Day: dezembro 4, 2019

Míriam Leitão: PIB e Pisa dão avisos ao país

PIB de um trimestre pode ser recuperado, uma geração perdida na educação, não. Manter o ministro Weintraub é continuar errando na área

A economia cresceu um pouco mais do que se imaginava no terceiro trimestre. O desempenho dos estudantes brasileiros é ligeiramente melhor do que o da última avaliação em 2015. O PIB ainda está 3,6% abaixo do ponto onde estava antes de entrar na recessão. Os dados dos alunos em ciências, leitura e matemática ficaram estagnados na década, por erros dos governos anteriores. Projeta-se para o PIB um crescimento de pouco mais de 1%. Na educação, os temores são de que 2019 tenha sido um ano perdido.

Os indicadores da economia no terceiro trimestre foram divulgados no mesmo dia em que saiu o resultado da avaliação feita no ano passado com os estudantes de 15 anos pela OCDE em 79 países. É impossível não olhar ao mesmo tempo para os dois conjuntos de dados. PIB e Pisa trazem alertas diferentes, em tempos distintos, aos quais devemos estar atentos. Qualquer país que pense em crescimento sustentado olha os números da educação com a mesma atenção que dedica aos de produção, investimento e consumo.

O resultado do PIB foi bom. Esperava-se 0,4% e a alta foi de 0,6% no terceiro trimestre. O investimento subiu pelo segundo trimestre consecutivo. A construção civil também está positiva. A indústria extrativa deu um salto por causa do petróleo. Há também alguns dados decepcionantes, mas o resumo de tudo é que os economistas começam a rever a previsão de 2020 para um pouco mais de 2%. O ritmo é lento, mas o país está melhorando. O PIB ainda não voltou ao nível pré-crise, do primeiro trimestre de 2014. Contudo, está 4,9% acima do ponto a que chegou no quarto trimestre de 2016, depois de dois anos de recessão forte.

O PIB perdido pode ser recuperado. Até uma década perdida na economia pode dar lugar a um período de forte retomada. Uma geração perdida na educação não se recupera. Os erros na economia produzem dores sociais, mas há sempre a chance da recuperação, e a equipe econômica tem tentado acertar. Os erros da educação fizeram o país perder o ano de 2019.

Os dados divulgados ontem pelo Pisa se referem a governos anteriores. Houve melhora mínima em 2018 comparado com 2015 nas três áreas. A avaliação do desempenho dos estudantes se faz a cada três anos e a próxima será 2021. Já perdemos um terço desse tempo, numa administração caótica no Ministério da Educação, sem foco, sem conhecimento da natureza da agenda para acelerar o país.

O governo Bolsonaro errou em várias áreas e continua errando. É como se essa administração não se satisfizesse apenas com o fundo do poço. Ao chegar lá, continua cavando. As últimas nomeações na área cultural mostram a opção pela insanidade. Na educação, não há chance de acertar se for mantido o ministro Abraham Weintraub. O que já vimos é mais do que suficiente. Ele não entende de educação, não ouve quem entende, despreza os alertas e se ocupa sistematicamente com falsas questões. Se o governo Bolsonaro quiser perder os próximos anos deve manter esse ministro. Se almeja melhorar, ele deve ser trocado por outro que entenda a missão desse cargo estratégico.

A desigualdade aumentou nos indicadores educacionais. Os alunos de maior nível socioeconômico têm desempenho muito acima dos estudantes de menor nível. Em leitura, a diferença é de 97 pontos. Como 35 pontos equivalem a um ano letivo, é como se fossem dois anos e meio de diferença. Apenas a metade dos alunos brasileiros atingiu o nível mínimo de proficiência em leitura.

Quem pensa a economia de forma atualizada sabe que a desigualdade brasileira é disfuncional e incompatível com um projeto consistente de crescimento. A educação à deriva vai aprofundar a desigualdade. Hoje, há várias entidades do terceiro setor que desenvolveram soluções para os problemas da educação. Há consenso de que é preciso valorizar o professor, ter uma boa política de alfabetização, aprender com os vários casos de sucesso no próprio Brasil, estimular no jovem a visão de um projeto de vida para que ele permaneça na escola.

