguimos seriam destinadas às despesas nos municípios e nos estados, mas com indicação de parlamentares. Uma outra parte seria devolvida para a decisão dos ministérios.

Ele conta que o estímulo para ampliar a área de influência do Congresso nos gastos do Orçamento veio do próprio ministro Paulo Guedes que, quando esteve na audiência pública sobre o assunto, disse que era preciso que houvesse mais participação dos parlamentares na definição dos gastos. “Quem tem o poder decisório de alocar esses recursos? É o ministro ou é o Congresso? É o Congresso. Então o Congresso tem que decidir quanto desse dinheiro desce para o setor a, b, c”, disse Paulo Guedes quando esteve na Comissão.

Esse tem sido o discurso. A prática, contudo, já gerou confusão. Negociou-se uma saída, mas antes que ela fosse implementada chegaram os incendiários. O deputado vai amanhã para Brasília esperar a orientação dos presidentes das duas Casas.

— Não sou eu que negocio acordo. São os presidentes e os líderes. Sou apenas instrumental. Mas acho que é preciso encontrar uma solução que preserve o mais importante: a democracia.


Fernando Reinach: Coronavírus veio para ficar

Entramos em uma fase da epidemia em que o objetivo não é mais exterminar o vírus

Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo

Já é consenso entre os epidemiologistas que o coronavírus se espalhará por todo o planeta e seremos obrigados a conviver com ele por muitas décadas. A grande dúvida é com que velocidade e intensidade ele se espalhará. É difícil acreditar, mas hoje é mais fácil prever o futuro distante (daqui 3 ou 4 anos) do que o futuro próximo (1 a 2 anos). Entender a causa dessa inversão é essencial para evitar pânico.

Daqui 3 ou 4 anos teremos uma relação com o coronavírus semelhante à que temos hoje com o vírus de sarampogripe e poliomielite. O vírus estará entre nós, mas terá dificuldades de se espalhar. Em 3 ou 4 anos, as vacinas muito provavelmente estarão disponíveis. E nessas condições, o vírus vai aparecer ocasionalmente, em pequenos surtos localizados. É claro que esse cenário não é certeza absoluta, mas é o mais provável dado o que conhecemos sobre epidemiologia, sobre vírus e as doenças que eles causam. Agradeça à ciência.

Agora vejamos por que o cenário de curto prazo (12 a 24 meses) é mais difícil de prever. Como ficou claro na China e agora na ItáliaIrã e Coreia do Sul, esse vírus se espalha rapidamente e infectados, mesmo com poucos sintomas, são capazes de transmiti-lo. E o mais importante é que toda a população mundial nunca teve contato com esse vírus. Em outras palavras, qualquer pessoa é uma vítima potencial. A grande incógnita é o quão rápido o vírus vai se espalhar. A boa notícia é que a humanidade, graças a séculos de investigação científica, é capaz de interferir na velocidade de propagação.

Vejamos possíveis cenários para os próximos 24 meses. No pior deles, o vírus infecta toda a população nos próximos 12 a 24 meses. Nesse cenário, 85% da população terá uma espécie de gripe forte que poderá ser tratada em casa, estará curada e ficará parcial ou totalmente imune ao vírus após uma ou duas semanas. Os 15% restantes terão de ser tratados em hospitais. Aproximadamente 10% da população terá complicações e algo como 2% morrerá.

Nesse cenário, quando a vacina estiver disponível, grande parte da população já estará imune. O principal problema nesse cenário, além de 2% de mortes, é o colapso do sistema de saúde como ocorreu em Wuhan, na China. Em ambientes onde o sistema médico não existe ou colapsa, a taxa de letalidade pode ser muito maior do que 2%.

