Day: novembro 30, 2019

Congresso em foco: Polêmica. Cristovam faz inventário dos erros da esquerda e do centro que levaram Bolsonaro ao poder

  

Outra consequência foi o fracasso na tentativa de se reeleger em 2018, pleito em que derrotá-lo nas urnas era uma das tarefas prioritárias de grande parte de uma militância petista que começou a afrontar Cristovam antes mesmo de ele anunciar o voto pró-impeachment.  Tais questões, de caráter mais pessoal, não aparecem no livro Por que falhamos, que será lançado na quinta-feira (5) e ao qual o Congresso em Foco teve acesso em primeira mão. Ali, esse pernambucano de Recife, hoje com 75 anos, faz as vezes de analista e pensador. Propõe um polêmico inventário dos erros dos governos que se sucederam entre 1992 e 2018, isto é, de Itamar Franco a Michel Temer. Governos, vale lembrar, ligados a partidos (sobretudo, MDB, PT e PSDB) e personalidades de alguma maneira comprometidas com os ideais de democracia e justiça social da Constituição de 1988, aquela mesma que Jair Bolsonaro e vários dos seus seguidores não cansam de desdenhar.

Credenciais intelectuais não faltam a Cristovam, discorde-se ou não de suas reflexões. Formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal de Pernambuco, doutorou-se depois em Economia pela prestigiada Universidade de Sorbonne, em Paris. Além de governador, senador por dois mandatos e reitor da UnB, trabalhou durante seis anos no Banco Interamericano de Desenvolvimento e foi ministro da Educação de Lula, que o demitiu por telefone. Por que falhamos é o seu 27º livro. Lançado pela Tema Editorial, o livro será lançado inicialmente apenas em versão digital, e com uma novidade: a partir de quinta-feira (5) estará disponível gratuitamente no site da editora.

É livro denso, mas de meras 54 páginas, redigidas sempre na primeira pessoa do plural. O ex-senador se inclui entre os responsáveis pelos equívocos cometidos. Para Cristovam, a eleição de Bolsonaro sairá cara, dado o perfil do presidente eleito: “Não tinha programa nem partido e representava uma visão sectária e retrógada – posições que pareciam superadas desde a redemocratização –, além de não expressar qualquer experiência gerencial”. Mas o questionamento sobre os erros é a parte que lhe interessa  e que explora. Numa referência indireta a Lula, um dos seus alvos é o “culto à personalidade”. Nas suas palavras: “A amarra aos líderes foi uma das principais causas de nossa derrota em 2018. Confundimos Estado com governo, governo com partido, partido com líder. Para proteger nossos líderes, subestimamos a corrupção diante da qual fomos omissos”.

Traremos um pouco de spoilers aqui listando os dez dos 24 erros apontados por Cristovam Buarque:

  1. Legamos um país sem coesão e sem rumo 

“Não nos unimos por um programa que fosse além da democracia e que servisse para orientar o Brasil em novo rumo civilizatório. No lugar de reunirmos forças para fazer um país progressista, preferimos nos dividir em partidos, siglas, sindicatos, corporações – cada um querendo parte do butim que a nova democracia ofereceu aos que apresentavam mais força eleitoral ou capacidade de pressão. (...) Passamos 26 anos fazendo oposição entre nós, uns aos outros. Somente depois de retirados do poder, ministros de diversas pastas nos governos Itamar, FHC, Lula, Dilma e Temer se reuniram para manifestar posições contrárias ao adversário que nos derrotou”. 

  1. Mantivemos o descompasso do Brasil com o progresso mundial 

“Jogamos fora a chance de cortar as correntes que nos amarram ao passado como uma sina histórica. Fomos ‘democratizadores’, mantendo um país injusto, ineficiente e insustentável. Não estivemos à altura como promotores de uma nação progressista, eficiente, justa e sustentável. Desperdiçamos mais uma vez a chance de o Brasil ficar em sintonia com o futuro. (...) Nós tomamos o poder e durante 26 anos não entendemos a revolução em marcha no planeta”. 

  1. Passamos ao largo da utopia educacionista

“Continuamos a falar no velho e relegado direito à educação, sem ver e sem defender que a educação com qualidade é mais do que um direito individual, é o vetor do progresso da eficiência econômica e da justiça social. (...) Passamos ao largo da percepção de que a globalização da economia e das informações simultâneas, os limites ecológicos ao crescimento, a robótica e automação, além do esgotamento do desenvolvimentismo econômico e do socialismo real, levaram ao fracasso das utopias que nos orientavam. Não percebemos que já não é mais possível manipular a economia pela política, sem levar em conta a realidade da globalização e da ecologia, nem é possível impor uma igualdade plena de renda e salário. Uma nova utopia, que não fomos capazes de visualizar, precisa despolitizar a economia para que ela seja eficiente, subordinar a produção e o consumo às restrições ecológicas, tolerar a desigualdade dentro de parâmetros e oferecer a mesma chance para que todos possam ascender socialmente, conforme o próprio talento”. 

  1. Ficamos prisioneiros do populismo e do corporativismo 

“Por falta de visão de uma utopia, caímos no corporativismo e no oportunismo, passando a organizar nossas bandeiras em busca de resultados eleitorais imediatos, mesmo que isso exigisse o aparelhamento e a tolerância com a corrupção na gestão da máquina do Estado e a irresponsabilidade nas contas públicas. Concentramos nossa função política em atender as reivindicações de sindicatos de categorias profissionais, os interesses e as propostas de segmentos identitários e de organizações não governamentais”. 

  1. Desprezamos o ‘espírito do tempo’

“Não vimos que a globalização, as comunicações instantâneas, globais e manipuláveis, e as novas tecnologias fizeram da terra um planeta dividido em um Primeiro Mundo Internacional dos Ricos, com basicamente as mesmas características de renda e consumo, atendimento médico e escolaridade. Até mesmo com as mesmas ideias e gostos estéticos, seja qual for o país geográfico do habitante. No outro lado, temos um Arquipélago Mundial de Pobres com padrões culturais sociais e econômicos diferenciados, solidários apenas pela escassez de bens e serviços essenciais que caracteriza suas vidas, também independente do país geográfico onde vivam. Cada país é cortado socialmente por uma cortina de exclusão, a Cortina de Ouro”.

  1. Permitimos o domínio da corrupção 

“Nosso erro mais visível para a opinião pública foi cair na corrupção, tanto no comportamento quanto nas prioridades. Abandonamos fins revolucionários e adotamos meios corruptos, trocando prioridades básicas, como escolas por estádios, para atender ao gosto imediatista e eleitoral da sociedade e também para receber propinas nessas construções”.

  1. Repudiamos reformas 

“Contentamo-nos com o salto democrático representado pela Constituição, que alguns de nós nem assinamos, mas não fizemos as reformas que dariam o salto progressista que a sociedade espera e carece. Não enfrentamos a necessária reforma do Estado. Ficamos sem fazer a reforma política, sem a qual o Estado brasileiro mantém seus desperdícios, seus privilégios, suas brechas corruptivas. Mantém também seu distanciamento em relação ao povo, seu sistema eleitoral manipulável e mercantil, sua promiscuidade entre poderes – juízes, políticos, empresários, líderes sindicais –, sua justiça ineficiente e protetora dos ricos. Estado gigante, corrupto, ineficiente.

