Day: novembro 7, 2019

Zeina Latif: Navegar é preciso

Nada como a falta de dinheiro para forçar o Brasil a rever as políticas públicas

Nada como a falta de dinheiro para forçar o Brasil a rever as políticas públicas. Atribuindo ou não o rótulo de agenda liberal, o fato é que o debate econômico avança. Velhos temas que preocupam há anos ou décadas, inclusive com tentativas fracassadas de avanço, emergem no debate público, com a liderança de Paulo Guedes.

Foram enviadas ao Congresso propostas de emenda à Constituição (PEC) que visam a melhorar a gestão das contas públicas no longo prazo e produzir alguma economia de recursos no curto prazo. São muitos temas polêmicos divididos em três PECs. Essa estratégia parece arriscada, pois poderá produzir um congestionamento de pautas no Congresso e ataques prematuros, sendo que cada PEC terá de seguir seu rito. Não se sabe a ordem de prioridades do governo, mas provavelmente as medidas emergenciais de curto prazo serão priorizadas.

São várias frentes de discussão, e algumas se destacam.

Pretende-se dividir com Estados e municípios a receita de exploração do pré-sal (na casa de R$ 400 bilhões em 15 anos), mas com mudanças na relação do Tesouro com esses entes, com medidas como: proibir empréstimos do Tesouro e limitar as garantias a empréstimos de terceiros a partir de 2026; encerrar a (longa) disputa judicial sobre a Lei Kandir, que representa expressivo risco fiscal ao Tesouro; eliminar a linha de crédito para pagamento de precatórios; e proibir o uso de fundos de pensão e depósitos judiciais entre partes privadas (expedientes utilizados para Estados fecharem as contas).

Não são muitas as contrapartidas tendo em vista o grande volume de recursos transferido. De qualquer forma, será essencial garantir sua aprovação, e não apenas a transferência de recursos, como o ocorrido na renegociação da dívida dos Estados em 2016. Conceder recursos sem a garantia de seu bom uso vai agravar o quadro fiscal. Toda atenção é pouca.

O governo quer tornar obrigatória a avaliação de renúncias tributárias (equivalem a 4% do PIB). Essas políticas, muitas delas equivocadas, cresceram muito até 2015 e têm sido preservadas ou renovadas, sem o devido estudo de efetividade e de justiça social. Muitas têm caráter permanente, como o Simples Nacional (R$ 75 bilhões), isenções no Imposto de Renda (R$ 51 bilhões) e isenções para entidades sem fins lucrativos (R$ 27 bilhões). E a Zona Franca de Manaus (R$ 25 bilhões), prevista na Constituição, foi renovada. Não há como fazer “canetada”. Será necessária a análise caso a caso. Trata-se de uma agenda de longo prazo.

Há o chamado 3D – Desobrigação, Desindexação e Desvinculação –, visando, corretamente, à maior flexibilidade dos orçamentos públicos. São medidas que vão desde a consolidação dos pisos de gastos com saúde e educação dos entes subnacionais (não gera economia de recursos, mas dá maior liberdade para ajustar os gastos às demandas de uma sociedade que envelhece) à diminuição da jornada de trabalho do funcionalismo, com redução proporcional da remuneração. Tema antigo que necessita de ajuste na Constituição, tendo em vista o impasse no STF. É o caso também da autorização de contingenciamento do orçamento do Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, em caso de risco de não cumprimento de regras fiscais, na mesma proporção feita ao Executivo. Esse dispositivo já vale para a esfera federal, conforme previsto na regra do teto, mas não nos demais entes, o que penaliza a oferta de serviços públicos do Executivo.

Há medidas temporárias de caráter emergencial. Ainda assim, são muito importantes para o cumprimento da regra do teto, que é alicerce da taxa de juros do BC em patamares inéditos. Prevê-se o acionamento de medidas corretivas, visando, principalmente, a conter o crescimento dos gastos com pessoal. Essas medidas, que prometem economia de R$ 24,8 bilhões no próximo ano, têm maior chance de prosperar.

O Brasil precisa avançar no ajuste fiscal e melhorar a alocação de recursos públicos. Haverá resistência dos grupos impactados. Vamos ao debate democrático.

*Economista-Chefe da XP Investimentos


Eugênio Bucci: ‘Economia criativa’ ou o mito da cultura lucrativa

Avizinha-se a política cultural dos incultos, representada pela destruição dos brucutus

O primeiro anúncio de que a produção de bens culturais se havia transformado numa indústria ordinária, banal, comum veio na forma de notícia ruim. Mais que ruim, agourenta. A expressão “indústria cultural”, formulada nos anos 40 do século passado por dois filósofos da Escola de Frankfurt, Theodor Adorno e Max Horkheimer, deixou todo mundo mal na foto. A dupla acusou os “capitães” da indústria cultural de substituírem o artista criador pelo “trabalho fungível” de anônimos, numa linha de montagem que endeusava o gosto do consumidor (que era gosto nenhum) e explorava a diversão das massas como um “prolongamento do trabalho”.

O negócio do entretenimento, então na sua adolescência, foi retratado como um engenho para alienar gente e assegurar o domínio do capital sobre as macacas de auditório. Ato reflexo, como recompensa pela má notícia que deram, Adorno e Horkheimer levaram a fama perpétua de pessimistas rabugentos. Mesmo assim, como a filosofia dos dois era boa, a influência ficou. Não dá pensar a cultura sem pagar pedágio a eles.

O segundo anúncio de que a produção de bens culturais se tinha transformado numa indústria veio na forma de euforia deslumbrada. Com excitação e ganância, a “economia criativa” foi proclamada, transformando em virtude e geração de riqueza o que a Escola de Frankfurt via como vício e manipulação.

