Day: outubro 18, 2019

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Bruno Boghossian: Bolsonaro transforma briga no PSL em voto de desconfiança contra governo

Disputa mostra que operação política desvairada do presidente virou fumaça

A guerra no PSL é um retrato acabado da operação política desvairada de Jair Bolsonaro. O presidente usou o Planalto para tentar derrubar o líder do próprio partido --e fracassou; recebeu retaliação de aliados e foi gravado por um correligionário; depois, demitiu a líder do governo, a quem acusa de traição. Tudo isso em apenas 24 horas.

Ao mergulhar na disputa pelo comando da legenda, Bolsonaro lançou uma espécie de voto de desconfiança dentro de sua própria sigla. O presidente pediu um sinal de apoio a si mesmo quando apelou aos deputados para que destituíssem o líder do PSL. Para piorar, ofereceu o filho Eduardo como substituto e foi obrigado a ver parte da sigla reagir contra alguém com seu sobrenome.

A retirada de Joice Hasselmann da liderança do governo no Congresso é um sintoma claro de que a expressão política do bolsonarismo virou fumaça (se é que um dia existiu).

O presidente se livrou imediatamente da deputada, porque ela se recusou a assinar a lista que daria o comando do PSL na Câmara à facção alinhada ao Planalto, mas manteve no posto o líder do governo no Senado mesmo depois que ele foi alvo de uma operação da Polícia Federal.

Confrontado com o noticiário sobre as batalhas, Bolsonaro dizia que era tudo fofoca. A gravação em que ele pede apoio a deputados e o áudio em que o líder do PSL promete "implodir o presidente" mostram que o mexerico é dos grandes.

Deputados que foram ao Planalto relataram que a ordem de Bolsonaro seguia a linha: "assina, senão é meu inimigo". Foi o próprio presidente, portanto, quem incluiu seus impulsos personalistas incorrigíveis no embate pelo comando da sigla.

O capital eleitoral que levou Bolsonaro ao palácio e 53 deputados ao Congresso escorre pelo ralo numa enxurrada. Os sinais da desordem sempre estiveram aí --da absoluta incompetência do governo na articulação ao comportamento juvenil da bancada da selfie. A disputa só deixou mais visível o diploma de baixo clero pendurado na parede.


Rogério L. Furquim Werneck: Quanto tempo desperdiçado

Reformas pendentes em meio à mobilização do Congresso com as eleições municipais do ano que vem

Margaret Atwood – a consagrada romancista canadense, recém-agraciada com o Booker Prize e popularizada como autora do livro em que se baseia a série The Handmaid’s Tale – tem uma frase inspirada sobre o tempo que dá o que pensar sobre o avanço do programa de reformas do governo Bolsonaro: “As areias do tempo são movediças... quanto nelas pode desaparecer sem deixar vestígio”. (The sands of time are quicksands... so much can sink into them without a trace.)

Tendo se recusado a montar uma base parlamentar sólida, o Planalto descobre aos poucos quão problemática tem se mostrado essa impensada decisão. Além de ter de enfrentar dificuldades óbvias, relativas à aprovação de projetos de seu interesse e ao bloqueio de iniciativas parlamentares a que se opõe, o governo vem sendo obrigado a se conformar com prazos de tramitação excessivamente dilatados, ao sabor das prioridades e dos caprichos do Congresso.

A reforma da Previdência, que parecia praticamente aprovada em meados do ano, continua a se arrastar no Senado. Com sorte, será aprovada, afinal, na semana que vem, já a dois meses do recesso parlamentar de final de ano. E não houve só morosidade. Houve desfiguração. Mudanças perfeitamente defensáveis no abono salarial, já aprovadas na Câmara, foram alteradas no Senado.

Num momento em que o Planalto parecia menos preocupado com a tramitação da reforma previdenciária que com que a aprovação do nome do novo embaixador do Brasil em Washington, a articulação política do governo nem zelou para que todos os senadores contrários às alterações participassem da votação em que a questão foi decidida. A incúria decepou nada menos que 1/10 do valor da melhora fiscal que a reforma poderá propiciar, em dez anos.

O pior é que a tramitação da reforma no Senado só foi possível mediante pagamento de vultoso pedágio, na forma de aprovação prévia de participações generosas de Estados e municípios nos recursos que advirão do leilão de excedentes da área de cessão onerosa do pré-sal. Como se temia, a ideia de que o acesso a tais recursos ficaria vinculado à aprovação de reformas fiscais nos governos subnacionais não subsistiu. Tendo acenado, desavisadamente, com a possibilidade de farta distribuição desses recursos aos Estados e municípios, o governo, sem capacidade de bloqueio no Congresso, não teve como resistir às pressões por distribuição imediata e incondicional dos resultados do leilão aos governos subnacionais.

É, pois, de mãos vazias, sem os recursos fiscais oriundos do pré-sal para oferecer, que o governo se prepara para desencadear reformas pendentes que deverão afetar em grande medida Estados e municípios. O que agora se noticia é que a reforma tributária ficaria para 2020. Por ora, a prioridade teria passado a ser o esforço de flexibilização dos orçamentos dos três níveis de governo, sob o lema “desvincular, desindexar e desobrigar”, que o Ministério da Economia insiste em rotular de Novo Pacto Federativo.

A prioridade pode até fazer sentido. O problema, mais uma vez, é o timing. Com base no que se viu nos últimos meses, é difícil que uma reforma de tamanha complexidade possa ser concluída, ou ao menos aprovada, em uma das Casas do Congresso até o recesso parlamentar. Isso significa que a fase mais crítica do esforço de flexibilização dos orçamentos dos três níveis de governo terá lugar a partir de fevereiro de 2020, quando a mobilização do Congresso com as eleições municipais já terá tornado bem mais difícil a aprovação das medidas requeridas.

Sobram evidências de que a mobilização do Congresso com as eleições do ano que vem deverá ser especialmente precoce. Basta ter em mente a batalha campal que já vem sendo travada entre a família Bolsonaro e o presidente do PSL, Luciano Bivar, pelo controle dos R$ 350 milhões de recursos públicos com que contará o partido na eleição de 2020. Um embate que poderá deixar o apoio do governo no Congresso ainda mais precário.

* Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio


Fernando Abrucio: Nova fase do governo Bolsonaro

A luta fratricida no PSL e a aprovação da reforma da Previdência marcam o fim da primeira fase do governo Bolsonaro

A briga fratricida no PSL e a provável aprovação da reforma da Previdência marcam o fim da primeira fase do governo Bolsonaro. O que virá daqui para diante será uma tentativa de reorganização dos grupos políticos e uma desaceleração da maior parte da agenda de políticas públicas dependente do Congresso, ao menos até o fim das eleições municipais. O presidente vai procurar construir uma base política e social que permita, no mínimo, uma segunda parte de mandato sem sobressaltos e, no máximo, a reeleição. Os demais vão querer se fortalecer para reduzir ainda mais a força do Executivo federal e, quem sabe, assumir o poder em 2022.