Na economia, há consenso de que é preciso aumentar a produtividade e a qualificação de trabalhadores para um mundo de mudança acelerada na forma de produção. O Brasil pode limitar sua preocupação ao PIB do próximo trimestre ou do próximo ano. Mas o que ele deveria fazer é olhar seriamente para a educação se quiser ter um futuro econômico.


El País: 'Se não resolvermos a pobreza, não haverá preocupação com o meio ambiente', diz Ricardo Salles

Em viagem para a Cúpula do Clima, na Espanha, ministro do Meio Ambiente espera conseguir mais financiamento para a conservação da Amazônia

O aumento da superfície queimada na Amazônia neste ano, um total de 9.700 quilômetros quadrados —30% a mais que em 2018, um recorde em 11 anos— motivou críticas em todo o mundo sobre a política ambiental do Governo Jair Bolsonaro. Seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que está em Madri para participar da COP25, a Cúpula do Clima, diz considerar que o desmatamento não terminará se não houver um desenvolvimento sustentável na região, em que vivem 20 milhões de brasileiros, que precisam de alternativas de sobrevivência. Para tanto pede investimentos e que a Europa libere a compra dos direitos de emissão de carbono.

Salles afirma também que vai respeitar as decisões dos povos indígenas —o centro da luta pela floresta—, mas não de grupos que decidam em nome deles, como ele diz que tem ocorrido.

Pergunta. O senhor acredita na mudança climática?
Resposta. Sim. Não há dúvida de que existe.

P. O desmatamento da Amazônia cresceu 30% no último ano. Como aconteceu algo assim?
R. O Brasil é um país que possui mais de 80% da floresta amazônica protegida e a consideramos um tesouro. O aumento do desmatamento começou em 2012. Temos que encontrar a origem, que está entre outras razões, na falta de desenvolvimento econômico sustentável para os mais de 20 milhões de brasileiros que vivem lá. Que tenham uma alternativa e que avaliem então a conservação da Amazônia. Quando o desmatamento diminuir, os pontos de incêndio se reduzirão.

P. Quem está por trás do desmatamento?
R. Por um lado, existe uma pressão de pequenos proprietários agropecuários, que cultivam pequenas parcelas e abrem novas áreas para produzir para eles mesmos. Em segundo lugar, existe a mineração, que continua sem ter regulamentação, e em terceiro, o mercado de madeira.

P. Qual o papel dos indígenas na proteção da Amazônia?
R. Os indígenas representam 1% da população e contam com 14% do território, quantidade de terra suficiente para eles e o Governo respeitará suas decisões. O que aconteceu até agora é que outros que não eram indígenas decidiram por eles.

P. Quem são esses outros?
R. Tem de tudo, representantes políticos, organizações civis, religiosas..., gente que se coloca à frente dos indígenas dizendo o que eles querem.

P. Todos os seus antecessores o acusam de desmantelar a política ambiental.
R. Isso não é verdade. As pessoas construíram uma narrativa que acusa o Governo de não respeitar o meio ambiente. Mas a realidade é que gastamos muitíssimo dinheiro em coisas que não deram resultado. Queremos que o resultado de cada recurso público ou privado investido seja medido e isso muda o comportamento.

P. A essas críticas se juntaram muitos Governos do mundo.
R. É importante dar as informações corretas. O aumento do desmatamento aconteceu nos últimos sete anos e isso não mudou no último ano. Além disso, é um terço dos 27.000 quilômetros quadrados que foram queimados entre 2004 e 2005. O que deve ser levado em conta é que as pessoas que vivem na Amazônia têm a maior quantidade de recursos naturais e, ao mesmo tempo, são as mais pobres de todo o país. Se não resolvermos a questão da pobreza, não haverá preocupação com a questão do meio ambiente. Esse é o maior inimigo do meio ambiente.