(...) Mesmo as tímidas, mas positivas, reformas do ensino médio durante o governo Temer foram criticadas e enfrentadas por movimentos conservadores de parte de nossos militantes, sem qualquer justificativa progressista. Por acomodamento e submissão às corporações universitárias, oferecemos recursos financeiros, mas não nos propusemos a reformar as estruturas acadêmicas, sem o que a universidade brasileira não participará da construção da sociedade do conhecimento no século 21. A consequência é que até os grandes feitos educacionais, como o aumento no número de vagas no ensino superior e em cursos profissionalizantes, foram anulados por falta de avanços no número e na qualidade dos que terminam o ensino fundamental e o ensino médio. 

(...) Apesar da positiva reforma da responsabilidade fiscal no segundo mandato de FHC, não enfrentamos a necessidade de fazer as reformas que garantiriam o equilíbrio das contas públicas, devastadas pelo descontrolado aumento do custo da máquina do Estado determinado pela Constituição”.

  1. Valorizamos mais o estatal do que o público 

“Confundimos estatal com público e até hoje temos que explicar por que muitos de nós fomos contra a privatização nas telecomunicações, que permitiu a disseminação do direito a um telefone, antes um privilégio de pouquíssimos brasileiros ricos. (...) Ignoramos o fato de que a estatização não criou a oferta de serviços com qualidade que a sociedade precisava, especialmente para os pobres, nem implantou a infraestrutura econômica nas dimensões e eficiências desejadas. Assistimos passivamente ao Estado ser apropriado por empreiteiras, políticos, sindicatos e servidores que o usam para usufruírem poder e vantagens patrimonialistas. Há quase 100 anos o Brasil mantém custosas empresas estatais de saneamento, e mais da metade de nossa população continua a viver no meio de lixo, urina e fezes. Mesmo assim, resistimos à alternativa de usar empresas privadas para executarem e administrar projetos sanitários em nossas cidades, ainda que sob regulação pública”. 

  1. Ignoramos que justiça social depende de economia sólida 

“Os nossos governos Itamar, FHC e Lula fizeram esforços para assegurar uma economia eficiente, mas sofreram pressões desestabilizadoras de parte de nossos partidos e sindicatos, que mantinham a antiga visão de que os gastos públicos seriam o caminho para atender aos interesses dos trabalhadores do setor moderno e oferecer assistência aos pobres, mesmo que isso fosse feito às custas do endividamento público e privado. Aceitamos a ilusão de que o Tesouro Nacional seria como um chapéu de mágico, com disponibilidade ilimitada de recursos financeiros. (...) Por não entendermos a realidade, não fazermos as contas, não acreditarmos na aritmética ou simplesmente por oportunismo eleitoral, muitos de nós continuamos a cometer esses erros, agora na oposição.”

  1. Adotamos o culto à personalidade 

“A amarra aos líderes foi uma das principais causas de nossa derrota em 2018. A recusa da realidade e o culto à personalidade terminaram por aprisionar nossa linguagem, nossas análises, táticas e estratégias, sem metas e propostas para o longo prazo. Confundimos Estado com governo, governo com partido, partido com líder. Para proteger nossos líderes, subestimamos a corrupção diante da qual fomos omissos, sem acusar, julgar, punir nem ao menos criticar os responsáveis pela cobrança de propinas, depredação de estatais e de fundos de pensões. Não combatemos as prioridades equivocadas. Continuamos a defender que prisões de empresários aliados eram o resultado de manipulação política contra nós, os democratas-progressistas, ignorando que a Justiça julgou e prendeu dezenas de políticos e homens de negócio das mais diversas vertentes políticas.” 


‘Patrão manda passar motosserra na Amazônia’, diz garimpeiro de Serra Pelada

Reportagem publicada na nova edição da revista Política Democrática online relaciona desmatamento a atividade ilegal

Cleomar Almeida, da Ascom/FAP

A ação de garimpeiros em situação irregular tem aumentado o desmatamento na Amazônia. É o que revela a segunda e última reportagem da série Sonho Dourado: 40 anos depois, publicada na nova edição da revista Política Democrática online. Todo o conteúdo da revista pode ser acessado, de graça, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que produz e edita a publicação.

» Acesse aqui a 13ª edição da revista Política Democrática online

A equipe de reportagem da revista Política Democrática online viajou até Serra Pelada, no Sudeste do Pará, e revela como os trabalhadores são explorados como tatus para cavarem crateras atrás de ouro. “Todo mundo sabe que destruir a floresta não é certo. O patrão, que foi quem descobriu o garimpo, é quem manda a gente passar a motosserra de madrugada”, admite um garimpeiro.

A reportagem mostra que, no Pará, o aumento da destruição do meio ambiente tem relação direta com a exploração do ouro, que teve seu auge nos anos 1980. Desde aquela época, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o Estado perdeu 148,3 mil km² de floresta, o equivalente à área do Ceará.

De agosto de 2018 a julho de 2019, segundo informa a revista Política Democrática online, o Brasil bateu novo recorde do desmatamento na Amazônia nesta década. Os dados são do Inpe. No período, a área desmatada na floresta foi de 9.762 km², o que representa um aumento de 29,5% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018), que teve 7.536 km² de área desmatada.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atribuiu o aumento do desmatamento à “economia ilegal” na Amazônia, citando o garimpo, a extração de madeira e a ocupação do solo nessa situação. Ele disse que há negociações na esfera governamental para criar uma sede do órgão na Amazônia.

Observatório do Clima considera que “a alta no desmate coroa o desmonte ambiental de Bolsonaro e Salles”. Diz, ainda, que os dados de desmatamento são decorrência direta da estratégia do governo para desmobilizar a fiscalização, engavetar os planos de combate ao desmatamento dos governos anteriores e empoderar, no discurso, criminosos ambientais.

 

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Marcus Pestana: O desafio do emprego no Brasil atual

Nosso desafio central continua sendo a retomada vigorosa do crescimento e a geração de empregos. A taxa de desemprego no Brasil fechou o terceiro trimestre em 11,8%, atingindo doze milhões e meio de brasileiros. O número de pessoas ocupadas cresceu, porém, novo recorde de informalidade foi verificado, são atividades de baixa qualificação e conteúdo tecnológico, salário médio menor e sem cobertura previdenciária. E há também a informalidade high tech quando milhões de brasileiros procuram seu sustento na UBER ou no IFood.

Por um lado, o avanço tecnológico gera empregos, como nos casos da UBER e do iFood. Entretanto, a Amazon, as fintechs e os bancos digitais, entre outros, têm efeito líquido negativo sobre o nível de emprego, embora mobilizando mão de obra qualificada com salários maiores.

A crise das duas maiores redes de livrarias brasileiras, a Saraiva e a Cultura, que fecharam lojas e demitiram funcionários, certamente tem a ver com a facilidade de se comprar livros sem sair de casa. Já os bancos virtuais e as fintechs finalmente ameaçam afetar a concentração no setor financeiro, podendo, caso consolidados, baratear o crédito e desonerar as empresas e as pessoas das taxas sobre serviços financeiros. Mas é evidente que os cinco grandes bancos brasileiros, que concentram 85% do crédito, se ajustam e fecham agências e demitem funcionários.

