Day: janeiro 31, 2020

Bernardo Mello Franco: Rodízio na frigideira

Prestes a voltar das férias, Onyx foi lançado na frigideira. O caso mostra que os aliados de Bolsonaro podem cair em desgraça da noite para o dia. Só os filhos dele estão a salvo

O governo Bolsonaro inventou o rodízio de fritura política. Na semana passada, o presidente chamuscou o ministro da Justiça, Sergio Moro. Agora é a vez do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

O ministro foi torrado nos últimos dias de férias. Pelo Twitter, Bolsonaro comunicou a demissão de seus dois auxiliares mais próximos. Além disso, transferiu o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) para o Ministério da Economia.

Onyx frequenta a frigideira desde o sexto mês de governo, quando o presidente entregou a articulação política ao ministro Luiz Eduardo Ramos. Deputado de cinco mandatos, perdeu o posto de negociador para um general recém-chegado a Brasília.

As mudanças de ontem esvaziam de vez a Casa Civil, que já foi a pasta mais poderosa da Esplanada. “É a pá de cal”, resume um dirigente do DEM. Ele explica que o poder de um ministro da área política se mede pela influência sobre o Orçamento e sobre as nomeações federais. “O Onyx ficou sem as duas canetas”, sentencia.

A nova fritura foi detonada pelo caso de Vicente Santini, que usou um avião da FAB para ir à Índia. Na terça-feira, Bolsonaro disse que a atitude era “completamente imoral” e demitiu o aliado de Onyx. Na quarta, cedeu a um pedido dos filhos e decidiu recontratá-lo como assessor especial. Ontem Santini levou outro cartão vermelho, o segundo em 48 horas.

O episódio mostra como o presidente é sensível aos humores das redes sociais. Ao notar a decepção dos apoiadores, ele recuou do próprio recuo. A conta sobrou para Onyx. Agora ele terá que escolher entre duas opções incômodas: engolir a humilhação no palácio ou reassumir o mandato de deputado.

O ministro comprou as ações do capitão na baixa. Foi um dos primeiros políticos a estimular sua candidatura ao Planalto. Como recompensa, ascendeu do baixo clero da Câmara à chefia da Casa Civil.

Sua fritura reforça uma lição que já foi aprendida por outros bolsonaristas. Neste governo, quem não pertence ao clã presidencial pode cair em desgraça da noite para o dia. Até durante as férias.


Merval Pereira: Governar com o estômago

Gabinete Civil da Presidência da República sempre teve papel de destaque nos diversos governos brasileiros

A confusão provocada pela demissão de um assessor do Gabinete Civil da Presidência da República que utilizou um avião da FAB inteirinho só para viajar de Davos, na Suíça, para a Índia, revelou a um só tempo a gestão deficiente do governo e a interferência não profissional dos filhos do presidente Bolsonaro em assuntos do governo.

O Gabinete Civil da Presidência da República sempre teve papel de destaque nos diversos governos brasileiros, inclusive durante a ditadura militar. Em vários casos teve um papel político fundamental; em outros, transformou-se em centro da gestão do governo.

Na maioria deles, porém, apesar de críticas que possam merecer, os ocupantes foram personalidades de destaque, políticos de renome, executivos de qualidade. Isso só não aconteceu em alguns momentos, ou no governo Collor, que colocou no lugar um diplomata seu cunhado, e agora com Bolsonaro, que tem, por enquanto, Onyx Lorenzoni.

Getúlio Vargas teve Lourival Fontes, o homem que na ditadura do Estado Novo havia criado o temível Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Juscelino teve intelectuais como Álvaro Lins, Victor Nunes Leal; João Goulart levou para o Gabinete Civil gente do nível de Hermes Lima, Evandro Lins e Silva e Darcy Ribeiro.

No regime militar, Castello Branco teve o político e escritor baiano Luís Viana Filho; Médici, o jurista Leitão de Abreu, Geisel teve Golbery do Couto e Silva, Figueiredo reconvocou Leitão de Abreu para substituir Golbery, que saiu no início do governo.

Na redemocratização, Sarney teve José Hugo Castelo Branco, Marco Maciel, que viria a ser vice de Fernando Henrique, e o historiador Ronaldo Costa Couto. Itamar teve Henrique Hargreaves. Fernando Henrique teve Clóvis Carvalho e Pedro Parente.

Lula teve José Dirceu. Dilma teve Antonio Palocci, e tentou colocar Lula no posto-chave do governo, para resistir ao impeachment que se avizinhava. Temer teve Eliseu Padilha. A escolha de Onyx Lorenzoni já foi uma indicação de que a meritocracia no governo Bolsonaro na grande parte das vezes não tem nada a ver com as qualidades para exercer um cargo, mas com a recompensa pela lealdade demonstrada.

Estão aí, entre outros, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que também usou um avião da FAB indevidamente, o da Educação, Abraham Weintraub, que comete erros em cima de erros e fica tudo como está, ou o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, cujo laranjal continua intocado, e ainda ganhou de sobra a Secretaria de Cultura.

O deputado Onyx Lorenzoni, do DEM, nunca foi destacado na atuação do Congresso, e ganhou uma notoriedade além de sua capacidade política com a nomeação para o Gabinete Civil. Logo a realidade se impôs, e ele foi perdendo as funções, primeiro a de coordenar as relações do Palácio do Planalto com o Congresso, tarefa que passou para a Secretaria de Governo. A Secretaria- Geral passou a ter a coordenação dos ministérios.

Para compensar Onyx, dos primeiros políticos a apoiá-lo, Bolsonaro colocou em sua pasta a coordenação do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), que ontem foi retirada, indo para onde sempre deveria ter estado, o Ministério da Economia. Paulo Guedes passa a ter o controle completo das privatizações, o que deve dar mais organização ao setor.

O assessor Vicente Santini acabou demitido abruptamente, mesmo sabendo-se que vários outros ministros usaram o mesmo artifício indevidamente. Santini, no entanto, é amigo dos filhos de Bolsonaro, que o convenceram a recolocá-lo em outro cargo no governo.

A nomeação chegou a ser publicada no Diário Oficial, e foi desfeita poucas horas depois, quando Bolsonaro foi convencido pela repercussão negativa, e pela ação dos ministros Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, que o aconselharam a voltar atrás.

O presidente tem o defeito de decidir mais com o estômago do que com a cabeça, o que faz com que se sobressaiam seus recuos, que, em vez de serem uma qualidade, são consequências de decisões equivocadas.


César Felício: A pedra angular

Aliança pelo Brasil ganha ares confessionais

Na concepção de poder bolsonarista, existem pilares de sustentação, que o alicerçam no liberalismo econômico exacerbado, com Paulo Guedes; e no jacobinismo das classes médias, com Sergio Moro. E há a pedra angular, aquela que se destaca no centro dos arcos de construções antigas, mantendo toda a estrutura de pé e com capacidade para suportar os pesos laterais.

Trata-se aqui, evidentemente, do ativismo evangélico no exercício da política. Tal como se descreve no versículo 22 do salmo 118, a pedra que os construtores do passado rejeitaram tornou-se a pedra angular. São os evangélicos imbuídos do propósito de construir um projeto de poder que fazem o elo entre Bolsonaro e a parcela mais pobre do eleitorado.