Os pesquisadores desse filão dizem que o conceito começou a ganhar corpo nos tempos da conservadora Margaret Thatcher, primeira-ministra do Reino Unido de 1979 a 1990. Ela gostava de ter um publicitário por perto. Chamou marqueteiros competentes para a sua campanha e depois para o seu governo. Quando precisava convencer o contribuinte sobre isso ou aquilo, recorria ao advertising. Com essa predileção, a dama de ferro teria dado projeção aos negócios da publicidade, das produtoras de vídeo e de outros ramos que, em conjunto, formam a tal economia criativa.

A coisa só vingou mesmo alguns anos depois, entre 1997 e 2007, quando o trabalhista Tony Blair ocupou a cadeira que tinha sido de Thatcher. Blair pôs a economia criativa no centro das políticas públicas que implementou no Ministério (department) de Cultura, Mídia e Esportes. Daí em diante, em diversos países os “gestores públicos” passaram a olhar para a cultura como quem consulta um business plan, e a expressão economia criativa – hoje entendida como um setor que envolve tudo o que se relaciona com internet, turismo, grandes eventos, como a Olimpíada, y otras cositas más – entrou pesado no linguajar dos governos.

Frankfurt entregou ao mundo um pesadelo claustrofóbico com o nome de “indústria cultural”. Em resposta, a economia criativa nos devolveu a solução dos sonhos. Capitalismo também é cultura – ou, melhor, só há cultura no capitalismo. O movimento se adensou e se globalizou. Agentes públicos um pouco hipsters, que às vezes não usam gravata, situados num ponto equidistante (e improvável) entre a frieza contábil de Margaret Thatcher e a terceira via etérea de Tony Blair, passaram a professar o mantra de que cultura boa é cultura que gera impostos e financia o Estado. A onda pegou.

Foi quando o Brasil entrou no circuito. Tardia, mas consistentemente, o conceito de economia criativa vem fincando pé, com ares novidadeiros, em terras brasileiras, num contexto que exige de nós um pouco de reflexão (crítica, por certo, mas não macambúzia). Há riscos no ar. Quando a Inglaterra, dona do British Museum, da BBC e do Channel Four, vislumbra uma dimensão também econômica em atividades culturais, é uma coisa. Quando o Brasil, que incinera florestas e museus, começa a vislumbrar na devastação cultural oportunidades para o capitalismo, e mais nada, a coisa é monstruosamente outra. Os burocratas pátrios deram de fazer contas esquisitas. Dizem que festivais de música são meritórios porque anabolizam as taxas de ocupação de hotéis e geram tributos. Cifras casuísticas aparecem para metrificar a relevância cultural, enquanto um ornitorrinco microeconômico, um curiosíssimo “Ebitda” do setor público, se converte em indicador das artes.

Assim, a cultura é intimada a dar “retorno” para os cofres públicos, sendo tratada no mesmo nível que as corridas de Fórmula 1, a Marcha para Jesus, a Parada Gay ou o Círio de Nazaré. Ora, o que é cultura? Simples: cultura é o que faz tilintar o caixa da indústria do turismo. O resto é desperdício. Se você quiser montar uma peça de teatro para espectadores que morem na comunidade, esqueça. Eles não vão abarrotar a rede hoteleira. Se você quer uma biblioteca pública para moradores de rua, um abraço.

É claro que a produção cultural pode fomentar novos mercados de trabalho, e isso é muito bom – basta ver o sucesso do polo de indústria cinematográfica que se abriu no Recife, um exemplo gritante de conciliação entre o êxito econômico e a conquista cultural. O problema da adoção um tanto replicante do conceito de economia criativa entre nós não está aí, mas em outro lugar: está na redução do vasto universo da cultura e das artes a um organismo cuja mensuração cabe numa planilha de Excel.

O Brasil já pagou caro, e ainda paga, pela tecnocracia na política econômica. As contas até que fecham na bottom line, mas, como gente não é uma constante matemática, a vida social desanda. Agora o Brasil pagará ainda mais caro pela tecnocracia cultural. Avizinha-se de nós a política cultural dos incultos, e olhe que essa é a parte “menos ruim” do tablado nacional: a outra parte, a “mais pior”, é representada pela política de destruição cultural dos brucutus, os tais que censuram filmes e campanhas publicitárias com “temática transgênero”, que arrancam dos exames de vestibular menções à ditadura militar e, além de não lerem Paulo Freire, não sabem fazer conta de mais ou de menos.

De um lado, a cultura vira negócio sem conteúdo em busca de lucros ilusórios e esdrúxulos. Do outro lado, vira cinzas fumegantes. Saudade de Theodor Adorno.

*Jornalista, é professorda ECA-USP


Vinicius Torres Freire: Pacotão fiscal do governo tem contradições e deixa dúvidas

Emendas constitucionais têm textos com versões diferentes para os mesmos artigos

Parte das emendas constitucionais do pacotão do governo não conversa entre si ou se contradiz. O texto de pelo menos três artigos, o 37, o 167 e o 167-B, é diferente na emenda dita “emergencial” e na do “pacto federativo”. Além do provável equívoco na redação legal, a diferença cria problemas objetivos.

As dúvidas não param por aí, mas convém começar do mais intrigante. Por exemplo, o proposto novo artigo da Constituição sobre as medidas de emergência de corte de despesas em estados e municípios, o 167-B.

Caso a despesa ultrapasse 95% da receita, em 12 meses, governadores e prefeitos poderão adotar as mesmas medidas de arrocho do governo federal (suspensão de reajustes, contratações e promoções de servidores, reajustes de benefícios, cortes de salários etc.).

“Poderão”, se diz lá. O ajuste emergencial não parece, pois, obrigatório. Mas, caso governadores e prefeitos não façam os cortes de emergência, não terão direito a garantias da União (a operações de crédito, supõe-se), diz-se numa versão do parágrafo 2º do inciso 3 do artigo 167. No entanto, na outra PEC, que contém o mesmo artigo, esse parágrafo não existe, com esse teor.