Os sinais atuais da economia brasileira são contraditórios. A inflação e os juros estão baixos. Mas a taxa de crescimento do PIB não deve chegar a 1% e a capacidade ociosa na indústria continua alta. O câmbio se desvalorizou: o que é bom para as exportações e ruim para os preços do componente importado inclusive máquinas, equipamentos, medicamentos, serviços tecnológicos e insumos essenciais. Além disso, haverá, em 2019, uma expressiva fuga de capitais estrangeiros da Bolsa de Valores. Apesar da melhoria do ambiente institucional com a Lei do teto dos Gastos, as Reformas Trabalhista e Previdenciária, a confiança do investidor na economia brasileira ainda não se firmou. Mostra disso foi a frustração das melhores expectativas em relação ao recente leilão do pré-sal.

A retomada de um crescimento vigoroso e sustentado depende do equilíbrio fiscal do setor público como um todo, que hoje é o calcanhar de Aquiles a abalar as expectativas dos investidores. E também, da melhora da percepção e da confiança na economia brasileira, não só dando continuidade às grandes reformas - o restante da previdenciária, a tributária e a administrativa, as privatizações, como prosseguindo nas reformas microeconômicas como o cadastro positivo, o projeto de lei da liberdade econômica, as mudanças no marco regulatório das telecomunicações.

Há, como sempre, ameaças e oportunidades. Mas é preciso também um pouco de juízo. A irresponsabilidade fiscal, a quebra de contratos, os controles artificiais de preços e as iniciativas heterodoxas do Governo Dilma ainda estão vivos na memória dos agentes econômicos relevantes. Neste sentido, declarações improdutivas e agressivas contra outros países, atitudes impensadas como a do prefeito Marcelo Crivela de resolver, na marra, os impasses com a concessionária da Linha Amarela ou a tentativa da Assembleia de Goiás de reestatizar a Enel, distribuidora de eletricidade comprada por investidores italianos, não ajudam.


Monica de Bolle: Cincuum

Paulo Guedes é um homem antiquado, preso às ideias de uma Escola de Chicago que não existe mais

Não entendo nada de futebol apesar de ser flamenguista. Portanto, este não é um artigo sobre o Flamengo, o Mengão campeão, viva o Flamengo! Mas há algo de novo no Flamengo que toca outros temas, em particular a falta do novo na condução econômica e no debate nacional sobre os rumos do país. O novo no Flamengo é, evidentemente, a abertura para ideias diferentes representada pela escolha do técnico, tão criticado no início da trajetória para os dois títulos conquistados no último fim de semana. Arejar as ideias é fundamental em qualquer área, do futebol à economia.

Na economia, estamos bem mal. Não é exagero, ainda que alguns possam querer insistir em relatar melhorias pontuais, a aprovação da reforma da Previdência e outros feitos. Não os desmereço, que fique claro. O problema é outro. Nesta semana esteve no Peterson Institute for International Economics (PIIE) o ministro Paulo Guedes.

Não, não foi aqui que ele deu a declaração sobre o AI-5, mas nem por isso sua fala foi menos espantosa. O PIIE é um dos mais prestigiados institutos de pesquisa do mundo, vencedor há 4 anos seguidos do prêmio Prospect de Melhor Think Tank de Economia. A plateia que participa dos eventos públicos e privados que organizamos é altamente qualificada: embora ela seja composta majoritariamente por economistas, sempre há cientistas políticos, advogados, além de diversos acadêmicos de outras áreas e gestores de políticas públicas. Esperava-se que o ministro fizesse uma apresentação técnica sobre os avanços conquistados e os riscos do ambiente de turbulência política ao redor do país e dentro dele próprio para a economia brasileira.

Em vez disso, Guedes se ateve ao modo associação livre de falar, que é sua característica. A associação livre, quando bem feita, pode dar boas letras de música, boa prosa ou poesia, um monólogo divertido, até. Contudo, não suscitou interesse na plateia habituada a pensamentos bem estruturados e expostos com clareza.

Guedes foi errático, pulou de um tema para outro, divagou e falou bobagens. Ao descrever a agenda futura de reformas, foi repetitivo. Forneceu uma lista de desejos ordenada item por item, em que a alardeada reforma tributária constou como o item de número “cincuum”. Sem explicitar o termo de comparação, repetiu várias vezes que a democracia brasileira é a mais vibrante e que a segurança está melhorando com a queda na taxa de homicídios, colhendo os frutos de ações estaduais e de administrações anteriores. Claro que não houve menção às mortes associadas às ações policiais nas comunidades pobres.

Quase disse que o Brasil é o país mais preocupado com o meio ambiente no mundo — não disse isso exatamente, mas o tom esfuziante ficou evidente. Falou, falou, falou. Quando viu que a hora passava e que ele deveria dar a palavra para a plateia, falou mais um pouco. Foram poucas as perguntas e ele não respondeu a nenhuma, empenhado que estava em seu fluxo de consciência desconexo. Não restou qualquer dúvida de que o ministro gosta muito de ouvir a própria voz.

De tudo isso, o que ficou claro para a plateia?

Em uma brevíssima menção à pobreza, disse que o ideal era dar alguma condição ao pobre e deixá-lo a serviço do mercado, remontando à velhíssima premissa de que pobre é pobre porque não sabe correr atrás do que precisa para ser bem-sucedido. A pobreza para ele não é estrutural nem resultado de um intricado sistema que impede a mobilidade social pois é gerador de desigualdades de oportunidades no ponto de partida. Guedes não entende que o crescimento econômico não é uma panaceia, que não é condição suficiente para nada e talvez não seja sequer condição necessária.

Tenho escrito, com base em uma releitura de Albert O. Hirschman, que o crescimento pode ser fonte de instabilidade política a depender da maneira como afeta a dinâmica social e a mobilidade de segmentos da população. O pensamento econômico moderno abandonou as teses de Guedes sobre pobreza e crescimento há tempos. Também abandonou a ideia de Estado mínimo por ele apregoada. Guedes é inequivocamente vítima de um problema que assola o Brasil em várias esferas: o enrijecimento intelectual e a incapacidade de interagir com o que é novo e diferente. Como tantas profissões, é adepto do clubismo na troca de ideias. Fala para si e para os que querem ouvi-lo, sem capturar aqueles que operam em frequências distintas. Trata-se de um retrato da poeira que assola o Brasil atual.

Cincuum. Vai Flamengo! Levanta a taça do Brasileirão com toda a mescla de criatividade e de cores das bandeiras do Brasil e de Portugal. Aproveita para assoprar um pouquinho da poeira. O Brasil precisa.

*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins


Guilherme Amado: Eduardo Bolsonaro anuncia que será herdeiro 'do brasil do pai' - 'vou rodar o país'

Em conversa com a coluna, o zero três revela que vai percorrer o Brasil na defesa do governo do pai, ‘fazendo trabalho de formiguinha e pregando o conservadorismo’

Nenhum Bolsonaro terá tantos motivos para comemorar o fim de ano como Eduardo. O mais jovem dos três filhos políticos do capitão e último a entrar na política encerra 2019 em êxtase.
Enquanto fantasmas pairam sobre seus irmãos, Eduardo é só festa. Flávio é investigado, sob a suspeita de ter ficado com parte dos salários de seus assessores durante anos, e Carlos é acusado por diferentes ex-aliados da família de comandar uma milícia digital, destruidora de reputações.