Há muitos ministros evangélicos neste governo, mas uma única pessoa está lá exclusivamente por este motivo. Muito subestimada ao longo de 2019, é a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos Damares Alves que estrutura o bolsonarismo nesta faixa de público.

A pauta de Damares não é a da arena pública, não são estratégias globais de saúde, educação, crescimento sustentável, distribuição de renda, longe disso. Sua agenda se conecta com assuntos de ordem moral, que estão da porta para dentro dos lares, não fora. A recente polêmica sobre a abstinência sexual é um exemplo. Ou não está no rol de preocupação de toda mãe a sexualização precoce e a gravidez ainda na adolescência?

Além de estabelecer estas faixas de sintonia, a ministra também parece disposta a fazer política. Em entrevista à jornalista Rachel Sheherazade, do SBT, Damares falou que um de seus propósitos é colocar mais mulheres na vida pública. Ela se queixou de que há 1,3 mil cidades no Brasil sem sequer uma vereadora. Prometeu uma “revolução” na ocupação de espaço político e incentivar a eleição de pelo menos uma mulher por municípios. Como fará isso, não disse.

A capilaridade que Damares busca não é banal. A ministra estrutura o programa “salve uma mulher”, para treinar pessoas a dar apoio a mulheres vítimas de violência. Não se limitará a servidores públicas. Ela quer envolver no projeto manicures, depiladoras, instrutoras de academias de ginástica. Uma multidão avaliada por ela em 4 milhões de pessoas.

Não lhe falta portanto ambição, como indica o próprio fato de ter feito treinamento de mídia e consultoria de imagem pouco depois de assumir o cargo. A ministra chegou onde chegou porque evangélicos mais bem posicionados para este patamar se inviabilizaram, como foi o caso do ex-senador Magno Malta, de quem foi assessora parlamentar. Ela pode continuar a auferir ganhos com as debilidades de potenciais concorrentes internos. Seu nome parece mais leve que o de Marcos Feliciano, por exemplo. E é bom lembrar que em 2018 a opção que Bolsonaro mais buscou para compor a chapa presidencial era um nome evangélico.

Partido confessional
O Aliança pelo Brasil, assim que se converter na nova estrela do firmamento partidário brasileiro, poderá ocupar um posto sem precedentes: arrisca a ser o primeiro partido confessional da história do país. Não há registro de um pastor pedir a fiéis que assinem apoio a um partido, acompanhado por funcionários de cartório, como fez o pastor Emerson Patriota, da Igreja Presbiteriano de Londrina, em vídeo divulgado esta semana pelas redes sociais.

Nem todos os evangélicos aplaudiram. Em nota, a Igreja Presbiteriana do Brasil se proclamou apartidária. Também pastor presbiteriano, em Florianópolis, o reverendo André Mello comentou ser difícil distinguir quem perde mais, se a Igreja ou o Estado, quando as duas esferas se misturam.

“Estão tentando fazer um partido religioso. Um partido que não será de uma religião específica, mas que terá um líder claro, que está no poder. Será que não percebem dentro das igrejas o risco que estão correndo? Será que ninguém está vendo?”, indaga Mello. O risco que se corre, por óbvio, é o dos templos se tornarem correias de transmissão de uma estrutura política. E das denominações, muitas das quais dominadas por clãs familiares, perderem o comando sobre sua base.

“A Igreja no Brasil tem credibilidade por ser vista pela população como autônoma em relação ao governo. Quando se abraça um projeto de poder, a linha divisória desaparece e o risco que surge é maior para a Igreja do que para o Estado”, comenta.

Mello não é neutro nessa história. Ele pertence ao Livres, um dos movimentos que tentam se inserir na política fora do ambiente partidário. No caso do Livres, com um recorte liberal na economia. O importante é que ele convida a observar o fenômeno de uma perspectiva pouco visitada até o momento: muitos procuram mostrar como Bolsonaro aderiu à agenda evangélica, mas nem tantos lançam o olhar para a trajetória inversa, a de como o bolsonarismo está dominando os templos.

O que a torna equação mais preocupante é que há outro evento em curso, o da expansão exponencial do protestantismo. As igrejas evangélicas espalham-se neste século pela América Latina como um todo e pelo Brasil em particular por motivos estruturais, que antecederam o advento das redes sociais e que ganharam tração depois delas.

“Para entender a força do crescimento evangélico é preciso entender que essa é uma religião de migrantes. De gente que saiu em sua maioria de um mundo desfeito, o da tradição rural, o dos pequenos municípios, o que está completamente fora do cosmopolitismo, das bandeiras universais. Os evangélicos crescem aí, na tentativa de desenraizados se recomporem”, analisa o reverendo.

Durante a era petista, Lula entregou políticas de transferência de renda a quadros que, em sua origem remota, estavam no catolicismo de esquerda. Foi da herança deste vetor religioso que se construíram as ferramentas que consolidaram o lulismo nos grotões, da qual o programa Bolsa Família é o carro-chefe. Para desestruturar esta fortaleza, Bolsonaro concluiu que precisaria ter a Bíblia à mão.

*César Felício é editor de Política.


Fernando Abrucio: A luta entre desigualdade e moralismo

Se o arco que vai do centro à esquerda quer lutar contra os retrocessos atuais, terá de mostrar que o combate à desigualdade pode ser o alicerce de uma nova ética pública

O Brasil é um dos países mais complexos do mundo. A variedade de seus problemas torna muito difícil escolher um único caminho ideológico como remédio a todos os males. Só que a disputa política geralmente produz a contraposição de visões de mundo. No momento, predominam duas delas que resumem bem as soluções colocadas à mesa. De um lado, um grupo que vai da esquerda até parte do centro defende que a agenda básica deve ser o combate à desigualdade. De outro, um agrupamento que capta parte da centro-direita e chega até à extrema-direita propõe que a questão central deve ser a reordenação moral da sociedade e do Estado brasileiros.

Obviamente que nenhuma liderança política vai dizer que é a favor da corrupção ou defender que não haja políticas públicas para os mais pobres. Posições tão extremas não estão em questão. Mas o embate político pode ser sintetizado pela luta entre a visão centrada no combate à desigualdade versus uma concepção mais orientada por questões morais, tanto públicas como privadas.

Somada à luta contra o autoritarismo, a redemocratização teve como slogan o resgate da dívida social. O país havia tido uma enorme transformação econômica desde o varguismo, porém, mantivera uma enorme desigualdade. Para mudar essa realidade, a sociedade levou uma série de demandas represadas aos constituintes e as lideranças políticas criaram aquilo que Ulysses Guimarães acertadamente chamou de Constituição cidadã. Assim, um cardápio amplo de direitos foi criado, buscando aumentar o acesso aos serviços públicos, principalmente aos mais pobres.

Construiu-se um consenso social democrata, que vigorou por mais de 20 anos, capaz de produzir várias medidas contra a desigualdade. A maioria no campo social, mas também se constituiu um olhar econômico preocupado não só com o crescimento, mas também com a redistribuição. O Plano Real seguiu esta trilha, bem como as políticas de salário mínimo.