Qual das versões vale? Faz diferença, pois um governador ou prefeito sujeito a perder garantias da União estaria mais propenso a fazer o arrocho, é razoável especular. O problema não para por aí, porém. O inciso 13 do artigo 167 diz que “são vedadas” ... “a concessão de garantias, pela União, a operações de crédito de Estados, Distrito Federal e Municípios”. Haverá garantias da União para estados e municípios ou não?

O artigo 167 também veda “a vinculação das receitas públicas a órgão, fundo ou despesa”, mas sem ressalvar as despesas mínimas com saúde e educação, que também são artigos da Constituição (ressalva atualmente inscrita no mesmo artigo 167). É problema? Essa nova versão do artigo dá cabo imediato de coisas como o financiamento do Fundo Social do Pré-Sal, que destina dinheiro para saúde e educação?

Aprovada a nova versão do artigo 163, uma lei complementar “disporá sobre” ... “sustentabilidade, indicadores, níveis e trajetória de convergência da dívida, resultados fiscais, limites para despesas e as respectivas medidas de ajuste...”.

O governo diz que não se trata de um limite para a dívida pública. Mas o que quer dizer “níveis” da dívida? Existem países com regras para a trajetória de endividamento, mas não está nada claro como será o método brasileiro e quão determinante tal trajetória será para o nível de gasto público.

O governo parece confiante na recuperação fiscal. Em três anos, vai abrir mão do restante da receita do salário-educação que não repassa a estados e municípios (ora uns R$ 9 bilhões por ano), além de receita ainda não definida de royalties e participações de petróleo (R$ 400 bilhões em 15 anos, diz Paulo Guedes).

Não parece que o governo federal possa abrir mão tão cedo deste dinheiro.

Pode ser que a incongruência dos artigos seja apenas de acidente na redação dos artigos das emendas, digamos, mas sabe-se lá. Quando o governo mandou o texto das emendas para o Congresso, propunha incluir as despensas com inativos no gasto mínimo com saúde e educação. A proposta causou revolta imediata de parlamentares —emenda foi sem nunca ter sido, o governo a retirou.

De qualquer modo, falta muito ainda para entender o alcance e saber dos detalhes dessa reforma constitucional do gasto público.


Bruno Boghossian: Excesso de euforia de Guedes cobra um preço político

Com menos verba do pré-sal, agenda do ministro pode ter dificuldade no Congresso

Paulo Guedes insistiu por meses para que o Congresso aprovasse uma reforma da Previdência que representasse uma economia de R$ 1 trilhão em dez anos. O ministro chegou a dizer, mais de uma vez, que poderia deixar o governo se os parlamentares transformassem sua proposta numa "reforminha".

No fim das contas, deputados e senadores entregaram um novo sistema que vai poupar R$ 800 bilhões em uma década. Barraram a redução de benefícios sociais e derrubaram a criação do regime de capitalização --menina dos olhos de Guedes.

A aprovação da reforma foi praticamente um milagre para um governo com capacidade de articulação quase nula. O resultado, porém, mostrou que ambições exageradas costumam pagar um preço político.

A frustração do leilão de áreas do pré-sal também terá um custo. A equipe econômica projetou uma arrecadação que permitiria distribuir para estados e municípios um total de R$ 21,5 bilhões. A ideia era adoçar a boca de governantes e parlamentares para amenizar o amargor de uma agenda de aperto fiscal.

A ausência de interessados em dois dos quatro campos em disputa cortou esse bônus pela metade.
Prefeitos e governadores ainda receberão um bom dinheiro, mas a promessa inicial já era considerada um cheque pré-datado pelos políticos. Agora, eles precisam esperar um novo leilão para saber se receberão o resto.

A aparente euforia de Guedes com a recuperação da economia e com a entrada de investimentos estrangeiros contrasta com o ceticismo de um Congresso que já deu sinais de que não está disposto a carimbar todas as propostas do governo. Com menos verba do pré-sal, o ministro deve ter um pouco mais de dificuldade para convencer os parlamentares.

Guedes aprende, aos poucos, a falar um novo idioma. No ano passado, ele sugeriu uma "prensa" nos parlamentares para aprovar a reforma da Previdência. Nesta quarta-feira (6), deixou a força bruta de lado e disse que não há ponto inegociável em seu pacote de reforma do Estado.


Ribamar Oliveira: Governo muda teto para acionar gatilhos

Medida corrige erro cometido pela equipe de Michel Temer

A proposta de emenda constitucional (PEC) que estabelece um novo modelo fiscal para o Brasil, enviada pelo governo na terça-feira ao Congresso, altera o chamado teto de gastos da União. O texto da PEC prevê que, se a despesa obrigatória de um determinado Poder ou órgão ultrapassar 95% da despesa primária total, as duras medidas de ajuste previstas na emenda constitucional 95, de 2016, terão que ser acionadas.

Com essa alteração, a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende corrigir um erro cometido pela equipe econômica do ex-presidente Michel Temer, quando foi elaborado o mecanismo do teto de gastos. Pelas regras do teto que foram aprovadas em dezembro de 2016, somente se o limite individual de gasto for descumprido o Poder ou órgão terá que adotar as medidas de ajuste.

Descobriu-se, no início deste ano, que o gatilho que aciona as medidas jamais será disparado, pois o Poder ou órgão pode ir reduzindo progressivamente suas despesas discricionárias (investimentos e custeio da máquina) para acomodar o aumento das despesas obrigatórias. Poderá reduzir esses gastos até zero, ou seja, até eliminar o espaço para os investimentos e o custeio, o que resultaria na paralisação da atividade do Poder ou do órgão. Ou seja, haveria o que os economistas chamam de “shutdown”.