Os outros cenários envolvem um espalhamento mais lento do vírus. Vamos imaginar o melhor cenário possível. Propriedades intrínsecas do vírus, associadas a variações climáticas e medidas de contenção, garantem que o número de casos por mês nos próximos meses não passe de, por exemplo, 40 mil (cerca de 50% do que tivemos nos últimos 30 dias). Nesse caso teríamos 6 mil hospitalizações por mês e aproximadamente 800 mortes por mês. Após 2 anos, a vacina estaria disponível e entramos em uma nova fase tendo convivido com um número menor de mortes e com um número de hospitalizações administrável. Nessas condições, é possível que a letalidade seja menor do que 2% pois os sistemas de saúde não serão sobrecarregados.

Nesse caso a imunidade contra o vírus no longo prazo vai depender de uma vacinação generalizada mais adiante, pois somente uma pequena parte da população terá sido infectada. Este também é um cenário extremo, difícil de acontecer, pois provavelmente exigiria medidas globais semelhantes às adotadas na China. Os outros cenários estão entre esses dois extremos e, em todos eles, o que determina a velocidade de espalhamento são medidas adotadas pelos governos, a disposição da população de aceitar essas medidas, e o custo para a economia global.

Essas minhas previsões são extremamente rudimentares. Os epidemiologistas que trabalham com modelos matemáticos estão quebrando a cabeça para produzir modelos mais precisos, enquanto outros cientistas tentam desenvolver a vacina. Em todos os cenários, o crucial é ganhar tempo, não deixando o vírus se espalhar rapidamente.

Agora estamos entrando em uma fase da epidemia em que o objetivo não é mais exterminar o vírus. Essa foi a batalha perdida na China nos últimos dois meses. Estamos no início da segunda, que será mais longa e difícil - seu objetivo é atrasar o espalhamento do vírus pelo planeta diminuindo ao máximo sua velocidade de propagação. E nela todos podemos e devemos nos envolver.

*É BIÓLOGO


Folha de S. Paulo: Genoma do novo coronavírus que infectou brasileiro é sequenciado

Cepa encontrada no país se aproxima de patógeno transmitido na Alemanha

Gabriel Alves, da Folha de S. Paulo

O Instituto Adolfo Lutz, em conjunto com o Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e com a Universidade de Oxford, sequenciou o genoma do novo coronavírus que atingiu um brasileiro.

A pesquisa contou com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do Medical Research Concil, no Reino Unido. O projeto Cadde, uma parceria entre os dois países para o estudo de arboviroses, desenvolve técnicas para monitorar epidemias em tempo real.

Ao "soletrar" as letras que compõem as "frases" do genoma do Sars-CoV-2, é possível aprender sobre como o vírus se espalhou e até mesmo detectar mutações que podem aumentar ou atenuar sua transmissibilidade.

O primeiro caso de coronavírus foi primeiramente testado pelo Hospital Israelita Albert Einstein e confirmado pelo Instituo Adolfo Lutz em 26 de fevereiro. O paciente esteve no norte da Itália, região que registrou um surto da doença na última semana.

A análise, preliminar, está disponível no fórum de discussão Virological.org, que é acessado por cientistas de todo o mundo.

Para Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical da USP, é importante ressaltar que quanto mais rapidamente as sequências dos vírus forem publicadas, mais se saberá sobre a trajetória da epidemia.

As mutações identificadas eventualmente também podem implicar na necessidade de adaptação dos testes diagnósticos, que buscam idealmente devem identificar regiões do DNA que não mudem tanto. Esses dados também são importantes para a produção de vacinas, já que os anticorpos produzidos têm idealmente que se ligar a todos os vírus daquela espécie, independentemente das cepas.

"A Itália ainda não tem nenhuma sequência enviada. Quando eles começarem a colocar as sequências deles, podem ter uma ideia de onde o surto do país começou. Digamos que apareça um novo caso em São Paulo; um sequenciamento pode ajudar a saber se pessoa pegou o vírus no avião, no aeroporto ou se veio de outro lugar", diz Sabino.