Políticas como Fundef/Fundeb, ações do SUS (sobretudo na atenção básica), o Bolsa Família, as cotas sociais nas universidades, entre outras, foram medidas muito bem-sucedidas. Os indicadores sociais melhoraram bastante quando comparados à realidade da ditadura. O combate à desigualdade, no entanto, ainda tem muitos problemas. A qualidade da escola pública deixa a desejar, os mais pobres têm enorme dificuldade de marcar exames na rede de saúde e a população da periferia ainda sofre com as más condições habitacionais, de locomoção, acesso à cultura e, o mais importante, segurança. Vale ressaltar que a violência é um dos retratos mais fortes da desigualdade no Brasil: são os jovens negros os que mais sofrem com essa situação.

A luta contra a desigualdade não se resumiu às políticas sociais. Foram ampliados os direitos civis em medidas como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e o Código de Defesa do Consumidor. Aumentou-se a igualdade também no campo dos direitos políticos, algo que começou ainda no governo Sarney com a permissão do voto ao analfabeto. Todas essas legislações, ademais, abriram as portas para que diversos grupos historicamente desfavorecidos buscassem seus direitos, incluindo aí demandas comos a da população indígena, das organizações LGBT e dos movimentos negro e feminista.

Mesmo com tais avanços, permaneceram regras e lógicas que garantiam privilégios a determinados grupos. Isso vale para o corporativismo do setor público, para benesses tributárias ou de crédito a empresas e, ainda, para forma como a população negra e pobre é tratada por parte do Estado brasileiro. De todo modo, a agenda da desigualdade foi predominante e teve bons resultados se levarmos em conta a profunda tradição escravocrata do país.

É inegável que a desigualdade ainda se constitui no maior problema do país quando analisamos os dados do IBGE e de outras pesquisas sobre as condições de vida dos brasileiros. Mas a partir de 2013, exatamente num ponto em que o Brasil tinha avanços de duas décadas em prol da igualdade, houve uma mudança na visão de boa parte da sociedade. O tema da moralidade ganhou terreno, com a ideia, primeiro, de que se deveria tornar o combate à corrupção o tema número um da agenda pública, e, num segundo momento, num questionamento sobre políticas sociais e a intervenção do Estado em assuntos privados, que devem ser resolvidos pelos indivíduos, suas famílias e suas associações religiosas.

O moralismo como guia da ação política não é algo novo na política brasileira. A UDN fez isso por quase duas décadas e sua ação teve como desaguadouro um golpe civil-militar. O PT das décadas de 1980 e 1990 também cresceu por ter se colocado como o paladino da ética e a eleição de Lula em 2002 estava tão ligado a esse discurso quanto ao combate à desigualdade. O jacobinismo que se desenvolveu nas últimas três décadas em parcelas do Ministério Público tem nítido DNA petista.

As sucessivas crises de corrupção durante o período do PT no poder foram um dos estopins das jornadas de junho de 2013. Decerto que as demandas eram mais amplas e difusas, mas o mote vencedor foi o da luta contra um sistema político que estaria carcomido e que precisava de uma reforma moral. Neste contexto, a Operação Lava-Jato tornou-se o espírito de uma época. Suas ações atingiram fortemente o petismo e outros políticos que a ele se aliaram. A prisão de importantes membros da elite brasileira e a revelação de alguns episódios de corrupção convenceram uma boa parte da população que estaria nesta visão de mundo a solução para os problemas brasileiros.

O lavajatismo ainda é o espírito de nossa época, todavia, outros elementos de moralidade foram colocados nesta agenda. Primeiro, a defesa de uma visão mais conservadora em relação aos costumes. Neste sentido, é interessante como o MBL, que fora criado para levar adiante a bandeira do liberalismo, abraçou muito rapidamente a censura a uma exposição num museu paulistano. Foram menos liberais do que pensavam ser, mas conseguiram maior apoio social porque havia uma onda conservadora crescente.

A defesa desses valores mais conservadores veio junto com o ataque a políticas públicas que, em tese, favoreceriam visões contrárias à moralidade do brasileiro, enfraquecendo as famílias. Dessa perspectiva vem a Escola sem Partido, a proposta de abstinência sexual como instrumento de combate à gravidez precoce, o ataque às agendas identitárias e a proposta de reduzir a separação entre Igreja - no caso, as evangélicas - e o Estado. Se o ministro Moro é o líder do lavajatismo, Damares é a representante mais orgânica da agenda moral no campo dos costumes.

O bolsonarismo soube se apropriar dessas duas vertentes da moralidade na eleição de 2018, embora esteja bem mais próximo do damarismo do que do morismo - até porque, muitos bolsonaristas participaram do patrimonialismo corrupto que dizem combater. Vários fatores explicam a vitória de Bolsonaro, mas com certeza no topo está a capacidade de abraçar e representar essa nova agenda moralizante, que em boa medida está guiando o governo contra o antigo predomínio da visão de combate à desigualdade.

Vale ressaltar outro ponto que o bolsonarismo acrescentou à essa nova agenda. Trata-se de uma defesa de uma ampla liberdade individual contra o “discurso vitimista” que, para os bolsonaristas, orientava a agenda de combate à desigualdade. Por esta lógica, Bolsonaro defende o uso amplo das armas, uma forte desregulamentação do trânsito, uma visão cultural contra o politicamente correto e o apoio às forças de segurança contra a bandidagem - voltamos aqui à Primeira República, quando a questão social era antes de tudo uma questão de polícia.

Bolsonaro acredita estar do lado do cidadão comum, que nas últimas décadas viu seu modelo tradicional de vida ser questionado. Neste sentido, seria preciso restituir a antiga moralidade, com a família, a religião e os papéis sociais de gênero bem definidos. É essa agenda, e não o liberalismo, o carro-chefe do governo.

A redução da relevância da agenda da desigualdade já está muito clara. O desastre da política educacional, o péssimo tratamento dos que buscaram seus direitos previdenciários ou o Bolsa Família nos últimos meses, o incentivo à visão de que talvez os mais pobres tenham de morrer para se combater a violência e mesmo o liberalismo de Guedes - que já disse não ter a desigualdade no centro de suas preocupações - são sinais evidentes da vitória da concepção moralista ao estilo Bolsonaro, por ora com o apoio silencioso do lavajatismo.

Tão ruim quanto o enfraquecimento das políticas de combate à desigualdade, o que piorará a vida da maioria da população brasileira, é a polarização entre o discurso pelo social e a proposta de moralização da vida pública brasileira. A republicanização do Estado é peça-chave para qualquer projeto de modernização, do mesmo modo que é preciso entender a lógica das famílias pobres da periferia que optaram em 2018 pelo conservadorismo. Por isso, se um amplo arco que vai do centro à esquerda quer mesmo lutar contra os retrocessos crescentes, ele terá de mostrar como o combate à desigualdade pode não só se casar, mas ser o alicerce de uma nova ética pública.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP


Vinicius Torres Freire: Governo Bolsonaro vive verão de fraturas e frituras de ministros

Um quarto da cúpula da gestão Bolsonaro foi frita neste verão de desesperança

Generais-ministros com salas próximas à de Jair Bolsonaro, amigos sem cargo do presidente e a filhocracia ajudam a preencher noticiário fraco do recesso político com frituras de ministros. A mumunha envolve quase um quarto do ministério.