A primeira fase do governo não foi uma lua de mel tranquila, tal qual tiveram outros governantes, como FHC e Lula. Houve muitos conflitos com a classe política, com líderes estrangeiros e com setores da sociedade civil. A governabilidade também foi complicada, com o Congresso ganhando um inédito protagonismo e derrotando por algumas vezes o Executivo, inclusive em questões estratégicas. Ademais, a popularidade presidencial caiu bastante - Bolsonaro tem o pior nível entre os presidentes de primeiro mandato desde a redemocratização. Mas, mesmo com todos esses furacões, foram aprovadas medidas difíceis e cerca de um terço da população ainda o apoia.

Só que os atores políticos se preparam agora para uma nova fase, embalada pelas possíveis mudanças de posições e de poder que podem advir das eleições municipais. O primeiro a entrar nessa nova etapa do jogo foi o próprio presidente da República. A disputa no PSL sinaliza que Bolsonaro quer montar uma estrutura mais confiável e totalmente dominada por ele para o pleito de 2020, bem como para a segunda parte do mandato. Cabe lembrar que, para chegar ao poder, o bolsonarismo esteve umbilicalmente ligado a políticos tradicionais, como o laranjal da campanha está revelando.

Agora, Bolsonaro quer fazer três mudanças: livrar-se do lado “sujo” do PSL, marcar mais claramente o viés conservador de seu grupo e ter uma máquina política capaz de enfraquecer seus principais adversários.

Seguindo essa linha de raciocínio, o primeiro passo envolve afastar-se de boa parte dos aliados pesselistas, tentando criar a imagem de um “bolsonarismo purificado” em outro partido ou na recuperação do domínio do PSL. Além disso, o presidente e seus principais aliados pretendem dar uma feição ideológica mais nítida ao seu grupo, intitulado por eles de posição conservadora. Para além das crenças, está aqui em jogo um projeto que busca conquistar eleitores no campo dos valores, algo que será ainda mais estratégico caso as políticas públicas federais tenham um resultado fraco.

E a última tentativa de “aggiornamento” do bolsonarismo está em construir uma máquina política, e não só de redes sociais, para dar suporte à luta contra seus adversários atuais e os prováveis. Neste sentido, as eleições municipais são muito importantes para Bolsonaro, que quer ter soldados fiéis no comando de várias cidades brasileiras. Sem essa guarida, o presidente terá dificuldades políticas em lugares estratégicos, como o Nordeste, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e mesmo o Sul do país, o que poderá, num primeiro momento, afetar o humor dos parlamentares e, num segundo momento, o dos eleitores em 2022.

O plano bolsonarista tem bastante lógica política, porém, não será tão fácil executá-lo. Em primeiro lugar, devido às contradições internas desse movimento. Que a liderança do PSL é clientelista e algo mais todo mundo sabe. Isso não quer dizer que os bolsonaristas “de raiz” sejam anjos da política. E com o acirramento do conflito entre os “amigos”, agora vão aparecer mais podres da família Bolsonaro e seus mais fiéis aliados. Os assessores do tipo Queiroz vão pulular pela imprensa nos próximos dias.

A luta partidária, ademais, vai passar pelo dinheiro do fundo partidário. O PSL já tem direito a centenas de milhões de reais. E quem comandará esses recursos, fundamentais para a disputa local por todo o país será o presidente do partido e seus asseclas. A saída dos bolsonaristas do partido não afetará esse aspecto. É preciso saber quem financiará o bolsonarismo no pleito municipal, quando, ao contrário de 2018, os holofotes estarão todos voltados para investigar de onde vem o dinheiro para financiar as redes sociais e outros gastos de campanha, inclusive o olhar de um TSE pressionado como nunca pelo STF.

O segundo obstáculo que se coloca à estratégia bolsonarista está na reorganização das outras forças políticas. Depois de perderem a eleição de 2018, serem chamados de velha politica e jogados na sarjeta pelos discursos do presidente, os principais partidos agora estão numa situação melhor. Antes de mais nada, porque o posicionamento contrário ao radicalismo bolsonarista congrega dois terços do eleitorado. Afora isso, os resultados das políticas federais ainda não engrenaram e isso pode aumentar a insatisfação popular - quem souber capitalizar isso ao seu favor terá grandes chances nas eleições municipais.

Olhando cada parte do espectro partidário, a esquerda provavelmente continuará forte no Nordeste e terá chances em algumas capitais importantes. Ela poderá ser ainda mais forte se for capaz de fazer alianças em colégios eleitorais estratégicos. Mas aqui entra a grande dúvida: se com um governo marcado por características tão contrárias às visões esquerdistas - quando não aos próprios valores democráticos - as esquerdas continuam batendo boca em entrevistas pela imprensa, será que eleições locais vão unificá-las?

Os partidos mais ao centro estão loucos para se descolar do bolsonarismo e aproveitar um momento em que a economia dificilmente estará a todo vapor. Cabe lembrar que o PT e outras agremiações mais centristas, como o PSDB, o DEM, o MDB e o PP terão bastante dinheiro público para fazer a campanha, afora terem já uma capilaridade grande pelas cidades do país. São mais profissionais em campanhas locais e podem se beneficiar do amadorismo e das brigas viscerais nas hostes mais conservadoras.

No fundo, estas legendas centristas e mesmo as de centro-esquerda já não sentem tanto o efeito 2013 - o grito contra o sistema partidário - e nem o bolsonarismo parece tão inovador hoje para grande parte do eleitorado. Mas isso não quer dizer que o caminho será róseo. Provavelmente o eleitorado não vai querer tanta novidade como em 2018, por conta das decepções em vários lugares, mas também não perdoará quem estiver fortemente ligado à corrupção e afins. Quem poderá se beneficiar desse cenário?

É muito cedo para dar uma resposta a esta pergunta. O que se pode dizer é que gradativamente os principais partidos do Congresso tentarão criar uma identidade própria frente ao bolsonarismo, procurando se posicionar para a eleição de 2020. A velocidade e a intensidade desse processo dependerão de três coisas. A primeira é a liderança do presidente da República nos próximos meses, especialmente o efeito de suas palavras e ações na opinião pública, no Congresso, no STF e nos atores internacionais. Quanto mais ele se isolar, mais rápido e intenso será a mudança em direção a posições contrárias ao governo, com efeitos negativos para as decisões governamentais e na implementação das políticas públicas.