"O feito científico que os pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz concluíram hoje é grandioso e merece todos os nossos agradecimentos. O sequenciamento genético do coronavírus é um trabalho inédito e absolutamente fundamental para que novas vacinas sejam desenvolvidas. Isso mostra o comprometimento do Governo de São Paulo com o combate ininterrupto ao coronavírus e nosso apoio total à comunidade de pesquisadores em saúde", diz em nota o governador de São Paulo, João Doria.

O sequenciamento foi feito por meio de um dispositivo portátil. “Desde a década de 1970 se faz sequenciamento genômico, e a ideia era fazer sequenciamento em campo e trabalhar em tempo real. Esse sequenciador é menor que um celular e conectado a um computador por meio de um cabo USB. Consegue fazer um sequenciamento da célula de fluxo, como se fosse um chip onde estão os nanoporos. Dentro dele, colocamos as sequencias da amostra que vai ser lida ao passar pelos poros”, explica Jaqueline Goes de Jesus, do Instituto de Medicina Tropical.

Análises preliminares indicam que o genoma identificado no Brasil tem diferenças em relação ao de Wuhan, epicentro da epidemia e que duas mutações se aproximam da cepa da Alemanha, diagnosticada em transmissão em Munique, região da Bavária.

“Grupos internacionais têm demorado em média 15 dias para gerar e submeter as suas sequências relativas a casos de covid-19, o que destaca a relevância científica da pesquisa brasileira e o pioneirismo do Estado de São Paulo. Essa conquista certamente contribuirá para aprimorarmos as políticas públicas de vigilância e prevenção da doença”, afirma o Secretário de Estado da Saúde, José Henrique Germann.

Colaborou Cláudia Collucci


Agência Fapesp: Tecnologia que sequenciou coronavírus em 48 horas permitirá monitorar epidemia em tempo real

Karina Toledo, da Agência FAPESP

Apenas dois dias após o primeiro caso de coronavírus da América Latina ter sido confirmado na capital paulista, pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz e das universidades de São Paulo (USP) e de Oxford (Reino Unido) publicaram a sequência completa do genoma viral, que recebeu o nome de SARS-CoV-2.

Os dados foram divulgados nesta sexta-feira (28/02) no site Virological.org, um fórum de discussão e compartilhamento de dados entre virologistas, epidemiologistas e especialistas em saúde pública. Além de ajudar a entender como o vírus está se dispersando pelo mundo, esse tipo de informação é útil para o desenvolvimento de vacinas e testes diagnósticos.

“Ao sequenciar o genoma do vírus, ficamos mais perto de saber a origem da epidemia. Sabemos que o único caso confirmado no Brasil veio da Itália, contudo, os italianos ainda não sabem a origem do surto na região da Lombardia, pois ainda não fizeram o sequenciamento de suas amostras. Não têm ideia de quem é o paciente zero e não sabem se ele veio diretamente da China ou passou por outro país antes”, disse Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP.

De acordo com Sabino, a sequência brasileira é muito semelhante à de amostras sequenciadas na Alemanha no dia 28 de janeiro e apresenta diferenças em relação ao genoma observado em Wuhan, epicentro da epidemia na China. “Esse é um vírus que sofre poucas mutações, em média uma por mês. Por esse motivo não adianta sequenciar trecho pequenos do genoma. Para entender como está ocorrendo a disseminação e como o vírus está evoluindo é preciso mapear o genoma completo”, explicou.

Esse monitoramento, segundo Sabino, permite identificar as regiões do genoma viral que menos sofrem mutações – algo essencial para o desenvolvimento de vacinas e testes diagnósticos. “Caso o teste tenha como alvo uma região que muda com frequência, a chance de perda da sensibilidade é grande”, disse.

Vigilância epidemiológica

Ao lado de Nuno Faria, da Universidade de Oxford, Sabino coordena o Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE). O projeto, apoiado por FAPESP, Medical Research Council e Fundo Newton (os dois últimos do Reino Unido), tem como objetivo estudar em tempo real epidemias de arboviroses, como dengue e zika.