Nem tudo é mera fofoca; a intriga não brota da cabeça dos jornalistas. Tem ministro e assessor graduado que telefona para espalhar o óleo quente. A gente não pode fingir que não ouviu ou não leu a mensagem.

Onyx Lorenzoni acaba de entrar nessa roda do infortúnio. Ministros que trabalham no Planalto querem que o chefe da Casa Civil volte oficialmente à sua irrelevância de costume na Câmara dos Deputados. Seu ministério já é uma casca vazia.

É apenas o caso mais recente de fritura, motivado pela demissão, readmissão e redemissão de um sub de Onyx, aquele que brincava no play dos Bolsonarinhos e viajou de aviãozinho para a Índia.

Note-se de passagem que é mais um “aliado de primeira hora” de Bolsonaro que vai ficando por último na apreciação presidencial (vide o caso dos escorraçados Magno Malta, Santos Cruz e Gustavo Bebianno).

A cadeira de Gustavo Canuto (Desenvolvimento Regional) é disputada desde fins do ano passado. Tentam passar-lhe a rasteira antes da volta dos trabalhos no Congresso. Aliados parlamentares de Bolsonaro acham que o cargo tem de ser “político” (deles).

Abraham Weintraub, aboletado no Ministério da Educação, não cai por birra de Bolsonaro e pela resistência da seita do orvalho de cavalo. Está desmoralizado a ponto de ser escarnecido com desprezo, em público, por dois dias seguidos, por Rodrigo Maia, presidente da Câmara e premiê informal da República das Reformas do Brasil.

“Desastre”, caso “grave”, “atrapalha o futuro” do Brasil e de milhões de crianças, disse Maia sobre o ministro, com razão.

Autoridades não têm mais pudor de chutar cachorro vivo. Não há mais pudor em geral, muito por inspiração da Nova República da Boca Suja.

Embora a palavra “desmoralizado” tenha sido desmoralizada no Brasil desta nova era desavergonhada, bárbara e cafajeste, o inepto Weintraub estaria na rua se fosse pelo gosto de ministros-generais. Mas a seita e seus sacerdotes da filhocracia querem controlar o processo. Se Weintraub cair, querem outro perturbado para chamar de seu.

Ricardo Salles, ministro do Mau Ambiente, deve ser tutelado pelo ainda misterioso Conselho da Amazônia, a ser presidido pelo vice-general Hamilton Mourão. Além de a equipe econômica passar carão ambiental lá fora, até para o dinheiro grosso do mundo o Brasil estava ficando grosso demais com essa história de rapar a floresta e trucidar indígenas.

Como também se recorda, amigos e filhos de Bolsonaro tentaram fritar Sérgio Moro e, ao menos, arrancar-lhe a Polícia Federal. Bolsonaro caiu na conversa e criou uma crise do nada com seu ministro da Justiça. A primeira família saiu queimada, pois a falange lavajatista dos apoiadores do presidente fez a ameaça velada, embora ainda remota, de virar concorrente ou oposição.

Por fim, por ora, lembre-se que caiu também aquela criatura da Cultura, que saiu do armário fantasiada de nazista. A sucessão de vexames fez até a gente esquecer do ministro do Turismo, aquele enrolado no laranjal da campanha do ex-partido bolsonarista, o PSL, mais um largado pelo presidente.

Tem gente graduada em ministérios “econômicos” e do Planalto que acha o governo disfuncional além da conta. Parte do ruído vem daí.


Hélio Schwartsman: Ilusão de controle

Brexit alimenta a narrativa de que britânicos decidirão seu futuro sem a interferência de estrangeiros

Às 23h desta sexta-feira (31/1), o Reino Unido se separa oficialmente da União Europeia (UE), pondo fim a uma novela que se estendeu por mais de três anos.

No plano econômico, o divórcio é um tiro no pé. Os britânicos estão abrindo mão de acesso privilegiado a um mercado de mais de 500 milhões de pessoas e criando “ex nihilo” sérias dificuldades para suas empresas. A aventura custará ao Reino Unido entre dois e oito pontos do PIB até 2034, segundo estimativa do próprio governo.

Se é tão ruim assim, por que os britânicos decidiram sair? Europeístas até podiam afirmar que os eleitores foram enganados no plebiscito de 2016, no qual a campanha pelo brexit abusou das fake news. Mas não vejo como insistir neste argumento após a vitória de Boris Johnson em dezembro. O brexit foi o tema dominante na eleição, que teve lugar após anos de debates. A matéria estava madura para ir a voto.

Minha hipótese para explicar o fenômeno é o desejo de controle. Seres humanos somos obcecados por nos sentir no controle. Há um experimento bem maluco da psicologia em que voluntários são colocados diante de luzes que piscam num padrão aleatório e instruídos a apertar um botão, que não faz rigorosamente nada —embora as cobaias não saibam disso. Em pouco tempo, a maioria jura que controla as luzes.

Esse viés, creio, alimenta a narrativa de que, com o brexit, os britânicos decidirão seu futuro sem a interferência de estrangeiros e voltarão a ter domínio sobre suas fronteiras. É pura ilusão, porque o eleitor só tem controle de fato sobre o seu próprio voto, cujo peso é irrisório em qualquer pleito maior que o para síndico de prédio. Sob essa perspectiva, não faz tanta diferença se as políticas são definidas em Londres ou em Bruxelas.

Curiosamente, essa ilusão de controle é um dos elementos de legitimação da democracia, ao criar a sensação de que cada voto conta.


Bruno Boghossian: Disputas de poder criam turbulência para o governo no Congresso

Atritos no Planalto e no MEC irritam parlamentares e podem dificultar vida de Bolsonaro

Não é pouca coisa o fato de que a crítica mais cortante ao caos no Ministério da Educação tenha partido do presidente da Câmara. Nem que o presidente do Senado tenha feito circular uma ameaça de retaliação ao governo diante do desmanche da Casa Civil. O Planalto já não tem apoio firme no Congresso, mas a situação sempre pode piorar.

Jair Bolsonaro assiste a disputas de poder em postos-chave de sua gestão, envolvendo diretamente os interesses de caciques políticos que podem facilitar ou dificultar sua vida. O presidente amplia o risco de turbulências a poucos dias do retorno das atividades parlamentares.

Dirigentes de siglas alinhadas à agenda do governo ficaram atônitos com a humilhação pública a que Bolsonaro submeteu Onyx Lorenzoni nos últimos dias. A decisão de esvaziar ainda mais a já debilitada estrutura da Casa Civil reacendeu insatisfações com o trabalho desastrado de articulação política do Planalto.

A fritura do ministro foi atribuída a um consórcio de diversos integrantes do primeiro escalão —entre eles o general Luiz Ramos, chefe da Secretaria de Governo. Onyx nunca foi unanimidade entre os líderes do Congresso, mas o militar também acumula desafetos. Sua relação é especialmente ruidosa com Davi Alcolumbre, presidente do Senado.

Em dezembro, Ramos descreveu o Planalto como "um serpentário". "Quanto mais próximo do presidente, mais você é alvo. Assim, se você me atinge, atinge o presidente", disse. Sua analogia será testada agora.