O segundo aspecto diz respeito ao desempenho econômico. Se a economia não decolar, e isso passa pelos indicadores e também pelo pulso das ruas (a percepção das pessoas), os políticos vão se distanciar mais do presidente e usarão o pleito municipal como palanque contra o governo. Mas se a economia ganhar força no fim do primeiro semestre, Bolsonaro poderá no mínimo diminuir o ímpeto de seus críticos ou dividi-los. De todo modo, não se espera uma situação similar à do Plano Real ou do auge do lulismo em 2010. O quanto e de que maneira a economia poderá afetar o humor dos eleitores? Inflação baixa é bom, mas desemprego é mais potente na definição do voto.
As outras políticas públicas federais também serão objeto de debate.

No pleito municipal, temáticas como educação, saúde, transporte, moradia e segurança costumam ganhar um lugar cativo. Aparentemente há uma tentativa de substituir o frágil desempenho dessas políticas, algo que poderia ser justificado pela falta de dinheiro, por um discurso baseado em valores. Que porcentagem de eleitores trocará a falta de vaga em hospital ou de moradia por um país mais cristão e moralista?

O governo Bolsonaro II iniciou-se e há muitas perguntas de difícil resposta no presente momento. O que se sabe é que quanto mais dificuldades o presidente tiver nas eleições municipais, mais a segunda parte do mandato será complicada. Mais do que ganhar de lavada, o bolsonarismo precisará obter um tamanho eleitoral que permita uma boa defesa. E do outro lado, o crescimento dos contrários ao governo, que são de múltiplos tipos, só terá maior dimensão se conseguirem, após o pleito de 2020, fazer alianças, parcerias e projetos conjuntos de país.

Uma última observação: o maior risco do dia seguinte das eleições municipais é o bolsonarismo continuar seu discurso refratário às instituições. Daí que o equilíbrio de poderes, em sentido amplo, ainda é o melhor antídoto para atravessar as várias fases pelas quais o governo Bolsonaro deverá passar.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP


‘Integrar políticas públicas de forma participativa é único caminho para desenvolvimento sustentável’, diz Eduarda La Rocque à Política Democrática

Em artigo publicada na revista online da FAP, economista critica polarização entre esquerda e direita

“É preciso que saiamos das metodologias setoriais em ‘caixinhas’ para abordagens em rede, para que possamos desenvolver um modelo de desenvolvimento que seja sustentável e inclusivo que garanta a sobrevivência da democracia em nosso país”. A avaliação é da economista Eduarda La Rocque, em artigo que ela publicou na 11ª edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao partido político Cidadania 23.

» Acesse aqui a 11ª edição da revista Política Democrática online

Eduarda, que é diretora do Instituto Jones Santos Neves (ES) e ex-secretária de Fazenda da Prefeitura do Rio de Janeiro, afirma que “regimes democráticos só sobreviverão com uma maior coesão social a partir de um alinhamento mínimo com relação a valores – ética e transparência acima de tudo –, ao invés da visão polarizada entre esquerda e direita’.

Segundo a autora, a direita tem culpado o Estado pela ineficiência do sistema, e a esquerda culpa a ganância do mercado pelas mazelas sociais. “Ambos com razão. O tecido social fica esgarçado, e aumenta significativamente o risco de ascensão de ditadores”, destaca. “Deu no que deu. À margem dos riscos que hoje vivemos no Brasil à democracia, centro-me no tema da ‘inclusão’, um termo bem aberto. Inclusão de quem? Trata-se de uma pauta de direitos humanos ou de economia?”, questiona ela.

Em seguida, Eduarda responde: “De ambos, obviamente, e de vários aspectos mais. Em seminário de que participei recentemente, foquei minha apresentação na inclusão dos mais pobres na economia e na cidadania, através de um modelo de desenvolvimento territorial baseado no conceito de prosperidade”, lembra.

A autora acrescenta que o Brasil tem de encarar de frente a questão das desigualdades, de renda, de oportunidades. “Uma proposta progressista de Brasil deve colocar como prioridade número um o combate às desigualdades estruturais que vivemos, tais como a pobreza, o racismo, o machismo, a homofobia”, afirma.

“Integrar as políticas públicas nos territórios de uma forma participativa é o único caminho viável para o desenvolvimento sustentável, que significa um processo de melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, principalmente para os mais vulneráveis”, diz, para acrescentar: “Um território pode ser uma favela, um bairro, uma cidade, uma microrregião do Estado”.

O modelo de desenvolvimento territorial, segundo Eduarda, é composto por três etapas. A composição de um conselho de atores envolvidos e comprometidos com o desenvolvimento do território; a pactuação de metas de desenvolvimento holísticas; e uma matriz de responsabilidades para alcançar e monitorar as metas. ‘Para dar certo, depende de representatividade dos atores, informação qualificada e empoderamento do conselho”, sugere.

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Luiz Carlos Azedo: Cria corvos

“A crise de Bolsonaro com o PSL não tem nada a ver com os temas em discussão no Congresso, nem com a polarização política direita versus esquerda. É o varejo do varejo que a move”

“Cria cuervos que te sacarán los ojos” (crie corvos e eles te arrancarão os olhos) é um velho provérbio espanhol. A citação inspirou a obra-prima do cineasta Carlos Saura, que se passa em pleno franquismo. Aqui, porém, tem mais a ver com a crise entre o presidente Jair Bolsonaro e seu partido, o PSL, que ameaça implodir a legenda, quiçá o próprio governo, se o líder da bancada na Câmara, deputado Delegado Waldir (GO), nesse caso, fosse levado a sério. A sua ameaça vazou em gravação divulgada à imprensa, como vazara antes uma declaração do presidente da República articulando a substituição do líder por seu filho, deputado Eduardo Bolsonaro (SP) — aquele mesmo que o pai pretendia nomear embaixador do Brasil nos Estados Unidos — numa reunião no Palácio do Planalto com 20 deputados da legenda.

A crise começou com uma declaração de Bolsonaro de que o presidente do PSL, deputado Luciano Bivar (PE), estaria queimado, evoluiu para um questionamento sobre a transparência da gestão e uma ação de busca e apreensão da Polícia Federal na casa e no escritório do cacique da legenda. Fechou a semana com uma mudança na liderança do governo no Congresso, a destituição da deputada Joice Hasselmann (SP), que foi substituída pelo senador Eduardo Gomes (MDB-TO), e a fracassada tentativa de destituição do líder da bancada na Câmara, por meio de duas listas cujas assinaturas não atingiram o número de deputados necessários para o reconhecimento da Mesa.

Nesse bafafá, além dos vazamentos de conversas gravadas sem autorização, houve muito disse-me-disse e articulações de bastidor para destituir os filhos do presidente Bolsonaro do comando da legenda no Rio de Janeiro, no caso, o senador Flávio Bolsonaro, e em São Paulo, o deputado Eduardo Bolsonaro. No fim da tarde, Delegado Waldir tentava minimizar as próprias ameaças: “É uma fala num momento de emoção, né? É uma fala quando você percebe a ingratidão. Tenho que buscar as palavras”, disse. Ao encontrá-las, a emenda foi pior do que o soneto: “Nós somos Bolsonaro. Nós somos que nem mulher traída. Apanha, não é? Mas, mesmo assim, ela volta ao aconchego”.