“Por meio desse projeto foi criado uma rede de pesquisadores dedicada a responder e analisar dados de epidemias em tempo real. A proposta é realmente ajudar os serviços de saúde e não apenas publicar as informações meses depois que o problema ocorreu”, disse Sabino à Agência FAPESP.

Segundo a pesquisadora, assim que o primeiro surto de COVID-19 foi confirmado na China, em janeiro, a equipe do projeto se mobilizou para obter os recursos necessários para sequenciar o vírus assim que ele chegasse no Brasil.

“Começamos a trabalhar em parceria com a equipe do Instituto Adolfo Lutz e a treinar pesquisadores para usar uma tecnologia de sequenciamento conhecida como MinION, que é portátil e barata. Usamos essa metodologia para monitorar a evolução do vírus zika nas Américas, mas, nesse caso, só conseguimos traçar a origem do vírus e a rota de disseminação um ano após o término da epidemia. Desta vez, a equipe entrou em ação assim que o primeiro caso foi confirmado”, contou Sabino (leia mais em: agencia.fapesp.br/25356/).

Quebra de barreiras

O primeiro caso de COVID-19 no Brasil (BR1) teve diagnóstico molecular confirmado no dia 26 de fevereiro pela equipe do Adolfo Lutz. Trata-se de um paciente infectado na Itália, possivelmente entre os dias 9 e 21 deste mês. O sequenciamento do genoma viral foi conduzido por uma equipe coordenada por Claudio Tavares Sacchi, responsável pelo Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz (LEIAL), e Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP e bolsista da FAPESP.

“Já estávamos prevendo a chegada do vírus no Estado de São Paulo e, assim que tivemos a confirmação, acionei os parceiros do Instituto de Medicina Tropical da USP. Já estávamos trabalhando juntos há alguns meses no uso da tecnologia MinION para monitoramento da dengue”, contou Saccchi à Agência FAPESP.

“Conseguimos quebrar algumas barreiras com esse trabalho. A universidade treinou equipes e transferiu tecnologia para que o sequenciamento pudesse ser feito no lugar certo, que é o centro responsável pela vigilância epidemiológica. É assim que tem de ser”, disse Sabino.

Além do Lutz e da USP, participam do Projeto CADDE integrantes da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) e do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), ambos ligados à Secretaria de Estado da Saúde.

Plano de contenção

O infectologista e professor da FM-USP Esper Kallás tem auxiliado a Secretaria de Estado da Saúde, desde meados de janeiro, a elaborar a estratégia de atendimento de pacientes eventualmente infectados pelo SARS-CoV-2. O Instituto de Infectologia Emilio Ribas e o Hospital das Clínicas da USP foram escolhidos como instituições de referência para atender os casos graves no Estado.

“O HC segue um protocolo para contenção de catástrofe chamado HICS [sistema de comando de incidentes hospitalares, na sigla em inglês], que já foi acionado no atendimento a vítimas do massacre escolar em Suzano [ataque que deixou dez mortos em 2019] e durante a epidemia de febre amarela de 2018. Agora, sabendo que possivelmente há uma epidemia de coronavírus a caminho, já estabelecemos todos os fluxos de atendimento”, contou.

Ainda segundo Kallás, foi criado um grupo de trabalho para discutir protocolos de estudos clínicos que serão feitos com os pacientes diagnosticados e atendidos na rede pública estadual.

“Esse planejamento estratégico e a rápida publicação do genoma viral são indicadores da capacidade que o Estado de São Paulo tem de responder com ciência de alta qualidade e de contribuir para o entendimento das ameaças à saúde da população”, afirmou.

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.


Ascânio Seleme: Um país que precisa de memória

No Brasil, parcela importante da população não consegue enxergar os males que um regime totalitário, intransigente e macabro gera nas pessoas

Não basta ter ódio e nojo da ditadura, como expressou Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição, em 1988. É preciso ter presente na memória coletiva os males que um regime totalitário, intransigente e macabro gera nas pessoas, nas famílias, nas coletividades, nos bairros, nas cidades e nas nações. É preciso que os mais jovens, os que não viveram sob a ditadura, tenham por ela o mesmo ódio e o mesmo nojo. É preciso que a memória seja viva e tangível. Que se possa tocar nas feridas para saber como elas doem.