Os gatilhos do teto de gastos criados pela equipe do ex-presidente Michel Temer - que acionariam as medidas de ajuste - simplesmente não dispararam, o que levou o governo a reduzir cada vez mais os investimentos públicos e as verbas de custeio. Para acomodar o aumento continuado das despesas obrigatórias de 2017 até agora, o governo foi obrigado a reduzir fortemente os gastos discricionários. As despesas discricionárias atingiram R$ 118,6 bilhões no período de 12 meses encerrado em setembro deste ano, o mesmo nível de setembro de 2009, em termos reais, de acordo com dados do Tesouro Nacional.

Na proposta orçamentária para 2020, as despesas discricionárias atingiram o menor nível da história, ficando em R$ 89,1 bilhões, sendo R$ 19,9 bilhões para os investimentos, o menor nível já registrado. A esse montante devem ser acrescentados R$ 16,1 bilhões programados para as emendas parlamentares individuais e de bancada. Em documento divulgado na terça-feira, durante a coletiva para o anúncio do Plano Mais Brasil, o Ministério da Economia informa que “o investimento público tende a zero” se nada for feito.

Com a PEC apresentada pelo governo, o critério para acionar os gatilhos não será mais o descumprimento dos limites individuais de gastos. Agora, o Poder ou órgão terá que acionar as medidas de ajuste se as despesas obrigatórias superarem 95% das despesas primárias totais (que exclui o pagamento de juros das dívidas). É interessante observar que, no mesmo documento divulgado ontem, o Ministério da Economia informa que as despesas obrigatórias já absorvem 93% dos gastos primários da União. Ou seja, o gatilho para acionar as medidas já está bastante próximo.

O governo tomou o cuidado de estabelecer, no texto da PEC, que as medidas de ajuste serão adotadas durante a elaboração da proposta orçamentária anual. Ou seja, o Orçamento será enviado ao Congresso com os ajustes já adotados pelo Poder ou órgão que tiver sua despesa obrigatória superior a 95% do gasto primário. O dispositivo evita o que ocorreu com a proposta orçamentária de 2020, quando o governo foi obrigado a programar um montante muito baixo para os investimentos e agora procura adotar medidas destinadas a abrir espaço orçamentário para aumentar as despesas discricionárias.

Entre as medidas de ajuste que terão que ser adotadas, consta a proibição de concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal decorrente de atos anteriores à entrada em vigor da emenda 95.

Direitos sociais
Ao aprovarem a Constituição de 1988, os constituintes definiram que são direitos sociais “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a Previdência Social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”, na forma do texto constitucional. Este é o artigo 6º, que abre o capítulo dos “Direitos Sociais” da Constituição.

Na PEC que trata do novo regime fiscal, o ministro Paulo Guedes e sua equipe propuseram um parágrafo único ao artigo 6º, estabelecendo que, na promoção dos direitos sociais, “será observado o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”. Caso a PEC seja aprovada, o governo poderá alegar que o atendimento a determinado pleito social colocará em risco o equilíbrio fiscal e, com base nesse argumento, negar o atendimento ao pedido.

A preocupação da equipe econômica, de acordo com fonte credenciada do governo, é com a tese, que começa a ganhar corpo entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do “princípio de vedação do retrocesso social”. De acordo com esse princípio, os direitos sociais e econômicos, uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. O princípio limita a reversibilidade dos direitos adquiridos. De acordo com esta tese, seria inconstitucional, por exemplo, uma lei que extinga o direito ao seguro-desemprego.

O “princípio de vedação do retrocesso social” foi utilizado quando o Supremo julgou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra a mudança que o governo fez na vinculação do gasto com saúde. O objetivo da alteração do artigo 6º proposto pela equipe econômica é fazer com que a Justiça brasileira comece a entender que, para assegurar direitos sociais, é preciso olhar a questão do financiamento da política pública, explicou a fonte.

Nesse sentido, a PEC do novo regime fiscal determina, por exemplo, que decisão judicial que aumente a despesa pública somente será cumprida quando houver a respectiva e suficiente dotação orçamentária.


Ricardo Noblat: Um general de maus bofes

À direita de Bolsonaro

Se o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, pode chamar a ex-presidente Dilma de terrorista porque ela fez parte de uma organização armada que enfrentou a ditadura de militar de 64, ele, o general, poderia ser chamado de torturador só porque oficiais do Exército, à sua época, torturaram presos políticos.

Em 1972, por 3 votos contra 2, Dilma foi condenada a um ano de prisão pela Auditoria da 4ª Circunscrição Judiciária Militar de Juiz de Fora, acusada de crimes contra a segurança nacional. Antes disso ficara presa por três anos e fora torturada. À ditadura de 64, a Comissão Nacional da Verdade atribuiu a morte e o desaparecimento de 434 pessoas.

Em bate-boca, ontem, em uma comissão da Câmara, com a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP), o general Heleno irritou-se por ela ter-lhe perguntado por que não criticara a declaração de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) favorável à edição de um “novo Ato Institucional nº 5”, que fechou o Congresso em 1968 e tirou a máscara da ditadura de 64.

Heleno recusou-se a criticar Eduardo. E cobrado pela deputada, retrucou asperamente: “A senhora vai me torturar pra eu falar?” Em seguida, explicou que para ele o golpe de 64 foi uma espécie de contrarrevolução para evitar que o Brasil se tornasse tão comunista quanto era Cuba. “Há duas visões da História do Brasil”, observou.

Pode haver até mais. Mas fato é tudo aquilo que aconteceu e que pode ser provado. E o que aconteceu foi que os militares, em março de 1964, a pretexto de abortar um golpe comunista, puseram os tanques nas ruas, rasgaram a Constituição, depuseram um presidente eleito, e ficaram no poder durante 21 anos. É fato. Saíram quando a ditadura fez água.

Não é uma questão de lado, de visões contrárias da História, de pontos de vista. É simplesmente a verdade. Relativizar a verdade como fez o general ou dizer que cada um tem a sua. pode até animar uma discussão, mas não passa de argumento chinfrim para enganar os tolos ou os mal informados.