P. Quais medidas o seu Governo tomou para reduzir o desmatamento?
R. Em primeiro lugar, se propõe resolver a falta de segurança legal pela regularização dos certificados de propriedade. Sem isso é impossível responsabilizar as pessoas. Em segundo lugar, é importante desenvolver o plano de ocupação territorial da Amazônia para organizar a ocupação e o uso da terra. Também propomos o pagamento pelos serviços ambientais prestados pela floresta, não apenas para a população brasileira, mas para o mundo inteiro. Se se reconhece que a Amazônia tem um papel importante, é necessário um apoio financeiro considerável para apoiar a conservação. Por último, apostamos na bioeconomia, com investimentos dos mercados de cosméticos, de medicamentos ou da indústria de transformação de alimentos. Negócios que gerem oportunidades de emprego para que as pessoas que vivem aqui possam fazê-lo de maneira sustentável. Enquanto esses pontos são implementados, temos toda uma estratégia de controle, com fiscalização da polícia e das Forças Armadas. Mas só isso não é suficiente.

P. O que o senhor espera da COP?
R. É o momento de facilitar o comércio de carbono. A Europa fechou seu mercado e não permite a compra de créditos de carbono de outros países, inclusive da floresta amazônica; dessa maneira estão cortando as linhas de financiamento e os próprios europeus pagam um preço mais alto. Não é uma boa alternativa.

P. Existem dúvidas sobre a confiabilidade dos projetos que geram direitos de emissão no Brasil.
R. Eles são auditados por entidades públicas estrangeiras e têm total credibilidade.

P. O Brasil pede financiamento, mas o fundo da Amazônia (instrumento financiado pela Noruega e pela Alemanha para recompensar a redução do desmatamento) está paralisado e o Governo rejeitou o dinheiro oferecido pelo G7 no verão.
R. São assuntos diferentes. Uma coisa é o que foi prometido no Acordo de Paris, 100 bilhões de dólares para a luta contra a mudança climática, uma quantidade de dinheiro quase 100 vezes maior do que o que o fundo da Amazônia aporta em 10 anos. Também é um dinheiro é muito bem-vindo, mas é preciso respeitar a estratégia do Governo brasileiro, que é converter esses fundos em resultados concretos, que possam ser vistos.

P. Isso significa que o Governo quer aumentar o controle sobre esses investimentos?
R. Não necessariamente, mas saber como são implementados. Esses recursos serão investidos em ações, em estratégias. Até agora o Governo estava muito pouco envolvido com o destino desse dinheiro e, portanto, a estratégia pública tinha pouco a ver com esses recursos.

P. Na semana passada seu presidente acusou o ator Leonardo DiCaprio de “incendiar a Amazônia” com suas doações. Ele negou. O Governo tem alguma prova disso?
R. A investigação policial no Estado do Pará apontou que havia uma relação entre pessoas que lidam com organizações internacionais e a origem desses recursos. O que o presidente fez foi repetir o que já havia sido dito. Agora estamos aguardando o fim da investigação e que se tenha uma conclusão.

P. Quatro voluntários da Brigada de Incêndio de Alter do Chão foram presos na semana passada acusados de provocar incêndios. São os únicos presos?
R. Neste caso específico, ninguém mais está preso, mas outras investigações estão em andamento.

P. Existe um confronto com ONGs?
R. O que existe é a necessidade de usar os recursos com transparência, objetividade e resultados e todos devem se submeter a isso.


Juan Arias: A grande batalha, agora, é entre autoritarismo e democracia

Esquerda e direita já não nos servem. O mundo e seus medos estão revolucionando a linguagem da política

A linguística se tornou estreita para analisar as convulsões políticas que sacodem o mundo. Os velhos termos “esquerda” e “direita” não nos servem mais. Agora, o debate é entre autoritarismo e democracia. Essa é a grande batalha. Aqui no Brasil e em todo o planeta. Tanto não servem mais os velhos clichês da esquerda e da direita que criamos os termos “extrema esquerda” e “extrema direita”. Dizer que Bolsonaro, Putin ou Trump, por exemplo, são de direita significaria, na prática, fazer-lhes um elogio.

O mundo se dilacera hoje mais entre autoritarismo e democracia. Entre aqueles que lutam para cercear as liberdades individuais e coletivas e a democracia cada vez mais desprezada e ameaçada por nostalgias ditatoriais.