Eduardo não conseguiu os votos no Senado para ser embaixador, ok, mas a campanha para chegar lá o fez ser paparicado pela direita populista mundial ao longo do ano — posou com o americano Donald Trump, o italiano Matteo Salvini e o húngaro Viktor Orbán. Lidera o PSL e, tão logo decole o Aliança pelo Brasil, será o único dono em São Paulo do partido que sua família está montando. No Rio de Janeiro, há uma antiga rivalidade entre Carlos e Flávio. Mas, mais importante que tudo isso, Eduardo deu início neste ano à trajetória para ser o principal herdeiro do bolsonarismo. Agora, sabe, é hora de arregaçar as mangas.

Na quarta-feira 27, revelou à coluna quais são os próximos passos: em 2020, o zero três coloca o pé na estrada e, no melhor estilo candidato presidencial, “vai rodar o Brasil”. Visitará estado a estado, “fazendo um trabalho de formiguinha, pregando o conservadorismo e defendendo” o governo da família. Com 35 anos, Eduardo mira lá na frente: “Não sou candidato a nada, eu só poderia me candidatar a presidente em 2030. Aqui não é terra de Evo Morales. Não vou herdar o governo. Vou herdar o Brasil de meu pai”, disse, com ar decidido.

A pauta internacional não será mais prioritária. Eduardo quer se voltar para dentro. Embora vá continuar no PSL até a legalização do Aliança pelo Brasil, ele anunciou que deixará espontaneamente a liderança da sigla e não tentará presidir nenhuma comissão na Câmara. “A estratégia para me expulsar (do PSL ) é conseguir voltar a compor a maioria dessa ala, que está sendo chamada de bivarista, e assim retomar a liderança. Estou tranquilo. O que me preocupa é se eu andar na rua e for vaiado por meus eleitores. Mas quem está perdendo seguidores é a Joice ( Hasselmann ). #DeixeDeSeguirAPepa bombou”, cutucou, em referência à hashtag de mau gosto que compara Joice Hasselmann à porquinha Peppa Pig. “Para mim, é indiferente (se me expulsarem ). Virando o ano, não vou mais ser presidente da Comissão de Relações Exteriores”, disse, confirmando que não tentará se impor no PSL para presidir outra comissão.

Os planos para 2020 serão um avanço natural ao papel que vem desempenhando desde que o caldo com o PSL entornou de vez. Quando falou à coluna, Eduardo cumpria mais uma missão de primeiro soldado: havia ido à Comissão de Cultura para defender Ernesto Araújo, convocado para explicar o que o Itamaraty vem fazendo para divulgar o Brasil no exterior. Empenhou-se no microfone nos elogios a Araújo. “O melhor em décadas”, ainda tuitou, ao comentar mais tarde a performance do ministro, o mais próximo dele na Esplanada e o único que, a diferentes interlocutores, ele chama de amigo.

Eduardo está bem mais relaxado do que semanas atrás, quando teve de lidar com a tensa crise do PSL e ainda se desdobrar para criar uma narrativa positiva capaz de amenizar o fracasso da empreitada da embaixada — as projeções eram de que não conseguiria mais que 15 votos no Senado.

Bem-humorado, fazia piadas enquanto caminhava para a liderança do PSL, sala que ainda ocupa apesar do status transitório no partido, mas pela qual disse não ter apego: “Nem eu nem o presidente queríamos que eu fosse líder, mas ( fui líder porque ) meu nome angariou a maior parte do apoio dos deputados”, defendeu, ignorando a existência de um áudio, revelado pela coluna, em que o próprio Bolsonaro, gravado às escondidas, é flagrado articulando a derrubada do antigo líder, Delegado Waldir.

Atualmente, Eduardo lidera de verdade apenas os deputados que já confirmaram que vão para o Aliança — cerca de 26 dos 53 da bancada do partido. “Quem está perdendo são aqueles que mais me atacam. Eles que têm de explicar o motivo de estarem me atacando, indo contra a ordem do presidente da República. Gostaria muito que outro deputado assumisse a liderança do partido”, afirmou, apontando em seguida quem é sua tropa de confiança para sucedê-lo: “Bia Kicis, Carlos Jordy, Filipe Barros, Caroline De Toni podem assumir naturalmente”. Todos da ala comandada por Bolsonaro.

“Falar em conservadorismo, resgaste histórico, aproximar as pautas do governo da sociedade. O que foi reforma da Previdência? Como vai ser o pacote anticrime? Por que o governo fez assim e não assado? O presidente tem uma agenda muito complicada, muito corrida. Sou demandado em todo o Brasil, todo o Brasil bate na porta do gabinete. Só vou aproveitar os convites que me são feitos.”

Indagado sobre se quer suceder ao pai, Eduardo lembrou o impedimento. Ele esbarra numa questão legal. A legislação atual proíbe filhos de presidentes da República de se candidatarem a qualquer cargo. Só é permitido tentar a reeleição na posição que já ocupavam no momento em que um dos pais foi eleito à Presidência. Portanto, enquanto Jair estiver no Planalto, Carlos só poderia se candidatar à reeleição de vereador do Rio de Janeiro, Flávio só poderia tentar voltar ao Senado também pelo Rio, e a Eduardo só restaria a Câmara dos Deputados por São Paulo. Fora isso, antes de o pai deixar a Presidência, só síndico do prédio.

Como Bolsonaro já anunciou que tentará a reeleição, e a avaliação da família é de que será uma vitória mais fácil do que a de 2018, os filhos só poderão galgar novos cargos a partir de 2027 — quando, num cenário hipotético, um Bolsonaro reeleito desceria a rampa.

Eduardo disse não se preocupar com os processos que correm contra ele no Conselho de Ética — um deles sem chances de prosperar, por atacar Joice Hasselmann nas redes, e outro, mais forte, em virtude de seu flerte com o golpismo, ao defender um “novo AI-5” em caso de a esquerda se “radicalizar”.

“Me inspiro muito em meu pai. Ele já respondeu uns 30 processos no Conselho de Ética, nenhum por roubar, todos só por falar”, emendando numa nova tentativa de explicar o que disse: “Nosso sentimento (dele e de Paulo Guedes) não é retornar ao AI-5, não queremos fechar o Congresso. Longe disso. O que queremos dizer é que, se (acontecer o que defende) esse pessoal, por exemplo o Lula, que fica torcendo para vir para o Brasil isso que chamam de protesto, mas, na verdade, é quebra-quebra de dezenas de estações de metrô, fogo em ônibus, coquetel molotov em policial feminina. Esse tipo de coisa não é protesto, é esfera criminal. Precisa ter energia para poder responder. Não vai ser através de poemas ou rosas”, disse.

Confrontado com o fato de que nada disso é o que se vê nas ruas brasileiras em novembro de 2019, rendeu-se à realidade: “Todas são conjecturas. Estamos falando de Chile, mas já vemos isso acontecer na Colômbia, e o pessoal está doido para trazer para cá”, afirmou, para logo depois, como se reconectando-se com a realidade, se contradizer novamente: “Se bem que acho que vai ser difícil, porque a esquerda não tem tanta moral assim, porque foram muito desgastados com a corrupção que cometeram. Fica difícil para eles conseguirem angariar apoio, a não ser que paguem”.