Porteiro sob pressão para que recue

A pesada mão do Estado
E assim cumpriu-se a vontade do presidente Jair Bolsonaro, que pressionou para isso o ministro Sérgio Moro, da Justiça, que por sua vez pressionou o Procurador-Geral da República Augusto Aras, que por fim acabou cedendo.

Tão logo retorne das férias, a não ser que a pressa das autoridades seja tamanha que o obrigue a se apresentar logo, o porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, na Zona Sul do Rio, será ouvido pela Polícia Federal sobre o que fez no dia 14 de março de 2018.

Naquele dia, ao final do expediente, o porteiro anotou no livro de ocorrências do condomínio que um cidadão de nome Élcio pedira para ir à casa do mais famoso morador do lugar – o deputado Jair Bolsonaro. E que a entrada fora autorizada por “seu Jair”.

Marielle Franco (PSOL-RJ) ainda estava viva àquela altura. Só seria morta à noite, segundo apurou a Polícia Civil, pelo policial aposentado Ronnie Lessa, morador do mesmo condomínio de Bolsonaro, e por Élcio Queiroz, o motorista do carro de Lessa.

Em dois depoimentos à polícia, o porteiro limitou-se a contar o que se passara na tarde daquele dia. Não acusou ninguém. Muito menos tentou envolver Bolsonaro no crime. Á época, Bolsonaro sequer era candidato a presidente da República.

Mas em breve quando se vir frente a frente com agentes federais, o porteiro será informado que responderá a inquérito por crimes de falso testemunho, denunciação caluniosa e obstrução de Justiça. E que poderá até ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional.

O artigo 26 da lei prevê de um a quatro anos de prisão para quem caluniar ou difamar autoridades imputando-lhes crimes ou ofendendo sua reputação. E porteiro, empregado no condomínio há 13 anos, que julgava ter cumprido apenas sua obrigação…

Um motorista, testemunha-chave para abertura do processo de impeachment do presidente Fernando Collor, nunca mais conseguiu emprego. O caseiro que testemunhou contra o ministro Antonio Palocci teve seu sigilo fiscal quebrado e quase deu-se mal.

Nem o motorista, nem o caseiro, recuaram do que disseram. Collor acabou cassado. Palocci perdeu o emprego de ministro da Fazenda, e, recentemente, foi preso por corrupção e virou delator. Não se exija do porteiro que siga o exemplo do motorista e do caseiro.

Quando quer, a mão do Estado é pesada.


Bernardo Mello Franco: Um Portugal de miseráveis

O número de brasileiros na extrema pobreza cresceu 50% em quatro anos. Apesar da crise, o país reduziu a cobertura e o valor real do Bolsa Família

O IBGE informa: aumentou o número de brasileiros na extrema pobreza. Em 2018, o país passou a ter 13,5 milhões de pessoas sobrevivendo com menos de R$ 145 por mês. É um contingente maior do que a população inteira de países como Portugal, Grécia e Bolívia.

Desde 2014, houve um salto de 50% no número de miseráveis. Isso significa que 4,5 milhões de brasileiros foram empurrados para a base da pirâmide social. É a face mais perversa da crise, que reduziu os empregos e a renda de quem ainda tem trabalho.

A omissão do poder público também contribuiu para o aumento da extrema pobreza. A parcela de lares atendidos pelo Bolsa Família, que era de 15,9% em 2012, caiu para 13,7% no ano passado. O valor real dos benefícios diminuiu, com congelamentos e reajustes abaixo da inflação.

O economista Marcelo Neri, da FGV Social, diz que o arrocho agravou as dificuldades de quem luta pela sobrevivência. “O país resolveu economizar às custas dos mais pobres. Só que isso não gerou uma economia expressiva e ainda aumentou a miséria”, explica.

Em tempos de crise, é esperado que o Estado reforce a rede de proteção social. No Brasil dos últimos anos, deu-se o contrário. “O país recolheu a rede quando mais precisa dela”, resume o professor.

A Síntese de Indicadores Sociais revela outras faces do nosso abismo. Em 2018, o percentual de empregados com carteira assinada caiu para 47,4%, menor índice já registrado pelo IBGE. Isso ocorreu um ano após a aprovação da reforma trabalhista, vendida como panaceia por governo e entidades patronais.

O estudo divulgado ontem lembra que a precarização eleva a desigualdade. Sem vínculo formal, os trabalhadores perdem direitos básicos como salário mínimo, aposentadoria e licenças remuneradas.

A miséria cresce a olhos vistos, mas continua à margem do debate nacional. No pacote apresentado nesta terça, o governo propôs revogar o artigo 58 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Se o texto for aprovado, o benefício pago a idosos e deficientes de baixa renda poderá ficar abaixo do salário mínimo.


Ascânio Seleme: Guedes 2022

Nenhuma dúvida, o mercado já tem o seu candidato para a sucessão de Bolsonaro em 2022. Você pode dizer que é muito cedo para falar em eleição presidencial. Seria, se as circunstâncias fossem outras. Mas, diante das trapalhadas sem fim da turma encarregada, não se fala em outra coisa. O pacote de Paulo Guedes, apesar de ter alguns problemas, credencia o seu criador a postular mais adiante o principal cargo do país. As medidas apresentadas na terça-feira aliadas à reforma da Previdência transformam o ministro da Economia na persona que se buscava
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Guedes, que assumiu o papel de missionário do liberalismo, sabe muito bem o que está fazendo, aonde quer chegar, e em quanto tempo. Ele trabalha com metas, e vem atingindo todas nos primeiros dez meses de governo. Muito certamente o pacote será modificado e abrandado pelo Congresso, mas o ministro já pavimentou bem sua relação com as principais lideranças do Congresso, sobretudo com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre.