O governo também produziu atritos quando o ministro da Educação demitiu, sem aviso prévio, um aliado de Rodrigo Maia do FNDE —órgão com orçamento de R$ 55 bilhões. O presidente da Câmara aproveitou as barbeiragens do Enem e disse que Abraham Weintraub é "um desastre".

Perturbações como essas certamente não ajudam a agenda que Bolsonaro gostaria de aprovar na Câmara e no Senado. Aos poucos, o Planalto perde o controle da reforma tributária e vê suas medidas de aperto fiscal andarem com lentidão.


Míriam Leitão: O vírus ameaça as cadeias globais

Na economia, o temor do coronavírus é de uma paralisação prolongada na China que afete as cadeias globais de produção

O mundo ficou muito mais conectado, a produção, mais distribuída pelos países, e as economias são mais dependente da China desde que uma epidemia — a Sars, em 2003 — provocou uma redução de 2% do PIB chinês. Hoje, a China é o grande fornecedor e também o grande comprador mundial. Se a paralisação das atividades se prolongar, o prejuízo será enorme e o impacto, muito maior. É o que dizem os especialistas da área de comércio.

Com o anúncio de que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou emergência global para o novo coronavírus, e a informação de que houve transmissão entre humanos nos Estados Unidos, os mercados tiveram outro dia de volatilidade. O dólar no Brasil bateu R$ 4,27 e depois fechou em R$ 4,25. Esses movimentos de preços de ativos podem se reverter facilmente. No fim do dia, as bolsas do Brasil e dos EUA fecharam no equilíbrio, mas o Ibovespa chegou a cair mais de 2%. É que se considerou que a OMS não recomendou restrições duras como se temia. Mas o fato é que o mundo está diante de uma enorme incerteza e por isso continuará havendo dias de quedas e de altas súbitas em vários ativos. Há neste momento a consciência de que ainda não se sabe como conter o vírus e que o único remédio para mitigar seus efeitos é parar a economia mais dinâmica do planeta.

Um dos temores é a rapidez com que o vírus está se espalhando no mundo. “O número de casos reportados cresceu de 282 em 20 de janeiro para perto de 7.800 apenas nove dias depois. Neste mesmo tempo os quatro casos reportados fora da China continental multiplicou-se para 105”, registra a revista “The Economist”. Outro temor é que não se sabe como a doença se espalha e como contamina.

O empresário Paulo Castelo Branco, da Associação dos Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais, acha que só na semana que vem será possível calcular o tamanho do impacto econômico da crise. Como eclodiu no feriado do Ano Novo Lunar, que terminaria na segunda-feira, os compradores e fornecedores da China já estavam preparados para a suspensão dos negócios nesse período.

— Na segunda-feira encerraria as duas semanas que são a única data em que a China para de trabalhar. Mas a gente já percebe, tendo contato com empresas que importam de lá, que as entregas podem ser adiadas, já que o governo prorrogou por mais dez dias a paralisação. Como a China fornece para o mundo inteiro, haverá impacto na produção mundial. As empresas daqui estão tentando entender quais serão esses efeitos e em que intensidade — disse Castelo Branco.

Empresas que importam máquinas da Europa também sentem dificuldade, porque o que está parando é a cadeia de produção. Mesmo sendo proveniente da Europa, uma máquina pode ter inúmeros componentes chineses. O ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral diz que o mundo está tentando comparar com outros casos de epidemia global para prever o efeito econômico do vírus.

— Boa parte da aposta do mercado hoje é se vai ser um modelo mais parecido com o do Sars. Ou seja, de até 2% de queda no crescimento da economia chinesa, um impacto que vai diminuindo quanto menor for o grau de dependência que os países têm da China.

O cenário de uma paralisação prolongada é assustador pelos efeitos sequenciais sobre as cadeias de produção do mundo. Segundo Castelo Branco, são muitos os setores que importam da China, ou de outros países que dependem de fornecimento chinês. Só para citar um exemplo, a Volkswagen importa da Alemanha que por sua vez importa da China. Da indústria da construção civil ao setor de agricultura, da automobilística à indústria aeronáutica, todos compram dos chineses. A importação brasileira de produtos chineses chega a US$ 35 bilhões por ano, ou 20% de tudo que o país compra do exterior. A paralisia da China afeta o Brasil.

Já na exportação, há matérias-primas, como minério de ferro, que dependem do que a indústria chinesa esteja processando. Mas há demandas que são mais inelásticas, como os alimentos.

O mundo está no escuro diante dessa epidemia que ontem virou oficialmente uma emergência global. A corrida é para proteger a vida humana e evitar uma pandemia. Para isso, a economia será atingida. Pelo fato de ter se tornado mais globalizada, a economia depende mais hoje dos fluxos que estão interrompidos e das conexões que estão suspensas. O tamanho da crise será proporcional à paralisação.


Luiz Carlos Azedo: Ninguém pede para sair

“Fala-se em Onix ir para a Educação e Weintraub, para a Casa Civil. As duas pastas são territórios povoados por gente ligada aos filhos de Bolsonaro e ao guru Olavo de Carvalho”

Em outros governos, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o mais desprestigiado no Palácio do Planalto, já teria pego o boné e ido embora; e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, o mais criticado por causa das trapalhadas na pasta, já teria sido exonerado. Mas, no governo Bolsonaro, ninguém é demitido por pressão externa, as críticas parecem ser uma espécie de salvo-conduto para permanecer na Esplanada. Tem até ministro que briga com a imprensa e o Congresso para agradar ao presidente da República e se segurar no cargo. Ninguém pede para sair.

Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), às vésperas da retomada dos trabalhos legislativos, fez duras críticas ao ministro da Educação, cuja gestão classificou como um desastre. “O ministro da Educação atrapalha o Brasil, atrapalha o futuro das nossas crianças, está comprometendo o futuro de muitas gerações. Cada ano que se perde com a ineficiência, com um discurso ideológico de péssima qualidade na administração, acaba prejudicando os anos seguintes. Mas quem demite e quem nomeia ministro é o presidente”, afirmou Maia, que participou de um seminário sobre desenvolvimento em São Paulo.

Weintraub é um casca-grossa da turma do confronto do governo, Bolsonaro gosta do estilo e prestigia seu ministro, mas os fatos são teimosos. Os erros administrativos se repetem, o desgaste do governo na Educação aumenta. O ministro tem a seu favor a implantação das escolas militares, mas isso é muito pouco diante dos desafios da educação no país. Entretanto, a narrativa de combate ao método Paulo Freire, adotado em todo mundo para erradicar o analfabetismo, e as críticas ao chamado “marxismo cultural” vão mantendo o ministro no posto, mesmo havendo, dentro do próprio governo, crescente insatisfação com seu péssimo desempenho. Como a Educação é uma área muito sensível do ponto de vista político, vai ser difícil para o ministro sobreviver ao bombardeio que virá do Congresso. As declarações de Maia foram a senha para que os demais deputados passem à ofensiva contra Weintraub.