O fantasma de Lula também seria, em sua visão, o fator que fez o dólar disparar. “Quando se solta o Lula, você traz uma insegurança jurídica para o Brasil. Estão tentando atribuir ao Bolsonaro algo (a alta do dólar ) que não foi ele quem fez. O presidente deu uma declaração para que o dólar subisse? Não”, disse, talvez esquecendo que foi a declaração de Paulo Guedes sobre o AI-5 o fermento da mais recente disparada.

Polido, Eduardo pediu para encerrar a conversa. Estava atrasado para uma reunião na liderança do PSL. “Dê tempo para o homem (o presidente ) trabalhar. É muita gente especulando. Se ele fosse um ditador, o dólar estaria nas alturas”.


Míriam Leitão: Clima de incerteza na Argentina

Setor privado brasileiro acompanha com preocupação a incerteza na Argentina e o estranhamento entre os dois governos

As empresas brasileiras que têm negócios na Argentina acompanham com expectativa as informações sobre a política econômica do novo governo. Por enquanto, os investimentos estão congelados, disse uma dessas companhias, porque o governo Alberto Fernández ainda é uma incógnita. Fala-se que o ex-ministro da Economia Roberto Lavagna poderia voltar ao governo para um posto influente na área. Quem tem falado com o mercado é Guillermo Nielsen, visto como pragmático.

O setor privado brasileiro acompanha preocupado a incerteza na Argentina e o estranhamento entre o governo Bolsonaro e o que tomará posse na Casa Rosada em 10 de dezembro. Ontem, no entanto, houve sinalizações dos dois lados de haverá pragmatismo nas relações. Faltando dez dias para a posse, o presidente eleito ainda não decidiu a sua equipe econômica. Disse que anunciará tudo entre os dias cinco ou seis de dezembro. —Tem notícia para todos os lados. Tem notícia de que voltará a ter política voltada para estimular exportação, para assim atrair dólares, mas há também rumores de que haverá um fechamento da economia.

Circulam informações de que pode dar um choque heterodoxo, ou que ele é mais moderado em questões econômicas e busca um modelo como o de Lula do primeiro mandato — afirma um executivo de uma empresa lá instalada e que acaba de voltar de uma semana na Argentina tentando saber o que vai acontecer.

O que dizem os que acompanham os acontecimentos no país vizinho é que além do ministro da Economia será importante saber o que acontecerá na área da energia, porque o grande ativo que o país pode explorar é a área petrolífera e de gás de Vaca Muerta. Eles precisariam de um novo marco regulatório na área de energia.

O governo Cristina Kirchner impôs tributos pesados sobre a exportação. O governo Macri assumiu dizendo que iria acabar com a taxação sobre o setor exportador, mas como em outras áreas, cumpriu o prometido pela metade. Chegou a tirar todos os impostos sobre a exportação de carne. A soja tinha um tributo em torno de 35%, ele reduziu um pouco, mas agora já voltou a subir. Na carne, Macri também voltou a taxar. A Argentina reduziu muito a sua importância no mercado global de carne bovina. O maior exportador é o Brasil.

Neste momento, está havendo uma forte alta do preço internacional por causa do aumento da demanda chinesa. No Brasil isso tem provocado até perturbação no abastecimento e uma alta de 35% só em novembro. A gripe suína dizimou o rebanho suíno chinês e reduziu a produção em 12 milhões de toneladas. Esse consumo está agora sendo direcionado para outros tipos de proteína animal e o país tem buscado carne onde dá.

A Argentina pode aproveitar o momento e aumentar sua exportação do produto. Com a alta do preço, o imposto não tirará a competitividade. O cálculo é que os impostos sobre produção agrícola podem arrecadar entre 1,5% e 2% do PIB. Na Argentina, o cargo de vice-presidente é exercido conjuntamente com o de presidente do Senado. Isso significa que Cristina Kirchner terá muita influência.

Seu grupo tem peso político, seu filho Máximo Kirchner será líder do bloco peronista da Câmara, e seu ex-ministro Alex Kicillof será governador de Buenos Aires. Sergio Massa, cuja conciliação com o grupo kirchnerista aumentou a unidade do peronismo, vai ser presidente da Câmara.

Massa foi chefe da Casa Civil de Cristina. É pule de dez que haverá muitos episódios de disputa de poder entre Fernández e Cristina no governo. Mas haverá uma oposição forte, puxada pelo presidente Macri que conseguiu, apesar da crise econômica, ter 40% dos votos.

Com todos os erros cometidos pelo governo Macri, há em alguns pontos uma herança positiva. Ele reduziu o passivo energético, aumentou a transparência dos índices de inflação, diminuiu o desequilíbrio na conta-corrente. Também ampliou os mercados com os quais a Argentina negocia, inclusive abrindo mercados para o setor de carne.

O novo governo terá que enfrentar uma inflação de 55%, recessão e um pesado calendário de vencimento de dívidas. Para 2020, o país tem US$ 37 bilhões de dívidas vencendo. O presidente eleito já disse que o valor é impagável. Pelo menos nos termos negociados atualmente. Nessa dúvida sobre o que virá, estão as empresas brasileiras que exportam para lá ou estão na Argentina.


Ascânio Seleme: Presidente desestimulado

Ao declarar que as pessoas estão sendo cada vez mais desestimuladas para concorrera cargos públicos em razão dos aborrecimentos coma Justiça que podem ter ao final de seus mandatos, Jair Bolsonaro defendeu uma tese que se ouve repetidamente em Brasília. Sobretudo por políticos que preferem operar no escuro que à luz do sol. O presidente falou em uma cerimônia no Tribunal de Contas da União. O que pareceria uma crítica, era mesmo uma crítica. O chefe da Nação se queixava do excesso de rigor dos órgãos de fiscalização da gestão pública.

É verdade que ao longo dos anos o Estado brasileiro foi criando mecanismos extrafortes para conter avanços privados sobre os cofres públicos. Mas a montanha de leis, regras e normas que cercam e protegem o Erário nacional tem pelo menos uma boa razão para existir: o Brasil ocupa a 105º posição no Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional, que investigou 180 países no ano passado. Estamos mal, mas já estivemos pior.

O presidente fez a queixa no discurso de abertura do 3º Fórum Nacional de Controle, realizado na sede do TCU em Brasília. Ele disse que tem visto políticos, especialmente em cargos executivos, que acabam tendo de prestar contas à Justiça depois de cumprida a sua gestão. Segundo Bolsonaro, são “colegas que de boa-fé exerceram o seu mandato, mas não com muito zelo e muitas vezes por desconhecimento se veem enrolados coma Justiça e muitos levam 10,15,20 anos para voltar a ter paz, isto não é fácil ”.

Pois é, o primeiro erro na frase do presidente foi afirmar que servidores de boa-fé acabam tendo dedar explicações à Justiça por não exercerem com zelo a
atividade pública. Se o trabalho não foi feito com zelo, não há boa-fé que dê jeito. Claro que a falta de cuidado na gestão resulta em má aplicação de verbas, em desvios, em roubalheira. No serviço público, o servido ré processado. No setor privado, o empregado desleixado é demitido.