A crise de Bolsonaro com seu partido parece reprise de outros momentos da história, em que presidentes eleitos numa onda antissistêmica, por pequenos partidos, sem uma base sólida no Congresso, acabaram interrompendo o mandato: Jânio Quadros, eleito pelo PTN, que renunciou em 1961, sonhando com a volta nos braços do povo, e Fernando Collor de Mello, eleito pelo PRN, que também renunciou, mas para evitar um impeachment. Ambos tiveram comportamentos histriônicos na Presidência, foram eleitos com uma narrativa de combate à corrupção, numa onda populista de direita. Os contextos, porém, eram diferentes. A eleição de Jânio foi pautada pela Guerra Fria; a de Collor, pela modernização do país após a redemocratização.

Varejo
O mais impressionante na crise de Bolsonaro com o PSL é que a disputa não tem nada a ver com os grandes temas em discussão no Congresso, nem mesmo com a polarização política direita versus esquerda protagonizada pelo presidente da República. É o varejo do varejo da política partidária que a move. Bolsonaro considera todos os parlamentares do PSL caudatários de seu próprio prestígio, porque foram eleitos pela base bolsonarista, que descarregou votos nos candidatos proporcionais que o apoiavam. Nesse aspecto, está cheio de razão. Ocorre que os parlamentares pensam diferente, descobriram seu próprio poder na convivência com outros líderes e bancadas partidárias, querem mais espaço no governo e não abrem mão de seu quinhão na partilha dos recursos dos fundos partidário e eleitoral.

Bolsonaro não desistiu de remover Delegado Valdir. O líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (GO), continua as articulações para fazer de Eduardo Bolsonaro (SP) o novo líder da bancada. A briga tem muito a ver com o posicionamento da legenda em relação às eleições municipais do próximo ano. Bolsonaro quer indicar os candidatos apoiados pelo PSL, principalmente nas capitais. A experiência mostra que esse tipo de envolvimento direto do presidente da República nas eleições não costuma dar muito certo. Nacionalizar as eleições municipais não é a tendência dos eleitores, mesmo nas grandes metrópoles. Foram raros os momentos em que isso aconteceu, como na eleição de Luiza Erundina, então no PT, à Prefeitura de São Paulo, em 1988, durante o governo José Sarney.

O maior problema é que a disputa ocorre num momento em que o governo está sem agenda no Congresso. A aprovação da reforma da Previdência deverá ser concluída na próxima quarta-feira, no Senado. Com o engavetamento da reforma tributária, o governo não sabe ainda o que fazer em termos de iniciativa legislativa. O ministro da Economia, Paulo Guedes, ontem, negociava uma pauta com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), mas foi atropelado pela crise entre seu chefe e seus correligionários. Não fossem o DEM e o MDB, principalmente, o governo estaria no sal, sem a menor governabilidade.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-cria-corvosx/


O Globo: ‘Brasil está vivendo sob o signo do ódio’, diz FHC

Tucano diz que Bolsonaro é guiado por ‘fantasmas’ e incentiva manifestações contra o governo, mas pede ‘paciência histórica’: ‘Não acho positivo propor impeachments’

Bernardo Mello Franco | O Globo

RIO — Está sobrando até para Fernando Henrique Cardoso. Aos 88 anos, o ex-presidente entrou na mira do bolsonarismo radical. Na semana passada, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, resolveu compará-lo à Aids. O tucano não quis revidar a agressão. Em entrevista, ele diz que o Brasil está vivendo “sob o signo do ódio” e precisa voltar a cultivar a tolerância. “Ainda não conseguimos entender que o outro é adversário, não inimigo”, afirma.

FH lança nesta sexta-feira o último volume dos “Diários da Presidência”. O livro relata a eleição de 2002 e a transição para a posse de Lula, seu rival histórico. Foi um processo civilizado, bem diferente do tom da política atual. O ex-presidente considera que a Lava-Jato “exagerou”, mas evita criticar a prisão do petista. Numa passagem do novo livro, ele afirma que é impossível governar o país sem “botar a mão na lama”.

Os novos diários mostram como o sr. via o Brasil de 2002. Como vê o Brasil de 2019?
Hoje nós vivemos sob o signo do ódio. Isso é ruim para o Brasil. Ainda não conseguimos entender que o outro é adversário, não inimigo. Não posso tratar o Bolsonaro como inimigo. Ele foi eleito, é o presidente da República. Eu discordo dele. Nunca o vi, nem estou pretendendo vê-lo.

Na campanha, os ânimos se acirram. Mas tem que haver um momento seguinte, em que você reduz o acirramento e busca uma convergência possível. É do jogo ganhar ou perder. O que tem que haver é lealdade com as regras. Isso não é uma coisa que tenha sido ganha no Brasil. Ainda não temos uma cultura realmente democrática.

O sr. tem sido muito atacado pelos bolsonaristas. Na semana passada, o ministro da Educação chegou a compará-lo à Aids...
A declaração dele foi tão importante que eu nem li... (Risos). Nós estamos vivendo um momento de polarização que é muito ruim. Um ministro tem que prestar mais atenção ao que diz. Temos que baixar a bola, aceitar que existem pessoas com pensamentos diferentes.

Como avalia o governo?
É cedo para um julgamento taxativo. O governo tem muitas partes. Há setores que são francamente ideológicos, veem fantasmas em todo lado. É possível que o presidente às vezes seja levado por fantasmas. Outros setores são sensatos. Não acho que os militares sejam insensatos.

É ruim o Executivo não ter uma agenda clara para mostrar ao país. O presidente tem que explicar qual é o rumo. Hoje, quando há rumo, é o rumo ideológico.

Na ditadura, você enfia a espada e faz. Na democracia, é diferente. Minha atitude era oposta à do governo atual. Eles buscam adversários até onde os adversários não existem.

Onde essa busca pelo confronto vai parar?
Não acho positivo propor impeachments. Isso desgasta o país. No caso do Lula, eu fui contrário. No da Dilma, fui muito reticente. Não é que esteja defendendo a Dilma, o Lula ou o Bolsonaro. Estou pensando no país.

Você desgasta as instituições quando a maioria ganha, mas não leva. O vice-presidente também é eleito, mas ninguém presta atenção. É preciso ter paciência histórica. Quem está contra o Bolsonaro deve manifestar que é contra. Mas não acho que seja o caso de forçar.