No Brasil, parcela importante da população não consegue enxergar o passado porque é pequena a exposição de quem foram e o que fizeram os facínoras que, em nome dos ditadores, perseguiam, prendiam ilegalmente, sequestravam, torturavam, matavam e faziam desaparecer pessoas. Sem isso na cabeça, manifestantes pró-Bolsonaro vão para as ruas e pedem a volta da ditadura. Como farão no próximo dia 15. Desprezam os Poderes Legislativo e Judiciário e acreditam que a mão armada de fuzil e porrete é capaz de colocar ordem na casa.

A História prova o contrário. Além das barbaridades que cometem, e no Brasil não foi diferente, regimes autoritários erram muito mais justamente por não admitirem o contraditório, não se abrirem para o pluralismo de ideias e inovações que verdadeiramente mudam as coisas para melhor. Fora alguns bons livros e documentos históricos importantes como o “Brasil: Nunca Mais”, organizado por Dom Paulo Evaristo Arns, pouco resta para escancarar para as pessoas o que foi a ditadura brasileira.

O Memorial da Resistência de São Paulo, inaugurado em janeiro de 2009, é o único museu brasileiro que mostra como se operava a violência do Estado contra seus cidadãos. Ele está instalado numa parte do prédio em que funcionou o antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), principal centro de tortura do estado, e que hoje também abriga a Pinacoteca. Situado no Parque da Luz, em pleno coração de São Paulo, o temido e famigerado Dops operou barbaridades desde a instalação da ditadura brasileira, em abril de 1964, até a sua extinção, em março de 1983.

Em 2015, a Argentina abriu um museu para expor de maneira organizada e de modo permanente como foi brutal e sanguinária a sua ditadura militar. O Museu Sítio de Memória foi montado no Casino de Oficiales de la Escuela de Mecánica de la Armada (Esma), mesmo local onde funcionou por anos o maior centro clandestino de detenção, tortura e extermínio de inimigos políticos do regime. Naquele conjunto militar plantado dentro de Buenos Aires, a 20 minutos de Palermo, mais de 5 mil argentinos foram brutalizados. A maioria morreu ou desapareceu.

Esses museus são mobilizadores e deveriam ser abertos em todas as cidades, em todos os quartéis e delegacias onde cidadãos foram detidos ilegalmente pelo aparelho do Estado, torturados e assassinados. Apalpar a História, tê-la sempre próxima, este é o melhor caminho para não se esquecer das atrocidades que nossos irmãos mais velhos sofreram enquanto a Justiça e o Legislativo permaneciam amordaçados ou fechados. Se você conhecer alguém que está pensando em vestir a camisa da seleção e ir a Copacabana no dia 15, tente fazê-lo antes imaginar como estarão seus filhos e seus netos no futuro se de fato sua mobilização conseguir fechar os parlamentos e os tribunais brasileiros.

Entre sem bater
No Palácio de Bolsonaro, apenas o general Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, não bate na porta do presidente antes de entrar. Outro oficial tem trânsito livre e acesso permanente ao terceiro andar. É o general Ramos, chefe da Casa Civil, mas esse precisa ser anunciado. O primeiro mandou um “foda-se” ao Congresso por mexer no Orçamento da União. O segundo negocia com parlamentares as emendas que atendem demandas das suas bases eleitorais. Faz todo sentido.

Faltou dizer
Os que vão se manifestar no dia 15 contra o Legislativo dizem que Câmara e Senado gastam muito e que os parlamentares têm assessores demais. Esta razão é vazia. Primeiro, porque mesmo que custe caro, o Legislativo é fundamental para a vida democrática. Depois, os assessores parlamentares teoricamente têm que trabalhar, produzir ideias e projetos para os seus chefes. E é o que a maioria de fato faz. Vai ver como operam os técnicos do gabinete do senador José Serra (PSDB-SP). Os que não fazem isso são os “aspones” de deputados e senadores do baixo clero. Aqueles que se prestam a esquemas de rachadinha porque não trabalham mesmo. A família do presidente conhece muito bem esse esquema.