O segundo erro foi dizer que servidores muitas vezes erram por desconhecimento. Ele não mencionou que desconhecimento, mas acho que se referia a leis. É óbvio que o funcionário público, eleito para um mandato ou concursado para uma vaga, tem obrigação de conhecer as leis que balizam a sua atuação.

Para fortalecer o seu discurso, Bolsonaro disse ao plenário reunido no TCU estar vendo um cenário de poucos candidatos para as prefeituras nas eleições do ano que vem em razão dos “problemas” por ele mencionados. Não se sabe de onde ele tirou esta constatação, já que o prazo para registros de candidaturas sequer foi aberto ainda. O fato é que na visão do presidente está havendo um “desestímulo” para a entra dano cenário de novos políticos em razão do excesso de regras de controle.

“Todo dia são dezenas de novas normas, novas recomendações, é praticamente impossível agente tomar pé de tudo e poder governar dessa maneira”, disse a uma plateia formada basicamente por mulheres e homens cujo trabalho é justamente fazer valer as regras, normas, recomendações ele isque protegemos recursos públicos.

Não se pode afirmar que Bolsonaro defende menos controle para poder tirar daí qualquer vantagem pessoal ou política. Aparentemente, o discurso do presidente foi sincero, ele gostaria mesmo de ter menos entraves para governar com mais liberdade e menos sobressaltos. Talvez seja mesmo o caso de reduzir ou uniformizar alguns procedimentos que facilitem o trabalho do servidor público. Para isso existe o Congresso Nacional. O próprio Executivo pode tomar iniciativas nesse sentido, e os órgãos de fiscalização também podem contribuir.

Mas enquanto isso não ocorrer, há bons exemplos na História do Brasil paras e prosseguir na política enfrentando o mar revolto da fiscalização. Aqui vão três: Itamar Franco, prefeito de Juiz de Fora, senador, governador de Minas Gerais e presidente do Brasil, saiu de todos os cargos como entrou, de cabeça erguida. Fernando Henrique, professor universitário concursado, senador, ministro de Estado e presidente, não tem qualquer aborrecimento coma Justiça. Miro Teixeira, deputado federal por mais mandatos que Bolsonaro, não deve nada a ninguém.


Merval Pereira: Não é só o Lula

Deputados que eventualmente poderiam resistir à antecipação da prisão têm atualmente processos no Supremo

A desconfiança de que o acordo fechado entre Câmara e Senado para aprovar uma emenda constitucional que permita a prisão em segunda instância não passa de uma manobra protelatória para não aprovar coisa nenhuma tem sido uma dor de cabeça para o presidente da Câmara.

Ele passou a sexta-feira ao telefone ligando para os líderes de partidos políticos que não indicaram os membros da Comissão Especial que analisará a proposta. Isso porque apenas 16 dos 34 deputados que a comporão haviam sido indicados. Maia dá sinais de que pretende instalar já na próxima semana a Comissão com a maioria de 18 participantes, para forçar os demais partidos resistentes a indicarem seus representantes.

Entre esses partidos estavam até mesmo o DEM, partido de Maia e Alcolumbre, PP, MDB, Republicano, PTB, PSC, PMN, Solidariedade, PCdoB, Patriota, PT, PSB e PSOL. Os partidos de esquerda tentarão obstruir os trabalhos, e, sendo a Comissão Especial instalada, eles terão que fazê-lo nas reuniões plenárias, não adiantando ficar de fora dos debates.

O presidente da Câmara quer demonstrar, com essa instalação, que está disposto a fazer andar a proposta, para dissipar as dúvidas sobre sua atuação. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a proposta que muda os artigos 102 e 105 da Constituição para permitir que os julgamentos terminem na segunda instância, quando seria considerado o trânsito em julgado, foi aprovada por 50 votos a 12, o que mostra a correlação de forças.

O texto da PEC do deputado Alex Manente transforma os recursos ao STJ (ordinários) e ao STF (extraordinários) em ações de revisão, possibilitando que as decisões proferidas pelas cortes de segunda instância transitem em julgado com o esgotamento dos recursos ordinários.

O projeto em discussão no Senado que altera o Código de Processo Penal (CPP) para definir que a prisão pode acontecer “em decorrência de condenação criminal por órgão colegiado ou em virtude de prisão temporária ou preventiva” vai continuar sua tramitação na CCJ até que a senadora Simone Tebet se convença de que a PEC da Câmara vai realmente seguir adiante.

A decisão de apoiar a PEC em vez da mudança do PCC, como queria o ministro Sérgio Moro, levou em conta a segurança jurídica, e não o tempo do processo, mais demorado e mais difícil de ser aprovado quando se trata de uma emenda constitucional.

Havia o receio de que a mudança no CPP criasse dúvidas, pois o artigo 283 já fora considerado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Mudança em seu texto levantaria novos debates na própria Corte, mesmo que o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, tenha dito que o Congresso é soberano para mudar a legislação.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, está convicto de que a proposta será aprovada com facilidade, mas sabe que haverá obstáculos no caminho. O que ele quer é que todos assumam suas responsabilidades, como aconteceu na reforma da Previdência.

Os deputados que eventualmente poderiam resistir à antecipação da prisão têm atualmente processos no Supremo Tribunal Federal, e só seriam prejudicados se perdessem a eleição em 2022, um horizonte eleitoral distante. E a pressão da opinião pública certamente continuará, especialmente no recesso parlamentar, quando todos regressam às suas bases eleitorais. Desse ponto de vista, será até bom instalar a Comissão Especial agora e retomar as discussões no ano que vem.

Uma discussão que certamente afetará a decisão é o alcance da mudança, que deve atingir todos os casos, não apenas os criminais. Os casos cíveis, tributários, trabalhistas e outros poderão ser executados com a decisão de segunda instância.

Essa abrangência pode ser questionada, e a senadora Simone Tebet acha que os lobbies atuarão fortemente para derrubar a PEC, inviabilizando sua aprovação. Mas, ao mesmo tempo, ajuda a não particularizar a decisão, tirando dela a pecha de ser destinada a voltar a prender o ex-presidente Lula. Além da pressão da sociedade pela segunda instância ser voltada pontualmente para os corruptos presos, o interesse dos políticos aumentará muito com a simplificação dos processos em geral, e a PEC teria o apoio da sociedade também por parte dos que criticam a demora das decisões judiciais.


Adriana Fernandes: Trocando o encanamento

É sintomático que o número de CEOs de bancos que se reúnem no BC tenha subido

Roberto Campos Neto, o presidente do Banco Central, lançou um petardo regulatório na direção dos bancos para aumentar a competição bancária e baratear o crédito no País. Elas não se resumiram à fixação pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) de um teto de juros de 8% ao mês para o cheque especial.

Em uma semana, ele disparou uma artilharia maior do que foi feito em anos pelos seus antecessores no cargo. Foi uma sequência de medidas de uma agenda bem maior, completamente disruptiva, sustentada na inovação tecnológica e capaz de provocar uma ruptura muito rápida na forma de fazer crédito do País.

É claro que o avanço dessa agenda já era esperado. Desde antes da transição de governo, ela estava sendo construída pelo grupo de economistas que assessoram o hoje ministro da Economia, Paulo Guedes, e que tinha Campos Neto como um dos seus principais participantes.