A democracia está em risco?
Sempre existe risco. Como dizia Octavio Mangabeira, a democracia é uma planta tenra, que precisa ser regada sempre. Se você não cultiva a democracia e a liberdade, elas morrem. A democracia não é só o formalismo, a eleição. É a crença num conjunto de valores e instituições. Essas instituições estão funcionando.

O Congresso existe, o Supremo está funcionando, a imprensa é livre. Os partidos estão meio arrebentados, mas existem. Temos que usar esses instrumentos para expressar opinião, não para acelerar o ritmo da História. O cara foi eleito.

Eu sei o que é viver num regime sem liberdade. Não é o caso atual. Você tem liberdade para concordar ou discordar do governo. Todo mundo sabe que eu não votei no Bolsonaro nem no candidato do Lula ( Fernando Haddad ), com quem me dou pessoalmente.

Muitos amigos seus tentaram convencê-lo a apoiar Haddad.
Muitos. Eu me dou bem com o Haddad, tenho uma boa opinião sobre ele. Mas naquele momento o PSDB estava em luta com o PT em vários estados. Como é que eu ia tomar posição a favor do PT?

O ministro Gilmar Mendes, que o sr. indicou ao STF, diz que Lula não teve direito a um julgamento justo. Concorda?
Acho que a Lava-Jato exagerou. Que tenha havido algum preconceito contra o Lula e contra o PT, é possível. As pessoas têm preconceito contra mim, contra você... Mas a Justiça julga fatos.

Já fui depor três vezes como testemunha do Lula, a pedido dos advogados dele. Ele foi condenado porque há fatos. Não gosto de ver o Lula preso, mas respeito a Justiça. Ele foi condenado em várias instâncias. Eu lamento. Historicamente, era melhor que não tivesse ocorrido. Mas ocorreu, o que eu vou fazer?

Em que a Lava-Jato exagerou?
Eles podem ter errado? Podem. Pode haver uma visão jacobina? Pode. Isso é bom? Não. Mas não podemos desmerecer a Lava-Jato. Mesmo que tenha exagerado aqui e ali, ela conseguiu prender gente rica e poderosa, o que é uma coisa difícil no Brasil.

Especialmente nos governos do PT, houve muita transigência no sentido de se usar dinheiro público, via empresas, para fins partidários. Isso é corrupção da democracia. Tão ou mais grave que a corrupção pessoal. É inaceitável.

O Supremo está julgando a prisão em segunda instância. Qual é a sua opinião?
A discussão é legítima, mas não acho que você deva deslegitimar toda a Justiça para libertar os que estão presos. Até porque não é só o Lula.

Não é uma decisão simples. Como está na Constituição (que ninguém pode ser considerado culpado sem condenação definitiva), é complicado.

Acho um exagero deixar os réus em liberdade depois de duas condenações. No Brasil, quem tem dinheiro sempre continuou recorrendo para não ser punido. Se os tribunais fossem mais céleres, esse problema não existiria.

O general Villas Bôas, ex-comandante do Exército e assessor do governo, voltou a tuitar às vésperas de um julgamento. Há uma pressão indevida sobre o STF?
A manifestação de militares da reserva é um alerta. Mas não vejo nenhum clima para uma convulsão social, como ele escreveu.

Nos novos “Diários da Presidência”, o sr. reclama que seu aliado José Serra não o defendeu na campanha.
Eu entendia as razões dele, o governo estava com baixa popularidade. Nunca cobrei atitudes de ninguém. Cada um tem um temperamento, vai fazer o quê? Nunca fui uma pessoa de melindres.

Aliás, gostei dessa expressão que o Sergio Moro usou (em mensagem revelada pelo Intercept, o ex-juiz diz que não queria melindrar FH na Lava-Jato). Mas não havia nada concreto que pudesse me pegar. Nunca me meti em corrupção. Não é o meu estilo.

O sr. afirma, nos diários, que é impossível governar sem “botar a mão na lama”.
Eu nunca concordei com a malandragem. Quando fui para o Senado, meus colegas da universidade diziam: “Não sei como você aguenta aquela gente lá”. Aquela gente lá é o Brasil. O Brasil tem malandro, tem esperto, tem burro, tem gente honesta. Você precisa lidar com a realidade para mudá-la. Ou você tem maioria, ou não governa.

A transição de 2002 deixou lições para a política atual?
Muitas. Foi um processo civilizado, democrático. Claro que eu queria que o Serra ganhasse. Quando o Lula foi eleito, tentei mostrar que não seria uma tragédia para o Brasil.

Mas as gravações mostram que o sr. considerava que ele não tinha preparo para o cargo.
Nunca temi que o Lula fosse fazer uma revolução. Ele não é um sujeito que quebre as instituições. Pessoalmente, o Lula é mais conservador do que eu. O que eu temia era que ele não fosse competente para fazê-las funcionar. Ele demonstrou que era competente. Eu errei na avaliação.

Lula diz que o sr. apostava no fracasso dele para voltar depois.
Nunca quis voltar ao poder. Fui presidente duas vezes, basta. Para mim e para o povo.


Fernando Gabeira: Choro sobre o óleo derramado

Inútil culpar a esquerda, que levou anos para ver o verde e deve levar séculos para ver o azul

Há três semanas ando pelas praias do Nordeste e não consigo chegar a uma conclusão sobre esse desastre. Foi relativamente fácil seguir os efeitos da mancha, no sentido norte-sul, observar seus efeitos na areia e nos seres marinhos. No entanto, é muito complicado seguir a mancha para trás, em busca de suas origens. Satélites americanos foram usados para isso e não encontraram rastros. Parece que a mancha engana satélites.

Baseado em fotos postas à disposição pelos europeus, pesquisadores da Universidade da Bahia chegaram a ver o que poderia ser uma nova mancha de 22 quilômetros quadrados a caminho da costa baiana. Essa possibilidade foi desmentida. O Ibama sobrevoou a região e não a viu. Chegou a supor que os pesquisadores se tivessem enganado, pois havia nuvens dificultando a visibilidade. A técnica usada para calcular a mancha baseia-se na rugosidade da água. A região apontada como problemática era lisa, chata. A suposição era de que o óleo dominasse a superfície.

Os americanos, ao afirmarem não ter conseguido rastrear a mancha, confirmam indiretamente a ideia de que o óleo, mais pesado, afunda e navega numa camada inferior.

Minha experiência induz a uma comparação com o desastre na Galícia, que cobri em 2003. Um petroleiro chamado Prestige derramou 770 mil toneladas de óleo na costa da Espanha. A Galícia, região cruzada por petroleiros mal equipados e semiclandestinos, já conhecera outros vazamentos.

Pode ser que isso esteja acontecendo com navios que saem da Venezuela, de onde veio o petróleo vazado. Pressionados pelas sanções americanas, fazem de tudo para escoar a produção, que, de modo geral, vai para a Índia e a China.