De quem é a culpa?
Dez em cada dez brasileiros que defendem o fechamento do Congresso dizem que é hora “de acabar com a roubalheira dos políticos profissionais”. Resultado da desilusão causada pelos governos petistas. A esperança que um dia a nação depositou em Lula e sua turma deu sinais de fogo com o mensalão e virou fumaça com a Lava-Jato. E, até hoje, nenhum sinal de arrependimento, nenhuma autocrítica.

Ministro sem comando
Ao dizer que o dólar pularia para R$ 7 se deixasse o governo, o ministro Paulo Guedes revelou o que todos já sabiam, ele não confia em Bolsonaro. Numa democracia com o governo no controle da situação, o lastro é o presidente, não o seu ministro da Fazenda. Mas Guedes sabe que o Tumultuador da República só faz isso mesmo, atrapalhar e tumultuar o ambiente político e econômico. Mas a frase do ministro acabou revelando também que nem ele tem o comando da economia. Se tivesse, sua ausência seria bem assimilada pelo mercado, já que os fundamentos estariam sob controle.

Cheiro de Couro
Márcia, filha do ex-presidente Juscelino Kubitscheck, lembrava sempre do cheiro gostoso que sentia quando entrava na biblioteca do Palácio do Planalto.

Tinha um aroma que emanava das capas de couro que revestiam os livros e que seduzia o olfato da menina.

Márcia, que foi deputada e vice-governadora do Distrito Federal, morreu no ano 2000. Não viu, portanto, o desmonte da biblioteca que vai abrigar um gabinete para a primeira-dama Michelle Bolsonaro.

A maldição do Cocar
Diante da polêmica do uso de fantasias de índio no carnaval, o ex-ministro do Planejamento do governo Itamar Franco, Alexis Stepanenko, escreveu para esta coluna.

Contou que foi do ex-presidente José Sarney que ouviu pela primeira vez a história da maldição do cocar.

Supersticioso como poucos, Sarney explicou a Stepanenko por que o cocar poderia trazer azar a quem o usasse.

“Ministro, o senhor já imaginou a dor dos pássaros ao arrancarem suas penas? Esta dor se transforma numa danação a quem colocar o cocar na cabeça, ainda mais se for branco”.

Jacaré no Paranoá
Por se tratar de José Sarney, um bom contador de casos, Stepanenko aproveitou e emendou com mais uma do velho maranhense.

Sarney um dia descobriu que o senador Jarbas Passarinho, morador do mesmo prédio funcional em Brasília, mantinha um jacaré empalhado em seu apartamento.

“Bicho empalhado dá azar”, explicou Sarney. “Por isso tanto baixo astral no prédio”, acrescentou sem entrar em detalhes.

Daí ele bolou um plano. Com a ajuda de outros dois senadores roubou o jacaré de Jarbas Passarinho numa hora em que o colega estava fora do apartamento, e jogou o animal empalhado no Lago Paranoá.

Sarney jura que a paz voltou ao prédio. Dois dias depois, os jornais de Brasília informaram que moradores em pânico viram jacarés nadando no Lago.


Merval Pereira: Sucessão de equívocos

O que não tem a ver como presidencialismo é a democracia direta, baseada em plebiscitos ou referendos e em convocações

Toda essa desavença entre Executivo e Legislativo pelo orçamento da União surgiu de um raciocínio equivocado do ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Não me refiro ao palavrão que gerou a convocação da manifestação do “fod*-se”, mas à idéia de que se o Congresso quer mudar as regras do presidencialismo, que aprove o parlamentarismo.