Esvaziado definitivamente na Casa Civil, com a decisão do presidente Jair Bolsonaro de tirar o Programa de Parcerias Publico-Privadas e Investimentos (PPI) da pasta, o ministro Onyx Lorenzoni ainda está em férias e ninguém sabe o que pretende fazer quando voltar. É possível que reassuma seu mandato de deputado federal na Câmara, aproveitando o começo do ano legislativo, para se reposicionar na bancada do DEM, da qual já foi líder. Lorenzoni foi um dissidente do seu partido nas eleições passadas, com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que também apostou na eleição de Jair Bolsonaro e levou.

Parcerias e investimentos
Colega de Câmara e aliado de primeira hora de Bolsonaro, o ministro da Casa Civil foi seu coordenador político de campanha e liderou a equipe de transição do governo. Na divisão do bolo, porém, a parte do leão ficou com o ministro da Economia, Paulo Guedes; Lorenzoni teve que dividir o poder político com os militares, que acabaram esvaziando completamente sua pasta e afastando-o do Estado-maior do governo.

O papel de articulador político do Planalto foi passado ao ministro Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo, que é general e amigo de Bolsonaro. A Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ), que analisa a viabilidade jurídica dos atos assinados pelo presidente, foi transferida para a Secretaria-Geral, comandado pelo ministro Jorge Oliveira Ramos. O último trunfo de Onyx era o Programa de Parcerias Público-Privadas e Investimentos (PPI), que estava tocando com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, uma unanimidade no Congresso.

Ocorre que o ministro da Economia, Paulo Guedes, está em rota de colisão com a Câmara quanto ao novo marco regulatório das concessões e privatizações, cuja negociação estava passando muito mais pela Casa Civil do que pela equipe econômica. A crise com o então secretário executivo da Casa Civil, Vicente Santini, que foi de Davos, na Suíça, a Nova Délhi, na Índia, num jatinho da FAB, utilizando como pretexto as negociações envolvendo o PPI, foi a deixa para Guedes pôr as mãos no programa, que sempre quis gerenciar. Santini era o principal responsável pelo PPI na equipe de Lorenzoni.

Há uma expectativa de que Lorenzoni antecipe a volta das férias e desembarque ainda hoje em Brasília. Fala-se na possibilidade de Onix ir para a Educação e Abraham Weintraub, para a Casa Civil. As duas pastas são territórios povoados por gente ligada aos filhos de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Os dois ministros também são alinhados com o guru ideológico do clã, Olavo de Carvalho.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-ninguem-pede-para-sair/


Exactly why is Relationships that is same-Sex Succeed Fail?

Exactly why is Relationships that is same-Sex Succeed Fail?
Today, when you look at the aftermath of Pride – within the wake of parades and marches strutting their colorful material through the roads of Seattle, Portland, Cleveland, nyc, and Chicago – we’d choose to turn our focus on same-sex relationships.

Dr. John Gottman and Dr. Julie Schwartz Gottman have actually seen the strength and resilience of same-sex partners, even yet in the midst associated with the cultural and social stresses to which they are uniquely susceptible. Together, the Gottmans are making a dedication to assuring that lesbian and couples that are gay the maximum amount of access as straight partners to resources for strengthening and supporting their relationships.Read more


Claudia Safatle: Amazônia passa ao topo da agenda do governo

Ministro promete debater regulamentação da mineração em terra indígena

Foi do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a ideia de se criar, no governo, uma coordenação para as políticas de desenvolvimento e preservação ambiental da Amazônia. Esta seria a resposta inicial à opinião pública e às pressões de investidores internacionais. Segundo relato de Salles, ele conversou com o presidente Jair Bolsonaro na segunda-feira da semana passada e disse que gostaria de levar o tema Amazônia para ser discutido na reunião ministerial convocada para o dia seguinte, terça-feira, no Palácio da Alvorada.

O argumento do ministro fazia todo sentido, já que o assunto é de grande complexidade e envolve vários ministérios, não sendo suficiente, portanto, a atuação da pasta do Meio Ambiente. A coordenação também não poderia ficar em suas mãos, pois deveria vir de uma instância superior para que os demais ministros envolvidos no assunto a ela se submetessem.

A agenda da bioeconomia é uma interação entre o que faz o MMA e o Ministério da Economia. A fiscalização é feita por Ibama e ICMbio (Instituto Chico Mendes) em complemento com a Força Nacional de Segurança do Ministério da Justiça. O monitoramento é da alçada do Ministério da Defesa e de parte do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), do Ministério da Ciência e Tecnologia. Tem ainda a área de regularização fundiária, que é da competência do Incra, no Ministério da Agricultura.

Diante da gravidade da questão ambiental, cuja negligência incendiou a opinião pública internacional e já afeta os fluxos de capitais externos para o país, não se trata de dar uma resposta de marketing. “É preciso construir uma solução para o problema da Amazônia”, avalia o ministro.

“Estamos falando da região mais rica em recursos naturais do país e com o pior Índice de Desenvolvimento Humano [IDH]”, salienta o ministro do Meio Ambiente. Ela é do tamanho de 16 países europeus - corresponde à área que vai de Portugal à Polônia - e lá vivem 20 milhões de brasileiros que não têm nenhuma atividade econômica que lhes empregue.

“Se não criarmos alternativas eles vão cortar árvores ou minerar. Foi nesse sentido que o Paulo Guedes [ministro da Economia] disse, em Davos, que o maior inimigo do ambiente é a pobreza. A falta de perspectiva de renda é que faz essas pessoas serem cooptadas por atividades ilegais”, diz.

O natural seria criar uma área de coordenação na Casa Civil, mas antes mesmo de Salles, na reunião, verbalizar essa ideia o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, sugeriu:

“Por que não convidamos o general Mourão [vice-presidente Hamilton Mourão], que comandou a Amazônia, para fazer esse trabalho?”.
Bolsonaro concordou e pouco depois colocou no seu Twitter a decisão de criar o Conselho da Amazônia e a Força Nacional Ambiental, sob o comando de Mourão. Salles, como autor da iniciativa, não se sentiu enfraquecido.

Para compor a Força Ambiental, o procedimento será igual ao da Força Nacional de Segurança. O Ministério da Justiça deverá disparar ofício para as secretarias de Segurança dos Estados pedindo para que disponibilizem determinado número de policiais especializados em meio ambiente. Os governos estaduais enviam suas tropas e arcam com os salários e a Força Nacional os remunera com diárias e lhes fornece equipamentos, logística e alimentação.

A missão é específica, por exemplo, uma operação de 30 dias no Pará. Encerrada a tarefa, os policiais voltam para os seus Estados.

Ao mesmo tempo as operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com a atuação das Forças Armadas, devem continuar e a expectativa é que neste ano elas durem de março a outubro, cobrindo, assim, todo o período da seca na região, quando ocorrem as queimadas ilegais.

O comando da Força Nacional Ambiental será dividido entre as pastas da Justica e do Meio Ambiente, com base na estratégia de atuação definida pelo Conselho da Amazônia.

A política de defesa da Amazônia deve ser feita com base em cinco pilares, defende Salles. São eles: a regularização fundiária, os pagamentos por serviços ambientais, o zoneamento econômico ecológico - um plano diretor que identifique territorialmente as potencialidades e as fragilidades da floresta -, a bioeconomia e o comando e controle.