Barris de rejeitos foram encontrados nas praias com inscrições da Shell. Pesquisadores dizem que rejeitos e óleo derramado na praia são a mesma substância. A Marinha discorda. A Shell também desmente.

Tudo isso se passa com relativo desinteresse nacional. Deputados e senadores foram ao Vaticano e deram as costas para as praias manchadas. O próprio Bolsonaro acusou esquerda, ONU e ONGs de ocultarem o desastre por a origem do óleo ser a Venezuela.

Além de denunciar a esquerda, Bolsonaro pouco fez. Em Sergipe foi preciso uma determinação judicial para que protegessem a foz dos Rios São Francisco, Sergipe, Vaza Barris e Real, entre outros.

Embora possa haver um componente político no relativo desinteresse, vejo outras razões para ele. Há muita atenção para certos biomas, como a Amazônia, pois são vistos como decisivos para as mudanças climáticas. Ignoram-se em grande escala o papel dos oceanos e a importância das correntes marinhas no aquecimento do planeta. Num encontro internacional realizado na Inglaterra, alguns cientistas chegaram a dizer que as correntes marinhas e sua dinâmica é que iam determinar a irreversibilidade do aquecimento global.

Uma semana antes do desastre comecei a ler o livro de Rachel Carson sobre o litoral. Além de excelente escritora, Rachel Carson dedicou-se à zoologia marinha. A riqueza biológica do litoral é descrita por ela com detalhes, desde caranguejos do tamanho da unha do polegar a seres maiores, passando por medusas, nereidas, uma paisagem visual e verbalmente encantadora. Na medida em que conseguirmos transmitir a riqueza da vida oceânica, talvez o interesse aumente.

Na Galícia, em 2003, vi muitos voluntários limpando as praias. Neste desastre no Nordeste também houve movimento, crianças em Alagoas, artistas na Bahia, todos empenhados em tirar a sujeira da praia. Discussão política, requerimentos, comissões, enfim, todo o zum-zum em torno de um desastre tem o seu papel. Usar uma pá e sujar os pés é mais eficaz.

Assim como na Galícia, estamos diante de um problema internacional. Como controlar os navios bandalhas que enganam a fiscalização e descumprem normas de segurança?

Se o desastre foi mesmo provocado por um petroleiro, o que me parece mais lógico, o Brasil teria de acionar mecanismos internacionais de controle. Não fazer nada implica esperar um novo desastre, que fatalmente virá.

Ainda não sabemos o impacto real do óleo derramado. Temos as praias como alvo porque sua limpeza é essencial para o turismo. Mas há os manguezais e o consumo de crustáceos e moluscos tem um grande papel na dieta da população litorânea. Aí se joga também um jogo mais difícil: limpar os mangues demanda técnica e roupa especial. Ainda assim, é difícil.

Fico pensando num peixe-boi que é acompanhado pela Fundação de Mamíferos Aquáticos. Chama-se Astro e nada agora entre a Praia do Coqueiro e Mangue Seco, na Bahia. Astro é tão tranquilo quanto à presença humana que foi atropelado por barcos 13 vezes. Depois de escapar com vida dessas trombadas, enfrenta um novo momento. O equipamento que o monitora está coberto de óleo. Ele parece que segue bem.

Mas, sem dúvida, a vida no mar, que é o berço da própria vida, tornou-se uma aventura perigosa. O transporte clandestino de combustível é um tema que merece cuidado especial. Tende a produzir desastres.

Inúmeras vezes, entre Boa Vista e Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, parei para documentar os destroços de carros incendiados. Em geral eram de pequenos contrabandistas fugindo da polícia.

Não adianta apenas criticar a esquerda e as ONGs que cuidam mais dos biomas que estão na moda. Ou culpar a esquerda, que levou anos para descobrir o verde e possivelmente levará séculos para ver o azul.

O transporte marítimo de petróleo depende de um controle internacional das embarcações. O Brasil foi vítima. Precisa fazer algo, caso contrário as possibilidades de novo desastre aumentam. O oceano que deixaremos para as novas gerações nunca mais será o que encontramos. Mesmo assim, é preciso resistir.

 


El País: Às vésperas do afastamento de Dilma, Lava Jato rejeitou delação que prenderia Temer em 2019

Conversas no Telegram mostram que procuradoria não viu interesse público nas acusações contra então vice em 2016. “Você acha que o Supremo ia me autorizar?", se defende Janot

Duas semanas antes de Michel Temer assumir a presidência interinamente devido ao afastamento de Dilma Rousseff pelo processo de impeachment na Câmara em 17 abril de 2016, a Operação Lava Jato recebeu um "anexo-bomba" de uma delação premiada que, se aceito, poderia ter mudado os rumos da história recente do país. Conversas entre procuradores da Lava Jato no Telegram, obtidas pelo The Intercept e analisadas em conjunto com o EL PAÍS, permitem rastrear o momento exato em que a procuradoria teve em mãos informações que poderiam levar a uma investigação do então vice-presidente por suspeita de corrupção. Na época, porém, os procuradores consideraram que as declarações não atendiam ao "interesse público" e não aceitaram a proposta de delação. Mas, três anos depois, essa mesma delação foi utilizada pela Lava Jato para uma ação penal contra Temer e para pedir a prisão preventiva dele, já na condição de ex-presidente.

A delação, rejeitada em abril 2016 com anuência do Procuradoria Geral, mas que deu suporte à prisão de Temer em março de 2019, foi feita pelo empresário José Antunes Sobrinho, sócio da construtora Engevix, que relatou um pagamento de propina para Temer. As conversas no chat “Acordos Engevix” no Telegram mostram que os procuradores de Curitiba, Rio e Brasília receberam a proposta de Antunes em 4 de abril de 2016. O menção a Temer, que viria a ser batizada de “anexo-bomba” mais tarde, dizia que Antunes fez um pagamento de 1 milhão de reais para atender a interesses de Temer, como compensação por um contrato na usina nuclear Angra 3, da estatal de energia Eletronuclear.

O pagamento, segundo Antunes, foi entregue a um amigo do ex-presidente, o coronel João Baptista Lima Filho, o coronel Lima. O dinheiro não saiu direto dos cofres da Engevix para Temer, mas de uma companhia prestadora de serviço do Aeroporto de Brasília, que era controlado pela Engevix. A empresa em questão era a Alúmi. O relato não convenceu os procuradores.

No dia seguinte, 5 de abril de 2016,  eles comunicaram aos advogados de Antunes que as negociações da delação estavam encerradas. “Pessoal de BSB e Lauro, o Antunes apresentou, neste momento, mais 2 anexos. Eles estão forçando a barra aqui. Informo que a opinião de CWB é contrária ao acordo”, afirmou o procurador Athayde Ribeiro, da força-tarefa de Curitiba no dia 5 de abril de 2016. Em resposta, o procurador Lauro Coelho, da então incipiente força-tarefa do Rio de Janeiro, respondeu apenas: “Ciente do teor”.