É de esquerda ou de direita o presidente Jair Bolsonaro, que em seus 28 anos como deputado federal quase sempre votou com o Partido dos Trabalhadores, o PT? É nacionalista ou ecumênico? E Lula é de esquerda? Era quando, em seu segundo mandato, quis impor o que chamou de "controle social" dos meios de comunicação com uma cartilha em que uma comissão de fora da mídia deveria atribuir pontos de boa ou má conduta aos jornalistas? É agora que, livre da prisão, busca de novo na sombra conexões com a direita e o centro enquanto o PT sangra?

Bolsonaro é de direita quando ataca o jornal Folha de S.Paulo, ao qual ameaça com sanções? Por que a direita tem que ser contra a liberdade de expressão? Não, Bolsonaro não é de direita ― se fosse, isso não seria um pecado. Ele é um autoritário com nostalgias de velhas ditaduras, paixão pela violência e a tortura e contrário a tudo o que cheire a direitos humanos e liberdades individuais.

Os termos direita e esquerda sempre foram ambíguos, até mesmo na religião. Na Bíblia se diz que Deus colocará "à sua direita" os justos e "à esquerda", os condenados. Deus é de direita ou de esquerda? Na linguagem popular, quando tudo dá errado dizemos que "levantamos com o pé esquerdo".

Não, os velhos rótulos do passado não nos servem mais. Hoje, a grande batalha mundial se dá entre o autoritarismo e o respeito à liberdade de expressão e à cultura. Entre o canibalismo político que se nutre de corrupções e privilégios vergonhosos, seja na direita ou na esquerda, e os valores da democracia cada vez mais ameaçada pelas velhas nostalgias nazifascistas.

O mundo hoje está dividido entre a fidelidade aos valores da liberdade, de todas as liberdades que nos permitam viver sem as correntes do autoritarismo que nos sufoca, e os valores que fizeram a humanidade viver em paz. A guerra e suas ditaduras são o autoritarismo em estado puro. É o ápice da tirania incensada no altar das falsas liberdades.

Que os termos direita e esquerda não nos servem mais para definir políticas concretas está cada vez mais evidente no mundo. Hoje, uma onda de autoritarismo, de negação dos direitos fundamentais, de obsessão contra as liberdades humanas que distinguem o ser racional, atravessa o planeta. Os analistas internacionais quebram a cabeça para tentar entender esse novo fenômeno que percorre o planeta e convulsiona até a velha e moderna Europa, sede dos esplendores do Renascimento.

Talvez seja preciso voltar a Freud, que analisou como poucos a necessidade que o ser humano, frágil e com medo de suas pulsões de morte, tem de segurança e de ordem. O pai da psicanálise nos explicou que a insegurança do ser humano e seus medos ancestrais fazem com que em tempos de turbulência e perda de identidade, como os que estamos vivendo, recorramos à figura paterna e autoritária, que nos oferece segurança.

Todas as grandes neuroses pessoais ou coletivas, as depressões em massa que sacodem todos os continentes, os medos da liberdade e dos diferentes derivam dessa insegurança inata do Homo sapiens, que se debate entre a nostalgia da liberdade perdida no paraíso e o medo da solidão radical, algo que projetamos diante de todos os diferentes, vistos como inimigos.

Mais que entre direita e esquerda, que já pouco significam, o mundo hoje se divide entre os anseios de liberdade, que são a essência da vida pessoal e coletiva, e os medos do autoritarismo castrador que nos corta as asas e nos impede de respirar o ar da liberdade.

Hoje o mundo está cada vez mais dividido de norte a sul e de leste a oeste entre os que, garroteados pelo medo, tentam erguer muros que nos separem, e os que, em nome da liberdade, que é o cerne da existência, preferem eliminar fronteiras.

Parece que estamos diante das velhas guerras ideológicas entre liberdade e escravidão, entre os que preferem viver em liberdade, embora ameaçados, do que em uma escravidão que nos oferece a miragem da segurança. Quem vencerá a batalha entre o autoritarismo que se impõe como um novo dogma e a democracia, que é o espelho dos anseios mais profundos do ser humano criado para cuidar do mundo e não para prostituí-lo?