Até parece que foi Guedes, e não Bolsonaro, que exerceu sete mandatos consecutivos na Câmara. Já se viu na tramitação da reforma da Previdência que Bolsonaro atrapalhou mais do que ajudou na sua aprovação. Enquanto isso, Guedes foi a cada uma das comissões que o convocaram nas duas casas para esmiuçar e defender sua proposta. Com Rodrigo Maia, rodou fóruns e redações de jornais, participou de seminários, foi questionado em sabatinas num verdadeiro da reforma previdenciária. A história vai atribuir a Guedes e a Rodrigo o mérito pela sua aprovação.

O novo pacote de Guedes ainda será seguido de outras medidas, mas o que ele quer fazer agora é uma ampla e sem precedentes reforma do Estado. Há aspectos positivos e negativos no pacote, mas não se pode negar que a iniciativa foi corajosa e tem como objetivo final reduzir gastos, equilibrar contas, tirar o país do atoleiro. O Estado (União, estados e municípios) não pode consumir metade de toda a riqueza produzida pelo país, é obsceno. Pior, o Estado engole metade do PIB nacional e devolve para a sociedade, quando devolve, serviços e obras de baixíssima qualidade.

Na questão administrativa, é inegável que rearrumar a casa é urgente. Extinguir municípios que não conseguem se sustentar é obrigatório. Reavaliar fundos e reduzir subsídios é imprescindível. Também não se pode ter expectativa de aumento de salário quando o empregador está perto de quebrar. Do outro lado, claro que o Estado é gigante, tem que ser reduzido, mas também cabe a ele estabelecer políticas sociais, trabalhar pela redução da pobreza, em valores alarmantes no Brasil, melhorar a distribuição da renda. Nenhum desses pontos é contemplado nas três propostas de emenda de Guedes.

Ele afirma que o fortalecimento da iniciativa privada é a única forma de gerar emprego e renda. Verdade inequívoca. Mas, para fiscalizar essas empresas privadas e suas relações com trabalhadores e com consumidores, é preciso fortalecer agências reguladoras e outros mecanismos oficiais. O Estado não pode abrir mão dessa obrigação ou simplesmente deixar ao mercado a definição dos parâmetros necessários para regular suas relações.

Caberá ao Congresso encontrar um meio-termo. De qualquer modo, se o pacote for aprovado, mesmo desidratado, o dono da bola será Paulo Guedes. Seus méritos estarão delineados e servirão para balizar a eleição presidencial de 2022. Sua habilidade em negociar e a oratória contundente que o distingue serão aliadas fortes agora, nos entendimentos com o Congresso, e em 2022, no embate eleitoral.

Para os muitos que já se arrependeram de ter votado em Bolsonaro e buscam alternativas de centro, Guedes pode ser o nome. Se for candidato, como já sonha o mercado, correrá na mesma raia que João Doria e Luciano Huck. O contêiner de novidades que vai introduzindo na economia nacional pode ser sua maior alavanca em 2022. Mas tem que dar resultados, seus efeitos precisam ser sentidos nos próximos dois anos e meio. Só assim o sonho do mercado será viável.


Merval Pereira: Ainda as interpretações

O ideal seria que se definisse um tempo máximo para a tramitação dos processos, para evitar a sensação de impunidade

O relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, defensor da prisão a partir da condenação em segunda instância, deu ontem o tom do que será o combate à corrupção a partir da provável decisão hoje do plenário de alterar a jurisprudência vigente, exigindo o trânsito em julgado para o inicio do cumprimento da pena.

Para ele, a mudança de posição não será prejudicial, pois sempre é possível decretar-se a prisão preventiva de um réu que ofereça risco à sociedade ou ao processo. Essa solução seria mais uma manobra jurídica para superar obstáculos colocados no caminho da Operação Lava Jato.

Seria uma atitude similar à que os procuradores utilizaram quando o Supremo proibiu a condução coercitiva de suspeitos. Passaram então a usar a prisão temporária, de duração de cinco dias, prorrogáveis por mais cinco. O Supremo também reagiu a isso, alegando que os procuradores estavam usando uma “condução coercitiva” disfarçada.

O ministro Gilmar Mendes atuou também para que o STF acabasse com o que chamou de "farra das prisões preventivas". Há muito tempo ele dizia que o Supremo tinha um encontro marcado com “as prisões alongadas” sem justificativa. Comparava o uso da prisão preventiva, que não tem limite de tempo, às torturas para que os presos confessassem seus crimes, e no caso da Lava Jato, fizessem a delação premiada.

Tudo indica que voltaremos a esse debate, e agora com o apoio público do ministro-relator da Lava Jato no STF. O mentor da mudança do entendimento do Supremo com relação à prisão em segunda instancia foi o ministro hoje aposentado Eros Grau, que defende que a Constituição, no artigo 5º, no inciso LXI, trata da prisão preventiva quando determina: “ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.

Outros ministros, como Luiz Fux, consideram que uma decisão do tribunal TRF-4 determinando a prisão é “ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”. Argumentam os cinco ministros que devem votar a favor da prisão em segunda instância que quando, no mesmo artigo, a Constituição fala que ninguém será considerado culpado até o final de todos os recursos, não quer dizer que não é possível decretar o início da pena, pois no recurso especial, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no extraordinário, no Supremo Tribunal Federal (STF), não se muda a condenação, apenas analisa-se juridicamente se houve violação de alguma norma legal.

As penas podem ser revistas, aumentadas ou reduzidas, o que nas estatísticas divulgadas pelos defensores do trânsito em julgado aparecem como alterações das decisões da segunda instância, quando na verdade são apenas ajustes que não mudam, ou rarissimamente mudam, a decisão em si.

O ministro Edson Fachin antecipou também o que parece ser a tendência dos ministros que, como ele, são favoráveis à prisão em segunda instância: darão a maioria à possível sugestão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, de adotar uma solução intermediária, passando a ser a permissão para prisão a decisão final do STJ.