No exato dia em que procuradores do Paraná receberam o documento da delação contra Temer, em 2016, o então advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, fazia a defesa de Dilma Rousseff na comissão do impeachment da Câmara dos Deputados. Marcelo Odebrecht já havia sido condenado pela Lava Jato e o ex-presidente Lula também fora alvo de um mandado de condução coercitiva. Temer, por sua vez, era apontado como um dos articuladores do impeachment. Neste cenário, a acusação contra ele não era um evento trivial. Naquele ano, a Lava Jato fechou pelo menos 108 acordos de delação, segundo a planilha Colaboração_Todos (19.12.2017) compartilhada no Telegram pelos procuradores. Isso sem contar os acordos de leniência com empresas.

Imagem do "anexo-bomba" da delação de José Antunes Sobrinho, sócio da Engevix, de 2016

Imagem do "anexo-bomba" da delação de José Antunes Sobrinho, sócio da Engevix, de 2016

Era um momento peculiar, o auge da operação, como relata o ex-procurador-geral Rodrigo Janot em suas memórias recém lançadas Nada mais que Tudo. “Eu só não diria que éramos mais populares que Jesus Cristo porque não quero cometer o mesmo erro de um dos Beatles, que ousou tocar em um mito religioso, sem se dar conta do peso da religião”, escreveu Janot, no livro. “O fato é que nós, procuradores, juízes e policiais, experimentávamos uma popularidade nunca vista antes no meio jurídico”, acrescentou.

Em 21 de junho de 2017, e com Temer já no poder e enfrentando problemas com Janot, o procurador Athayde Ribeiro disse nas conversas de Telegram que a menção ao então vice feita um ano antes era um “anexo-bomba”. Àquela altura, Temer já era presidente oficial desde agosto de 2016, quando o Senado confirmou o impeachment de Dilma. “Leo, so rememorando q Rj, PR e BSB ja haviam negado acordos pra Engevix e executivos. Os anexos da epoca nao se mostraram interessantes; e tb pq nao se mostraram confiaveis, tentando jogar c "anexos bomba" aos 45 do segundo tempo, tentando nos intimidar c a Veja e por n ter apresentado provas de corroboracao”, disse o procurador Athayde Ribeiro ao procurador Leonardo Cardoso de Freitas no Telegram —a grafia original usada nos chats foi preservada. A menção à Veja parece remeter, na verdade, a uma reportagem da revista Época (semanal que concorre com a Veja) que publicou em abril de 2016 as revelações que Antunes tinha em sua proposta de delação.

Do "não" documentado à volta por cima em 2018

Diante da postura de procuradores da Lava Jato de Curitiba, Brasília e do Rio de Janeiro de rejeitar insistentemente o acordo de delação premiada com Antunes em 2016, seus advogados protocolaram ainda naquele ano uma petição no Ministério Público Federal no Paraná para reiterar que o empreiteiro continuava interessado no acordo. Em resumo, os advogados de Antunes pediram que, caso a proposta fosse rejeitada definitivamente, os procuradores assumissem por escrito que essa recusa partiu deles e prometessem que eles não usariam as informações em nenhuma investigação contra o empreiteiro.

Cópia do depoimento de José Antunes Sobrinho, da Engevix, em 2018, no inquérito dos Portos.
Cópia do depoimento de José Antunes Sobrinho, da Engevix, em 2018, no inquérito dos Portos.

Em 24 de junho de 2016, o procurador Paulo Galvão compartilhou com os colegas o texto da certidão que foi entregue aos advogados. “Cumpre, preliminarmente, certificar que as negociações para eventual acordo de colaboração premiada com o réu José Antunes Sobrinho foram formalmente encerradas, consoante informado aos causídicos em reunião realizada em 5 de abril de 2016, na sede da Polícia Federal de Curitiba”, diz um trecho da certidão, que alegou genericamente “ausência de interesse público na continuidade das negociações”.

A delação de Antunes acabou retomada e homologada em 2018 por um caminho tortuoso. Temer foi delatado numa operação de enorme apelo midiático pelo empresário Joesley Batista, sócio da JBS, em maio de 2017, quando vieram à tona as conversas gravadas por Joesley em que Temer disse “tem que manter isso, viu?” depois de o empresário relatar que estava com as “pendências zeradas” com o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB), ex-presidente da Câmara e aliado de Temer que deflagrou o processo de impeachment contra Dilma.

Nessa conversa gravada, Temer também recomendou a Joesley que procurasse o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, para resolver problemas da JBS no governo. Após combinações com o empresário, Rocha Loures recebeu uma mala de propina de 500 mil reais, que, segundo Joesley e investigações da Lava Jato, eram destinados a Temer. Essa mala de dinheiro motivou a primeira ação penal apresentada contra Temer A ação penal acabou tendo a tramitação suspensa pela Câmara dos Deputados em agosto de 2017.

As conversas de Rocha Loures com representantes da JBS, no entanto, também levantaram suspeitas sobre outro assunto, de que uma nova lei para a gestão de portos brasileiros, sancionada por Temer em 2017, visava uma troca de propinas de empresas do setor portuário. Foi então que a delação da Engevix ganhou uma nova chance num inquérito sobre portos, que investigou, ao longo de 2017 e 2018, a atuação de Temer na sanção dessa nova lei do setor. A PF argumentou que o coronel Lima tinha recolhido propinas para Temer de empresas do setor portuário, da JBS e também no caso da Engevix. Antunes finalmente assinou acordo de colaboração com a Polícia Federal —e não com os procuradores diretamente— em junho de 2018, quando faltavam seis meses para Temer deixar o poder.

O inquérito dos portos motivou uma ação penal contra Temer. Quando ele deixou o Planalto e perdeu a prerrogativa de foro privilegiado, o caso da Engevix e da Eletronuclear foi distribuído para o juiz Marcelo Bretas e a força-tarefa da Lava Jato no Rio. No fim de fevereiro de 2019, já sob o Governo de Jair Bolsonaro, Antunes prestou novo depoimento a procuradores do Rio, como parte de sua delação homologada pelo ministro Roberto Barroso. Repetiu a versão apresentada em abril de 2016 da propina de 1 milhão de reais a Temer, por intermédio do coronel Lima, em troca de contrato na Eletronuclear. Acrescentou que as negociatas também envolveram seu ex-ministro Wellington Moreira Franco e o empresário Rodrigo Castro Neves (ex-sócio do ex-senador Eunício Oliveira).