O que tem espantado muitos segmentos do mercado (sobretudo os grandes bancos detentores de 84% do mercado) é a velocidade com que Campos Neto e sua equipe estão promovendo as medidas. Mesmo diante de resistências na área técnica, o BC conseguiu o apoio de um receoso Guedes, preocupado com o risco de a medida ser interpretada como antiliberal.

A aposta do presidente do BC é audaciosa. A resistência já é grande. Muitos argumentam que o BC está fazendo uma espécie de “arbitragem regulatória” para acelerar o processo.

No Brasil, é mais comum presidentes de BCs falarem de câmbio e juros. Campos Neto começou a virar o jogo dando peso grande à agenda micro. O presidente do BC costuma comparar o sistema de crédito com um encanamento que está entupido. Por muitos anos, o BC tem se preocupado com a quantidade de pressão da água que precisava colocar no encanamento.

Agora, o BC está trocando o encanamento. Na visão do BC, isso significa, na prática, que o cano precisa ficar mais largo para que a política monetária (de juros) tenha maior potência.

Como o BC quer fazer isso? Aumentando a intermediação financeira da economia, com mais competição, bancarização, inclusão, educação financeira, transparência e troca de informações para o acesso ao crédito.

O cano estava entupindo por uma série de fatores. Uma parte do entupimento começou a ser removido com a saída do governo do financiamento, reduzindo os subsídios, principalmente para as grandes empresas. A hora que o governo sai, o tamanho do cano começou a aumentar. Com a mesma pressão da água, o BC consegue mais efeito lá na frente. No economês, isso significa dar mais eficiência ao canal de transmissão da política monetária.

Está faltando a parte da competição do crédito. Distorções do sistema brasileiro bancário têm impedido um efeito mais forte da queda da taxa Selic, que está em patamares mínimos históricos, no custo do crédito.

Historicamente, os grandes bancos no Brasil – um grupo de apenas cinco – adotaram barreiras para que os menores tivessem dificuldade de entrar: 1) capilaridade: os bancos chegaram a ter mais pontos de venda do que agências; 2) estrutura fechada: dificulta o acesso a produtos e serviços de outros locais; 3) meio de pagamentos concentrados num único banco; 4) facilidade de o balanço permitir a multiplicação da base de depósitos; 5) monopólio de dados dos seus clientes.

Todas essas barreiras estão diminuindo. O crescimento das fintechs (as startups financeiras) é o maior sinal desse cenário. Já são 13 fintechs operando e crescendo o crédito a 300% ao ano. É ainda uma base baixa, mas o BC tem uma fila de mais 20 fintechs para entrar em operação. Mais 60 são esperadas pelo BC em 2020, segundo apurou a coluna. Esse mercado avança exponencialmente com novas plataformas de oferta de crédito a custos mais baratos.

Os grandes bancos estavam sentados nesses cinco castelos e agora começaram a se mexer. Uns com mais atraso que os outros. Nessa competição acirrada, o BC já avisou que não bastará eles comprarem uma empresa digital para se aproveitarem das vantagens regulatórias das fintechs. Se fizerem isso, terão de vender o controle. Essa é regra do jogo.

É sintomático que o presidente do BC tenha aumentado de cinco para sete o número de CEOs de bancos que se reúnem periodicamente no BC. O clubinho está aumentando.


João Domingos: A banalidade autoritária

‘Sem liberdade de imprensa, além de acuados, estaremos perdidos’

Ninguém que defenda a democracia pode considerar normal a banalidade com que se tem invocado a edição de um novo AI-5. Com o AI-5, o Congresso foi fechado, o presidente da República foi autorizado a decretar estado de sítio por tempo indeterminado, demitir pessoas do serviço público, cassar mandatos, confiscar bens e intervir nos Estados e municípios. A liberdade de imprensa e de expressão foi extinta. Essa é a verdade dos fatos. Escondê-la é distorcer a realidade, é fabricar fake news.

Autor do recém-lançado Existe democracia sem verdade factual? (Estação da Letra e Cores Editora), no qual dialoga sobre o impacto da desinformação no debate público com o pensamento da filósofa Hannah Arendt, criadora da teoria da “banalidade do mal”, Eugênio Bucci, professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP, faz uma analogia entre a tentativa de negar a verdade dos fatos e a ameaça ao estado democrático de direito.

À coluna, Bucci lembrou que a democracia é uma construção histórica, um engenho social, um projeto humano. “Sem cuidados, ela pode perder vigor e desaparecer. A democracia existe porque existiram e existem seres humanos que cuidam dela, com muito trabalho. Sem eles, nada feito.”

Para existir a democracia, é preciso haver liberdade de expressão e de imprensa. Mas até quando a liberdade de imprensa e de expressão sobreviverá à ameaça de soluções autoritárias, como a da volta do AI-5, ou à tentativa de banalização do uso das Forças Armadas em conflitos urbanos e rurais, que podem esconder intervenções nos Estados e quebra do princípio federativo?

Bucci observa que no Brasil e em outros países aumentam a atividade e o espaço dos que trabalham contra e combatem as liberdades individuais, os direitos fundamentais, as conquistas sociais, a tolerância, o pluralismo e a cultura de paz, valores que servem de balizas civilizatórias. “A democracia ainda está aí, as instituições estão funcionando, mas as ameaças contra ela se avolumam.”

Nesse contexto, os primeiros ataques tentam atingir a liberdade de imprensa – a frente mais frágil e mais visível das sociedades democráticas, diz Bucci. “No Brasil, o clima de ameaças se tornou escancarado. Artistas são xingados e execrados. As universidades sofrem infâmias diárias, como a de que não passam de centro de consumo e de produção de drogas. Por que isso? Porque na universidade há pensamento livre, coisa que os autoritários não suportam. E porque nas artes há imaginação à solta, coisa que os apavora. Mas é contra a imprensa que se detonam os bombardeios mais baixos e mais covardes, incluindo intimidações pessoais, ameaças de morte e de prisão, chantagens e tentativas, vindas do Estado, de quebrar o negócio de órgãos jornalísticos.”

Para Bucci, não há nada mais frágil do que a verdade factual, mas, ao mesmo tempo, não há nada que o autoritarismo mais tema. “Cerremos fileiras com a liberdade de imprensa. Se ela cair, todo o resto cairá logo em seguida. Se queremos uma democracia que não dobre os joelhos, queremos uma imprensa incômoda, independente e sustentável. A liberdade de imprensa será o fiel da balança no Brasil de agora, como já foi no passado. Sem ela, além de acuados, estaremos perdidos.”

Despedida
Esta é minha última coluna. A intenção, ao pedir a Eugênio Bucci que falasse sobre a liberdade de imprensa para o texto de despedida, foi lembrar que essa liberdade sofre ameaças muito sérias. Entendo que Bucci, ao lado do ex-presidente do STF Ayres Britto, e de veículos de comunicação como o Estado, simbolizam, cada um em seu espaço, a luta pela liberdade de expressão. Que, em resumo, é a defesa da democracia. E a garantia da liberdade.


Demétrio Magnoli: Um só governo?

Os liberais brasileiros estão dispostos a seguir a trilha de Bolsonaro?

“O governo é um só. Essa divisão que se faz de que o Bolsonaro é um louco e o Paulo Guedes toca uma agenda racional não existe.”