O ministro defende, também, a regulamentação da mineração em terras indígenas. Em dezembro de 2018, segundo ele, a Agência Nacional de Mineração identificava mais de 870 pontos de mineração ilegal conhecidos. “Não foi uma boa política pública adotar a regra do ‘faz de conta’ que não pode minerar na Amazônia ou nas terras indígenas. Eles vão minerar”, diz.

Ele conta que esteve na reserva indígena Roosevelt, em Rondônia, onde há mineração de cassiterita. Assim que o helicóptero do Ibama, que o levava, pousou, as pessoas correram para o mato. Aos poucos elas começaram a voltar. Primeiro as crianças, depois as mulheres, depois os mais velhos e por fim o cacique.

“Conversa daqui e dali, eu falei para o cacique: ‘O senhor sabe que nós vamos destruir os equipamentos aqui’. Ele respondeu: ‘Pode destruir. Na semana que vem está tudo aqui. Nós tiramos R$ 70 mil por semana e na semana que vem já compramos tudo de novo’.”
Salles garantiu que o governo vai regulamentar a atividade mineradora na região. “Colocaremos parâmetros restritivos, porém aceitáveis, de forma que eles possam sobreviver. Será uma política pública realista.”

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, está concluindo uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que deverá estabelecer que até 3% ou 5% do território poderá ser objeto de licenciamento para exploração.

O argumento do ministro é de que não é possível fazer de conta que não existe uma pressão legítima dos povos da floresta para explorar aquele território onde há grandes reservas de cassiterita, de ouro, nióbio. “Vamos discutir a regulamentação. É só quebrar o preconceito do debate”, conclui.

*Claudia Safatle é diretora adjunta de Redação


El País: Foco na abstinência sexual para combater gravidez precoce ignora que meninas são as mais estupradas

Damares Alves mescla dados com exageros e exemplos fora do contexto para defender campanha de abstinência sexual entre jovens, mas entra em choque com discurso técnico de Ministério da Saúde

De um lado, uma ministra com ideias radicais, cada vez mais popular e com pouco dinheiro. Do outro, um ministro com muitos recursos e um trabalho discreto, passando batido pela enxurrada de polêmicas diárias do Governo Jair Bolsonaro. A campanha pela abstinência sexual que Damares Alves pretende lançar durante a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, prevista para acontecer na primeira semana de fevereiro em parceria com o Ministério da Saúde, comandado pelo médico ortopedista Luiz Henrique Mandetta, vem colocando os dois ministros em lados opostos. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos dita ―ou tenta ditar― as diretrizes da ação, mas o custo de 3 milhões de reais será bancado pelo Ministério da Saúde. Em nota técnica obtida pelo jornal O Globo no último fim de semana, a pasta comandada pela pastora evangélica afirma que o início precoce da vida sexual leva a “comportamentos antissociais ou delinquentes” e “afastamento dos pais, escola e fé”, entre outros resultados.

Já a pasta de Mandetta afirmou, em outra nota técnica, que a campanha deve reforçar a autonomia e o protagonismo do jovem sobre sua iniciação sexual, colocando à disposição os métodos contraceptivos. Ao jornal Folha de S. Paulo o ministro afirmou que a mensagem do “comportamento responsável é válida”, mas que “o problema é complexo” e “não se pode minimizar a discussão e dar ênfase só para isso". Ele também disse que questões religiosas não devem pautar a discussão e que tem "apostado muito muito em informar as consequências, porque acredito que esse seja um ponto essencial para a conscientização”.

Fora desse embate estão os números alarmantes de estupros cometidos em meninas menores 14 anos, uma das principais causas da gravidez precoce, segundo diversos especialistas e estudos. Os dados mais recentes constam no último relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A entidade mostra que nos de 2017 e 2018 foram registrados um total de 127.585 estupros, dos quais 63,8% ocorreram em menores de 14 anos ―o que se configura como estupro de vulnerável. Além disso, 81,8% dos casos aconteceram em mulheres, 75,9% foram cometidos por alguém conhecido e em de 95% deles os autores pertencem ao sexo masculino. “É de se destacar que os crimes sexuais estão entre aqueles com as menores taxas de notificação à polícia, o que indica que os números aqui analisados são apenas a face mais visível de um enorme problema que vitima milhares de pessoas anualmente”, afirma o texto.

A ministra Damares também vem apontando para o aumento dos casos de doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis. Em julho do ano passado, a ONU apontou que o contágio do vírus da AIDS no Brasil cresceu 21% em oito anos, apesar das campanhas e tratamentos oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Essa tendência já vinha sendo observada por entidades e especialistas, que apontam para o nível de desconhecimento das novas gerações, que não vivenciaram o pânico gerado pelos primeiros contágios a partir da década de 1980. Seja como for, o Governo Bolsonaro foi criticado por ter transformado o órgão responsável pelo combate à doença em uma coordenadoria dentro do Ministério da Saúde —antes, era um departamento específico. Na prática, isso significou que a política de enfrentamento ao vírus, tida como referência no combate ao HIV em todo o mundo, perdeu relevância.

Um discurso que soa razoável e se contradiz com a realidade

Além da campanha de prevenção da gravidez, o MMFDH pretende lançar uma política pública mais ampla chamada de Plano Nacional de Prevenção ao Risco Sexual Precoce, em que também abordará o “adiamento da iniciação sexual” como método contraceptivo. Especialistas no tema afirmam que a estratégia é ineficaz. Pouco importa: a abstinência sexual é uma agenda defendida por amplos setores da Igreja Evangélica e de grupos ultraconservadores que fazem lobby junto Governo Jair Bolsonaro ―e que vêm conseguindo implementar suas ideias nos Estados Unidos de Donald Trump. Mas as ideias radicais que norteiam a nota técnica do ministério ganham, na voz de Damares, contornos razoáveis e que podem facilmente atingir mães e pais com preocupações na hora de criar filhos pré-adolescentes.

“Que dano eu vou trazer para uma criança ao dizer para ela: ‘espera mais um ano’, ‘espera um pouquinho’?. Não vamos eliminar os outros métodos preventivos. Vamos continuar falando da camisinha; vamos continuar falando da pílula; vamos continuar falando dos outros métodos", afirmou a ministra em entrevista publicada pelo jornal Correio Braziliense no último domingo. “A gente quer mais que uma campanha; a gente quer começar a conversar sobre isso; a gente quer que isso seja uma coisa permanente, de modo que toda vez que uma professora falar de preservativo, ela também fale: ‘Olha, vamos pensar duas vezes antes de transar?’. É só uma frase! É só sentar com esse menino e conversar”, acrescentou a pastora evangélica.

Sua fala contradiz a nota técnica do MMFDH, que defende que ensinar métodos contraceptivos para jovens “normaliza o sexo adolescente”, já que nem todos tiveram iniciação sexual. Contrariando mais uma vez Damares, a nota técnica da Saúde afirmou que educação sexual não estimula relações sexuais. Serve, pelo contrário, para que o jovem conheça o próprio corpo e oferece insumos para que sua escolha seja acordo com suas expectativas.