Um mês depois desse depoimento, Temer foi preso preventivamente com base nesse relato e nas investigações complementares sobre como funcionou um esquema de corrupção da Eletronuclear. Já tinham vindo à tona os comprovantes bancários e e-mails envolvendo o pagamento delatado por Antunes – e os procuradores, então, foram atrás e conseguiram o depoimento espontâneo do empresário Marcelo Castanho, diretor da Alúmi, que fez o repasse de 1 milhão de reais para o coronel Lima. Para prender Temer, os procuradores também argumentaram que o ex-presidente era acusado em ações penais de ter sido beneficiário de propinas e que era investigado em outros inquéritos por corrupção. Temer ficou menos de uma semana na cadeia e hoje responde em liberdade ao processo.

Sem consistência, segundo Janot

Em entrevista ao EL PAÍS, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot defende sua decisão, em 2016, de rejeitar a delação de Antunes. Ele diz avaliar que não conseguiria apoio no Supremo Tribunal Federal para abrir uma investigação contra Temer com base no relato. “Você acha que o Supremo ia me autorizar a investigar o vice-presidente da República com algo que não era consistente?”, afirmou. Pelo cargo que ocupava, Janot foi o último responsável por rejeitar a delação da Engevix em 2016. O ex-procurador-geral reconhece que sabia da menção ao então vice-presidente na proposta de delação de Antunes, e que era “informado o tempo todo sobre a delação da Engevix”. Porém, desqualificou o delator como fonte crível, embora o empreiteiro tenha sido considerado fidedigno pela Polícia Federal, em 2018, pela ex-procuradora-geral Raquel Dodge e por procuradores do Rio em 2019.

Janot argumenta que Antunes "titubeava o tempo todo" e que o caso Engevix foi “sem importância”. "Não era acordo relevante para a gente. Tanto foi que quando teve algo concreto, [Temer] caiu. Caiu não, mas foi processado duas vezes”, disse, sem especificar o que seria “algo concreto”.

Em seu livro, Janot afirmou, de maneira errônea, que a prisão do ex-presidente foi motivada pelo caso da mala de dinheiro da JBS entregue ao ex-deputado Rocha Loures (MDB). Mas Temer, na verdade, foi preso por ordem do juiz Bretas, a pedido da força-tarefa da Lava Jato no Rio, pelo pagamento de propina da Engevix e pelas investigações do esquema de corrupção na Eletronuclear. Ao EL PAÍS, Janot admitiu que a informação em seu livro, sobre o motivo da prisão de Temer, foi um erro e que será corrigido.

Questionada sobre a razão de a delação envolvendo Temer não despertar o "interesse público" em 2016, a força-tarefa do Paraná disse que “houve consenso entre mais de 20 procuradores” a respeito". A procuradoria não respondeu por que procuradores do Rio de Janeiro usaram a mesma delação em 2019 para prender Temer. “Relatos de colaboradores avaliados como inconsistentes, incompletos ou desprovidos de provas podem ser recusados”, afirmou o MPF do Paraná em nota enviada ao EL PAÍS. Afirmaram ainda que "as forças-tarefas participam das negociações e opinam, mas a palavra final é do procurador-geral.”

Procurado, o advogado Antonio Figueiredo Basto, que atende Antunes, também afirmou que não pode comentar sobre como se deu a negociação da delação de seu cliente, pois o caso está sob sigilo. Os procuradores do Rio não quiseram comentar o assunto.

Michel Temer é réu em seis processos criminais. Ele foi absolvido sumariamente nesta semana, sem julgamento, em um desses processos, por obstrução de Justiça, justamente o que analisava isoladamente se o ex-presidente causou embaraço à Justiça quando falou “tem que manter isso” ao empresário Joesley Batista. A assessoria de Temer também foi questionada a respeito do conteúdo desta reportagem, mas até a publicação não havia respondido.

A ÍNTEGRA A RESPOSTA DA FORÇA-TAREFA DA LAVA JATO

"Na Lava Jato, a negociação de acordos de colaboração que envolvem fatos de diversas jurisdições e implicam agentes com foro privilegiado é feita por procuradores da República designados pelo procurador-geral que integram o Grupo de Trabalho vinculado ao seu gabinete, além de membros das diferentes forças-tarefas, todos com ampla experiência no assunto. As forças-tarefas participam das negociações e opinam, mas a palavra final é do procurador-geral. Em relação ao caso que é objeto de questionamento, houve consenso entre mais de 20 procuradores no sentido de que o acordo não atendia o interesse público. Relatos de colaboradores avaliados como inconsistentes, incompletos ou desprovidos de provas podem ser recusados. Eles podem ainda ser reavaliados em nova negociação de acordo, se o colaborador trouxer provas e informações complementares ou o desenvolvimento das investigações resulte na descoberta de novas evidências capazes de dar subsistência aos relatos. Em relação à notícia de pagamento a advogados de colaboradores, não comentamos sobre investigações em curso. O El País prejudica o direito de resposta ao omitir da força-tarefa o material que diz usar nas reportagens. Esse material é oriundo de um crime e tem sido usado fora de contexto e com edições para fazer falsas acusações contra a Lava Jato."

"CONCORRÊNCIA" DE DELAÇÕES QUE NÃO DARIA EM NADA

Além do empresário José Antunes Sobrinho, sócio da construtora Engevix, seu sócio Gerson Almada também competiu para denunciar Temer. Ambos passaram a negociar os acordos depois de serem presos. No Telegram, as conversas entre os procuradores mostram que os sócios apresentaram diversos anexos ao longo de meses. Almada, por exemplo, começou entregando uma proposta com oito anexos, cada um com supostos crimes cometidos por alguma pessoa ou grupo político. Ao longo da negociação, foi expondo mais as cartas de que dispunha, e terminou por entregar 30 anexos para a força-tarefa.

Foi, inclusive, Almada quem envolveu pela primeira vez, em 29 de março de 2016, o nome de Temer em supostos crimes. Porém, quando isso ocorreu, o arquivo de texto de sua proposta de delação, compartilhada no Telegram, não trouxe detalhes. Prometia apenas que posteriormente daria mais informações. Almada se limitou a dizer que manteve uma reunião com Michel Temer, “no escritório deste, para tratar de interesses da Engevix em áreas diversas da Petrobras” e que narraria "a participação do coronel Lima nos fatos".

Na época, os procuradores comemoraram a competição. "Viva a livre concorrencia!", escreveu Andrey Mendonça no chat Acordos Engevix, em 30 de março de 2016, após informação de que Antunes entregaria uma nova versão dos anexos. Cinco dias depois da primeira menção a Temer, em 4 de abril de 2016, Antunes revelaria os detalhes envolvendo o ex-presidente. Sua proposta de delação foi entregue à força-tarefa de Curitiba quando faltavam apenas duas semanas para Eduardo Cunha comandar na Câmara dos Deputados a sessão que afastaria Dilma Rousseff da presidência. O relato de Antunes poderia tumultuar a vida de Temer, mas acabou na gaveta e não atrapalhou nada.