A frase do deputado Rui Falcão, ex-presidente do PT, foi cunhada para a disputa política, mas concentra uma tese. Ele está dizendo que o programa econômico liberal é inseparável do autoritarismo político. Guedes, que tirou o AI-5 para dançar, confere verossimilhança à acusação. O governo é, realmente, um só?

Marilena Chauí inscreve a tese de Falcão numa narrativa histórica. Dirigindo-se, em agosto, à plateia de um debate preparatório ao 7º Congresso do PT, estabeleceu um nexo ousado: “O neoliberalismo não é apenas uma mutação histórica do capitalismo. Ele é a nova forma do totalitarismo. Nós estamos acostumados a encarar o totalitarismo na figura de um líder de massas, o autocrata. Eles desapareceram.

O discurso do ódio agora está sob controle do próprio sistema que rege esses governos. A eficácia desse novo totalitarismo é a sua invisibilidade”.

Revisitadas hoje, depois da adesão de Guedes às invocações autoritárias do núcleo bolsonarista, suas palavras fazem sentido?

Desconte-se a ligeireza conceitual. Traduza-se “neoliberalismo”, um tropo ritual da esquerda, por políticas liberais. Para não queimar no fogo da paixão ideológica os textos clássicos de Arendt e Lefort (este, mentor de Chauí), substitua-se “totalitarismo” por “autoritarismo”. Será verdade que, para ser liberal, o capitalismo precisa suprimir a democracia?

Minha resposta é irrelevante. O que importa é a resposta dos próprios liberais. No rescaldo da polêmica sobre o AI-5, Guedes tentou consertar o estrago propondo que se pratique uma “democracia responsável”.

Ficou pior. A adjetivação da democracia remete a uma tradição autoritária que se estende de Salazar (“democracia orgânica”) a Orbán (“democracia iliberal”), passando por Erdogan (“democracia conservadora”) e Putin (“democracia soberana”). A questão não é acadêmica: os liberais brasileiros estão dispostos a seguir a trilha de Bolsonaro?

Na doutrina liberal, a liberdade política é inseparável da liberdade econômica. Mas os ícones do liberalismo do século 20 flertaram com a cisão. Na sua segunda visita ao Chile de Pinochet, em 1981, Friedrich Hayek afirmou preferir uma “ditadura liberal” a um “governo democrático desprovido de liberalismo”. Disse, ainda, que “uma ditadura pode ser um sistema necessário durante um período de transição”.

Milton Friedman também assessorou Pinochet —e, mais tarde, defendendo-se das críticas, sugeriu que, graças ao programa liberal adotado pelo regime, o Chile acabou se reencontrando com a democracia.

Friedman visitou a China em 1980, entre uma e outra passagem pelo Chile, e voltou em 1988, oferecendo conselhos a Deng Xiaoping e Zhao Ziang. Como Hayek, ele imaginava que a liberdade nasce nos bastidores da economia, difundindo-se eventualmente (naturalmente?) para o palco da política.

Nessa cisão conceitual encontra-se a fresta para a defesa da “ditadura transitória” —e, talvez, de uma perene democracia adjetivada. Guedes bebe nas fontes de um liberalismo inseguro sobre o valor da liberdade política.

A sequência começou antes —repito: antes!— de Lula deixar a cadeia. Partiu de um comando de Olavo de Carvalho, que clamou pelo “fechamento” dos “partidos ligados ao Foro de São Paulo”.

Daí, Jair Bolsonaro mencionou as manifestações chilenas como motivo para convocar os militares às ruas e publicou o célebre vídeo das hienas. Finalmente, Eduardo Bolsonaro implorou por um “novo AI-5”. O núcleo do governo não teme o espectro de protestos mas, pelo contrário, torce por sua materialização, gerando o álibi para uma aventura subversiva.

É nessa encruzilhada que se encontram os liberais brasileiros. Guedes sonha com uma “ditadura transitória”? O governo é mesmo um só?

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Ricardo Noblat: Bolsonaro confessa seu despreparo para o cargo

Presidente acidental

Enquanto o PT, demais partidos e a maioria das figuras públicas se negam a admitir erros, o presidente Jair Bolsonaro vem a público e confessa candidamente seu despreparo para o cargo que ocupa. Aconteceu na última quinta-feira no Tribunal de Contas da União e não causou maior espanto, o que é verdadeiramente espantoso.

Ao abrir o 3º Fórum Nacional de Controle, ele disse que enfrenta “dificuldades seríssimas” em algumas áreas do governo, e explicou por quê. Atribuiu-as à complexidade da administração pública e à sua falta de formação para lidar com ela.

– Minha formação foi outra e mesmo quando é da formação, tem dificuldade. Todo dia são dezenas de novas normas, novas recomendações, é praticamente impossível a gente tomar pé de tudo e poder governar dessa maneira. Precisamos dessa equipe e eu considero o tribunal como um das peças mais importantes nessa equipe de governança e integridade.

O tribunal não faz parte de nenhuma equipe de governança. É um órgão de controle externo do governo federal. Sua independência é comparada à do Ministério Público. Não é subordinado a nenhum dos poderes da República, embora seja tido como um órgão auxiliar do Congresso. Mas seria exigir demais que Bolsonaro fosse capaz de entender isso. Como disse no seu estilo confuso:

– Sou o chefe do Executivo. Confesso que tenho muita preocupação e esse evento visa exatamente nos tranquilizar, acho que todos nós, até dentro de casa, queremos e devemos nos antecipar a problemas.

Não, o evento não visava tranquilizá-lo. Era apenas um evento como outro qualquer. Se fosse um bom aluno, ele teria saído de lá apenas mais bem informado. Ocorre que Bolsonaro nunca leu um livro na vida como revelou mais de uma vez. Nem mesmo o livro que diz manter em sua mesinha de cabeceira, as memórias do coronel torturador Brilhante Ulstra, a quem tanto exalta.

À saída do evento, em resposta a perguntas de jornalistas, estimou que haja poucos candidatos a prefeito nas eleições do próximo ano. A razão? Problemas com a Justiça que possam ocorrer depois do mandato. Confuso? Bolsonaro com a palavra:

– O que leva a um desestímulo a uma carreira política, em especial no caso do executivo, são os problemas que advém depois do mandato. Tenho visto colegas que de boa-fé exerceram seu mandato, mas não com o devido zelo e muitas vezes por desconhecimento se veem enrolados com a Justiça e muitos levam 10, 15, até 20 anos para voltar a ter paz, isto não é fácil.

Quem disputa eleições não pode desconhecer as exigências do cargo que ambiciona. Essa desculpa não vale quando mais tarde se vir enrolado com a Justiça. Também não vale no exercício do cargo para justificar sua perplexidade diante dos desafios que ele lhe oferece. Nenhum governante é obrigado a saber de tudo. Para isso dispõe de auxiliares. Se souber escolhê-los poderá sair-se bem.

Bolsonaro montou uma equipe medíocre para governar, salvo honrosas exceções. Amarga as consequências disso, e nada faz para mudar. Amarga sua falta de paciência para se debruçar sobre os problemas. Amarga sua dificuldade em aprender. Por fim, amarga sua falta de atributos para o cargo que o destino lhe reservou. É um presidente acidental.