A ministra também abordou na entrevista alguns problemas reais e apelou para o senso comum: “A gravidez precoce está crescendo de uma forma absurda. E mais do que a gravidez precoce, as doenças sexualmente transmissíveis. Sabiam que estamos em epidemia de sífilis? O Unicef apresenta o relatório da idade média de iniciação do sexo no Brasil: menina está com 13,9 anos, e menino, 12,4 anos. Imaginem comigo: o Código Penal Brasileiro fala que é estupro transar com uma criança com menos de 14 anos”.

Dados sobre gravidez precoce

Os números e estudos mostram uma realidade mais complexa que a divulgada por Damares. Um relatório de 2018 da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Unicef afirma que entre 1995 e 2000 a gravidez entre adolescentes de 15 a 19 anos atingiu seu ápice, de 83,6 nascimentos para cada 1.000 mulheres. Entre 2010 e 2015 essa proporção caiu para 68,4 grávidas. Por outro lado, reportagem da Folha de S. Paulo mostrou que na capital paulista os índices vêm aumentando na periferia. Seja como for, os números são altíssimos se comparados com a média mundial de 46 nascimentos para cada 1.000 adolescentes, enquanto que na América Latina e no Caribe a média é de 66,5 gestações.

De acordo com um estudo do Ministério da Saúde, 3,2 milhões de adolescentes foram mães no Brasil entre 2011 e 2016. Desse total, 95% estavam na faixa etária de 15 a 19 anos. As gestações em meninas de 10 a 14 somaram 162.853 (ou cerca de 25.000 por ano), um número significativamente menor, mas ainda em um patamar bastante elevado.

Essa realidade entre as adolescentes mais novas pode ser explicada, entre várias questões, pelo fato de que as meninas foram também as principais vítimas de estupro entre adolescentes ―a mesma tendência observada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Foram notificados um total de 49.489 casos de estupro contra jovens do sexo feminino, dos quais 66,3% (32.809) tinham de 10 a 14 anos, enquanto que 33,7% (16.680) tinham de 15 a 19 anos.

A partir daqui as complexidades e dificuldades de análise ficam ainda mais evidentes. As notificações de gestações decorrentes de estupro são baixas se comparados com o total de violações e de nascimentos registrados por adolescentes: segundo o estudo, 10.814 mães jovens que tiveram filho também afirmaram ter sido abusadas, sendo que 3.276 estavam na faixa de 10 a 14 anos e 7.538 tinham 15 a 19 anos. Porém, o relatório destaca que “a análise dos casos das mães adolescentes no período de 2011 a 2016 mostrou que a notificação de estupro podia ocorrer antes ou depois do registro do nascido vivo”.

Além disso, o estudo destaca que os abusos ocorridos repetidas vezes aconteceram em 45,6% dos casos de meninas de 10 a 14 anos e 25,7% das jovens de 15 a 19 anos. Entre as que ficaram grávidas em decorrência de estupro, em 72,8% (10 a 14 anos) e 44,1% (15 a 19 anos) dos casos a violação teve caráter repetitivo. Portanto, continua o estudo, “a gravidez na adolescência e as notificações de estupro podem estar associadas, evidenciada pela alta prevalência de violência de repetição, de ocorrência de estupro e outras vulnerabilidades”.

Em relatório de 2017, a Unicef aponta “entre 40% e 60% dos casos de gravidez na adolescência resultantes de violência sexual”, de acordo com outros estudos. “Mas, apesar de os indicadores quantitativos e qualitativos comprovarem a gravidade do problema, a literatura brasileira carece de mais dados aprofundados sobre essa situação. Mesmo assim, ainda que os dados demográficos não sejam claros, algumas poucas pesquisas qualitativas confirmam a gestação fruto de abuso”, afirma o texto.

A ministra Damares Alves não nega esta realidade e diz que defende a educação sexual em escolas, desde que falada “de forma certa”. Coincidindo com movimentos feministas, afirmou ao Correio que “quem for falar para a criança de 3 anos sobre educação sexual deve fazê-lo inclusive para empoderar essa criança a se proteger”. Ela inclusive aproveitou para lembrar seu histórico pessoal de violação: "Vocês conhecem a história do meu abuso, daquele momento terrível da minha vida. Se eu soubesse o que era aquilo, eu teria gritado. Eu tinha 6 anos”. Mas mais uma vez o discurso não condiz com as diretrizes do Governo: conforme publicou o jornalista Jamil Chade no último dia 28 no EL PAÍS, o Governo Bolsonaro tem vetado a menção à educação sexual em documentos da ONU e da OMS e vem sendo aplaudido por ultraconservadores e até por sauditas.

Outras causas para a gestação entre adolescentes

Damares apela mais uma vez ao senso comum ao argumentar que o Brasil não combateu a “erotização" que vem resultando na iniciação sexual precoce de meninas. “Vocês acham que uma menina de 12 anos, anatomicamente, tem o canal da vagina pronto para ser possuída por oito adultos? Aí você me pergunta: ‘De onde a senhora tira os oito adultos?’. Delas. Pergunte às meninas com quantos parceiros elas já se relacionaram. Gente, nós estamos diante de uma tragédia. As meninas estão ficando por uma certa pressão social", afirmou na entrevista ao Correio.

Mais uma vez a realidade se revela mais complexa. O estudo do Ministério da Saúde também mostra que mais de 70% das mães adolescentes são negras e a maioria mora no Nordeste e no Sudeste. Também são elas as mais expostas à violência sexual. Mas o estupro não pode ser considerado a única causa do alto índice de gravidez na adolescência, conforme o próprio estudo admite: “Uma revisão sistemática da literatura mostrou forte associação entre história de violência sexual e gravidez na adolescência. Outros fatores, como início precoce da vida sexual, não morar com os pais, pobreza e negligência, também apresentaram forte associação com a ocorrência da gravidez na adolescência”, afirma o texto.

relatório da Unicef também aponta quatro “macrofatores” causais para o alto índice de gravidez precoce: além da violência sexual, aponta para o “descompasso entre o desejo sexual e o risco de gravidez, que pode resultar na gravidez não planejada (escapulida)”; a “vontade da maternidade, que resulta na gravidez desejada”; e a “necessidade de mudança de status social, que resulta na gravidez estratégica”.

Nesse contexto cabe também destacar o elevado número de uniões estáveis e casamentos entre adolescentes, uma realidade para 23,2% das meninas com de 10 a 14 anos, e 36,8% entre aquelas de 15 a 19 anos, lembra o Ministério da Saúde. “As dificuldades para resolver os vínculos de dependência do grupo familiar podem levar os jovens a buscar uma pseudoindependência, substituindo os laços com os pais pela dependência afetiva do casal. A adolescente que vive em um meio social desprovido de recursos materiais, financeiros e emocionais satisfatórios pode ver na gravidez uma expectativa de futuro melhor, embora ela possa se tornar mais vulnerável nessa situação”, explica. A Unicef coloca o Brasil como o país com mais casamentos precoces da América Latina e o quarto de todo o mundo.

O Fórum Brasileiro de Segurança Pública segue na linha da entidade da ONU e lembra que as adolescentes muitas vezes “associam o casamento à possibilidade de mudança de status social, de alguma forma de emancipação e de serem mais valorizadas”. Já um estudo qualitativo feito pela ONG Plan International coloca que a gravidez na adolescência é a principal razão para que garotas brasileiras casem antes dos 18 anos.