Essa proposta está sendo negociada para que a decisão possa ser tomada a partir da primeira manifestação do STJ, sem aguardar todos os recursos que se multiplicam nas mãos de advogados criativos. Seria uma interpretação constitucional que daria teoricamente ao recurso especial do STJ um efeito suspensivo que não está previsto nem mesmo para o Supremo, que é um recurso extraordinário.

Nos bastidores, procura-se uma saída para o impasse em que está envolvida essa formação do plenário do Supremo, que bem poderá mudar quando houver substituição de ministros pela aposentadoria compulsória. O ideal seria que se definisse um tempo máximo para a tramitação dos processos, para evitar a sensação de impunidade.

E determinar que a jurisprudência do STF não pode mudar tão rapidamente. Talvez fosse possível fixar um período de tempo mínimo para uma reavaliação de decisões de repercussão geral. O pais não ficaria à mercê de mudanças de composição do plenário do STF, havendo mais segurança jurídica.

A própria ministra Rosa Weber, que sempre foi a favor do trânsito em julgado mas, coerentemente, aceitou a decisão da maioria ate agora nas suas decisões, disse em um dos seus votos, citando renomados juristas, que a jurisprudência só deveria mudar depois de um bom período de tempo.


Eros Grau escreve sobre Armênio Guedes à Política Democrática online

Em artigo exclusivo e de sua autoria, ministro aposentado do STF conta um pouco do homem que teria mais de 100 anos

Ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal), o advogado Eros Grau publicou artigo exclusivo de sua autoria na 12 edição da revista Política Democrática online. Com linguagem em primeira pessoa e narrativa que denota leveza, ele conta um pouco sobre Armênio. Saiba quem é essa pessoa que, em 30 de maio do ano passado, teria completado 100 anos. O artigo está publicado na revista produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e que disponibiliza todo o conteúdo, de forma gratuita, em seu site.

» Acesse aqui a 12ª edição da revista Política Democrática online

A seguir, leia trechos do artigo de Eros Grau:

Há uns dois anos – após uma conversa fraterna com a Cecília Comegno, Marcello Cerqueira, Élio Gaspari e outros camaradas –, a mim foi atribuída a organização de um livro lembrando nosso Armênio. Uma tarefa que encantou minha vida. Lá pela segunda quinzena de novembro será lançado, em São Paulo, pela Globolivros.

Armênio Guedes se foi para o Céu no dia 12 de março de 2015. No ano passado, 30 de maio, teria completado cem anos. Lá em cima será, no entanto, eterno.

Nascido em Mucugê, a capital baiana dos diamantes, Armênio era um deles. Sereno, aristotelicamente prudente. A serenidade ao alinhar-se à esquerda democrática europeia, ao opor-se à luta armada durante o regime militar cá entre nós e ao defender a aliança com o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) - o único partido de oposição autorizado pela ditadura --- evidenciam ter sido ele, para sempre, um diamante de humanismo. A noite de 30 de março de 2012, quando recebeu o título de Cidadão Paulistano oferecido pela Câmara Municipal de São Paulo, é inesquecível.

Durante seu exílio no Chile e na França cultivou a fraternidade, ensinando-a a todos nós. Tento colher trechos que tudo dizem nos mais de trinta textos que compõem este livro, mas me perco, incapaz de escolher este ou aqueles no multiverso da amizade. Só me resta, portanto, a opção de transcrever, nas linhas que seguem, o que brotou do meu coração.

 

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Luiz Carlos Azedo: Falta articulação

“O governo corre o risco de ser atropelado pelos líderes da Câmara, que pretendem aprovar a admissibilidade da PEC 423/18, que também altera a regra de ouro dos gastos públicos”

As primeiras reações ao pacote de reformas encaminhado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Congresso entre os parlamentares do Senado e da Câmara foram mais cautelosas do que esperava o ministro da Economia, Paulo Guedes. A iniciativa é elogiada nos seus objetivos, mas sofre restrições à amplitude e pela forma como foi apresentada, principalmente na Câmara, para onde deveria ter sido encaminhada pelo governo se fosse seguido o rito legislativo tradicional.

São três propostas básicas: PEC do Pacto Federativo, que dá mais recursos e autonomia financeira para estados e municípios; PEC Emergencial, que cria mecanismos emergenciais de controle de despesas públicas para União, estados e municípios; e a PEC dos Fundos Públicos, que extingue a maior parte dos 281 fundos públicos e permite o uso de recursos para pagamento da dívida pública.

Mesmo no Senado, algumas propostas são consideradas polêmicas. O texto cria gatilhos que já estavam previstos na regra de ouro dos gastos públicos. Na proposta de Guedes, porém, a mudança da regra de ouro pode engessar completamente os orçamentos da União, dos estados e dos municípios, impedindo investimentos e promovendo cortes nos gastos sociais, enquanto houver deficit fiscal, o que, para a oposição, pode provocar uma tragédia social.

Na Câmara, a reação das principais lideranças foi muito negativa quanto à forma como a proposta foi apresentada, apesar das declarações favoráveis à iniciativa. Bolsonaro entregou as propostas ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), como sugestão. Transformada em projetos pelo líder do governo, senador Fernando Bezerra (MDB-PE), e outros senadores, isso foi interpretado pelos líderes da Câmara como uma tentativa de anular o natural protagonismo do presidente Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na aprovação das reformas pelo Congresso, ou seja, o Palácio do Planalto perdeu a colaboração do principal articulador da reforma da Previdência nos debates iniciais dos novos projetos de Guedes.

PEC Emergencial
Como a avaliação entre os senadores é de que dificilmente os projetos serão votados neste ano, inclusive a chamada PEC Emergencial, que todos consideram prioritária, o governo corre o risco de ser atropelado pelos líderes da Câmara, que pretendem aprovar, na próxima semana, a admissibilidade da PEC 423/18, do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que também altera a regra de ouro dos gastos públicos, com medidas voltadas à limitação das despesas obrigatórias.