A separação dos poderes, criada na Constituição americana em 1789, é característica do presidencialismo. Existia na teoria, principalmente pela famosa obra de Montesquieu “O espírito das leis”, e de forma incipiente na Inglaterra.

A primeira república constitucional do mundo moderno é considerada a dos Estados Unidos, com a base de que quem dá os rumos é o Congresso. No presidencialismo, um deputado, um senador, não tem chefe, muito menos poderia ser subordinado ao chefe de outro Poder, o Executivo. Por isso, para que um parlamentar americano seja ministro, precisa renunciar ao seu mandato, e não apenas licenciar-se, como acontece no Brasil.

O que não tem a ver com o presidencialismo é a democracia direta, baseada em plebiscitos ou referendos, e em convocações de manifestações para pressionar o Legislativo ou o Judiciário. Essa é a maneira usada pelos bolivarianos que tanto Bolsonaro combate.

A disputa entre Executivo e Legislativo em torno do Orçamento tem origem nas colônias americanas da Inglaterra, que se rebelaram por quererem ter representantes presenciais no Parlamento em Londres, em vez de uma representação apenas virtual como queriam os ingleses. A frase “No taxation without representation” (Nenhuma taxação sem representação) tornou-se o símbolo de um movimento de autonomia das 13 colônias americanas que culminou, anos depois, em 1776 na fundação dos Estados Unidos.

No Brasil, o orçamento sempre foi uma peça de ficção dominada pelo Executivo, tanto que ele era considerado “autorizativo”, isto é, o Executivo poderia liberar as verbas que quisesse. Há quem considere que a aprovação do orçamento impositivo no que se refere às emendas dos deputados e senadores e das bancadas, como existe hoje, pode trazer um benefício: acabar o “é dando que se recebe” com relação às emendas parlamentares, provocando uma redefinição de forças no Congresso porque parlamentares deixariam de se alinhar automaticamente com o governo só para liberar suas emendas.

Este é o estranhamento do governo Bolsonaro, que pretende representar a “nova política”, mas se espanta quando o Congresso ganha autonomia de gastos. Um efeito colateral da demonização que Bolsonaro faz da política partidária. Os parlamentares assumiram o controle do Orçamento querendo ser independentes do Executivo.

Se o governo tivesse uma base parlamentar sólida, não haveria problema, pois essa maioria controlaria o Orçamento de acordo com um programa de governo estabelecido em consonância com o presidente eleito.

Como estamos em ano eleitoral, essa disputa pelas verbas públicas se acirrou. Ontem, a Secretaria de Governo anunciou que somente liberará até março 30% das emendas impositivas, o que parece a deputados e senadores uma retaliação à posição majoritária de derrubar os vetos do presidente Bolsonaro, alargando o controle do Orçamento pelo Legislativo.

Como o prazo máximo de liberação de verbas para obras antes das eleições municipais é julho, e o governo pode liberar as emendas até dezembro, temem os políticos que elas ficarão retidas pelo Executivo, sem poder serem usadas a tempo de impactar as eleições.

Se o veto for derrubado na semana que vem, R$ 30,1 bilhões em emendas serão liberados pelos próprios parlamentares neste ano. O problema não é o volume de dinheiro à disposição do Congresso. Nos Estados Unidos, o orçamento é totalmente impositivo e controlado pelo Congresso, que pode alterar integralmente a proposta do Executivo.

É claro que não acontece a toda hora, mesmo quando o presidente eleito não tem a maioria na Câmara, como é o caso hoje de Trump. Mas a Câmara tem poder para negar verba extra ao presidente, e nesse caso paralisa os serviços públicos federais.

A alternativa que a Câmara e o Senado no Brasil encontraram para sobreviver à campanha de demonização da negociação política, depois dos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato, foi assumir o controle das reformas estruturais de que o país precisa, e, ao mesmo tempo, controlar o Orçamento para ter condições de atender às necessidades de eleitores em seus Estados e municípios.

O que vai ficar agora sob o escrutínio da opinião pública é o que farão com essa dinheirama.