Instituída pela Constituição, a regra de ouro estabelece que o volume de recursos com operações de crédito (emissão de títulos públicos) não pode superar as despesas de capital (investimentos e amortização da dívida pública). O objetivo da regra é evitar que o governo se endivide para pagar gastos correntes, como despesas com servidores e manutenção da máquina administrativa.

Deficits orçamentários crescentes iniciados em 2014, consequência da queda da receita e do crescimento das despesas obrigatórias, tornaram mais difícil o atendimento da norma. Na prática, a proibição do governo de emitir dívida para bancar despesas correntes (como gastos administrativos) não vem sendo cumprida há dois anos.

Pré-sal
O governo estuda mudanças nas regras do pré-sal, inclusive a volta do sistema de concessão, em razão do resultado do megaleilão de ontem, que arrecadou R$ 69,96 bilhões. Das quatro áreas oferecidas na Rodada de Licitações do Excedente da Cessão Onerosa, duas foram arrematadas e duas não receberam propostas. Se todos os blocos tivessem sido arrematados, a arrecadação chegaria a R$ 106,5 bilhões. O fracasso não foi total porque a Petrobras arrematou os dois lotes, um deles com participação de apenas 10% do capital de duas petroleiras chinesas.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-falta-articulacao/


Míriam Leitão: Leilão fraco eleva dúvidas do pacote

Frustração do leilão reduz o dinheiro para o pacto federativo, mas há outras dúvidas nas reformas, como a presença do STF no Conselho Fiscal

O conjunto de reformas econômicas enviadas ao Congresso na terça-feira começa agora sua longa tramitação, mas há pelo menos um ponto estranho: a presença do STF no Conselho Fiscal da República. Será que o Judiciário deve estar presente em avaliações de políticas que ele terá que julgar? Ontem, no segundo dia intenso na área econômica, houve um banho de água fria no leilão do pré-sal. O valor arrecadado foi menor do que o esperado, só a Petrobras comprou. Foi uma verdadeira reestatização. E isso tem tudo a ver com o acordo político em torno das PECs enviadas na terça.

Na economia e na questão institucional, há sinais a serem considerados. Ontem, o mercado deu um aviso. O leilão foi bem mais fraco do que o esperado. Isso significa menos recursos para irrigar a federação, e era com isso que o governo contava para ter a boa vontade na aprovação de algumas medidas mais ásperas. Claro que R$ 70 bilhões é um valor alto, mas R$ 34,6 bilhões terão que ser pagos à Petrobras. E ficou uma dissonância no discurso liberal, porque a grande compradora foi a Petrobras, com uma pequena participação de duas estatais chinesas.

Segundo especialistas no mercado de petróleo, a união do tempo político e do tempo econômico foi ruim. Ao usar esse dinheiro como parte da negociação com o Congresso, houve um prazo curto para se negociar as regras de um leilão complexo. As áreas eram já conhecidas, mas ainda há incertezas, como, por exemplo, sobre como o comprador acertaria contas com a Petrobras. Como foi a estatal brasileira que arrematou não entraram os dólares que se esperava. Além disso, a Petrobras terá que gastar muito para desenvolver os campos, principalmente Búzios, e isso vai atrapalhar o processo de redução de dívida da empresa.

O pacote que está no Congresso para ser esmiuçado, discutido, analisado e votado, nas várias PECs, contém pontos que são vistos como extremamente difíceis, como a extinção dos municípios pequenos e inviáveis. É evidente que isso corrige uma aberração. Houve uma febre de criação de municípios sem condições de existir de forma autônoma. Mas reverter isso é muito difícil. O ganho fiscal é pequeno. A vantagem é principalmente aumentar a racionalidade da organização federativa. Há muitos outros pontos assim, o país não tem ganho imediato, mas fica mais racional. O problema é que ao mexer com muitos interesses ao mesmo tempo o pacote do ministro Paulo Guedes pode provocar a formação do que a ciência política chama de “coalizão de veto”.

A criação do Conselho Fiscal da República foi apresentada como um avanço institucional, porque poderes e órgãos estariam atuando juntos na busca do equilíbrio fiscal. O problema é a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal. Esse conselho que vai monitorar os orçamentos públicos pode ter a presença do Judiciário? E se houver questionamento na Justiça decorrente de medidas avaliadas dentro do CFR? Já não é a primeira vez que este governo tenta colocar o Judiciário em um acordo em favor de um projeto econômico. Houve, no começo do ano, o anúncio de que os três poderes fariam um “pacto”. O presidente Bolsonaro chegou a anunciar um pacto dos três poderes para aprovar as reformas, mas ele não saiu do papel exatamente pelo óbvio conflito de interesses de a principal autoridade do Judiciário se comprometer com medidas que, eventualmente, seriam submetidas à Justiça.

Da perspectiva do empresariado, há uma frustração. O governo fez várias propostas, algumas supernecessárias, mas deixou de lado a reforma que a economia acha mais urgente: a tributária. O que o governo vai propor, a união de PIS e Cofins, ou talvez IPI, é pouco. A unificação com outros impostos sobre consumo, ICMS e ISS, tem tramitado em dois projetos de iniciativa do Legislativo. O temor é isso resultar em aumento e não diminuição de impostos, ou uma transição tão lenta que não trará alívio neste momento.

Numa entrevista na Globonews, da qual participei, perguntei ao ministro Paulo Guedes o que aconteceria com os subsídios à Zona Franca de Manaus, caso fosse aprovada uma reforma tributária. Ele respondeu: “Então o Brasil tem que ficar todo ferrado para manter a Zona Franca?” A resposta veio no pacote. Ela foi poupada de tudo.